Open-access Você é louca!: gênero, fronteiras, perigo e viajantes latino-americanas

Resumo

O objetivo deste artigo, ancorado numa “etnografia viajante”, é analisar estratégias de negociações de risco que mulheres latino-americanas viajantes de mochila desenvolvem para romper com fronteiras territoriais e subjetivas. Nele, exploramos as dimensões de gênero das fronteiras latino-americanas numa perspectiva feminista. A viagem de mochila é uma atitude negociada, planejada e executada por meio de agenciamentos que atuam na desconstrução da estrada como um “lugar perigoso” para as mulheres, desestabilizando o medo da/na fronteira.

Palavras-chave
Fronteiras; Gênero; Risco; Mulheres; América Latina

Abstract

This paper analyzes the risk negotiation strategies developed by Latin American women backpackers to overcome both territorial and subjective boundaries. Anchored in a “traveling ethnography”, we explore the gendered dimensions of Latin American borders from a feminist perspective. Backpacking is a negotiated and planned activity, executed through forms of agency that work to deconstruct the road as a “dangerous place” for women, destabilizing fear of/on the border.

Keywords
Borders; Gender; Risk; Women; Latin America

Cruzando a plataforma de embarque

Rodoviária Tietê, em São Paulo, a maior rodoviária da América Latina e a segunda maior do mundo. Era o mês de novembro do ano de 2017. Lanna chegou à rodoviária carregando um mochilão1 azul nas costas e uma mochila de ataque2 na frente. Além do peso das mochilas, ela relata que sentia no corpo todo um emaranhado de sensações que, naquele momento, não sabia como nomear. Lembra que a euforia do embarque, sozinha, causava ansiedade e um medo que a paralisou momentaneamente, deixando-a “que nem um zumbi. Os pais a levaram até a rodoviária. Acompanharam ela até uma daquelas 89 plataformas de embarque. Antes de atravessar a primeira fronteira, de adentrar na plataforma, a mãe, em um abraço apertado, chorou e disse:

Você não precisa fugir, não precisa provar nada a ninguém, se quiser desistir, ainda dá tempo.

Lanna contou que em meio à paralisia não conseguia chorar, mas estava decidida a subir naquele ônibus rumo ao Chuí, na fronteira do Brasil com o Uruguai.

Não mãe, eu quero ir, eu quero ir.

Ela a abraçou bem forte e falou:

Tá, então volta depois que chegar no México!

E Lanna embarcou sozinha rumo à sua jornada individual de sete meses de mochila pela América Latina.

A presença da mulher no mundo das viagens, que aqui chamaremos de estrada, é um fenômeno quetem desestabilizado noções demedo e perigo usualmente atribuídas às viagens das mulheres, principalmente as que envolvem cruzar fronteiras transnacionais. Por uma perspectiva de gênero, as viagens masculinas se construíram como experiências heroicas, enquanto para as mulheres, são referenciadas como atividades perigosas e pouco relevantes. O fenômeno da viagem tem historicamente se construído em torno das experiências masculinas3 encobrindo movimentações e presenças de mulheres nesses processos e espaços como uma experiência particular e socialmente relevante. Daí a necessidade de se refletir sobre fronteiras a partir do gênero e do poder como constitutivo das dinâmicas que são inerentes aos deslocamentos.

Os limites e potencialidades da mobilidade feminina pelo espaço latino-americano têm sido testados e desenhados pelos itinerários de mulheres que ultrapassam as fronteiras transnacionais, mobilizando diferentes camadas das construções de gênero. Lanna (27 anos, branca, jornalista), nasceu no estado de São Paulo, desenhou uma linha que cruzou várias fronteiras espaciais; terrestres, aéreas e marítimas da América Latina nos sete meses em que percorreu do Brasil ao México, o que ela chamou de mochilão. Antes de embarcar planejou custos, organizou roteiros, adquiriu equipamentos, calculou riscos e desafiou regras. Ainda assim, embarcou tendo o medo como companheiro. Na estrada, relata, descobriu seus limites e também os exageros das recomendações de cuidado. Era sim necessário cuidar, mas ela se considerava estratégica e inteligente. Utilizava-se do aprendizado cotidiano de viver em uma grande metrópole, como São Paulo, para se manter segura: “Nós que somos mulheres que vivemos nas grandes cidades já nascemos com um chip”, disse Lanna.

A experiência de Lanna na estrada, assim como das outras interlocutoras desta pesquisa, aponta para as múltiplas dimensões socioculturais de um espaço físico e subjetivo em constante construção. As viagens de mochila têm se tornado um fenômeno social no século XXI e revelam formas outras de se transitar nesta era das “hipermobilidades”. O fluxo de pessoas se deslocando pelo mundo na atualidade faz parecer que habitamos um mundo conectado. Mas, as fronteiras são tão fluídas assim? O que nos dizem as experiências fronteiriças das mulheres viajantes? Existe de fato um gênero das fronteiras? Busca-se, neste artigo, descrever experiências transfronteiriças das viajantes, indagar sobre os sentidos que assumem seus deslocamentos e trânsitos, olhar para fronteiras a partir da perspectiva de mulheres.

O artigo se concentra na análise de estratégias e negociações que mulheres latino-americanas viajantes de mochila desenvolvem para romper fronteiras espaciais e subjetivas na construção dos diferentes trânsitos. Entre as categorias analíticas, destaca-se o risco atribuído ao lançar-se na estrada. Com o intuito de compreender as negociações em torno de projetos de viagens, objetivamos contextualizar experiências fronteiriças, levantar indagações sobre as motivações e interpretar as agências produzidas por meio das estratégias e formas de organização.

Etnograficamente respondemos sobre quais fronteiras se erguem nos trânsitos das mulheres viajantes. No processo de pesquisa, que resultou em tese de doutorado, dialogamos com 10 mulheres viajantes4 e seus percursos. Por meio dessa etnografia viajante e uma abordagem teórico-metodológica feminista articulada com a pesquisa multissituada, apostamos no trânsito de mochila – sendo essa etapa, de jogar o corpo no mundo, realizada por uma das autoras5 – como estratégia metodológica para encontrar e acompanhar as viajantes na estrada. Acionamos outros espaços de pesquisa como, por exemplo, o Instagram. Além disso, utilizamos a técnica da entrevista para dialogar com as narrativas das interlocutoras, o que nos auxiliou na sistematização e na organização de fragmentos.

Essa experiência etnográfica possibilita desvendar algumas dimensões das fronteiras nas experiências práticas de viagens. Abu-Lughod (2000) considera uma etnografia capaz de rastrear sistemas de poder e estruturas de desigualdade, tornando-se um dispositivo de intervenção. Descrevemos percursos de sujeitas concretas, que experimentam a viagem acionando estratégias produzidas a partir das percepções de “ser um corpo feminino” na estrada sem companhia masculina. Argumentamos que o risco atribuído ao comportamento das mulheres ao cruzar fronteiras é uma construção social (Yang, 2017), e que a viagem das mulheres não é um ato de loucura instantâneo ou espontâneo, tampouco elas são vítimas favoráveis de diferentes violências em razão de vulnerabilidades, condição frequentemente mencionada. Há negociação e planejamento que fazem parte dos agenciamentos e estratégias de segurança adotadas. As agências (Ortner, 2007) produzidas durante os trajetos permitem a desconstrução do “lugar perigoso” atribuído ao cruzamento de fronteiras. As viagens revelam alternâncias entre o prazer da realização e o enfrentamento das dificuldades, na necessidade de administrar os riscos associados aos deslocamentos. Essa alternância, por sua vez, relaciona-se a diferentes cruzamentos, espaciais, subjetivos, corporais, associados não à fronteira física, mas às múltiplas relações que atravessam o ato de mochilar. Dentre elas, destacam-se contextos de poder envolvendo desigualdades de gênero, raça e classe, sobretudo no que se refere aos impactos subjetivos inerentes a estar na estrada.

