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Professores e dificuldades do ofício: preservação e reconstrução da dignidade profissional

Teachers and difficulties inherent to the job: preservation and (re)construction of professional dignity

Resumos

Os professores enfrentam dificuldades geralmente agrupadas sob a denominação vaga de "mal-estar docente". O artigo descreve e analisa, à luz de uma sociologia pragmática, como eles procedem diante da introdução de novas normas de trabalho. Utilizando a resistência, ajustes, astúcias e diversas estratégias, tentam construir o sentido do ofício e sua própria dignidade e, ao mesmo tempo, "salvar a pele". A pesquisa etnográfica, suporte do artigo, mostra que a gestão das dificuldades está na essência do ofício.

professores; trabalho; sociologia; profissionalização


Teachers face difficulties that are often lumped together under the vague heading of "teaching malaise". This article describes, in the light of a pragmatic sociology, the analysis of how they cope with the introduction of new working norms. Using resistance, adjustments, cunning and a range of strategies, they try to build the meaning of the job and their own dignity, while simultaneously "saving their skin". Ethnographic research, the underpinning of this article, shows that managing difficulty lies at the heart of the job.

teachers; labour; sociology; profissionalization


TEMA EM DESTAQUE

TRABALHO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Professores e dificuldades do ofício: preservação e reconstrução da dignidade profissional

Teachers and difficulties inherent to the job: preservation and (re)construction of professional dignity

Françoise Lantheaume

Socióloga, maître de conférences da Universidade de Lyon. Laboratoire EA Éducation, Cultures et Politiques (Lyon 2 - IFE/ENS - U. St Etienne) francoise.lantheaume@univ-lyon2.fr

RESUMO

Os professores enfrentam dificuldades geralmente agrupadas sob a denominação vaga de "mal-estar docente". O artigo descreve e analisa, à luz de uma sociologia pragmática, como eles procedem diante da introdução de novas normas de trabalho. Utilizando a resistência, ajustes, astúcias e diversas estratégias, tentam construir o sentido do ofício e sua própria dignidade e, ao mesmo tempo, "salvar a pele". A pesquisa etnográfica, suporte do artigo, mostra que a gestão das dificuldades está na essência do ofício.

Palavras-chave: professores; trabalho; sociologia; profissionalização

ABSTRACT

Teachers face difficulties that are often lumped together under the vague heading of "teaching malaise". This article describes, in the light of a pragmatic sociology, the analysis of how they cope with the introduction of new working norms. Using resistance, adjustments, cunning and a range of strategies, they try to build the meaning of the job and their own dignity, while simultaneously "saving their skin". Ethnographic research, the underpinning of this article, shows that managing difficulty lies at the heart of the job.

Keywords: teachers; labour; sociology; profissionalization

Cada um de nós é múltiplo em si próprio, é numeroso, é uma proliferação de si mesmo.

(F. Pessoa, O livro do desassossego)

O "DESASSOSSEGO" PROFISSIONAL DOS PROFESSORES DIANTE DAS NOVAS NORMAS DE TRABALHO

O "MAL-ESTAR DOCENTE" é tema de discursos públicos e midiáticos há mais de dez anos. O ministro da Educação Nacional, Xavier Darcos, referia-se a ele em 2007, ao fazer um balanço da profissão em um relatório para o candidato à eleição presidencial Nicolas Sarkozy. Esse "mal-estar", noção um pouco imprecisa para que possa ser investida de conteúdos variados, foi amplamente associada ao corporativismo dos professores, que seria sinônimo de imobilismo, ou mesmo de arcaísmo. Resistentes às reformas e desestabilizados pelas transformações da sociedade e pelas novas expectativas em relação ao sistema educacional, eles não seriam capazes de responder à evolução dos saberes, das famílias e da juventude, nem de enfrentar os seus males (violência, consumismo, individualismo, etc.). Como decorrência, sofreriam desse famoso "mal-estar" que não se sabe se tem a ver com o desalento ou com a crise cardíaca profissional.

A crítica dos últimos anos à falta de eficácia do sistema educacional francês e, portanto, de seus agentes, persiste, sobretudo quando não divulgados os resultados das pesquisas internacionais. Contudo, os pais e as autoridades políticas não querem apenas que os professores sejam mais eficazes em matéria de desempenho dos alunos; esperam também que favoreçam seu desabrochar pessoal, a construção de sua personalidade e sua inserção profissional (DEROUET, 1992). Essas múltiplas expectativas correspondem a concepções diferentes do que deveria ser uma boa escola, o que gera tensões no trabalho, dilemas.

Para melhorar o sistema educacional francês em relação aos padrões internacionais e às políticas que visam a "diminuir" o Estado, políticas educacionais de inspiração mais ou menos liberal, estabeleceram a partir dos anos 1980, certa desregulamentação e concorrência entre escolas dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio (VAN ZANTEN, 2004). Entre as consequências desse processo, a introdução de lógicas contraditórias na escola (escola de massa versus escolas de formação das elites, lógica cívica meritocrática versus eficácia mensurável ou lógica de mercado) criou conflitos entre elas. Reformas sucessivas resultaram na intensificação do trabalho e na diversificação das tarefas, transformando as normas profissionais do ofício de professor. Essa situação é fonte de novas provas [provações]. Hoje, o trabalho do professor caracteriza-se pela capacidade de justificar sua ação, de agir na incerteza. Essas provas de ação ligadas à incerteza põem em questão a concepção do ofício e sua ética. São "provas de dignidade" no sentido que a qualidade dos seres está em jogo com uma questão moral, impondo a justificação de suas escolhas em relação a uma concepção do que é certo ou um bem comum. Mas podem ser também "provas de força", sem referência a princípios, sem necessidade de justificativa generalizável, incrustadas no singular, no local (BOLTANSKI, THEVENOT, 1991; BOLTANSKI, CHIAPELLO, 1999).

