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Desafios à despatriarcalização do Estado brasileiro

Challenges for the Depatriarchalization of the Brazilian State

Resumos

Este artigo debate o tema da despatriarcalização do Estado brasileiro, especialmente, a partir da dinâmica de participação/representação nos âmbitos dos poderes Executivo e Legislativo. Esse é um processo em curso no Brasil (e também em outros países latino-americanos). O artigo trás uma contribuição ao debate sobre as agendas de descolonização das nossas sociedades e também do Estado, numa perspectiva em que o marcador de gênero não seja tratado perifericamente, mas como elemento estratégico para a descolonização/despatriarcalização do Estado, um dos eixos centrais de análise das opressões de origem patriarcal. Mas para chegar a esse ponto foi necessário um percurso longo por leituras críticas da teoria feminista e do pensamento social brasileiro, que debateram sobre estruturas, valores e fundamentações teóricas de um sistema social e político que afirmo ser ainda enraizadamente patriarcal e neocolonial em nosso país. Veremos como esse contexto é permeado de inúmeras contradições: o patriarcado tem igualmente se transformado e, infelizmente, continua moldando as nossas instituições estatais, tratando de garantir e sustentar a inserção subordinada das mulheres nas distintas dimensões da esfera pública e, com isso, retardando e muito os avanços que os movimentos de mulheres demandam e lutam, mas já há iniciativas também em curso de mecanismos que possam compor sistemas de responsabilização institucional sensíveis a gênero e que sejam receptivos a processos continuados de empoderamento das mulheres como estratégia democratizadora do Estado brasileiro no âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Estado; Patriarcado; Movimentos Feministas; Despatriarcalização; Feminismo Estatal


This article discusses the issue of the depatriarchalization of the Brazilian State, especially from the perspective of the participation/representation dynamics in the executive and legislative branches. This is an on-going process in Brazil (and in other Latin American countries). This article contributes to the debate on the agenda of decolonizing our societies and even the State. The perspective adopted is one where gender is not treated marginally, but as a strategic element for the decolonization/ depatriarchalization of the State, which is one of the central points of analysis regarding the origins of patriarchal oppression. In order to arrive at this point, a long period of critical readings of feminist theory and Brazilian social thought was necessary, given that these reflections discussed the structures, values and theoretical foundations of a social and political system that we claim to still be rooted in patriarchy and neocolonialism in our country. We will observe how this context is permeated by various contradictions: patriarchy has equally transformed itself and unfortunately continues to shape our state institutions, guaranteeing and sustaining the subordinate placement of women in distinct dimensions of the public sphere. Hence, this has greatly slowed down the progress women's movements have demanded and continue to fight for. Nevertheless, there are already some initiatives underway related mechanisms that can make up accountable systems that are institutionally gender-sensitive and be receptive to continuing processes of women's empowerment as a democratizing strategy of the Brazilian state in the legislative, executive and judiciary branches.

State; Patriarchy; Feminist Movements; Depatriarchalization; State Feminism


Este ensaio é dedicado a Neuma Aguiar (a quem devo minha "entrada" no feminismo) e à memória de Heleieth Saffioti, duas desbravadoras brilhantes do patriarcado nas ciências humanas brasileiras. Duas estrelas feministas e minhas permanentes inspirações.

Este artigo pretende debater o tema da despatriarcalização do Estado brasileiro, especialmente, a partir da dinâmica de participação/representação nos âmbitos dos poderes Executivo e Legislativo. Parto do pressuposto de que esse é um processo em curso no Brasil (e também em outros países latino-americanos).

Esta proposta pretende ser uma contribuição ao debate necessário sobre as agendas de descolonização das nossas sociedades e também do Estado, numa perspectiva em que o marcador de gênero não seja tratado como marginal ou periférico. Ou seja, vou tratar dos esforços em curso de descolonização/ despatriarcalização do Estado, tomando como eixo central de análise a opressão de gênero ou de origem patriarcal, na chave de um processo de democratização social e do próprio Estado. Mas para chegar a esse ponto será necessário um percurso relativamente longo por leituras críticas da teoria feminista e do pensamento social brasileiro, que debateram sobre estruturas, valores e fundamentações teóricas de um sistema social e político enraizadamente patriarcal e colonial. Esse percurso se inicia pelas críticas de importantes teóricas feministas ao modelo liberal de cidadania e de representação, baseado na concepção do contrato social, no qual as dicotomias entre público e privado, cultura e natureza, razão e emoção, igualdade e diferença estão profundamente vinculadas à hierarquização do masculino sobre o feminino e na dominação dos homens sobre as mulheres.

Entendo que uma proposta estratégica política está em construção (não sem tensões e contradições) no país e ela visa esse sentido despatriarcalizador. Essa nova política carece de um enquadramento teórico forte que lhe seja fiel, e que seja também capaz de articular os movimentos feministas e de mulheres com diferentes estruturas do Estado, construindo-se pontes entre os sentidos que vão sendo também des/e reconstruídos nessa dinâmica tanto da descolonização, quanto da despatriarcalização. Parto também da afirmação da diversidade/multidimensionalidade e complexidade das identidades e subjetividades das mulheres e de suas lutas, problematizando e igualmente complexificando a categoria gênero a partir do que designo por quarta onda do feminismo, que está assentada numa perspectiva descolonial e crítica ao feminismo hegemônico do norte global.

Deve-se levar em conta que teóricas feministas têm insistentemente observado que o exercício do poder estatal apresenta uma forte inclinação e/ou pré-julgamento sobre as relações de gênero que o estruturam sendo ela, quase sempre, disfarçadas sob o manto da neutralidade de gênero no âmbito das instituições estatais (no Executivo, no Legislativo e no Judiciário). Mas essa neutralidade simplesmente não existe e pode-se sim afirmar a presença de inclinações patriarcais estruturadas no Estado brasileiro. Na primeira parte deste ensaio, reconstruo o debate teórico entre o liberalismo e o patriarcado, inserindo as críticas feministas aos contratualismo liberal moderno. Na segunda seção, então, me debruço sobre o tema da relação do patriarcado com a construção e as especificidades do Estado brasileiro, recuperando autores e autoras do pensamento social brasileiro que nos respaldam nessa afirmação. Nas sessões seguintes, estabeleço a proposta de um enquadramento analítico das ondas recentes do movimento feminista e de mulheres no Brasil, destacando sua relação com iniciativas de despatriarcalização do Estado, para, finalmente, após apresentar algumas dessas iniciativas, elaborar algumas considerações finais sobre esse tema tenso e disputado das relações entre Estado, mulheres, feminismos e transformações políticas no Brasil.

Porque entendo ser necessário sustentar e aprofundar tal processo permanente de crítica e de desconstrução daqueles elementos e estruturas que ainda se organizam de modo bastante enviesado em relação a gênero, ou seja, se organizam patriarcalmente dentro do Estado brasileiro, é que me voltei para o esforço de escrever este ensaio. Entendo, pois, que só a partir desse exercício é que será possível acumular e disseminar as forças necessárias para efetivamente se "despatriarcalizar" o nosso Estado, com vistas a afirmar e a consolidar as condições de possibilidade da manutenção continuada no tempo e no espaço de instituições e mecanismos que possam compor sistemas de responsabilização institucional que, por sua vez, venham a ser sensíveis a gênero e sejam, finalmente, receptivos a processos continuados de empoderamento das mulheres como estratégia democratizadora do Estado brasileiro, no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo.

Patriarcado, Liberalismo e Teoria Política: feminismo agindo como ácido nas teorias contratualistas modernas e patriarcais

O patriarcado não é um conceito incontroverso na e para a teoria feminista. Sem desejarmos aqui estabelecer uma longa digressão relacionada a esse conceito, importa lembrar que no século XVIII, Wollstonecraft (2009), por exemplo, foi uma voz destoante que levantava críticas severas aos principais fundamentos patriarcais que organizaram o Estado Moderno e que teve, nos teóricos do contratualismo, os seus mais sofisticados alicerces.