Nessa direção, destaca-se um sentido de fronteira que vem sendo amplamente discutido na antropologia, como passagem de uma situação para outra, dentro de processos e cruzamentos dinâmicos de universos culturais (Faulhaber, 2001). Encontros e atravessamentos que se constituem em processos, nos quais os limites são sempre fluidos e redefinidos, de acordo com o contexto, desestabilizando referências fixas, o que remete à discussão no campo do simbólico. Trata-se de perceber na fronteira um processo de produção permanente, espaço fluido, em constante transformação. Portanto, os cruzamentos dos limites estabelecidos, que cristalizam fronteiras como espaços de risco, estão sendo desafiados pelas mulheres, no percurso, no trânsito, nas ações, nas experiências da viagem.

As mulheres, os deslocamentos e o perigo nas fronteiras latino-americanas

As viagens de mochila passaram a transitar nos imaginários de jovens do mundo ocidental principalmente a partir dos anos de 1960. Um período no qual as guerras, as ditaduras, dentre outros eventos, forçaram migrações e deslocamentos em diferentes escalas globais. Havia os movimentos das práticas de viagens chamadas contra culturais, empreendidas por grupos de pessoas com “um senso identitário de pertencimento a uma comunidade jovem internacional” (Kaminski; Vieira, 2020:9), em um período em que jovens de diferentes partes do mundo almejavam a vida na estrada. Nesse período se desenharam os mochilões como forma de viajar.

As mulheres também estavam ocupando e percorrendo seus próprios itinerários. Essa presença pode ser associada a um ideário e um contexto em que estava em curso uma maior visibilidade das mulheres, a afirmação dos sentidos políticos do corpo, referências libertárias e as lutas políticas pela descolonização. Ângela Xavier (2011) e Beatriz Sarlo (2015) deixaram registradas as experiências viajantes pelos anos de 1960 e 1970. Estavam inseridas na universidade e se interessavam pela política em um período de grandes transformações sociais, no qual o casamento não era mais o único horizonte para as mulheres. Nesse mesmo período Che Guevara fez circular ideais de liberdade; foi mais conhecido por conectar viagem e política.

Com a “popularização” do fenômeno backpacker na região latino-americana, desde o início deste século, quando vivenciamos as transformações culturais, econômicas e sociais de seus primeiros anos, os deslocamentos das mulheres ficaram mais evidenciados. A popularização do uso da internet e a dinâmica intensa dos fluxos de transporte transformaram a maneira como pessoas e ideias se deslocavam na região. A ampliação do acesso a espaços como universidades e mercado de trabalho foram alguns dos motivos que levaram à inserção das mulheres nessas mobilidades e produziram deslocamentos singulares, individuais e coletivos.

A expansão das redes e plataformas virtuais permitiu maior circulação de informações, com fácil acesso à narrativa de viajantes por diversos lugares, embora estas refletissem majoritariamente a experiência de mobilidade de mulheres com perfil social marcado por classe e raça. Nesse fluxo de informações se propagaram dicas de países mais seguros para mulheres viajarem sozinhas, destinos seguros para mulheres, dicas de segurança dadas por mulheres para mulheres que viajam sozinhas, em blogs, sites, perfis nas redes sociais. Além disso, acentuou-se a produção de livros escritos por mulheres sobre o tema, principalmente após a popularização dos livros digitais. Tornou-se possível encontrar relatos de experiências de viagens em blogs, livros, podcasts, reportagens, e esse é um tema que vem sendo explorado principalmente pelas áreas do turismo e jornalismo. As viagens individuais se efetivaram no imaginário latino-americano, principalmente na subjetividade de jovens.

É fato que o tema da viagem, do trânsito livre como um direito, emergiu com força há pouco mais de duas décadas. Essa expansão acompanha a mobilidade das mulheres na busca pela igualdade de gênero na ampliação dos espaços para exercício da liberdade de ser e de transitar. As mulheres têm ocupado os espaços públicos e virtuais para discutir sobre diversos aspectos da própria vida, dentre eles a mobilidade e as formas de transitar.

É possível dizer que esse tema passou a movimentar as redes de mulheres viajantes, de forma mais intensa, ganhando um sentido político a partir do feminicídio de duas mochileiras, María José Coni e Marina Menegazzo, no Equador em 2016. Esse movimento em rede tomou uma dimensão mundial, fazendo emergir uma discussão em torno da violência de gênero na estrada. Para Piscitelli (2017) e Yang (2017), o episódio de violência fez emergir um debate, que circulou principalmente nas redes sociais, sobre o direito ao trânsito seguro das mulheres viajantes.

Piscitelli (2017) considera que a discussão em torno da violência contra turistas só foi articulada como um tema importante pelo feminismo a partir da atuação na internet, com a entrada de outro perfil geracional exigindo garantias de direitos. Assim, a rede se consolidou como espaço de mobilização por esses direitos. Isso aconteceu com o movimento #ViajoSola, uma reação ao assassinato das mochileiras argentinas, que mobilizou mulheres de todo mundo que se manifestavam por meio das redes sociais, usando hashtag em defesa do direito de viajar sozinha e com segurança.

Diversas viajantes se manifestaram com relatos pessoais, contando histórias de viagens sozinhas. Surgiram cartas, manifestos e artigos. Uma carta tornou-se viral no período: o texto “Ontem me mataram”, da paraguaia Guadalupe Acosta, o qual foi uma reação à ideia construída de que a estrada é perigosa para mulheres, pois contrapunha o discurso de culpabilização das vítimas, María José Coni e Marina Menegazzo, veiculado na mídia global, que acusava mochileiras de assumir um comportamento perigoso ou arriscado ao viajarem “sozinhas”, embora estivessem juntas quando foram mortas. A imposição do medo emerge, assim, como algo a ser enfrentado no contexto mais amplo das desigualdades e normas de gênero, que incidem sobre lugares, corpos, desejos e se evidenciam nas experiências subjetivas de mulheres.

No final do ano de 2023, outro caso de violência na estrada reacendeu o debate sobre perigo e viagens: a cicloviajera Julieta Hernández foi assassinada no norte do Brasil quando tentava cruzar a fronteira com seu país de origem, a Venezuela. A comoção em torno desse feminicídio mobilizou novamente o debate mundial em torno da violência e do perigo para mulheres viajantes. Quase uma década após o assassinato das mochileiras argentinas, Julieta também foi culpabilizada por seu cruel assassinato. “O que ela estava fazendo sozinha naquele lugar?” foi um questionamento recorrente nas mídias. Pela perspectiva das mulheres, alargou-se a discussão em torno do direito de transitar sem medo e pelo fim da violência.