Os professores se sentem hoje coletivamente rebaixados, "menores" do que eram, e, individualmente, uma dificuldade profissional não superada deixa-lhes a impressão de perderem a própria dignidade. Essa dignidade social e simbólica é constituída pelo sentimento de exercer um ofício que tem valor e é útil à sociedade, pela consciência de se inscrever em uma história e de participar dela, de ser reconhecido como qualificado e competente, de possuir a autonomia, exigida pela responsabilidade. Na conjuntura atual do ofício de professor, o sentido do trabalho bem feito está por ser reinventado em função da nova conjuntura, mas o ofício, tal como foi construído, nem sempre oferece os recursos necessários, e as condições de sua atualização não correspondem às necessidades (controvérsias, trabalho coletivo, formação continuada, tempo disponível). Em resposta a essa situação, comum aos países europeus, a qual leva a uma espécie de desprofissionalização (MAROY, 2006), os professores, na França, reagiram fazendo mobilizações reivindicatórias para denunciar o agravamento de suas condições de trabalho. O fato de terem sindicatos forte quando comparado a outros setores de atividade, confirma aos olhos da opinião pública a força de um grupo profissional que é, ao mesmo tempo, criticado pelos privilégios de que usufruiria (estabilidade no emprego e licenças) e posto em questão pela autonomia de que dispõe.

O que ocorre, no entanto, do ponto de vista dos professores? Fizemos uma pesquisa em três tempos: com profissionais em contato com professores ditos "em dificuldade" (entrevistas individuais); com professores, por meio de pesquisa etnográfica, durante um ano letivo em sete colégios e liceus1 1 Os colégios correspondem ao ensino fundamental do 6º ao 9º ano e os liceus, ao ensino médio no Brasil. situados em quatro circunscrições (estabelecimentos com características sociogeográficas heterogêneas); e, finalmente, por meio de um questionário dirigido a todos os professores desses estabelecimentos2 2 Pesquisa realizada no âmbito de um convênio com a Mutuelle Générale de l'Éducation Nationale - MGEN. . Mais de uma centena de entrevistas formais (individuais ou coletivas) e inúmeras discussões informais dentro dos estabelecimentos constituíram os dados etnográficos, alimentados igualmente por observações, programadas ou não. A análise reportou-se às dificuldades e provas com que se deparam esses professores, às suas consequências e ao tratamento a que os submete (ou não) a instituição, bem como às maneiras como os professores as enfrentam. Revelou-se um "sofrimento básico" que se manifesta quando a impotência de agir engendra o sentimento de não saber mais o que significa fazer bem seu trabalho, introduz a dúvida sobre sua utilidade e sobre suas próprias competências (LANTHEAUME, HÉLOU, 2007; 2008). Quando os professores vivenciam a experiência de ter de encontrar por si sós as soluções que eles têm dificuldade de estabelecer, é que aparecem o desgaste moral e, às vezes, diversas patologias. Apenas com o diagnóstico médico se permitem dizer que "a coisa vai mal", mostrando assim o quanto eles próprios percebem o sofrimento no trabalho como ilegítimo. Vivido geralmente como fracasso pessoal, este é acompanhado quase sempre de um sentimento de vergonha e silêncio. A instituição não é identificada pelos professores como um recurso confiável e, nesse caso, eles tendem a se reportar aos colegas nos quais confiam, o que a pesquisa por questionário confirmou. Contrariamente à opinião majoritária dos especialistas (recursos humanos, inspetores, médicos, assistentes sociais, diretores de escolas) em contato com professores "em dificuldade" e que têm como missão identificá-los, ajudá-los, e às vezes aprovar o que estão fazendo, as dificuldades dos professores estão ligadas muito mais ao ambiente de trabalho do que a transtornos pessoais que eles levariam para a sala de aula.

Todos os professores que concordaram em falar do seu trabalho lembram esses momentos em que "a coisa desanda", em que não sabem mais o que fazer, em que estão esgotados, não veem mais a utilidade de seu trabalho e reconhecem a enorme distância entre seu envolvimento com o ofício e os resultados dos alunos, sem falar do parco reconhecimento do trabalho. Eles experimentam uma permeabilidade crescente entre os universos profissional e pessoal, vivida de modo tão mais pesado quanto mais difícil é o contexto de trabalho ("levo os problemas da classe para casa", diz um professor). Em caso de conflito com alunos ou com um diretor de escola, isso acaba logo virando obsessão, ruminação e angústia. Há também a dificuldade observada de arbitrar entre as diversas tarefas (ensino, ajuda à orientação, projetos, avaliações, encontros com os pais, apoio, negociação com parceiros, etc.) e entre os diferentes critérios de validação (resultados nos exames, socialização escolar dos alunos, pertinência de seus projetos de orientação, qualidade da comunicação com os pais, etc.). Tendo de ser eficazes em todos os campos, eles não reconhecem suas competências. Além disso, certas tarefas os colocam em concorrência com outros profissionais e sob o olhar direto da hierarquia local. Essa situação é vivida como uma fragmentação do ofício, uma perda de autonomia e de qualificação, uma degradação do trabalho.

Embora os professores enfrentem geralmente essas diversas dificuldades a maioria continua, contudo, sentindo prazer em ensinar. E nós estamos interessados nas maneiras pelas quais eles superam as provas do ofício. Além do protesto coletivo organizado pelos sindicatos ou das articulações pontuais contra políticas que agravariam a dureza do ofício, outros modos de ação foram observados no plano local, individual ou coletivo. Para apreender esses modos, nós nos centramos no relato e na observação de provas que perturbam a ordem relativa e tornam visível a construção de uma nova ordem relativa à prescrição e às regras do ofício. Elas questionam a coerência das escolhas pragmáticas com as intenções da pessoa, com o que ela é, com seus valores, como também com os objetivos e os valores da instituição (WELLER, 2002). Estávamos interessados naquilo que a ação racional e a ação de orientação normativa comportam do agir criativo (JOAS, 1999) em uma conjuntura de redefinição das normas do trabalho, e observamos em que esse agir podia constituir uma resposta às dificuldades do ofício.