Sabemos que daí para diante, as concepções que foram sendo construídas para se explicar e sustentar as teorias de Estado e de democracia liberal representativa (no cânone hegemônico da ciência política) consolidaram os princípios desse contratualismo moderno - segundo as críticas feministas, eivado de elementos patriarcais - que, por sua vez, definiram os contornos de separação e distinção que até hoje vemos persistir entre: (a) as esferas pública e privada; (b) quem poderia (e quem não poderia) ser incluído/a politicamente pelo Estado como cidadão/ã (tendo por base um binarismo sexual hierarquicamente assinalado: cidadãos homens, provedores, associados ao mundo público e as mulheres mães e cuidadores associadas ao mundo privado); (c) a associação do binarismo e da divisão sexual entre homem e mulher com esta última sendo associada a "natureza/emoção/sensibilidade" e os homens a "cultura/razão/racionalidade", e; (d) sobre quais tipos de questões e de demandas poderiam vir (ou não) fazer parte legítima das principais preocupações dos governos.

A divisão público/privado, por exemplo, é um tema bastante recorrente na teoria política. São vários os autores e autoras que trataram do assunto. Na teoria política feminista mais especificamente, essa distinção tem mesmo um papel central, sendo identificada como um dos principais fatores modernos que teriam, diretamente, contribuído para manter a opressão patriarcal sofrida pelas mulheres. Muitas são as abordagens feministas sobre o tema; dentre elas são dignas de nota a ética do cuidado, as críticas feministas às teorias da justiça, as ideias acerca da autonomia e da cidadania.1 1 Algumas autoras feministas importantes neste debate são: Jean Elshtain (1981), Susan Okin (1989), Carole Pateman (1990, 1993) e Sylvia Walby (1990). Não faremos uma exegese dessas distintas contribuições aqui.

Mas devo iniciar este debate entendendo e ressaltando que o patriarcado não é uma estrutura que faz parte exclusivamente do passado. Como Pateman (1993)PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo, Paz e Terra, 1993. [Tradução de Marta Avancini]. e Walby (1990)WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford, Basil Blackwell, 1990., entendo que esse elemento-força é ainda arraigadamente constitutivo de nossa modernidade e da forma como ainda hoje o Estado, inclusive o brasileiro, está estruturado. Mas não é incomum vermos definições que associam o patriarcado a uma força tradicional do passado ou a uma forma de poder genealógico (tribal, clânico, familiar e pessoal) que se organizava a partir da dominação dos homens sobre as mulheres, seus descendentes, escravos e família.

A partir das décadas de 1970 e 1980, foram as feministas que começaram a entrar no campo da teoria política, visando, sobretudo, reler e desconstruir tais fundamentos.

Para a feminista Celia Amorós o define da seguinte maneira:

pode-se considerar o patriarcado como uma espécie de pacto interclassista metaestável, pelo qual se constitui o patrimônio de gênero dos homens, na medida em que eles se autoinstituem sujeitos do contrato social diante das mulheres que são, em princípio, as contratadas (Amorós, 1994AMORÓS, Célia. Tiempo de Feminismo. Sobre feminismo, proyecto ilustrado y postmodernidad. Madrid, Ediciones Cátedra, 1997.:32).

É claro que existe uma forte associação entre as origens históricas (e até arqueológicas) das famílias e o patriarcado. O próprio termo "família" remete a essa origem, pois se refere, etimologicamente, ao vocábulo latino famulus, que significa o "escravo doméstico". Engels (1984)ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984. em sua obra clássica, A Origem da família, da propriedade privada e do estado, foi pioneiro em desvendar alguns dos elementos centrais desse novo organismo social - a família - que teria se consolidado enquanto instituição na Roma Antiga. A família romana então era centrada na figura do homem, sendo que as mulheres, no geral, eram meras coadjuvantes. O homem/patriarca tinha sob seu poder a mulher, os filhos, os escravos e os vassalos, além do direito de vida e de morte sobre todos eles. A autoridade do pater familiae sobre os filhos prevalecia até mesmo sobre a autoridade do Estado e duraria até a morte do patriarca, que poderia, inclusive, transformar seu filho em escravo e vendê-lo (Engels, 1984ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984.; Xavier, 1998). Para Engels, foi a família monogâmica que estabeleceu, definitivamente, o patriarcado, a herança por linha paterna e a supremacia do homem sobre a mulher:

O governo do lar perdeu seu caráter social. A sociedade já nada mais tinha a ver com ele. O governo do lar se transformou em serviço privado; a mulher converteu-se em primeira criada, sem mais tomar parte na produção social (Engels, 1984ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984.:80).2 2 O matrimônio proletário, é necessário destacar, é monogâmico apenas no sentido etimológico da palavra, mas não no sentido histórico. Essa peculiaridade pode ser explicada pela ausência de propriedades, o que acarreta a inexistência de motivo para o estabelecimento da supremacia masculina. Soma-se a isso o fato de que a mulher proletária está presente no mercado de trabalho, sendo muitas vezes o alicerce da casa. O que resta, em alguns casos, é o trato violento com as mulheres, que surge com a instituição da monogamia.

Com isso, a esfera doméstica se transforma em um terreno privado, apartado da produção social. O trabalho produtivo realizado pelo homem é o único que possui relevância, ao passo que o trabalho doméstico se resume a uma insignificante contribuição àquele. Engels acredita que enquanto a mulher não tomar parte do trabalho produtivo social, permanecendo confinada ao trabalho doméstico, privado, a emancipação e a igualdade não poderão acontecer.

Nos dias de hoje, podemos afirmar que o patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: (1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens, e (2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos.

Carole Pateman3 3 De origem britânica, estudou na Universidade de Oxford. Sua carreira internacional inclui Europa, Austrália e Estados Unidos da América do Norte, sendo a primeira mulher a se tornar presidente da Associação de Ciência Política Australasiática e a primeira mulher Presidente da Associação de Ciência Política Internacional (de 1991 a 1994). É membro da Academia de Artes e Ciências Americana e docente do Departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Suas obras são muitas e entre seus livros mais conhecidos e estudados estão os seguintes: The Disorder of Women: Democracy, Feminism, and Political Theory (1989); The Sexual Contract (1988); The Problem of Political Obligation: A Critical Analysis of Liberal Theory (1970); Feminist Interpretations and Political Theory (1991). Além de artigos publicados nas mais importantes revistas do mundo e de traduções em diversas línguas, incluindo-se traduções brasileiras. Entre seus temas centrais estão o feminismo, a democracia e a liberdade. , por exemplo, foi uma das autoras que mais contribuiu para atualizar o debate crítico a respeito da presença do patriarcado dentro das nossas estruturas políticas (e de nossas teorias) modernas. Para ela, quando nos reportamos às origens teóricas de constituição do Estado moderno, seria preciso recontar e desconstruir a história dessa gênese da política, considerando-se pelo menos mais dois aspectos para além do contrato social: (1) o contrato sexual (e de casamento), que legitima o domínio dos homens sobre as mulheres; e (2) o contrato de escravidão, "(...) que legitima o domínio dos brancos sobre os negros" (Pateman, 1993PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo, Paz e Terra, 1993. [Tradução de Marta Avancini].:324). Apenas na medida em que essa "nova história" for contada, é que se tornaria possível construir um novo modelo de política e de cidadania para todos/as, consolidado a partir de uma nova concepção de liberdade (não liberal contratualista) como fundamento da condição humana. Em uma de suas obras mais proeminentes, o Contrato Sexual (1993), a autora faz uma revisão da teoria do contrato social moderno a partir do olhar crítico feminista, retomando o conceito de patriarcado como central na história política da modernidade, problematiza a dicotomia entre público e privado e propõe uma nova concepção de liberdade.