A violência contra as mulheres é, portanto, um tema que atravessa as experiências das mulheres viajantes. Nesse sentido, assumir o risco como categoria de análise ajuda a pensar sobre os modos de administrar a representação de perigos, medos, enfrentar dificuldades e obstáculos nas estradas. O risco assume conotações singulares em se tratando da América Latina, uma região profundamente marcada pela violência de gênero e pelo racismo, fruto das desigualdades construídas pelo colonialismo/colonialidade que, como afirmam Maria Lugones (2008) e Lélia Gonzalez (2020), é marcado por classe, raça e gênero. Em outra direção, traçamos narrativas sobre a noção de risco, mostrando que é uma construção social que acentua as desigualdades de gênero nas formas de transitar. A violência é um fenômeno social que está sempre rondando a vida das mulheres, em trânsito ou em casa, ou seja, não há lugar seguro para nós. Mas sempre haverá nossas estratégias de segurança.

O risco que as mulheres assumem ao cruzar fronteiras é uma construção social informada por determinado contexto cultural e as relações desiguais de poder que o organiza (Yang, 2017), perceptível como um processo que apresenta sempre novas nuances. Se a viagem pelas estradas latino-americanas tem sido construída como “atividade perigosa” para mulheres, esta é uma tentativa, como considerou Massey (1994), de domesticação dos corpos e imposição de limites à mobilidade das mulheres, em termos de identidade e de espaço. Embora se construa muito mais no plano ideológico/subjetivo, relacionado a imposições atravessadas pelas desigualdades de gênero e relações de poder, há um perigo real que se materializa em fenômenos presentes no contexto social das viajantes. Os fenômenos violentos contra mulheres têm uma linguagem histórica compartilhada na região. Contra eles, as viajantes desenvolvem uma série de estratégias para driblar o perigo e o medo.

No entanto, é na vivência desse “contexto perigoso”, em espaços de produção de estratégias nas estradas e fronteiras, que são elaboradas perspectivas de enfrentamento, desestabilizando noções de risco. Um tipo particular de enfrentamento do medo como imposição, que não ignora possibilidades de ocorrências de violências e que, no processo em que se faz necessário administrar um risco real encoberto por supostos perigos anunciados que culpabilizam evidência de violências, cria espaço também para se questionar normas de gênero impostas.

Embora mulheres construam suas experiências de vida com singularidades, há algo compartilhado em sermos mulheres na América Latina. A violência de gênero tem atravessado indistintamente a vida de mulheres de diferentes grupos raciais e de classes sociais. Um passeio de uma mulher por uma cidade como Santa Cruz de La Sierra, Cusco ou Belém, pode ser marcado por assobios, comentários constrangedores, olhares indesejados, além de outros tipos de assédio que acentuam o sentimento de vulnerabilidade.

A América Latina é considerada uma região de extrema violência contra as mulheres6. São pautas constantes nos noticiários do Brasil os fenômenos de violência de gênero. Essa não é uma realidade exclusiva do país ‒ violências contra as mulheres e pessoas LGBTQIA+ acontecem em todo o planeta. As estatísticas elencam o Brasil como o segundo país mais perigoso para mulheres viajantes7 no mundo, isso é influenciado pelas taxas altas de feminicídio no país8.

Diante dos alarmantes dados sobre violência de gênero na América Latina, questionamos se a estrada é, de fato, mais perigosa que o lar. Afinal, a violência de gênero não se restringe ao espaço público; a associação do espaço doméstico à proteção é equivocada, pois o lar também pode ser cenário de violências e agressões. Júlia disse que

o perigo, ele tá aí! A gente tá em casa e pode acontecer. O casamento é algo perigoso. (...) Tem uma coisa que eu sempre falo: quer coisa mais perigosa que um casamento? Olha o feminicídio aí. Às vezes, aquela rua escura é menos perigosa do que tu tá dentro da tua casa, casada. Dependendo da situação, entendeu? Porque aquela rua lá, depois que tu sair dela, já tá no outro setor, tu já tá de boa, tá tranquila.

Para algumas mulheres, as experiências de violência transformam-se em força motriz para empreender uma viagem, como se sucedeu na experiência de duas interlocutoras que buscaram na viagem um caminho alternativo para a “fuga” de situações de relacionamentos violentos e contextos de assédio sexual.

É importante ressaltar que as estruturas violentas das nossas sociedades, assinalam para as mulheres uma “zona de perigo” que se estende por muitos países do Sul Global. São lugares atravessados pelas persistentes estruturas da colonialidade, onde as desigualdades sociais se perpetuam reproduzindo os processos de opressão instaurados pela colonização ocidental. Conforme argumenta Lugones (2008) a organização social eurocêntrica, ao ser estruturada pela colonialidade de gênero, produziu condições historicamente desiguais de existência para as mulheres. Percorrer as rotas da América Latina é experienciar concretamente essas desigualdades, mas também descobrir modos criativos de se proteger e traçar rotas próprias.

A noção de perigo na estrada é uma variante da percepção sobre a violência contra as mulheres, e constitui um elemento que molda a experiência de viagem. De acordo com Massey (2008), os lugares são socialmente produzidos e atravessados por relações de poder, dessa forma o medo e a sensação de perigo também fazem parte da produção social do espaço das cidades latino-americanas, nas quais o medo é parte constitutiva da vida cotidiana.

As experiências vividas no cotidiano atuam na construção de emoções, como a sensação de medo entre as mulheres. Contudo, é possível dizer que os aprendizados com as experiências locais servem como técnicas de proteção na estrada. Além disso, há um conhecimento construído por meio do encontro cultural e intersubjetivo, com o compartilhamento de ideias e signos que circulam junto às mulheres pelas fronteiras da região. Embora essas desigualdades sociais afetem as mulheres latino-americanas de forma cotidiana, escolhemos aqui abordar essa estrutura social de acordo com Ortner (2007), isto é, buscando compreender que existe uma coerção social que articula as relações de poder no nível da vida concreta, mas há as margens de agenciamentos mediante as quais as mulheres latino-americanas negociam suas realidades.

Entendemos que enfatizar o poder da estrutura é afastar-se das práticas reais. Embora sigamos reconhecendo que as desigualdades de gênero constituem as estruturas e práticas sociais latino-americanas, reconhecemos também que “as pessoas sempre têm pelo menos algum grau de ‘perspicácia’ (...) em relação às condições de sua dominação” (Ortner, 2007:26). A perspicácia da viajante Júlia revela isso. Segundo a viajante, que é uma mulher negra, “... a violência perpassa a gente em todos os lugares. Eu entendo essa violência (...), enquanto ‘corpo negro’ sei que em todos os lugares eu sou alvo. Então, eu tento sempre ficar bem arisca nas situações, bem esperta, a observar. Mas sempre me preocupo mais com essa questão da grana, se eu tenho um lugar para dormir, para me alimentar, mas tá observando isso já é tá em constante observação. É questão de sobrevivência mesmo”.

Em meio a uma estrutura social desigual, assimétrica e violenta, mulheres encontram formas de resistência e ação, desafiando e produzindo fissuras na estrutura social, ou seja, é possível tratar das desigualdades nas mobilidades a partir das práticas de subversão e agência das sujeitas transfronteiriças (Navia; Esguerra Muele; Padovani, 2020). Uma viagem autogerida está longe de ser uma atitude irresponsável ou ingênua; ela também é organizada pelo medo que é em nós construído. Não é um ato de loucura. Viajar envolve a perspicácia em relação ao reconhecimento dos lugares sociais das mulheres e também é desafiar a fixidez desses lugares sociais a elas atribuídos.