No estado de "desassossego" permanente, que se tornou a marca do ofício de professor, os profissionais encontram soluções para os problemas a que estão expostos. Soluções no dia a dia visando a controlar as situações, restaurar uma autoestima maltratada, compensar uma perda de energia, certo desengajamento e falta de reconhecimento. Algumas são defensivas, servem apenas para "salvar a pele", enquanto outras correspondem a uma tentativa de construção do sentido do ofício e à renovação do prazer de exercê-lo. Entre as soluções mais significativas e mais utilizadas, distinguem-se diversas formas de resistência, a introdução de variações na atividade, astúcias para trabalhar bem apesar de tudo e reafirmar ou atualizar o sentido do trabalho, estratégias de "fuga" e um agir coletivo criador, para trabalhar melhor, suportar as dificuldades do trabalho de ensino, reconstruir uma dignidade perdida.

RESISTÊNCIAS E ADAPTAÇÕES

A resistência diante das dificuldades do ofício apareceu como uma modalidade de ação que assume diversas formas. Assim, há reações locais, coletivas ou individuais, a injunções, a situações de trabalho problemáticas segundo os professores. O boicote a algumas tarefas (registro de notas das avaliações nacionais, reunião organizada pela direção, por exemplo), a pretexto de que elas não correspondem ao que está previsto na definição de seu estatuto, é a forma radical que adquire a conflituosidade. Esse caso é típico de um estabelecimento em que as condições de trabalho e as relações interpessoais estão degradadas, apesar de ter um público medianamente heterogêneo, e às quais se soma um antagonismo antigo entre grupos defensores de concepções diferentes do ensino, oposição reatualizada e agravada pelo modo de gestão. Bem mais frequente, outra forma de resistência observada tem mais a ver com a arte de frear em relação as demandas vistas como uma aceleração do ritmo. Assim, quando se trata de atender a um pedido dos pais para aumentar o número de avaliações, alguns professores, sem recusar explicitamente, limitam-se a desmembrar as notas atribuídas aos deveres programados ou, no caso de exames simulados, negociam para que sejam organizados em seu período de serviço, e não fora dele. Do mesmo modo, para tarefas que não constam das obrigações estatutárias e cuja organização parece inadequada (é o caso, em vários estabelecimentos estudados, do apoio aos alunos em dificuldade), os professores as deixam de lado porque acreditam já estar sobrecarregados de trabalho ou, quando são forçados por uma política local muito persuasiva, garantem apenas o mínimo. Essa forma de "arrastar os pés", de realizar a minima prescrições que, por diversas razões, se chocam com sua concepção do ofício e agravam as condições de trabalho, está tão banalizada que é exposta abertamente. Tal forma de resistência evita o confronto e a prova de ter de justificar, sem com isso constituir uma solução para o problema; sua apresentação pelos professores como uma solução "normal" testemunha uma prática e uma tolerância coletivas.

Algumas estratégias defensivas em nível coletivo agem sobre as relações de trabalho. Assim, a prática de atribuir classes e horários mais problemáticos aos novatos denota uma falha de regulação coletiva e uma proteção individual que se tornou prioritária. Há também práticas que parecem uma espécie de catarse coletiva. Os momentos e lugares informais são as ocasiões privilegiadas para isso, como descreve este professor com dez anos de trabalho, três dos quais no colégio Bellevue, estabelecimento urbano com um público heterogêneo e um corpo docente mais unido:

Na cantina ou no intervalo do meio-dia, são momentos em que se deveria fazer cortes e... às vezes há corte, às vezes não há corte, há informações completamente anódinas que circulam e depois há outras que são... a tendência vai ser a gente descontar em uma classe, em um aluno, na administração...

A sala dos professores, assim como a sala de repouso das enfermeiras estudadas por Pascale Molinier, é o principal lugar de descarga, lugar da queixa, cuja função socializadora foi revelada pela pesquisa. A queixa centrada nos outros (alunos, pais, "administração") constrói um falso acordo, na falta de debates potencialmente mais conflituosos sobre "como fazer" para realizar um bom trabalho. A descarga é também uma garantia de saúde mental: externalizando as causas dos problemas encontrados, compartilhando os sentimentos negativos, desdramatizando-os por um relato às vezes exagerado - o que ajuda a rir -, os professores se libertam de um sentimento opressivo de responsabilidade, ou mesmo de fracasso.

A resistência pode ser entendida também no sentido de que o professor deve endurecer em razão das demandas contraditórias, das injunções paradoxais, das agressões e das decepções. "É preciso se blindar", diz um professor. Entre o ideal do ofício e a realidade, um princípio de prudência para resistir supõe que o professor cuide de não se "aprisionar" desde os primeiros anos, pois um envolvimento muito forte esgota e deixa um gosto amargo em razão da distância entre as expectativas e a realidade. Com a ajuda da experiência, os professores adquirem uma resistência diante da incerteza, da adversidade e da dúvida. Essa resistência passa também pela capacidade de "tomar para si", de suportar os imprevistos do trabalho e ter uma força moral que torne possível "fazer que", isto é, continuar trabalhando apesar das dificuldades. Isso significa renunciar ao ideal do ofício aceitando as condições práticas nas quais trabalha, mas também, em muitos casos, "fazer como se" até a negação do problema, ou na expectativa de que haja uma saída mais favorável. Simultaneamente sinais de impotência e manobras defensivas, essas atitudes participam da necessidade de salvar as aparências e revelam um mundo no qual se amplia o fosso entre a organização do trabalho prescrita e sua realidade, entre decisores e práticos (MARTUCCELLI, 2006). Quando, após o relato de uma situação ou de condições de trabalho difíceis, o entrevistador pergunta "Como você faz para suportar isso?", as respostas podem se assemelhar às destes dois professores em fim de carreira. A primeira resposta é de uma professora de Letras, com longa experiência em educação prioritária, mas que não está muito satisfeita nesse estabelecimento pouco dinâmico; a segunda é de um professor de História e Geografia e, também, sindicalista um pouco isolado que costuma interpelar seus colegas sobre sua posição de "juiz e parte" em conselho de classe, um "verdadeiro sofrimento", diz ele. A professora leciona no colégio Langevin, situado em uma rede de educação prioritária, de pequeno porte, em fase de desaceleração, que está condenado a fechar. O professor trabalha há quinze anos no colégio Bellevue: "A gente cede [...] para mim, sim, e depois, mesmo com pequenos clarões de esperança, eu pedi minha transferência e vou embora. [...] porque três anos, três anos, é o suficiente para mim...". Lembrando um diálogo com o diretor da escola, o segundo professor conta o que lhe disse: "Mas você sabe, eu sou VELHO, estou NO LIMITE, nós somos IMPOTENTES, nós somos INCAPAZES de, etc., etc.". E acrescenta um pouco mais adiante: "Agora, digo a mim mesmo: 'Bom, aceite o sofrimento com resignação' [...]. Lá, eu aceito meu sofrimento com resignação".