O patriarcado é tido por Pateman como conceito articulador central para o entendimento das relações políticas e sociais do mundo contemporâneo. Para ela, não haveria como prescindir dele para se analisar a política, uma vez que ela foi e é (continua a ser) construída sob sua ótica. Ela revisita os contratualistas (Locke, Hobbes, Rousseau etc.) justamente para evidenciar como a divisão entre público e privado (por exemplo, em Locke) aparecia ao lado da teorização sobre o estabelecimento do Estado. Uma vez que o Estado seria tido como um resultado racional da modernidade iluminista, seu processo de formação também seria pautado por essa mesma modelagem de racionalidade, isto é, por um contrato social. Em sua narrativa, Locke costumava separar o poder paterno do poder político (Pateman, 1993PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo, Paz e Terra, 1993. [Tradução de Marta Avancini].). O último seria convencional, podendo ser exercido apenas sobre indivíduos livres e iguais, sob consentimento. Com isso, o poder político não poderia ser confundido com o poder paterno, exercido sobre os filhos na esfera familiar, uma vez que seria baseado em uma relação "natural" que se encerraria com a chegada da maturidade, garantindo liberdade e igualdade aos filhos (apenas àqueles do sexo masculino, claro).

Essa separação efetuada entre família e política é também, conforme nota Pateman, uma divisão sexual. As diferenças "naturalmente" existentes entre os homens e as mulheres passam a exigir a sujeição das mulheres. A submissão estaria ancorada na força e na capacidade "naturalmente superiores" do marido. Com isso, o governo dos maridos sobre as esposas seria justificado pela natureza e, portanto, não seria objeto de escrutínio político. Derivaria daí também a constatação de que as mulheres não deveriam possuir status de indivíduos ou de cidadãos, sendo, portanto, proibidas de participar de um mundo público/político pautado pela igualdade, pelo acordo e pelo consentimento. Para Locke, as capacidades dos indivíduos variam de acordo com o sexo e somente aquelas características inerentes aos homens poderiam, finalmente, oferecer uma condição de liberdade e igualdade (Pateman, 1988PATEMAN, Carole. The disorder of Women: democracy, Feminism and Political Theory. Stanford, Stanford University Press, 1989, pp.180-209.). Assim, o privado também foi fortemente associado à natureza e o público à racionalidade. Aos homens, seres imaginados como racionais por excelência, foi dado o direito de consentirem em participar da esfera pública, igualitária e livre. As mulheres, vistas como carentes de razão, deveriam permanecer no lugar que lhes seria "natural": a esfera privada. Para Iris Young (1990), por exemplo, essa diferenciação foi a base para excluir as pessoas de uma efetiva participação na esfera pública.

As lentes patriarcais estão também postas desde a própria concepção liberal contratualista de indivíduo, fundamental na compreensão da política moderna. Pateman (1993PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo, Paz e Terra, 1993. [Tradução de Marta Avancini].:273) demonstra que "o 'indivíduo'é uma categoria patriarcal. O indivíduo é masculino". A autora afirma que, embora possam divergir em diversos aspectos, todos os teóricos clássicos, com exceção de Hobbes, concordam que as mulheres "naturalmente" não teriam os atributos e as capacidades para se constituir em indivíduos. Para Locke (1979LOCKE, John. An essay concerning human understanding. Ed. Peter H. Nidditch. Oxford University Press, 1979., 2001)______. Dois Tratados Sobre o Governo. São Paulo, Martins Fontes, 2001. [Tradução de Julio Fischer], a razão (e a lei da razão) seria natural, e as mulheres não poderiam ser cidadãs, pois não seriam dotadas da capacidade da razão e já foram submetidas a um contrato particular (o de casamento), não estando, portanto, aptas a participar do contrato social. Para Rousseau (1997)ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social: princípios de direito político. Rio de Janeiro, Ediouro, 1997. [Tradução de Antônio de P. Machado], uma questão central da vida social é a necessidade de separar o interesse público dos interesses individuais, e as mulheres não seriam capazes de fazer isso, portanto, a participação das mulheres nas decisões políticas levaria, segundo seu argumento, a um desvio do Estado democrático, guiado pelo contrato e pela vontade geral. Assim, para ambos, as mulheres estariam excluídas por definição do mundo político. Participar de contratos não seria, então, tão universal quanto pode parecer à primeira vista. Ou seja, desse ponto de vista, nem todos(as) estariam incorporados na ordem civil. É assim que o contrato social liberal, ao criar a sociedade civil e o Estado, reorganiza o patriarcado, acomodando-o ao invés de aboli-lo. Em todo esse processo, vemos o patriarcado sendo deslocado para o privado e também sendo reformulado como elemento complementar à sociedade civil. O gênero recebe, afinal, um status específico na teoria liberal, embora esta procure apresentar-se como uma teoria neutra em termos de sexo/gênero (Armstrong; Squires, 2002).

Silvia Walby (1990)WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford, Basil Blackwell, 1990., em sua obra Theorizing Patriarchy, é outra referência importante para entendermos a relação que se estabelece entre patriarcado e as instituições e teorias políticas. A autora é conhecida por uma abordagem complexa do conceito de patriarcado, tendo feito o esforço de compreendê-lo a partir de elementos de interconexão entre diversos aspectos da subordinação feminina e as desigualdades de gênero, classe e raça/etnia. Ela definiu o patriarcado como "um sistema de estruturas no qual o homem domina, oprime e explora a mulher" (Walby, 1990WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford, Basil Blackwell, 1990.:20). Complexificando o conceito de patriarcado - que Walby insiste em afirmar que estaria ainda presente em nossas sociedades modernas e contemporâneas - ela nos fala de um conjunto sistêmico de seis estruturas principais: o modo patriarcal de produção, as relações patriarcais no trabalho assalariado, as relações patriarcais no Estado, a violência masculina, as relações patriarcais na sexualidade, e as relações patriarcais nas instituições culturais. Cada uma delas tem efeitos causais sobre as outras, embora cada uma tenha um grau relativo de autonomia. Sua inter-relação cria diferentes formas de o patriarcado vir a se atualizar e a se expressar nas relações culturais, sociais, políticas e econômicas.

Para os objetivos deste artigo, me interessa mais de perto compreender como a autora em questão explora a estrutura relacionada às relações patriarcais no Estado. Para ela, essa estrutura é responsável pela onipresença do caráter patriarcal do próprio Estado, o que se traduz nas suas ações e na sua estrutura, que são altamente generificadas. Walby relata que as políticas de Estado na Inglaterra, por exemplo - o que pode ser transposto para a maioria dos países ocidentais - passaram por mudanças significativas a partir da segunda metade do século XIX sem, entretanto, terem se alterado tão drasticamente assim as políticas direcionadas a uma espécie de confinamento das mulheres na esfera privada (a exemplo de muitas políticas sociais que recrutam o trabalho de cuidado e de maternagem das mulheres). É verdade que presenciamos transformações, mas ainda há muito a ser feito para se desconstruir as raízes desse patriarcado institucionalizado no Estado.

Assim, o patriarcado, entendido aqui como um sistema contínuo de dominação masculina, ainda predomina nas estruturas estatais, mantendo por vezes intactas as formas de divisão sexual do trabalho e perpetuando, por exemplo também, a violência cotidiana que as mulheres sofrem. Insisto em afirmar que tal traço patriarcal do Estado atravessou os tempos e as transformações sociais, políticas e demográficas, mas hoje estamos assistindo a iniciativas de sua desestabilização especialmente através da ação política feminista, que tem pressionado a instituição estatal, para obter ganhos tanto no reconhecimento quanto no esforço de extinguir as históricas desigualdades ainda existentes entre homens e mulheres.