As mulheres desenvolvem inteligências específicas para lidar com o perigo na estrada. Há um processo de aprendizados e invenções que acontecem à medida que novas fronteiras são cruzadas. Assumir o risco é também parte importante da experiência transformadora da viagem. Pensar sobre as agências nos trânsitos de mulheres latino-americanas, em contextos de violentas continuidades coloniais nos quais vidas e mobilidades estão em constante ameaça, é uma forma de mostrar que, para as mulheres, as fronteiras são zonas em disputa.

Mulheres nas fronteiras latino-americanas

As rotas desta pesquisa cruzaram com as rotas de dez mulheres viajantes9 latino-americanas com as quais a interação intersubjetiva envolveu processos distintos: alguns encontros físicos, ocasionados na viagem, e interações no mundo virtual. Os deslocamentos físicos da pesquisadora propiciaram encontros na estrada em duas viagens etnográficas realizadas nos anos de 2019/2020 e 2022.

A primeira viagem envolveu o trânsito por diferentes países sul-americanos. Na Argentina, encontrei Juana, de 31 anos, argentina, branca, advogada, que estava fazendo “uma viagem diferente”, sozinha pela região de Salta. Em Cusco, Peru, aconteceu o encontro com Liz, 23 anos, mexicana, branca que estava em sua primeira viagem individual; havia embarcado sozinha rumo ao Equador, em seguida para o Peru. E, na Bolívia, na cidade de Santa Cruz de La Sierra, deu-se o encontro com Rosa (27 anos, branca) e Gabi (24 anos, negra), artistas de rua, brasileiras, de Campinas, que embarcaram juntas rumo ao Pantanal brasileiro e à fronteira Brasil – Bolívia. As amigas fizeram um longo trajeto de carona, parando de cidade em cidade para manguear10: artesania e malabares em semáforos.

No ano de 2022, em viagem etnográfica pelo estado da Bahia, deu-se o encontro, na cidade de Salvador, com Jak, 32 anos, brasileira, que viajava de mochila com um companheiro pelo Brasil. O tema das viagens nos aproximou. Contou que, anos antes, em 2016, havia empreendido junto a uma prima um mochilão de vários meses pelos países vizinhos. Na ocasião dessa viagem, também houve o encontro na Chapada Diamantina, Bahia, com Carol, 27 anos, indígena, turismóloga e artista circense argentina. Ela estava planejando se estabelecer por um tempo na comunidade do Vale do Capão, distrito de Caetê-Açu, município de Palmeiras. Contou que pensava em “parar de viajar” após anos de vida na estrada. Tanto Jak quanto Carol já vivem na estrada há um tempo.

Além desses encontros etnográficos na estrada, houve também encontros articulados a partir de uma rede de viajantes que se formou no Instagram e na vida vivida de viajante. Assim entrevistamos Júlia, 32 anos, negra, paraense e funcionária pública. Ela é uma viajante sazonal, que realiza mochilões nos interstícios da vida profissional, sendo esta o que mobiliza as suas viagens. Nanda, 32 anos, e Flora, 34 anos, brancas, são duas irmãs naturais do estado do Piauí, fisioterapeuta e ex-bancária, respectivamente, que, no ano de 2017, decidiram largar os empregos estáveis e embarcaram juntas em um mochilão que se iniciou na Colômbia. As trajetórias dessas mulheres se entrecruzam, a partir das linhas desenhadas por cada uma delas, pelas estradas da América Latina. As motivações e os estilos de viagens são plurais e particulares, embora com recorrências.

A América Latina aparece como uma opção economicamente viável na mobilidade global. A securitização das fronteiras europeias e da América do Norte, as diferenças linguísticas, são alguns dos aspectos que incentivam os trânsitos na região. Liz escolheu a América do Sul por conta do idioma. Inicialmente queria ir para o Canadá, “mas meu inglês é péssimo, então fui a esses países por causa do idioma” (Liz). Além disso, ela considerava que as pessoas eram amáveis com mexicanos, tudo isso a influenciava. Há esse aspecto cultural, no que diz respeito às diversidades dos encontros entre alteridades, entre sujeitos com quem se partilha a mesma história política e cultural, e em quem se reconhece enquanto sujeito coletivo.

No entanto, há também referência às condições financeiras, como disse Jak: o custo de um deslocamento para a Europa é o suficiente para empreender um “mochilão” de meses na região da América Latina. Quando Jak começou a pensar em viajar, incentivada pela mãe, pensou em fazer um intercâmbio, mas não se via fazendo “... um desses intercâmbios no Canadá ou Dublin”, não tinha dinheiro para custear algo assim. Começou uma busca por possibilidades, caiu “... na internet, nos vídeos da galera mochilando pela América Latina, com pouca grana”. Percebeu que viajantes necessitavam de pouco dinheiro, em comparação a uma viagem para Europa. Foi assim que decidiu “pegar a estrada” com a prima.

Existem outras motivações que atravessam as experiências de viagem, como uma forma de ultrapassar fronteiras afetivas e do mundo do trabalho. As rupturas com os empregos constituem uma fase significativa de construção da viagem. Lanna conquistou o emprego que sempre almejou, mas tinha que lidar com um ambiente dominado por homens, hostil à sua presença. Ela “...odiava o fato de ser mulher naquele ambiente”. Nas dificuldades de lidar com um ambiente de trabalho que identificava como tóxico, desenvolveu pânico e ansiedade. Os assédios sofridos a prejudicaram a ponto de querer fugir da realidade e “...experimentar outras formas de viver, e outro mundo, que não aquela que tava tanto me machucando”. Foi quando surgiu a ideia de deixar o emprego e empreender a viagem. Nanda e Flora também chegaram a um momento em que desejaram romper com a rotina estressante do trabalho. Juntas deixaram os empregos e se lançaram no mochilão.

Outras rupturas, como términos de relacionamentos, também se tornam motivação. Juana deixou o emprego para iniciar uma viagem em um motorhome que construiu com o namorado. Após o rompimento do namoro, organizou as ideias, percebeu que não queria mais uma vida “enquadrada” na capital, decidiu seguir viajando sozinha. Quando Liz embarcou em um voo na Cidade do México, deixou no solo um namorado que tinha pedido para escolher entre ele e a viagem. Ela não abriu mão da viagem planejada, na qual havia investido o dinheiro que conseguiu economizar.

Há rupturas decorrentes da decisão de pegar a estrada e outras que são motivadoras da viagem. Para Jak, um grande divisor de águas na vida foi o fim de um relacionamento abusivo, no qual foi vítima de violência física e emocional. Após o término do namoro, repensou os rumos da própria vida e apostou na ideia de uma viagem particular. Nanda também fez da viagem um processo de reflexão sobre si após o término de um relacionamento duradouro. É possível pensar na experiência da viagem como uma maneira de recompor um bem-estar após ter vivenciado traumas de assédios e de relacionamentos abusivos. Então, ir para a estrada pode ser, também, “sair do risco”.

Rompendo as fronteiras do perigo e assumindo riscos: Você é louca!