Ceder, aceitar o sofrimento com resignação... Admite-se isso na expectativa de uma eventual solução. Na falta de uma saída imediata, é preciso se conformar com uma situação problemática. Essa atitude pode incutir a convicção de que a insatisfação não é fatal, que é possível agir aqui e agora. E, na falta de perspectivas de resolução dos problemas, não resta senão a fuga (aqui, a transferência). Quando a ação para enfrentar a dificuldade no trabalho parece impossível, o último recurso é suportar a insatisfação, endurecer.

"Tomar para si", no entanto, também faz parte das competências profissionais, no sentido que o domínio das próprias emoções é uma exigência do ofício; e fracassar se afigura como algo pessoal. Replicar um insulto com outro, ou mesmo com uma agressão física, é uma falta profissional. Em razão do comedimento que o professor deve demonstrar, ele pode ter a impressão de ceder nos princípios para preservar um mínimo de paz na classe, fingindo não ver ou não ouvir. É uma saída para criar condições ao bom andamento da aula, ou para escapar ao confronto. "Tomar para si" é também uma competência profissional que se trabalha, que se adquire pela experiência e pela reflexividade sobre a própria ação. A profissionalização da competência de "tomar para si" representa uma saída para os professores. Recusá-la expõe à personalização do problema; é a pessoa do professor que se põe questão em caso de dificuldades, dificultando a clivagem protetora entre a dimensão pessoal e profissional. E a permeabilidade entre os universos profissional e pessoal, quando é sentida como uma invasão desagradável, é fonte de sofrimento no trabalho.

Outra forma de resistência está relacionada ao que se poderia qualificar como uma "adaptação criativa"; trata-se de diversas formas de relativização operadas pelos professores. A relativização muda a ordem de medida da situação, estabelece equivalências entre elementos antes qualificados por grandezas diferentes. Por exemplo, entre os resultados dos alunos e sua situação social. Assim, para suportar o fracasso escolar e o sentimento de impotência que o acompanha, os professores modificam a ordem de responsabilidades: "o sistema", a origem cultural do aluno, a sociedade, a televisão, etc. são apontados como responsáveis pelo fracasso escolar. Para salvaguardar a autoestima, há uma externalização das responsabilidades, que é uma forma de tornar suportável a constatação reiterada de uma conexão improvável entre o engajamento do professor e os resultados dos alunos. A relativização é uma maneira de "salvar a pele" e de lutar contra o sentimento de inutilidade social e de impotência pedagógica, particularmente para os professores que trabalham com alunos do meio popular. Nesse sentido, é uma saída para as dificuldades profissionais. Ela registra a imprevisibilidade dos resultados da ação, pelo fato de escapar, em parte, ao efeito de sua atividade. Outra maneira de relativizar consiste em tirar proveito de um julgamento que seria compartilhado pela profissão, a fim de banalizar as dificuldades e reconduzi-las à prática normal e rotineira do ofício. Uma vez que todos os professores passam pelas mesmas dificuldades, a responsabilidade de cada um é atenuada. A relativização opera também na comparação entre colegas: a incapacidade de estar à altura do ideal do ofício, mal-assimilada pelos professores, é relativizada quando se percebe que os colegas não fazem nem melhor nem pior. É um meio de reavaliar o valor da própria prática.

A resistência, contudo, pode ser também uma via de adaptação às novas normas de trabalho. Ela afeta todas as dimensões do ofício: os saberes (escolha de temas intelectualmente ou pedagogicamente mais interessantes); os dispositivos pedagógicos (classes, disciplinas) apropriados; as relações profissionais. Negociar a ordem escolar e construir uma disciplina pragmática, não muito difícil no âmbito relacional, faz parte dos ajustes. O essencial da solução para as dificuldades no ofício consiste nessas múltiplas transgressões que, de fato, são erigidas em norma e, ao mesmo tempo, enfraquecidas no discurso coletivo. Para perceber o sentido desse processo, que alia resistência e adaptação, a noção de apathy, desenvolvida por Albert Hirschman (1970), como uma das atitudes em caso de descontentamento, pode ser mobilizada, mas seguindo a interpretação proposta por Guy Bajoit (1988): a apatia como forma de adaptação. Adaptar a regra, modificá-la, relativizá-la, reinterpretá-la, criar outras regras, negociar as situações e as normas em uma perspectiva pragmática, eis uma das principais saídas dos professores perante as provas do trabalho. Certos ambientes (anômicos ou conflituosos) ou certos momentos da vida profissional (início e fim de carreira, momentos de desligamento pontual ou de desgaste, etc.) são mais propícios a isso, mas a generalização é sua principal característica.