Uma das mais fortes e visíveis iniciativas nessa direção tem sido a reivindicação, pelos movimentos e organizações feministas, de novas políticas públicas que atendam as mulheres, assim como a demanda pela criação de mecanismos institucionais de mulheres (MIMs) ou, como está sendo mais difundido aqui no Brasil, dos organismos de políticas para as mulheres (OPMs). Os esforços de se criarem planos nacionais de políticas para as mulheres revelam com transparência a implementação dessas políticas no âmbito do Estado. Entendemos toda essa movimentação recente (especialmente oriunda da virada dos anos 2000 para cá) como uma estratégia orquestrada e reflexiva das mulheres brasileiras de despatriarcalização do Estado brasileiro. Essa tem sido uma das estratégias adotadas recentemente pela nova quarta onda do feminismo brasileiro (Matos, 2010______. Opinião pública e representação política das mulheres: novos horizontes para 2010? Em Debate - Opinião pública e Conjuntura Política, vol. 2, 2010a, pp.31-37.), como parte de um processo longo, dinâmico e conflituoso de reconhecimento das mulheres enquanto sujeitos sociais e políticos e de fortalecimento de uma visão das relações de gênero que revele a hierarquia e a subordinação sobre as quais, ainda nos dias de hoje, as mulheres estão submetidas.

Para finalizar este tópico é importante destacar, todavia, que o uso contemporâneo do conceito de patriarcado não é um ponto pacífico no debate feminista. Mas faz-se importante também dar a devida saliência para o fato de não estarmos aqui lançando mão do patriarcado como uma teoria monolítica, transcendental, universal e totalizante. Por exemplo, Lobo (1992) e Rowbotham (1984)ROWBOTHAM, S. Lo malo del patriarcado. In: SAMUEL, R. (ed.) Historia popular y teoria socialista. Barcelona, Crítica, 1984, pp.248-256. criticaram fortemente esse uso do "patriarcado" em função do seu evidente caráter a-histórico, fixo e determinante. Castro e Lavinas (1992), por sua vez, ressaltaram que o conceito de patriarcado, tomado de Weber (o que também não faço aqui), teria delimitações históricas claras, tendo sido utilizado para descrever um tipo de dominação assegurada pela tradição, na qual o senhor é a lei e cujo domínio refere-se a formas sociais simples e a comunidades domésticas. Seria, portanto, inadequado falar, na modernidade, em uma "sociedade patriarcal". Além disso, na medida em que a família, as relações entre os gêneros e as estruturas e formas de organização do Estado mudaram, a ideia de patriarcado utilizada para se referir a essas dimensões correria o risco de "cristalizar" essa dominação masculina e, assim, nos impossibilitar de pensar nas estratégias urgentes de sua mudança.

Todavia, considero indicado - e mesmo adequado - o uso teórico do conceito, admitindo, portanto, a existência de um "patriarcado contemporâneo", mas que, como bem salientou Walby, foi alterando suas configurações ao longo da história e dos distintos contextos. Sendo assim, mesmo na forma de um patriarcado moderno ou contemporâneo, a diversidade da história ocidental das posições políticas das mulheres, em permanente contextualização, transformação e de contradições, dificilmente pode ser remetida à exclusividade da ideia unitária ou totalizante de um único patriarcado. Mas parece-me útil ainda a sua utilização para pensarmos nas relações políticas estatais e governamentais. Aqui pretendo ressaltar a urgência de se rememorar (e se reconstruir) o processo genealógico de enraizamento do patriarcado no Estado brasileiro, sendo que considero igualmente urgente que se faça uma história feminista do conceito de patriarcado estatal, afirmando ainda que abandonar o conceito agora significaria a perda de uma história política que ainda está para ser mapeada.

Ainda associado a este debate, destacaria que outras teóricas feministas têm discutido e criticado as bases do universalismo iluminista que ancorou significativamente as teorias no alvorecer da modernidade, destacando, mais uma vez, como esse pano de fundo epistemológico também funcionou como plataforma da inferiorização e desqualificação daquelas experiências que não se enquadravam no perfil racional e homogeneizador dessa matriz. As críticas feministas têm demonstrado como, na arena política moderna, são excluídos os grupos associados com a afetividade, com necessidades básicas e desejo, e como o ideal de igualdade (abstrato, formal, universalizante) tem se prestado à tarefa de eliminar ou deslegitimar essas alteridades. Não há nenhuma dúvida de que essas reflexões trazem elementos importantes para que pensemos no desafio da construção das sociedades democráticas enquanto espaço de múltiplas expressões.

O Patriarcado e o Estado brasileiro

A definição de Estado que pretendo apresentar aqui está muito longe da (ingênua) defesa de uma posição de neutralidade, universalidade ou permanente abertura das instituições estatais a aspectos democratizadores. Como toda e qualquer instituição social e política, também o Estado possui uma forte dinâmica no sentido de conservar e perpetuar suas rotinas estavelmente no tempo e no espaço. De um modo geral, as ideologias dominantes, representadas e defendidas pelas elites políticas e pelos governantes de um determinado país/região e em um determinado momento histórico, costumam estar à frente dos principais postos políticos e, sendo assim, tornam-se rapidamente hábeis em administrar bastante seletivamente o ingresso/acesso das pessoas aos recursos estatais. Essa seletividade tem consequências múltiplas e entre elas está aquela que termina definindo padrões "aceitáveis" de legitimidade que, costumeiramente, passam a ser, então, considerados como mais "democráticos". Tal posição estratégica costuma propiciar aos diferentes grupos sociais condições mais concretas de acesso à estrutura estatal, bem como delimita e determina também as suas possíveis margens de manobra e, sobretudo, o seu acesso efetivo a recursos políticos, que costumam ser de várias ordens (e não apenas orçamentários).

Sendo assim, despatriarcalizar aqui significa conduzir e produzir orquestradamente estratégias e mecanismos de descolonização patriarcal e racial do Estado brasileiro e da sua forma de gestão pública, com vistas a reforçar uma nova etapa que tenha foco na conquista de resultados cívicos de políticas públicas. Trata-se de pensar um formato de Estado, finalmente, voltado para a promoção da justiça social e da cidadania inclusiva de todas e todos em nosso país. Como veremos na próxima seção deste ensaio, aqui continuamos com um Estado colonial e patriarcal. A opressão colonial e a opressão de gênero coexistem. Por tanto, temos aqui um grave problema de qualidade e efetividade democrática que precisa, no mínimo, ser debatido, e mesmo transformado. Para tanto, parece-me igualmente claro que precisamos criar espaços reflexivos para consolidar ganhos e imaginar estratégias de se aprofundar as necessárias transformações.

Todavia, importa também reforçar que mesmo estando interessada em ressaltar, em dar saliência, à presença do patriarcado no escopo da instituição estatal brasileira, compreendo e defendo igualmente que o Estado não pode ser visto como entidade unitária e, portanto, ele não irá "tocar" a todas as mulheres (e à população negra) brasileiras da mesma maneira e muito menos de modo universal e totalizante. Assim como a estrutura patriarcal, a instituição estatal é um sistema que articula as várias dimensões das desigualdades de gênero, transformando-se ao longo do tempo, variando entre os países e oprimindo diferentemente os grupos de mulheres (negras, brancas, imigrantes, lésbicas, rurais etc.).