Os diálogos e experiências partilhadas nesta pesquisa indicam que a primeira fronteira que cruzamos quando nós mulheres organizamos uma viagem autogerida é a do medo. Qual mulher que decidiu viajar de mochila – principalmente sem companhia masculina – não recebeu pelo menos um “diagnóstico” de loucura? A noção de loucura tem sido historicamente utilizada como uma ferramenta para controlar e regular os corpos das mulheres consideradas desviantes.

Os avisos sobre os perigos da estrada, como a morte e o estupro, são formas de exercer controle mediante o medo, construindo “lugares perigosos” para as mulheres, julgadas como vítimas vulneráveis, até tolas, por decidirem sair “desprotegidas” – sem companhia masculina. Assumir a loucura é uma maneira de resistir à domesticação e à imobilização dos corpos das mulheres. É o que assinala a viajante argentina Juana quando conta que contrariou normas sociais e se recusou a procurar um companheiro de viagem: “... no voy a limitarme a hacer lo que me hace feliz por mi condición de mujer, no voy a quedarme en una vida plana, no arriesgarme solo por ser mujer”.

No relato das interlocutoras, assumir o risco de ser uma mulher viajando pela América Latina é “ter o medo como companheiro”, ou seja, tornar o medo como um dos elementos da viagem. Mais que vencer o medo é preciso “ir com medo mesmo. Porque medo eu acho que faz parte de nós enquanto mulher na sociedade” (Lanna). A consciência do risco é construída a partir das realidades locais, os limites assumidos são percepções subjetivas. Assumir o risco fez parte da própria experiência como pesquisadora, assim como as das interlocutoras, mas a percepção sobre isso ocorre de diferentes maneiras.

Para Júlia, a percepção do risco se relaciona com o contexto de origem. Ela afirma que o lugar onde nasceu, um bairro “perigoso” de Belém, a preparou para enfrentar os perigos: “A questão do perigo: eu moro num lugar muito perigoso. Eu nasci num lugar muito perigoso. Eu moro na Sacramenta, na divisa com o Barreiro, um lugar que já é um atravessamento de muitos perigos, é muito perigoso mesmo, tanto que o bairro é conhecido como ‘sacrabala’. Então, para mim, a questão sempre mais difícil é ter a grana pra chegar no lugar, entendeu?”. Para ela, “ter grana” é um dispositivo de segurança. A forma de contornar perigos, tomar cuidados básicos, mesmo em espaços que considera seguros, é ter uma grana, garantia para se movimentar. “É tipo os cuidados básicos: observar quem tá na frente, quem tá atrás, sacar o movimento. Então acho que aqui, o local, o território onde eu habito, já é o local que eu tô muito alerta, em outros espaços eu também tô muito alerta, mesmo que sejam espaços seguros” (Júlia).

As estratégias utilizadas na vivência de um cotidiano violento, típico de grande parte da urbe latino-americana, treinam os múltiplos sentidos para encarar o medo. Esses sentidos empurram as mulheres para fazerem escolhas sobre quais roupas usar, que trajetos tomar, que lugares sentar, dentre tantas outras decisões cotidianas estratégicas para fugir da incômoda situação de ser uma mulher se deslocando entre os espaços das cidades. Esses aprendizados são adaptados e se tornam ferramentas para manter-se a salvo nas situações de trânsito.

Figura 1
Um postal de Lanna com o título: “Você é louca!”

Esse postal ajuda a pensar como Lanna negociava a percepção do risco. Era essa atitude que a deixava “fora de perigo”. Ela acredita que atitudes de proteção já fazem parte da vida das mulheres que vivem em grandes capitais do Brasil: “falo: você já nasceu com esse chip assim, você já se protege por ser mulher vivendo no Brasil, e eu só descobri isso na estrada”. É possível pensar que o enfrentamento do risco na estrada se relaciona com a experiência de ser uma mulher que viveu os movimentos de uma metrópole latino-americana. Talvez Lanna estivesse dizendo que esse chip com o qual nascemos é esse aprendizado cotidiano, que precisamos ter para sobreviver aos perigos das cidades – e também de vilarejos.

Lanna assumiu o medo como limite, relacionando-o com os riscos assumidos no cotidiano: “...é importante ir com medo porque é o medo, também, que vai ser o que vai guiar a gente até o nosso limite, então, muitas meninas falam: eu jamais vou pegar carona! Tá tudo bem! Você não precisa. O seu medo te avisou, que até aí é o teu limite”. Nesse sentido, ter o medo como companheiro foi uma estratégia para se manter atenta e perceber quais os limites dos lugares e de si mesma, como escreveu no postal acima.

Flora contou que no início da viagem com Nanda pela Colômbia, elas pensaram em desistir, pois era “... um fardo muito grande você ser mulher viajando sozinha. Porque era sempre assim: — ah, vocês viajam sozinhas! Como assim? Nós [somos duas]! Como assim sozinhas?”. Os olhares assediadores, os comentários constrangedores nos passeios pelas ruas de Barranquilla as deixavam assustadas: “... a gente se assustou, a gente pensou que ia ser raptada e sequestrada a qualquer momento”. Transgredir a regra social parece ser o motivo das ameaças. A ruptura com a identidade relacional (Oyhantçabal, 2018), ou seja, não estar acompanhada de um homem pode acionar o comportamento violento diante do corpo “desprotegido”.

As viajantes precisam lidar com violências específicas nos espaços públicos, como o assédio sexual no ônibus. O medo se manifesta na atenção aos horários para sair e chegar, ou ainda, no ato de encarar aquela rua escura que mostra os limites das cidades e dos lugares. Alguns episódios de assédio apareceram durante a pesquisa de campo, como em bares de Cusco, que frequentei com Liz. Nesses espaços emergiram demonstrações de como são vistos os corpos das mulheres transitando sem companhia masculina, o que pressupõe uma autorização para as mais diversas aproximações. Diversos homens ofereceram bebidas e companhias, alguns de forma insistente e inoportuna. Para Nanda “... a viagem foi inteira assim. A gente sofreu muitos assédios. Então chegou um momento em que a gente não se sentia segura”.

Flora acionava o “modo de defesa total” sempre que se sentia em uma situação de vulnerabilidade. O cuidado com o uso de álcool, por exemplo, é uma estratégia utilizada, embora ela também acredite ser necessário “... deixar fluir com o universo”, acreditando que “... quando eu me coloco para fazer uma viagem eu não vou muito no medo, porque se você vai no medo, vai dar merda. Você atrai, acaba atraindo alguma coisa”, mas é óbvio, tem que ter cuidado”. Flora talvez queira dizer que é preciso adotar os cuidados, porém não se fechar para os encontros. Isto é, acreditar na dinâmica da estrada. A percepção de insegurança para Liz era diferente, o cotidiano violento da Cidade do México a fazia sentir-se mais segura em Cusco.

Aprendizados, agências e estratégias: administrando o risco

As viagens de mochila se produzem a partir de estratégias específicas para a estrada. São oriundas dos aprendizados em encontros intersubjetivos com outras mulheres, que atuam como “professoras” ao compartilharem dicas sobre limites de lugares, formas de deslocamentos, estratégias de hospedagem, entre outros. Os códigos e as regras são comunicados e repassados. As narrativas das interlocutoras sobre os medos eram recorrentes e apareciam acompanhadas de estratégias para driblar os assédios. Como exemplo, o uso de serviços e produtos específicos para as mulheres: quartos femininos compartilhados já são oferecidos em muitos hostels; saídas controladas à noite; limites de interação com homens.