VARIAR A INTENSIDADE DO ENVOLVIMENTO E DAS ATIVIDADES

O investimento no trabalho aparece como uma variável de ajustamento e uma das saídas para as dificuldades do ofício. Criar ciclos de envolvimento e de desengajamento no trabalho é uma solução para ficar e ter prazer em ensinar. A pesquisa mostrou que, no interior dos ciclos descritos na escala de uma carreira por Michael Huberman (1989), encontram-se ciclos mais curtos: durante um ano letivo, uma sequência pedagógica. Eles são os meios para os professores se colocarem em uma espécie de stand by ou em uma atividade de menor intensidade, que proteja contra o superaquecimento de uma polivigilância de todos os instantes ou de um comprometimento esgotante.

A variabilidade também afeta o conteúdo da atividade. A busca permanente de melhoras (renovar suas aulas, seus exercícios) faz parte de uma ética do trabalho docente e manifesta o respeito aos alunos. Mediante esse esforço, opera-se a própria valorização aproximando-se do ideal do ofício, inscrevendo-se em sua história e na ideia do belo trabalho; é também viver seu ofício de forma criativa. Propor inovações supõe um tempo de trabalho e um investimento importantes. Sua introdução visa a encontrar um modo de interessar os alunos facilitando o trabalho dos professores e aumentando sua satisfação profissional. A variação dos conteúdos e dos dispositivos é dirigida ao nível de interesse dos alunos, segundo o professor que trabalha no colégio Hampton, estabelecimento situado no perímetro urbano de uma pequena cidade:

Tenho uma sequência de aulas que se mantém há três anos, desde os novos programas. Não se pode modificar o programa cronologicamente falando, mas pode-se variar em função dos alunos e de você. [...] Depois, mesmo para você, há aulas que rolam sozinhas, aquelas em que não me faço muitas perguntas. Você não as modifica ou as modifica um pouco, na medida em que percebe que a coisa está emperrada.

Ferramentas e atividades fora da classe também podem ajudar a contornar situações problemáticas, ao mesmo tempo em que constituem suportes para estratégias de aprendizagem:

Quando sinto que já começa com agitação, que não vou conseguir passar o que pretendo ou que a coisa não vai bem, que os alunos não assimilaram bem, a gente sabe que com o retro [projetor] dá para fixar. (Professora de inglês experiente, colégio Bellevue)

Primeiro, vamos ao Tribunal do Júri, e depois há toda uma ação, visitamos um juiz de menores, um advogado, fomos a presídio também, nos encontramos com o diretor. Isso é uma coisa que lhes interessa em princípio. (Professora de Francês, colégio Langevin)

Essa variação de atividades desperta o interesse tanto do professor quando dos alunos, um participando do outro. Variar os dispositivos, os conteúdos e os procedimentos é a garantia de se manter e de manter os alunos em alerta. O caráter novo ou original de uma atividade é uma escapatória ao tédio e à desordem, ao mesmo tempo em que visa a maior eficácia. A importância desse processo é destacada pelo fato de os professores gostarem de descrever seu trabalho com base nessas atividades, embora elas representem uma parte marginal de seu tempo. A disposição de espírito e a energia exigidas para criar essas atividades se tornam atributos que valorizam o trabalho. Nessa medida, as novidades cotidianas, que são o ordinário do trabalho docente, constituem meios de lutar contra um sentimento de desqualificação e de provar sua profissionalidade. Outra característica dessas atividades que quebram a rotina é que elas são experimentadas como projetos com grande autonomia, projetos que reaproximam do trabalho como "obra" e o tornam uma fonte de prazer. Além disso, o projeto tem uma temporalidade definida por aquele que o conduz, enquanto o trabalho docente é cadenciado antes de tudo pelo calendário institucional. O tempo do projeto substitui a agenda do tempo escolar. Contudo, trata-se de projetos limitados, sobre os quais os professores têm domínio, ao contrário dos projetos institucionais, nos quais raramente se encontram.

Os professores também conhecem a forma de dar aula com o menor esforço. Mas logo se cansam disso e, às vezes, também preferem trabalhar de maneira diferente, embora esse modo de ação não seja sempre possível, pois exige demais. Quando o cansaço toma conta, a aula tradicional é um meio de limitar seu envolvimento, com o risco de... se aborrecer:

Eu estava cansado, eu disse "Bom...", era uma sexta-feira à tarde, "Vou dar uma aula tradicional no quadro", dei uma aula de gramática no quadro, impecável. Todos ficaram calmos. Eu fiquei entediada como todos. Depois, não deu em nada, eu testei mais tarde. (Professora de Letras experiente, Bellevue)

Apesar das vantagens das práticas rotineiras, os professores preferem, em geral, casar as duas estratégias, o que permite permanecer no ofício: a microinovação salvaguarda o interesse intelectual do ofício, mantém o pensamento ativo, é fonte de prazer no trabalho e impede de se deixar abater: "É preciso acreditar nisso também, justamente para poder criar, para conseguir interessar os alunos, para criar esse clima de confiança. Se nos abatemos, se nos deixamos abater, somos engolidos" (jovem professor de Letras, Bellevue).

Aguentar, não se abater, lutar contra o "processo de apropriação pessoal do fracasso" (MARTUCCELLI, 2004) correspondem a uma fonte moral ligada à consciência de sua força e à autoestima. Investir em micromodificações da atividade é uma forma de não se abater, de se manter de pé. Descrito como uma condição de sobrevivência no ofício, é menos o investimento pedagógico em si mesmo que a convicção moral de sua força que dá suporte ao professor. Essa força moral, fundada no sentimento de utilidade social e de fazer um bom trabalho, nunca se estabelece definitivamente, mas se constrói nas situações, e daí sua fragilidade. Essa constatação provoca, particularmente nos professores jovens, a angústia de não conseguir permanecer no ofício (RAYOU, VAN ZANTEN, 2004). A variação dos modos de envolvimento e de atividades constitui uma saída para essa inquietação.