Outra referência teórica de fôlego para este debate, Sonia Alvarez (1990)ALVAREZ, Sonia. Em que Estado está o feminismo latino-americano? Uma leitura crítica das políticas públicas com "perspectiva de gênero". In: FARIA; SILVEIRA; NOBRE (org.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo, SOF, 2000., ao discutir o Estado no contexto latino-americano, afirma que ele não é monoliticamente "o" representante dos interesses masculinos. Ela entende que para que seja possível manter a sua legitimidade difusa em toda a sociedade, o Estado deve parecer autônomo, deve ao menos tentar se apresentar como "neutro" ou mesmo como agindo "em nome de todos" e não moldado, pois, pelos interesses particulares e patriarcais. Nesse sentido, é bem possível que as lutas feministas e de gênero possam mesmo vir a exacerbar as contradições já existentes em seu interior. Alvarez também admite que, certamente, as mulheres não são simples objetos passivos, mas que elas, a cada dia, têm lutado para se constituir em sujeitos ativos das políticas estatais. A relação entre movimento de mulheres e Estado é, portanto, de um caráter explicitamente dinâmico e dialético (Alvarez, 1990ALVAREZ, Sonia. Em que Estado está o feminismo latino-americano? Uma leitura crítica das políticas públicas com "perspectiva de gênero". In: FARIA; SILVEIRA; NOBRE (org.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo, SOF, 2000.).

Parto do pressuposto aqui de que a instituição estatal vai além de um caráter de unidade superior de decisão política sobre uma determinada população relativamente homogênea e que habita um território delimitado. Para Max Weber, um Estado nacional soberano seria sintetizado na máxima: "Um governo, um povo, um território", sendo esse mesmo Estado responsável pela organização política e pelo controle coercitivo social, pois deteria o monopólio legítimo do uso da força e da violência (coerção física, mas muito especialmente também, coerção formal-legal). A unidade estatal também costuma ser tradicionalmente significada como o espaço institucional para o processamento e a transação legítima de dissensos/conflitos entre diferentes atores/atoras sócio-políticos/as; uma instituição responsável por atuar como mediadora dos interesses, definindo, ao fim e ao cabo, aquilo que seria (ou não) legítimo em sua esfera de atuação.

Como veremos adiante a partir do caso da efetiva sub-representação das mulheres, nesse papel, ele acaba ficando também responsável por facilitar ou por bloquear determinadas agendas, assim como por oportunizar o desenvolvimento político de determinados grupos (antigos ou novos) em seu seio, em detrimento de outros.

Mas, para os propósitos deste artigo, pretendo apresentar uma definição própria de instituição estatal. Em meu entendimento o Estado é, fundamentalmente, um recurso de poder em si mesmo, na medida em que é capaz de mobilizar outros recursos (sejam materiais, sejam simbólico-culturais e, claro, políticos) de poder. Em sociedades democráticas complexas - multiculturais e multiétnicas como a nossa sociedade brasileira - já é claramente possível identificar determinadas inclinações e tendências de gênero e étnico-culturais institucionalizadas no âmbito do Estado brasileiro, seja através de políticas públicas especificamente direcionadas a esses grupos, entrelaçadas, contudo com as inclinações de classe (um ótimo exemplo é o do Programa Bolsa Família), seja pelos mecanismos que vêm sendo criados para empoderar esses diferentes grupos. E isso tem se dado porque parte-se do pressuposto de que o Estado foi constituído historicamente segregando e distanciando a população feminina e negra do país. E ambas, segregação e exclusão, estão diretamente articuladas a nossos processos de colonização.

Em quase todos os países latino-americanos, a construção dos Estados modernos foi conduzida pelas elites latino-americanas, em meados do século XIX, e também foi calcada nos princípios liberais convencionais. Vimos, na seção anterior, como se organizaram estruturalmente de modo patriarcal as concepções político-liberais modernas, e vimos ainda as inúmeras críticas que os teóricos receberam das feministas. Parece-nos claro que a instituição do Estado, originalmente calcada em princípios liberais e contratualistas, também mantenha dimensões estruturais patriarcais. Também foi possível identificar que uma das vantagens da abordagem dos problemas associados ao patriarcado realizada através da história do contrato sexual é mostrar que também a sociedade civil, inclusive a economia capitalista e a organização estatal, tem uma estrutura patriarcal.

Deve-se levar em conta que teóricas feministas têm insistentemente observado que o exercício do poder estatal apresenta sim essa inclinação e/ou pré-julgamento sobre as relações de gênero que o estruturam, sendo elas, quase sempre, disfarçadas sob o manto de uma imaginária neutralidade de gênero no âmbito das instituições estatais (no Executivo, no Legislativo e no Judiciário). Mas essa neutralidade simplesmente não existe e pode-se afirmar a forte presença de inclinações patriarcais estruturadas no Estado brasileiro.

Molyneux (2008) afirma que na passagem do "patriarcado colonial para o contratualismo liberal, a autoridade e o privilégio masculinos seguiram predominando nas esferas pública e doméstica" (Molyneux, 2008:30). Faz-se importante lembrar também a fundamental importância de outra instituição em todo esse processo histórico; a Igreja Católica. A Igreja, desde a experiência colonial, perpetuou seu poder e a sua influência patriarcal, funcionando como uma força opositora de fôlego às transformações demandadas nos direitos das mulheres, tendo, hoje com o apoio adicional das denominações protestantes, um papel importante na manutenção de papeis tradicionais de gênero.

O privilégio patriarcal na família e na sociedade foi sendo transformado e ressignificado, ao mesmo tempo em que se manteve operante em grupos e classes sociais (Molyneux, 2008). Sua debilidade foi se dando, principalmente, devido aos esforços dos movimentos organizados de mulheres e às transformações que são fruto da modernidade capitalista.

Se tomarmos como parâmetro a sociedade brasileira, heterogênea, diversa, complexa e ainda profundamente desigual em todos os recortes sociais que se faça, as questões propostas pelas feministas nos alertam para o fato de que não basta eliminar disparidades econômicas ou apenas ampliar espaços formais de participação para a estruturação de um espaço democrático de relações. A pluralidade de convivência exige que padrões preestabelecidos (de caráter patriarcal e racista, entre outros) não subsumam essas diferenças ou as confinem em guetos sociais e/ou políticos, tomando a heterogeneidade como desordem a ser controlada. A seguir, apresento uma figura que tenta fazer uma síntese das múltiplas dimensões que, perversamente, se associam para manter, ainda hoje, a condição de opressão das mulheres uma realidade.

Figura 1
Elementos centrais da opressão de gênero e racial no Brasil

Fonte: Elaboração própria.


Não vou tematizar todas essas dimensões aqui, mas pretendo recortar alguns elementos que indicam, no escopo do pensamento social brasileiro, como o Estado brasileiro terminou por se constituir patriarcal e racialmente orientado (portanto, mantendo-se colonial). Sabemos que foi a partir do surgimento do capitalismo que ocorreu uma "autonomização" do Estado perante as classes sociais, fazendo surgir a separação entre "Estado" e "sociedade", o "público e privado". O nosso processo colonizador trouxe consigo todas as facetas desse processo "modernizador". Transformou-se bastante, portanto, a forma de dominação política, e a nova forma se institucionalizou: Estado moderno. E nesse sentido, note-se que: "A separação capitalista entre 'Estado'e 'sociedade'engendrou a oposição entre a esfera 'pública'e a esfera 'privada', que representa um mecanismo decisivo da opressão sexual" (Hirsch, 2010:40). Vimos essas distinções na seção anterior.