Há códigos e regras específicas para as viajantes na estrada: lugares a que não se deve ir sozinha, horários inadequados para desembarques, caronas que não devem ser aceitas. Aprender sobre essas estratégias desconstrói medos. A desconstrução do medo pode ser entendida por meio de a) planejamento detalhado que envolve negociações, agenciamentos e autogestão de recursos; b) apropriação de ferramentas e tecnologias digitais; c) conhecimento prévio sobre os lugares e os processos das zonas fronteiriças e d) capacidade de improvisação.

Nesse sentido, mulheres desenvolvem inteligências particulares para lidar com o perigo na estrada. Há um processo de aprendizados e invenções que acontecem à medida que novas fronteiras são cruzadas. Encarar o risco é parte importante da experiência transformadora desse tipo de viagem. Yang (2017:21, tradução das autoras) considera o risco como “uma consciência socialmente construída de perigo ou resultados principalmente indesejáveis, embora excitação e oportunidade possam ser derivadas dos resultados”11. A consciência do perigo abre espaço para agencialidades que, por sua vez, abrem os caminhos. E é isso que não nos torna um alvo fácil.

Beatriz Sarlo (2015) argumenta que, ao planejar uma viagem, traçamos no imaginário formas de experimentar lugares, com antecedência. Porém, um planejamento não garante a organização, pois sempre há acontecimentos que não são calculáveis. No universo de viajantes brasileiros as situações que fogem do controle e que, muitas vezes, mudam um itinerário são chamadas “perrengues”. A mudança de programa envolve situações inesperadas, as quais se tem prévia consciência de que podem (e vão) acontecer ‒ algumas até desejadas. É geralmente no perrengue que se aprende a negociar o risco e improvisar. O perrengue desestabiliza a organização prévia e indica a possibilidade de ação, invenção, criatividade, e incide sobre a experiência subjetiva e resulta em aprendizados acumulados.

Rosa saiu de casa no improviso. Não tinha dinheiro algum, planejava aprender e trabalhar durante a viagem: “... eu tinha que me sustentar de algum jeito, e como eu não sabia fazer artesanato, nem nada, comecei a aprender malabares”, contou. Viajou “fazendo” dinheiro na estrada, trabalhando em várias cidades por dia, com a amiga. Gabi atuava como articuladora com formas estabelecidas de negociar a realidade. Ambas são mães e haviam conseguido negociar as relações familiares anteriormente ao embarque. Rosa confiava na amiga que tinha experiência e estratégias de gestão de viagem, queria experimentar a estrada com ela para aprender. A companhia também foi fundamental para Nanda, que tinha confiança na figura da irmã Flora e contava com a sua experiência. Durante o percurso se aprende com a experiência das outras. É nesses encontros intersubjetivos que o aprendizado circula, por exemplo, entre quem está pegando a estrada agora e quem já conhece os movimentos dela.

No caso de Rosa e Gabi, as agencialidades emergiram desde o planejamento; as negociações principais giravam em torno da maternidade, ou seja, de uma rede de apoio familiar que as ajudasse com as crianças. Afastar-se, temporariamente ou de forma mais duradoura, dos vínculos familiares e afetivos exige um processo de negociação e construção de novos laços, agora administrados à distância. Para outras interlocutoras, a organização financeira era primordial: juntar uma grana e planejar um roteiro. As relações na estrada são negociadas dentro dos seus próprios termos, não obstante, há um agenciamento em cadeia que envolve caronas, redes de contatos, meios de hospedagens, entre outros.

As capacidades de agência afloram e trazem uma dimensão de transformação por meio da experiência vivida, produzindo sentidos diversos no ato de viajar. “Pegar a estrada” envolve perrengues e dificuldades que fazem parte da aventura de embarcar rumo ao incerto, ao que não é estável. As situações difíceis produzem soluções criativas, abrem margem para práticas de agências que possibilitem sair delas. Dentro das estratégias de autogestão, destacamos as escolhas de onde ficar e como transitar, que implicam diretamente na gestão/produção de recursos no decorrer da viagem. Muitas soluções criativas das viajantes latino-americanas partem das formas de trabalho desenvolvidas para se manter viajando.

O processo de organização envolve “juntar dinheiro”, procurar trabalho voluntário, agendar hostel, cadastrar-se em plataformas, fazer planilhas, entre outras providências. É recorrente o contato anterior com hostel, WorldPackers, CouchSurfing, Booking, para organizar voluntariados e meios de hospedagem. A utilização de aplicativos e plataformas de conexão movimentam os trajetos das interlocutoras, o que indica que os espaços de construção de uma viagem envolvem comunidades virtuais e redes de solidariedade construídas de forma espontânea. Juana disse que o ano anterior à sua decisão de viver na estrada “...fue um año de proyectar, ordenar, juntar plata, averiguar lugares, hostel, voluntariados”. Juana, Liz, Flora, Nanda adotaram a estratégia de ahorrar dinheiro, além do contato antecipado com possíveis locais de voluntariado.

A forma de organização está relacionada à percepção do risco, mas também é influenciada pelas posições de classe. Essas duas dimensões se entrecruzam. A proximidade/distanciamento com situações cotidianas de violência pode marcar de forma diferente a percepção de risco. As formas como se cruzam as fronteiras do perigo na estrada são singulares, a administração do risco é particular. Mas, também, desenvolvem-se agências conjuntas, como algumas estratégias compartilhadas para distanciar homens identificados como machistas e assediadores. Para a maioria das interlocutoras, o planejamento é capaz de proporcionar a sensação da segurança.

As viajantes que optam por se organizar priorizando a “segurança”, direcionam gastos para garanti-la. Há uma “...predisposição de algumas mulheres para viajar para determinado local que é mais influenciada pelas questões de segurança do respectivo ambiente do que pelos seus medos e inseguranças pessoais” (Reis, 2016:79). Liz considerava as estratégias de segurança fundamentais. Assim escolhia viajar de ônibus e ficar hospedada em hostel, para ela uma forma de proteção. Nessa concepção, existem situações de potencial vulnerabilidade, como a prática da carona e ofertas de hospedagem solidária por homens.

Dessa forma, a organização prévia aparece como um dispositivo de segurança mesmo que não seja seguido na totalidade. “Eu amo planejar, mas eu descobri na estrada que eu odeio seguir meu planejamento, porque eu chegava na cidade falava: o que tem para fazer aqui? Aonde que será que eu posso ir depois?”. Lanna segue dizendo que: “Tá tudo bem planejar porque a gente precisa sentir aquela segurança de já saber um pouco do lugar antes de ir, porque isso ajuda a quebrar um pouco dos nossos medos, o medo do desconhecido, e então, quando você conhece um pouco, você acalma esse medo. Então isso é bom, mas o ruim é se engessar nesse roteiro que a gente monta”. Nesse depoimento fica evidente que a elaboração de um roteiro não precisa ser um planejamento engessado. É importante saber sobre os lugares de destino para acalmar os medos, mas é preciso confiar no universo e na buena vibra.