UMA INVENTIVIDADE ASTUCIOSA

A inteligência astuciosa manifesta-se em situações em que as rotinas habituais são insuficientes (DEJOURS, 1993). A astúcia, nesse caso, mobiliza a engenhosidade para fazer um bom trabalho. É uma solução original para um problema novo que pegou despreparada a organização do trabalho. A engenhosidade é própria a cada indivíduo e demonstra sua virtuosidade (Dodier, 1995). Ela possibilita a construção de meios de controlar uma situação que parece inapreensível, transforma o ambiente de trabalho (BESSY, CHATEAURAYNAUD, 1993). O professor recupera assim o poder de agir (CLOT, 2008) que acreditava perdido, mas é preciso ainda que a astúcia seja justificável em relação à ética profissional e aos objetivos da prescrição, para não cair em uma estratégia defensiva que, certamente, pode escapar das regras comuns, mas com o risco de desvios perigosos para os indivíduos e os coletivos e de perda do sentido do trabalho (LANTHEAUME, 2007). É a posteriori que os professores descrevem essas situações, ao mesmo tempo extraordinárias e cotidianas, e a sua ação; quando estão seguros de que não fizeram "qualquer coisa", graças a um trabalho reflexivo posterior e após conversas com colegas. Os exemplos, muitas vezes observados ou relatados, de situações vividas como de alto risco, nas quais o professor é desestabilizado por um ou mais alunos, por um acontecimento inesperado, mas consegue reverter a situação de um modo original, são a prova disso. Essa forma de engenhosidade destaca a capacidade de descobrir e criar novos recursos, de recorrer a um amplo leque de registros de comunicação (verbal, não verbal), de manifestar autonomia no trabalho. É uma resposta virtuosa à dificuldade e fonte de prazer, de eficácia e de reconhecimento que melhora a reputação profissional. Juntamente com a responsabilidade, está no centro da definição identitária dos professores, na origem de uma grandeza simbólica e da satisfação profissional. Além disso, compartilhada, permite alimentar o repertório coletivo do que se considera uma boa prática, renovando assim o exercício do ofício por todos os "truques" do calor da ação e que, depois, são validados pelos colegas. Por todas essas razões, a astúcia pode ser uma saída em face das provas do trabalho.

UM MODELO DE FUGA: UMA QUESTÃO DE DISTÂNCIA

O modelo da fuga está muito presente na forma pela qual os professores têm de gerir suas dificuldades. Não se trata, em geral, de uma fuga que suprime os problemas; eles os deslocam e, deslocando-os, resolvem-nos ou os superam. Esse deslocamento provém essencialmente do deslocamento do professor, que introduz uma nova distância em relação ao seu envolvimento no trabalho e à dificuldade encontrada. A criação de uma nova situação de trabalho é a forma mais frequente: mudança de classe, de estabelecimento, de disciplina de ensino, de ofício (mas permanecendo no ensino oficial) são os casos mais comuns. A demissão do ensino oficial é excepcional. Essa maneira de introduzir a mudança renova o interesse do trabalho, escapando do que se tornou sinônimo de abatimento, impotência, ou mesmo fracasso profissional ou aversão ao ofício. A evolução de carreira do colégio para o liceu, as mudanças de classe de início de ciclo para as classes de fim de ciclo (ou o inverso), a relativa especialização em tipos de atividade centradas na transmissão de saber ou paraescolares (projetos didáticos ou culturais, viagens escolares, etc.) comprovam isso, assim como as requalificações (mudança de disciplina, de função). A transferência é apresentada, geralmente, como a ocasião de um novo começo, de uma retomada do interesse profissional. Os professores utilizam ainda as possibilidades de mobilidade interna ou de evolução de suas funções (professor principal, conselheiro pedagógico, tutor, formador, etc.) para melhorar sua relação com o ofício, para progredir. Eles descrevem essa estratégia de forma positiva e destacam o peso do ambiente de trabalho: "em dificuldade" aqui ou com essa ou aquela classe, já não estão mais em outros lugares, com outros alunos, outra direção, outros colegas; aqueles que tinham a impressão de "vegetar" dizem se sentir "reviver".

O descomprometimento constitui outra figura da fuga, mas é um descomprometimento relativo, pois a situação de estar na frente dos alunos não tolera um descompromisso completo, a menos que se assuma um risco inevitável. O descomprometimento afeta algumas tarefas ou alguns conteúdos de ensino. Também pode ser compensado por outro envolvimento, em outro lugar. Muitos professores têm outra atividade (geralmente voluntária), paralelamente ao seu ofício, que ocupa um lugar importante em sua vida: formação, atividade associativa, criativa, esportiva, sindical ou política. Para eles, essa é a oportunidade de encontrar novos recursos, de suportar melhor as tensões do ofício, de continuar ensinando com prazer ou de reencontrar esse prazer. Escapar da dupla exigência do ofício, disciplinar grupos e comprometê-los na atividade de aprendizagem, é um meio de evitar a insatisfação profissional, como explica este professor experiente:

Se a gente não tem nada paralelo e a coisa vai mal no trabalho escolar, pode explodir. Ao contrário, se a gente tem atividades externas, isso pode ajudar a passar por cima. [...] Por isso, acho que é necessário ter essas atividades anexas. A mim, isso me ajuda, e isso ajuda também as pessoas que participam, e elas dizem isso. (Professor de Matemática, colégio Hampton)

Essas atividades também proporcionam aos professores um reconhecimento raro dentro do ensino oficial. Com isso, reencontram uma dignidade que se estende ao seu trabalho. Elas lhe dão oportunidade de trabalhar com adultos e de "sair um pouco da bolha", do "enclausuramento da grande casa". São ocasião de uma tomada de distância, de comparações com outros mundos, de enriquecimento de seu repertório de ação. Ter um pé em vários mundos os valoriza, na medida em que desempenham eventualmente um papel de passadores e de tradutores de recursos vindos de outros lugares. Exemplo, entre outros, este professor de Educação Física, em meio de carreira, trabalhando há cinco anos na escola, descreve o processo que oscila entre tomada de distância e proximidade, ambos necessários ao equilíbrio pessoal e profissional:

Fora de minha atividade profissional, faço jornalismo. Colaboro com revistas de "vela e viagens". Então, escrevo artigos para essas revistas, artigos mais fotos. Minhas fotos estão em uma agência. São distribuídas por uma agência. Por isso, minhas férias, eu passo velejando e descobrindo recantos, cruzeiros e preparando um artigo. [...] eu me perguntei se não ia acabar no jornalismo, mas o ofício de professor me agrada. Sinto necessidade de compartilhar, sinto necessidade de ter contatos, sinto necessidade de ensinar. É o contato com universitários ou alunos. Para mim, ensinar me convém inteiramente. O que eu gostaria depois é lecionar para universitários. Portanto, mudar de público. (Colégio Langevin)

O investimento externo, ao oferecer a oportunidade de se descentrar do ofício, de relativizar as insatisfações ou dificuldades dele, cria um novo equilíbrio, permite continuar exercendo a atividade de professor. Ao contrário, mudar de ofício é apresentado mais como uma possibilidade do que como uma alternativa real. A mudança é mais idealizada do que programada, mas a expressão recorrente da vontade de mudar de ofício pelos professores é uma forma de colocá-los à distância, considerando suas vantagens e inconvenientes em relação a outros ofícios sonhados. Assim, a "fuga", real ou virtual, é um meio de variar o foco entre proximidade e distância, de ganhar forças, de mobilizar novos recursos para enfrentar mais facilmente as provas.

O AGIR COLETIVO: DO DISCURSO À AÇÃO

A prática do trabalho coletivo é antes de tudo pragmática, mais do que ideológica, e corresponde à vontade de preservar interesses profissionais. Nesse sentido, ela é, às vezes, uma verdadeira saída para as dificuldades. Quando existem coletivos de trabalho, os professores se sentem moralmente sustentados e mais fortes, e por isso têm uma identidade profissional mais positiva. O individualismo por muito tempo protetor, fundado em um estatuto que delimita as tarefas e as missões dos professores, se volta agora contra eles, privando-os do apoio de coletivos capazes de gerir localmente as dificuldades profissionais. A perda de centralidade das normas torna a gestão individual do ofício menos eficiente e mais perigosa. A necessidade de produzir localmente as normas de comportamento, de aprendizagem, de saberes mobiliza a própria pessoa do professor, exige negociações e justificativas, sempre mais exaustivas quando não se referem a regras coletivas. De sua parte, o discurso público sobre o trabalho tem efeitos reguladores e construtivos pela maneira como compartilha as dificuldades e constitui uma oportunidade de confrontação a propósito das soluções a adotar.

Entretanto, os professores só fazem menção às suas dificuldades quando pressionados pela necessidade, após uma prova particularmente difícil, que causa ansiedade, medo e/ou raiva. Senão, prevalece a gestão individual do problema. Quando a necessidade emocional impõe tornar pública uma dificuldade, se tem a confirmação de que o "segredo" não protege. A publicidade feita em torno de uma situação profissional difícil leva a um compartilhamento da responsabilidade. Como mostraram as análises de Everett Hughes (1996), particularmente no caso das enfermeiras, o fato de tornar público um litígio funciona como uma garantia profissional: o litígio compartilhado torna-se um litígio coletivo, no qual a primeira pessoa envolvida é apenas um trabalhador entre outros. Tornar público é transmitir o problema a outros, livrar-se do peso da solidão. Coletivizando um problema, a informação sai do particular e permite maior generalização, fazendo do problema de determinado aluno, em uma aula específica, algo relativo ao funcionamento do sistema educacional, por exemplo. Caso contrário, o problema permanece local e individual, e sua responsabilidade, também. Portanto, a informação pública protege a pessoa.

Falar, no entanto, não basta. Uma das razões é que a pessoa que se queixa deve ser legítima em sua queixa de uma situação e capaz de justificar sua atitude em relação a princípios de referências compartilhadas (o bem do aluno, a igualdade de oportunidades, etc.). A publicidade depende, portanto, da natureza tanto do problema encontrado quanto do reclamante (reputação, estatuto, gênero). Deve também levar em conta os destinatários da informação. Se a legitimidade da ação é difícil de estabelecer, se a autoestima é baixa ou se a queixa revela uma prática denegada e um medo coletivo recalcado (como a violência contra alunos), a publicidade se choca com o risco da falta de solidariedade dos colegas, que redefinem o problema profissional em questão pessoal. Quando se consegue a solidariedade dos colegas ou a confiança na sua legitimidade profissional é suficiente, a publicidade é concebível.

A fala pública que aparece quando realmente "isso não é mais possível" ainda está muito distante da noção de equipe. Contudo tem funções importantes de regulação das crises emocionais, de canalização de sentimentos de injustiça; ele abre caminho ao diálogo e à saída do isolamento, como diz esta professora em fim de carreira:

É importante conversarmos entre nós. Quando estamos na classe, estamos sós. Há um sistema este ano que eu acho bom, é o caderno da vida escolar que fica na sala dos professores. Ele funciona por nível. Quando a gente vai escrever, vê que a folha já está cheia e pensa: "tanto melhor, não sou a única que teve a preocupação". A gente vê os nomes e pode ir falar com eles. (Professora de Tecnologia, colégio Hampton)

Quando há um trabalho coletivo, ele é valorizado pelos professores como um elemento-chave para orientar sua atividade, como mostram estes dois testemunhos de professores em fim e em meio de carreira:

O trabalho de equipe é importante porque a gente se dá conta de que alguém teve a mesma dificuldade nessa parte do programa, então a gente pensa: "Essa parte do programa, eles são bem leves, mas isso não corresponde aos alunos". Portanto, a gente só vai fazer um pouquinho, porque é preciso ainda assim... (Professor de Tecnologia, colégio rural, Mermoz)

A gente não se desvencilhou sozinho. Por isso, há todo um sistema para tentar enquadrar, canalizar, sancionar, pôr limites, etc. Não, eu acho que... a gente não ficou cada um no seu canto! Isso não bastou... Isso ajudou a chegar até o final do ano. (Professor de Letras, conselheiro pedagógico, Bellevue)