Sabemos também que as relações de gênero são parte fundamental da construção da sociabilidade capitalista, tendo a família e a forma tradicional (nuclear e burguesa) do casamento como condições da dominação estatal. Ainda segundo Hirsch:

Só a partir da dissolução das relações de parentesco tradicionais, de base econômica, nas antigas sociedades agrícolas, é que a ligação entre mulheres e homens como indivíduos sexualmente distintos, generalizada e, ao mesmo tempo, separada de todos os outros laços sociais, torna-se a base decisiva do vínculo social. A sexualidade individualizada em dois gêneros, com a construção de suas respectivas características - expressas em romances e no ideal de uma relação familiar de casal -, assim como o nacionalismo, opera um cimento ideológico estabilizador dos laços sociais, ultrapassando as diferenças de classe. (...) Essa ligação pode ser vista na prática da política familiar e populacional, que, desde o início, pertence ao núcleo central das atividades estatal-nacionais. A "estatização" das relações familiares e de gênero é uma reação à dissolução das formas de produção e de relações tradicionais, pré- capitalistas, voltadas à preservação da instituição social assegurada burocraticamente, que impregna e fortalece, de maneira decisiva, as relações sociais existentes, inclusive as de subordinação. Exatamente nesse sentido, a família e o casamento não são a "célula-mater" da sociedade, mas fundamentos essenciais das relações de domínio estatal. Esse é um dos motivos para o comportamento sexual discordante frequentemente ser tido como socialmente destrutivo, e considerado uma ameaça ao Estado (Hirsch, 2010:93, itálicos nossos).

As relações e inter-relações entre (1) Estado, (2) dominação patriarcal e colonial, bem como as (3) relações capitalistas estiveram (e ainda estão) profundamente enraizadas entre nós e as temos discutido e problematizado sob várias perspectivas na ciência política; mas raramente numa perspectiva crítica de gênero e feminista. Essa síntese terminou por produzir um Estado brasileiro colonial, burguês e patriarcal. Aqui não é possível descrever com todos os detalhes as dinâmicas que historicamente foram operadas na relação existente entre opressão colonial e opressão de gênero/patriarcal, porque me interessa ainda mais demarcar como os movimentos feministas e de mulheres têm tentado reverter esse quadro, produzindo iniciativas que podemos denominar como de despatriarcalização do Estado, reforçando espaços reflexivos para imaginar estratégias de modificação dessa situação.

Vou recorrer aqui à excelente leitura crítica de clássicos pensadores sociais brasileiros, elaborada por Neuma Aguiar (2002)AGUIAR, Neuma (org.). Gênero e Ciências Humanas: desafios às ciências desde a perspectiva das mulheres. Rio de Janeiro, Ed. Rosa dos Tempos, 1997.. Segundo a teórica feminista, na literatura liberal anglo-saxã, o rompimento com a analogia entre sistema familiar e sistema de governo, em moldes patriarcais, ocorreria com a proposta de uma nova interpretação do sistema político, baseada na capacidade de uso da razão dos cidadãos adultos que se organizam e negociam suas demandas públicas. Essa "nova teoria política" recusaria os princípios absolutistas de poder das monarquias tradicionais, construindo, alternativamente, a ideia de uma sociedade civil que se governa a si própria, sem a tutela de um patriarca.

Com essa recusa da analogia entre família e poder político, a esfera pública finalmente se distinguiria, se autonomizaria da privada. Mas como vimos a partir da interpretação de Carole Pateman: não foi isso que aconteceu de fato. O patriarcado é tido como um sistema de poder análogo ao escravismo, e seria urgente compreender como pôde gerar uma série de demandas normativas críticas de correção das situações de arbítrio de poder dentro do espaço familiar e para além dele (alcançando o próprio Estado).

A principal característica da colonização portuguesa, então, consistiu na forma de dominação estabelecida pelo governo central na condução das iniciativas empresariais, inibindo qualquer tentativa de desenvolvimento autônomo pelas unidades econômicas, sendo que, aqui entre nós e durante décadas de colonização, o patriarcado, o racismo e o colonialismo coincidiram. No pensamento social brasileiro, vários autores trataram de um deslizamento fundamental: aquele que opera no registro de um entendimento das relações patriarcais como sendo deslocadas para o sistema patrimonial. Assim, o patrimonialismo baseado em privilégios, as alianças familiares que se constituem por meio de casamentos e uniões, fazem parte do processo político de manutenção desses benefícios (Adams, 1994).

O patrimonialismo, especialmente aqui no Brasil, foi uma transformação do patriarcado pelo processo de diferenciação, que se construiu a partir das relações de dependência entre o senhor e seus familiares (dominação de gênero), entre o senhor e seus escravos (dominação racial) ou entre o soberano e os funcionários burocrático-estamentais (dominação racional-legal).

O patrimonialismo se caracteriza pela subordinação dos funcionários despossuídos ao senhor. A relação é semelhante a de escravidão, também assemelhada por Weber à devoção familiar. Foi a associação entre patrimonialismo e escravidão que levou, por exemplo, Buarque de Holanda (1989)HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1989. a aplicar o conceito com relação ao Brasil e a destacar a abolição da escravatura como um dos principais fatores explicativos do processo de mudança na sociedade brasileira. O autor também enumera que o ingresso em uma nova ordem urbana diluiu a formação rural que lhe antecedia, mas não a teria eliminado por completo. Holanda adota assim a postura de que o processo de diferenciação segundo o eixo urbano/rural explica, em parte, a transformação do patriarcado.

Ainda segundo Aguiar, Raimundo Faoro é uma figura central nesse debate: foi ele um dos primeiros pensadores brasileiros a argumentar que o patriarcado brasileiro cedeu lugar a um Estado patrimonialista (mas não o substituiu), observando que, ao contrário de vários países de origem anglo-saxã e de sistema liberal de governo, o modelo de organização política, seguido pelo Brasil, se pautou pela dominação do público pelo privado. Faoro se rebelou contra o argumento de que uma das principais instituições sociais brasileiras, independentes do Estado, é a família, conforme as interpretações de Silvio Romero, Nísia Floresta, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco, Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Cândido, entre outros.

Estes últimos vinham analisando o patriarcado apenas ou exclusivamente como uma herança do sistema escravista. No caso brasileiro, Faoro (1997)FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo/ Porto Alegre, Ed. USP/Ed. Globo, 1997. argumenta que o estamento burocrático teria sim gerado uma legislação pública, estatal sobre a esfera privada. Porém, essa perspectiva não explica os casos de dominação arbitrária no interior da esfera familiar, como a obrigatoriedade, da parte das mulheres, de manter relações sexuais com os maridos, decorrente de uma obrigação de atender aos desejos masculinos, independentemente das circunstâncias e de sua própria vontade. A recorrência e a continuidade do fenômeno da violência contra mulheres e a impunidade que a acompanha, como a superada figura jurídica da "legítima defesa da honra masculina", consistem em outra indicação de relações patriarcais em nossa sociedade. Tais situações de arbítrio de poder na família foram amplamente documentadas pelo pensamento social brasileiro e sobreviveram até muito recentemente, ano de 2002, quando, finalmente, se retirou do Código Civil brasileiro a figura jurídica da "mulher honesta".

Mas, para Aguiar, a relação entre economia e Estado é pouco adequada para expressar a relação entre família e Estado. A visão de Faoro, a priori, não concedeu espaço para a análise da sociedade, sua dinâmica, assimetrias e desigualdades. Isso porque para o autor, as relações patrimoniais desintegrariam o patriarcalismo puro, pois a organização doméstica que se reproduz na ordem política o faria dentro de um quadro burocrático-administrativo. Como derivação da organização doméstica, enfatiza o autor, o patrimonialismo se aproximaria do patriarcado de novo, se destacando também, por outro lado, da burocracia impessoal, o produto da transformação do feudalismo em capitalismo, uma vez que o funcionário burocrático-patrimonial consideraria o cargo como direito pessoal e não como posição associada a normas objetivas, racionais e impessoais.

Como na visão weberiana o sistema jurídico vai se destacando e se diferenciando do arbítrio do pai de família, resta uma questão não discutida por Faoro. Com a nova ordem patrimonial, como o conjunto de normas jurídicas repercutiu no interior do espaço doméstico, quem julgava os conflitos? o pai ou o juiz patrimonialmente designado? Como se daria a interação entre esses corpos intermediários de poder e a família? Que tipos de casos jurídicos emergiram? Como foram avaliados e implementados? Não é possível responder a todos esses questionamentos aqui, mas trata-se de uma excelente agenda de pesquisa ainda a ser aprofundada.