Diferentemente das interlocutoras que organizaram a viagem com recursos financeiros, as artistas de rua vão produzindo o sustento à medida que se deslocam, o que marca posições de classe. Elas estão mais expostas à dinâmica das ruas, das praças e da precarização da viagem. Para elas, a noção de pertencimento a um grupo é de suma importância e garante certa mobilidade espacial. O roteiro das artistas de rua direciona para uma viagem com poucos recursos financeiros, que se concretiza em função das negociações diárias por meio de redes de informações, conexões e solidariedades. É uma viagem baseada também em habilidades manuais e intelectuais que as viajantes são capazes de aprender e desenvolver durante os trajetos desenhados. O improviso está sempre presente.

Os objetos e instrumentos são marcantes nas experiências transfronteiriças das interlocutoras. Liz embarcou com uma “mala de rodinhas” e voltou para casa com um mochilão, que comprou no Equador, onde abandonou a mala. Rosa embarcou com uma “malona” a qual foi se desfazendo durante o trajeto de retorno. Carol foi ressignificando a bagagem ao longo da viagem, mas, assim como Gabi, carregava peças de malabares e instrumentos de trabalhos artesanais.

Na atualidade há ferramentas estratégicas que auxiliam no processo de deslocamento, como o acesso aos serviços de localização. A conexão com a internet possibilita o uso de diversos aplicativos que facilitam o deslocamento e é importante para compartilhamentos de informações e fotografias entre os amigos e familiares. A maioria dos estabelecimentos, como hostel e restaurantes, possui conexão Wi-Fi. O uso do celular (e outras tecnologias) é importante para negociar hospedagem, verificar mapas, formas de deslocamento, etc. Além disso, “dar notícias” é parte da negociação da viagem.

Há ainda a necessidade do conhecimento prévio sobre as dinâmicas das fronteiras e suas ferramentas de controle – que serão acrescidos ao que se constrói no decorrer dos trajetos. É importante saber sobre os documentos exigidos em cada país no contexto da visita. Como exemplo, a Bolívia é um dos países no qual ainda é exigida a apresentação da carteira internacional de vacinação contra febre amarela. Dessa forma, os documentos pessoais tornaram-se parte da organização, principalmente nos trânsitos internacionais, acionados – ou não – conforme o país a ser visitado. No atual contexto da América do Sul, é possível usar o Documento Nacional de Identidade para o controle fronteiriço entre os países do Mercosul. Além disso, o passaporte é um dispositivo amplamente aceito. Os documentos exigidos são determinados pelo contexto político e sanitário, uma vez que as regras de circulação são mutáveis. O conhecimento sobre processos das zonas fronteiriças é uma estratégia de viagem.

As interlocutoras desta pesquisa construíram os itinerários em diferentes tempos, ultrapassando distintas fronteiras nacionais e culturais; assumindo o risco, enfrentando incertezas e imprevistos, utilizando estratégias que vão desde a modificação estética até formas alternativas de utilizar o tempo-espaço para negociar os riscos; vencendo o medo, valendo-se de formas de organização que definem o tipo de trabalho, formas de transitar e outros fatores que constroem os itinerários. Podemos apontar outras questões que marcam a organização e a concretização da lógica particular de cada viagem, para demonstrar que pegar a estrada, não significa uma ação desorganizada, pelo contrário, é uma ação planejada, agenciada e gerida até tornar-se um projeto viável a ser consolidado.

A viagem como projeto individual: desconstruindo o risco

Dois tipos de projetos de viagens das mulheres se evidenciaram na pesquisa de campo: os empreendidos sozinhos e os em companhia de outra mulher. A natureza desses projetos é formatada por estratégias individuais e coletivas que atravessam os estilos de viajar. No âmbito dos significados, a viagem sozinha tem tido um forte apelo nas narrativas de muitas viajantes, criando, às vezes, um formato de viagem inalcançável para algumas mulheres. Lanna aconselha: “Tá tudo bem não gostar de viajar sozinha. Quem viaja sozinha não é melhor que ninguém, não é mais mulher que ninguém, não é mais corajosa que ninguém, mas é uma forma, um estilo de vida e é uma ferramenta de autoconhecimento, não é a receita de autoconhecimento”. Ou seja, para ela, viajar sozinha é um processo, não um símbolo absoluto de coragem.

Para algumas viajantes, é importante a companhia de outra mulher. Jak sentia força na companhia da prima, notava a diferença da abordagem de homens locais quando estava com ela ou quando se juntavam a grupos de homens. Relatou que “... por ser mulher, eu sentia muita força entre a gente, quando a gente passava por situações juntas ou separadas, depois a gente conversava, assim, de algum tipo de discriminação, se alguma sofria por algum machismo”. Ainda assim, fazia também os roteiros sozinha.

Para Flora e Nanda, viajar juntas era firmar um laço entre irmãs que compartilham projetos, desejos e percepções de mundo. Era a busca por um conhecimento compartilhado por meio da experiência vivida na estrada. Elas, igualmente, foram igualmente afetadas pelo machismo: “... é cansativo você ser mulher viajando porque você tá com medo o tempo todo”. Nanda complementa contando que: “... queria caminhar à noite sozinha e eu lembro até hoje dessa sensação, de eu estar em um lugar deserto, era uma vila de pescadores, pequeninho, num lugar paradisíaco, e eu não me sentia segura andando na praia porque eu tava andando na praia sozinha”. É fácil perceber que dividir uma jornada com outra mulher não apaga os medos e as sensações de insegurança.

Os itinerários de algumas interlocutoras mostram um projeto conjunto, mas também autônomo, com espaço para o exercício das liberdades individuais e compartilhamento, inclusive, dos medos. Isso pode mostrar como o sentido coletivo é importante para a construção da viagem das mulheres. Essa possibilidade de alternar ou escolher com quem deseja viajar ressalta que certas dimensões das formações das subjetividades estão relacionadas à forma como cada uma constrói seus projetos, a partir das descobertas de suas capacidades de superar limites e de tomar decisões.

Nesse processo de construção e desconstrução da viagem, ocorrem reflexões sobre si e sobre as próprias escolhas, assim como a transgressão de regras estabelecidas propiciam o questionamento da lógica social da viagem relacional. No percurso, há uma troca de signos e níveis de encorajamento. Júlia iniciou suas viagens sempre acompanhada, mas com o decorrer das experiências na estrada, foi se encorajando para alçar novos voos, a ponto de não depender de companhia para viajar, não precisar negociar a companhia de outras pessoas ou da presença masculina.

Carol contou que seu o impulso inicial aconteceu incentivado pela viagem em conjunto. Inicialmente embarcou com um grupo de amigas. No decorrer do trajeto, os sentidos da viagem foram ganhando novas formas à medida que as possibilidades de trânsito se expandiam. Até o instante em que percebeu que, mesmo acompanhada, estava fazendo os rolês sozinha. Isso a fez perceber que não era tão perigoso assim viajar sozinha. Esse processo de encorajamento perpassou a trajetória que desencadeou esta pesquisa. Faz parte da primeira experiência de viagem de mochila de uma das autoras deste artigo, em 2011, quando embarcou junto a um grupo de pessoas, mas na metade da viagem estava sozinha em um ônibus cruzando de Cusco para La Paz, fazendo o próprio roteiro.