O trabalho em equipe é, no entanto, mais uma necessidade do momento, para gerir problemas didáticos e disciplinares específicos, do que um modo de funcionamento habitual. As relações de trabalho com os colegas são, frequentemente, relações de comparação latente dos respectivos desempenhos, o que impede a cooperação. A confiança demora a ser construída e as condições de trabalho não facilitam essa construção: existem poucos momentos e oportunidades na organização do trabalho em que é possível o contato, necessário à cooperação. Assim, o trabalho coletivo é visto como desejável, mas impossível. Quando existe, sua função de suporte e a percepção das dificuldades dos outros ajudam os professores a aceitar melhor e resolver as próprias dificuldades, pois ele é produtor de novos recursos. Quando existe um coletivo de trabalho, a competição passa ao segundo plano em proveito da solidariedade e da complementaridade.

Os dispositivos prescritos impondo um trabalho coletivo, que vem crescendo nos últimos dez anos, podem estimular a troca e a cooperação, mas ainda é preciso que a organização do trabalho possibilite isso (LANTHEAUME, 2008b). Nesse caso, os professores preferem trabalhar com colegas com os quais têm afinidade e que se dispõem voluntariamente a conduzir um mesmo projeto. O critério da afinidade não é, nesse caso, sinal de falta de profissionalismo e, sim, o meio de atenuar a falta de tempo e de oportunidades para construir a confiança suficiente para trabalhar junto, aceitar mostrar seu trabalho, suas imperfeições e suas transgressões. A relação de afinidade, construída eventualmente sobre outros fundamentos além dos profissionais, mas os incluindo, é a solução adequada às condições de trabalho concretas dos professores, ainda que restrinja o trabalho cooperativo. Quando já há confiança, quando há princípios e concepções do trabalho compartilhadas, é um tempo que se ganha.

Na falta de conivência preestabelecida, um acordo sobre o projeto é o ponto de partida da relação de confiança. Tentam-se então experiências que todos teriam hesitado em lançar sozinhos. Desse modo, o trabalho conjunto reúne soluções para as dificuldades já mencionadas que consistem em se investir fortemente no ofício e em introduzir variações. Em todos os casos, pensar e agir de forma coletiva cria recursos e solidariedades inéditas para superar as provas com que os professores são confrontados.

CONCLUSÃO: RECONSTRUIR UMA GRANDEZA PERDIDA E O SENTIDO DO OFÍCIO

Abordar o trabalho dos professores do ângulo das defesas que eles constroem diante da adversidade profissional impõe observar sua atividade cotidiana para tentar compreender condutas que às vezes parecem absurdas, desenvolvendo uma sociologia pragmática do trabalho centrada no real do trabalho e em suas provas, ao contrário dos trabalhos sobre os professores, que por muito tempo se preocuparam mais em acusar e esqueceram o trabalho real (LANTHEAUME, 2008a).

A "proliferação de si mesmo" descrita por Fernando Pessoa é uma imagem útil para perceber como os professores, mediante estratégias implícitas ou explícitas, encontram soluções muito variadas que lhes permitem superar provas de maior ou menor relevância. Encontrar a forma mais apropriada para resistir, adaptar-se aos imprevistos do trabalho, discernir arranjos eficazes, ajustar seus projetos e gestos nas situações, assumir papéis diferentes, construir argumentações apropriadas aos diversos destinatários, enfim, lidar com o real e ao mesmo tempo transformá-lo são caminhos abertos no dia a dia para evitar os perigos da perda de sentido da ação e do esgotamento. Essa plasticidade profissional mostra sua eficácia para enfrentar as novas normas do trabalho, na medida em que se nutre da articulação entre competências pessoais, os recursos do ofício e os dos coletivos de trabalho, eles próprios suficientemente plásticos para ser criadores de sentido e portadores de solidariedade. Em uma conjuntura em que as normas de trabalho se transformam, essa plasticidade (DEBONO, 1996) não só permite a sobrevivência profissional como também é a condição da criatividade e do prazer no trabalho. É com base nela que se define o sentido do trabalho e o do ofício, que se reconstrói sua grandeza.

Os professores gastam muita energia e inteligência inventando soluções para os obstáculos do trabalho. Não se trata de um epifenômeno periférico que só se manifestaria em caso de crise aguda, mas faz parte do ofício. A busca de soluções para minorar, evitar, neutralizar, relativizar, contornar as dificuldades está incluída nas próprias tarefas. É um objetivo integrado à sua realização. As dificuldades do trabalho docente são as da prova do real; o sofrimento no trabalho surge quando a impotência para agir remete o professor a uma pequenez social ("ser o empregado dos pais", "chovem reformas, que nunca são avaliadas", "alunos que querem nos impor sua lei", "condições de trabalho indignas", etc.), quando o sentido e a utilidade da atividade escapam. A mobilização dos professores contra as dificuldades do ofício se nutre de sua força e constrói sua grandeza social e simbólica. Inversamente, a fraqueza do ofício aumenta as dificuldades profissionais que, consequentemente, são reduzidas ao estatuto de problemas pessoais e causam diversas somatizações. As soluções imaginadas no dia a dia tendem a preservar e desenvolver uma capacidade de agir individual e coletiva, fonte de prazer no trabalho. Não impedir essa busca pragmática de soluções, valorizá-la, poderia inspirar políticas nacionais e locais que facilitassem a cooperação e definissem ambientes de trabalho mais propícios à satisfação profissional dos professores.

Recebido em: MARÇO 2012

Aprovado para publicação em: JUNHO 2012

TRADUÇÃO Fernanda Machado

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  • 1
    Os colégios correspondem ao ensino fundamental do 6º ao 9º ano e os liceus, ao ensino médio no Brasil.
  • 2
    Pesquisa realizada no âmbito de um convênio com a Mutuelle Générale de l'Éducation Nationale - MGEN.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2012
    • Aceito
      Jun 2012
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