Pela análise de Faoro, uma vez que o patrimonialismo se estabeleceu parece que não apenas a sociedade civil se lhe atrela, mas a sociedade fica, dele, também cativa. Pela equação sociedade civil/sociedade esta última deixa de ser objeto de interesse analítico e as formas de organização da vida social desaparecem, obscurecidas pelo único interesse analítico no âmbito do Estado. O problema teórico refere-se a como essa dependência do contexto doméstico do Estado afeta o grau de arbítrio do chefe do domicílio, até então preponderante na família. Como as regras codificadas a partir da tradição se impõem na vida cotidiana, regulando, por exemplo, a violência doméstica. Sabe-se que, no patriarcado, o pai de família detém prerrogativas de vida e morte sobre os familiares. Como fica esse poder ante o patrimonialismo? Como o poder público patrimonial, enunciando uma questão exemplar, se debruçou sobre a escravidão?

Dessa forma, se no pensamento social brasileiro houve o reconhecimento explícito de como o patriarcado foi o princípio sob o qual o patrimonialismo se formou, tornou-se necessário incluir na análise a relação do patrimonialismo com as famílias, a não ser que a centralização governamental fosse de tal forma idealizada que nada existiria fora do domínio público. Nesse caso, as instituições externas ao governo centralizador deixariam de ser objeto de interesse analítico e desapareceriam. Não foi o que aconteceu. No caso brasileiro, a teoria do patriarcado tem servido para a análise das relações de dominação que antecederam e também as que sucederam a emergência do sistema capitalista. A família patriarcal e o modelo de relações políticas derivado da família estão no cerne dessa questão. Cabe aqui destacar que o caráter patrimonial e o lugar do Estado centralizador no desenvolvimento nacional têm um débito com as estruturas patriarcais.

Ainda segundo Aguiar, além de Raimundo Faoro, para compreendermos a relação entre o patriarcado e os derivados e impactos da sua tradução na constituição do Estado no escopo do Brasil Colônia, temos cinco perspectivas desenvolvidas pelo pensamento social brasileiro. Ela ainda destaca a importância desse recorte sócio-histórico também para a análise das relações de poder que não ficaram completamente fora do alcance do Estado no Brasil. Os autores dessas abordagens centrais são: Silvio Romero (1969)ROMERO, Sílvio. Obra Filosófica. Rio de Janeiro, José Olympio; São Paulo, Edusp, 1969. [Introdução e seleção de Luís Washington Vita]. e sua tipologia para classificar as famílias brasileiras em quatro categorias analíticas: patriarcal, quase-patriarcal, tronco e instável; Oliveira Vianna (1956VIANNA, Francisco José de Oliveira. Evolução do povo brasileiro. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1956. e 1974)______. Instituições Políticas Brasileiras. Vol. I, Fundamentos Sociais do Estado. Rio de Janeiro, Record, 1974. que analisou os clãs patriarcais como sendo constituídos por uma família estendida, incluindo parentes consanguíneos, por afinidade civil, religiosa e por adoção, chefiada por um patriarca - um grande proprietário de terras - circundado por uma massa de aparentados, e/ou de outros dependentes sem laços de parentesco; Gilberto Freyre (1981)FREIRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro, José Olympio, 1981.: independentemente das relações entre a organização do grupo doméstico e a forma de dominação estatal, o autor mostra que o patriarcalismo estabeleceu-se no Brasil como uma estratégia da colonização portuguesa, sendo que as bases institucionais dessa dominação foram o grupo doméstico rural - latifúndio - e o regime da escravidão; Sérgio Buarque de Holanda (1989)HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1989., que debate as formas como o exercício da dominação doméstica são transformadas durante o processo de urbanização quando o crescimento urbano suplantaria o patriarcalismo agrário, dando margem ao aparecimento de um sistema peculiar de serviço público ainda com traços patriarcais, efetuando-se uma confusão dos domínios público e privado; Antônio Cândido (1957CANDIDO, Antonio. A sociologia no Brasil. Tempo Social, 18(2), São Paulo, 1957. e 1974)______. A família brasileira. Apostila do curso Sociologia I, 2º semestre. Campinas, Unicamp, 1974., que analisou a composição e as transformações da família patriarcal no Brasil, retratando a autoridade paterna quase ilimitada, incluindo o direito sobre a vida dos filhos que vivem na casa dos pais, ou em casas por ele concedidas, e os papéis familiares como complementares, embora indicando a presença latente de conflitos, pois os casamentos eram arranjados e a satisfação sexual procurada fora da instituição.

Figura 2
Síntese dos elementos centrais de construção do Estado Patriarcal no Brasil (Fase 1 Colonização)

Fonte: Elaboração própria


Mesmo com a urbanização, nas cidades algumas características do sistema patriarcal foram preservadas, embora, a separação entre o público e o privado começasse a ser questionadas, ocorrendo maior liberdade sexual para as mulheres e o início de uma atenuação do o domínio patriarcal. Aguiar, recuperando o segundo momento dessas transformações do patriarcado brasileiro, destaca a passagem à modernização, indicando a contribuição fundamental de Florestan Fernandes e demais autores e autora da Escola Paulista: Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e Heleieth Saffiotti, que teriam retraçado, então, um eixo de interpretação da sociedade brasileira com grande impacto, tomando a sociedade escravista do tempo do Império, como ponto de partida histórico, classificando-a simultaneamente como escravocrata e senhorial. Também esses pensadores observaram que o estamento burocrático no Estado patrimonial possuía uma relação distinta da escravidão clássica para com a coroa. Algumas das funções estamentais seriam efetuadas pela escravidão que se superpõe, na visão de Fernandes (2005), à sociedade senhorial. A escravidão seria distinta da que serviu de base para que Weber analisasse as suas bases jurídicas. Os escravos não eram um botim de guerra, mas constituíam uma mercadoria. Portanto, ao Estado patrimonial se sobrepôs a sociedade de classes.

A partir do século XIX, indica Saffioti (1976SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis, Vozes, 1976., 1996)______ No fio da navalha: violência contra crianças e adolescentes no Brasil atual. In: Quem mandou nascer mulher? Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos/UNICEF, 1996, pp.135-211., estaria consolidado o poder dos chefes de parentela, levando o Estado patrimonial a se assentar muito mais num tipo de patrimonialismo patriarcal do que na espécie já classicamente destacada por Weber do patrimonialismo estamental. Essa forma de organização de poder, em visão totalmente oposta à de Faoro (1997)FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo/ Porto Alegre, Ed. USP/Ed. Globo, 1997., se apresentava com alto grau de compatibilidade ao desenvolvimento capitalista, uma vez que a exploração lucrativa da propriedade territorial levaria a um processo de acumulação que se tornaria incompatível com a estrutura da sociedade colonial de caráter estamental.

Fernandes, todavia, apontou que as várias burguesias que se formaram em torno da plantação e das cidades já nasceram débeis em todo esse processo e a partir dessa herança patriarcal, centralizadora e autoritária. Em lugar de forjarem instituições próprias, elas procuram exercer pressão e influência (mais uma vez) sobre o Estado, formando o que o autor denomina de "consolidação conservadora" - o resultado da moldagem da mentalidade burguesa pelas oligarquias tradicionais. Dessa forma, as velhas estruturas se vêm restauradas.