Uma espécie de “bicho-de-sete-cabeças” vai sendo desconstruído no decorrer do movimento e pode impulsionar novas formas de viajar. Flora contou que

... depois que eu já batizei que tipo assim, que não é um bicho-de-sete-cabeças, ao contrário de quando eu comecei a viajar […]. Hoje em dia eu até prefiro viajar só. Não sei por que, acho que você acaba estando mais aberta para conhecer as pessoas, para trocar ideia, para se conectar com os outros [...]. Quando você tá só, é meio que você tem que se virar, e se você quiser, não sei, até é um aprendizado também, assim de independência.

Esse depoimento sugere que percepções positivas da viagem sozinha vão acontecendo à medida que, por meio de descobertas vantajosas, os riscos são desconstruídos.

Cruzar fronteiras sozinha aparece como um exercício de valorização da autonomia, mas cada pessoa ao seu modo, como disse Lanna: “Não é uma receita de felicidade”. Levar adiante um projeto de viagem individual é assumir a autogestão de uma rota que exige cuidados, mas que “... é muito mais do que se espera e muito menos do que se teme”, como escreveu Juana. O medo construído envolve projeções exageradas de possíveis acontecimentos enquanto a experiência vivida pode ser prazerosa ou positiva, superando expectativas projetadas.

Ainda que a viagem solo apareça como um discurso importante na trajetória de várias viajantes, os traços coletivos aparecem constantemente. São parte das dinâmicas individuais. Como exemplo, Jak, em contato recente, falou que está em um projeto conjunto com o companheiro, assim como aconteceu em diversos trajetos de Carol. Ou ainda, Lanna, que atualmente realiza tanto viagens em parceria quanto sozinha. Nesses casos, há uma alternância entre viagens sozinhas e acompanhadas, mas que não deslocam as agências e as estratégias no sentido de construir significados particulares.

Os itinerários das interlocutoras permitem analisar a dimensão dos trajetos percorridos, em termos espaciais e subjetivos. Encarar o risco da viagem permite formular sobre os aspectos subjetivos das fronteiras, como espaço de possibilidade e de construção de subjetividade, como considera Glória Anzaldúa (2012), pois envolve agencialidades, organizações, aprendizados e elaborações outras sobre si. Os pontos de rota desenhados contam sobre quais fronteiras elas ultrapassam, e as linhas particulares são traçadas baseadas na improvisação. Cada qual com seus instrumentos, estratégias, improvisa um caminho particular, faz o caminho ao caminhar.

Os deslocamentos culturais pelos quais as subjetividades das viajantes latino-americanas são atravessadas, refletem diferentes maneiras com que elas se dispõem a cruzar fronteiras que dividem o mundo e pessoas. Além disso, indicam contribuições para desafiar noções de gênero estabelecidas e atribuídas ao espaço das fronteiras. É na ação da viagem, na experiência vivida, no caminho, que se constroem estratégias para alargar as possibilidades de mobilidades, desfazendo marcas de gênero e desestabilizando noções de risco.

Se a Antropologia pode nos auxiliar a encontrar os caminhos em meio às ruínas desse mundo que habitamos, como considera Ingold (2019), podemos dizer que as mulheres viajantes estão afirmando um lugar na formação da América Latina. Elas produzem subjetividades que se movimentam pelas margens da lógica do individualismo moderno. Compartilham da presença e aprendem com as experiências umas das outras, ou seja, criam a si mesmas e umas às outras por meio da experiência viajante que desafia regras fronteiriças e possibilita vivenciar outras realidades. Elas nos fazem imaginar um mundo possível entre as ruínas de uma modernidade interessada no controle dos corpos das mulheres, mas que também esbarra na coragem e organização histórica das mulheres latino-americanas.

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  • XAVIER, Ângela Leite. Olhos de Estrela: Chaskañawi. Ouro Preto: Edição da autora, 2011.
  • 1
    Mochilão é um termo polissêmico, neste caso é uma forma de referenciar a mochila cargueira – uma mochila grande. É também utilizado para se referir a um projeto de viagem executado conforme regras e condutas do universo backpacker/mochileiro.
  • 2
    A mochila de ataque é um equipamento menor, que serve de apoio para guardar alguns itens considerados importantes e valiosos.
  • 3
    A inserção das mulheres no mundo das viagens, bem como a referência a sua presença nos processos de deslocamentos, tem sido objeto de discussão em diferentes abordagens, de modo enfático no que se refere a desconstrução acerca do período colonial. Tem destaque o argumento da necessidade de considerar os processos de colonização incorporando teorias de poder e de gênero, como forma de alcançar as complexidades inerentes e as diferenciações de homens e mulheres nos processos de deslocamento (McClintock, 2010).
  • 4
    A pesquisa de campo foi realizada pela primeira autora, Ester Corrêa. Por essa razão, no decorrer do texto, alternaremos a redação em primeiras pessoas do singular e do plural. Os nomes das entrevistadas utilizados no artigo são reais, informais – como apelidos – ou fictícios, atribuídos conforme negociação com as interlocutoras acerca das formas de apresentação. De acordo com Fonseca (2007), o uso ou a recusa do anonimato revela questões de identidade e de visibilidade das pessoas envolvidas na interlocução da pesquisa etnográfica.
  • 5
  • 6
    Segundo a ONU Mulheres Brasil (2017), América Latina e Caribe é a região mais violenta do mundo para as mulheres. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/regiao-da-america-latina-e-do-caribe-e-a-mais-violenta-do-mundo-para-as-mulheres-diz-onu/. Acesso em: ago. 2022.
  • 7
    Há um relatório elaborado, em 2019, por uma agência de segurança em viagens –Women’s Danger Index– divulgado em sites de notícias. No entanto, inexistem levantamentos sistemáticos produzidos por órgãos governamentais ou observatórios estatais que permitam mensurar de forma oficial a violência de gênero contra mulheres viajantes, isso revela uma lacuna significativa de dados públicos. Em 2024, após o assassinato de Julieta Hernandez no Brasil, o tema voltou a ganhar destaque no debate público. Algumas opiniões de mulheres viajantes podem ser conferidas em: https://www.brasildefato.com.br/2024/01/12/o-problema-nao-e-viajar-e-ser-mulher-viajantes-solo-associam-violencia-ao-machismo . Acesso em: mar. 2024.
  • 8
    Fonte: CEPAL, Observatorio de Igualdad de Género de América Latina y el Caribe. Disponível em: https://oig.cepal.org/es/indicadores/feminicidio. Acesso em: ago. 2022.
  • 9
    Utilizamos a categoria viajante para nos referirmos às mulheres que organizam viagens autogeridas, constituindo diferenças em relação às turistas para as quais as viagens são organizadas mediadas por agentes externos.
  • 10
    Mangueio é uma prática de trabalho muito utilizada por artistas de rua na venda de suas produções, na qual o convencimento e a ação são táticas importantes.
  • 11
    Risk: A socially constructed consciousness of danger or mostly undesirable outcomes, though excitement and opportunity can be derived from the outcomesYang (2017:21).
  • Editoras/r responsáveis pelo processo de avaliação:
    Natália Corazza Padovani,
    Julian Simões,
    Luciana Camargo Bueno.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2025
  • Data do Fascículo
    Out 2025

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2024
  • Aceito
    24 Abr 2025
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