Saffioti (2004) ao desenvolver o tema do patrimonialismo patriarcal, tomou, por sua vez, dois eixos principais de análise: a situação das mulheres brancas e das negras, no sistema senhorial, bem como a transformação que ocorre em sua posição decorrente da abolição da escravatura, e o processo de diferenciação, segundo os eixos: urbano/industrial e nordeste/sul, quando ela atenta para o lugar que o sistema de educação detém nesse processo. A reclusão doméstica se abrandou com o ambiente das cidades, embora as mulheres brancas tenham ficado muito à margem do movimento abolicionista. No meio rural, persistiram os códigos de comportamento da sociedade patriarcal com a reclusão das mulheres no âmbito doméstico. Porém, entre a desorganização da família estendida patriarcal e o predomínio da família nuclear foi difundida ampla gama de experiências. Mas o traço onipresente: a prepotência do pai de família foi dando lugar à função econômica de provedor. Embora Saffioti reafirme a importância do processo de urbanização na diluição do patriarcado, sua análise apresenta uma grande novidade. A industrialização que emergiu com a ordem capitalista resultou não apenas no reforço ou na manutenção, mas, efetivamente, no aumento das disparidades sociais entre homens e mulheres. Saffioti trabalhava, nesse caso, sob a influência de Engels. Quando a propriedade privada se sobrepôs, a monogamia e o direito paterno também passaram a predominar, aumentando as disparidades sociais entre homens e mulheres.

Quando o patriarcado é compreendido como uma dimensão do sistema capitalista, diz-se que o enfoque é dual. Saffioti, da mesma forma que Fernandes, situa o patriarcado como um antecedente do capitalismo, procurando dar destaque a um enfoque histórico e, assim, evitar tal dualismo. Para ela, não haveria, efetivamente, separação entre a dominação patriarcal e a exploração capitalista (tanto no campo estatal/público, quanto na esfera familiar/privada). Saffioti destaca que, apesar dos intensos progressos femininos na busca por emancipação, a base material do patriarcado não foi destruída. Mas é importante dizer que as formas de dominação patriarcal, no entanto, se alteram no decorrer da história (conforme vimos em Walby, 1990WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford, Basil Blackwell, 1990.).

Caberia analisar como o patriarcado agrário e escravista se transformou, resultando em novas formas de dominação patriarcal ante a presença de um capitalismo privado, em sua forma econômica clássica, e, sobretudo (essa é a parte que mais nos importa neste artigo) sob a dominância estatal. Em qualquer dessas modalidades, ocorreu um processo de diferenciação que hipoteticamente resultou na criação de um estamento que se interpôs entre a autoridade do mandatário e a posição dos demais membros da sociedade. O capitalismo emergente no Brasil gerou, assim, uma nova forma de patriarcado. Os laços de dependência na esfera doméstica se acentuam com o desenvolvimento do capitalismo e/ou do Estado e da burocracia estamental. O duplo enfoque analítico do público e do privado, do âmbito doméstico (trabalho reprodutivo e não remunerado) e do trabalho masculino remunerado (público), pode explicar como o desenvolvimento da racionalidade societária no contexto do Estado ou das relações de trabalho capitalistas não resultou, afinal, na superação do patriarcado.

De acordo com Durhan (2004), por exemplo, a industrialização e o surgimento do capitalismo no Brasil separaram radicalmente a produção da reprodução, em duas esferas distintas. Criou-se, assim, uma forma específica de isolamento feminino no espaço doméstico. Assim, o capitalismo emergente e o atual não excluíram a mulher da esfera pública. O que ocorreu foi a inclusão simultânea do sexo feminino nas duas esferas, a pública e a privada e a concomitante sobre-exploração dela: trabalho remunerado e trabalho não remunerado das mulheres dentro das formas de família patriarcal burguesa. Surgiu, assim, a grande contradição da condição feminina: "a percepção de sua igualdade enquanto indivíduo na esfera do mercado e de sua desigualdade enquanto mulher na esfera doméstica da reprodução" (Durhan, 2004:346).

O processo de modernização brasileiro, portanto, inaugura de modo transformador uma nova modalidade de patriarcado. A concepção de uma família patriarcal, agora burguesa, permitiu explicar porque o desenvolvimento capitalista e a industrialização geraram iniquidades de gênero que o próprio Estado sustentava e reforçava. As transformações sociais em ampla escala, incluindo o processo de urbanização, têm sido apontadas como responsáveis pela criação de novos conceitos de intimidade e de esfera doméstica. A divisão sexual do trabalho também é recurso de sustentação de hierarquias no contexto privado. Mesmo nas sociedades nas quais o público se destacou do privado, as relações de gênero continuam patriarcais. E no âmbito das sociedades patrimoniais, a intimidade entre público e privado não resultou em uma maior participação política ou econômica das mulheres nessa esfera, e isso afinal se deu pela própria origem patriarcal do estamento burocrático no contexto de um patrimonialismo estatal e patriarcal.

As assimetrias de poder nas relações entre homens e mulheres com o desenvolvimento da ciência e do sistema jurídico brasileiro podem ser transformadas historicamente, mas a análise do patriarcalismo no Brasil e em outros contextos pode documentar os obstáculos e avanços no desenvolvimento da sociedade e de nosso padrão de Estado. Na continuidade, ainda que não seja possível aprofundar este debate aqui, os regimes militares ditatoriais recuperam de modo profundamente autoritário e perverso a estrutura patriarcal dentro e a partir do Estado brasileiro. Uma das suas consequências mais perversas ainda está evidente no Brasil atual: a violência militarizada opressora e patriarcal das nossas instituições policiais.

Figura 3
Síntese dos elementos centrais de construção do Estado Patriarcal no Brasil (Fase 2 Patrimonialismo e Modernização Conservadora)

Fonte: Elaboração própria


O Estado brasileiro, como revela a breve síntese elaborada acima, trás um legado patriarcal que tem sido sistematicamente reposto ao longo de nossa trajetória política. Mesmo com todas as transformações ocorridas desde as primeiras publicações dos contratualistas modernos, a manutenção de uma forma de organização do Estado que tem uma de suas raízes fincada no contrato sexual/patriarcal, é algo que perpassa essa história como tentei demonstrar. Ressalto, pois, a vantagem da abordagem do problema do patriarcado através da história do contrato sexual para compreendermos também a constituição do Estado brasileiro. Ainda hoje no Brasil, a crítica acurada de Pateman, que denuncia que o "indivíduo" construído a partir do contrato é masculino e que só a ele é garantida a participação no espaço das decisões políticas, faz todo o sentido.

Economicamente, a nossa esfera pública é ocupada pelo papel do "trabalhador" - também masculino, que garante a função de produtor e provedor aos homens, reforçando que seu domínio possa perpassar os pólos privado e público. E mesmo sabendo que a população economicamente ativa no Brasil é hoje quase paritária em relação a gênero, observa-se que as mulheres recebem menos do que os homens, enfrentam também o assédio sexual, expressão do direito masculino de acesso ao corpo das mulheres, e continuam, sistematicamente, a ocupar as profissões de modo segregado. Além do mais, a mulher trabalhadora convive com o papel de dona-de-casa e não raro é sobrepujada por ele. Pateman enfatiza que enquanto todas as relações naturais foram substituídas por relações civis após o contrato, a sujeição feminina permaneceu naturalizada e ela ainda o é nos dias atuais. O mundo do trabalho ilumina as dificuldades da ocupação da esfera pública pelas mulheres enquanto mantidos aqueles pressupostos.

A neutralidade do Estado é, assim, verdadeiramente uma farsa, pois se assenta em dicotomias produzidas pela modernidade para manter lugares de poder hegemonizados, poder patriarcal e poder colonial: natural/civil, privado/público, mulher/indivíduo, com seus pressupostos contratualistas hierarquizadores e opressores. Sendo assim, não é incomum o Estado agir no sentido de reforçar os papéis e lugares estereotipados de gênero. Passemos agora a analisar os períodos mais recentes e, em especial, o que estou definindo por estratégias de despatriarcalização do Estado brasileiro.

Os ventos da despatriarcalização sopram: movimentos feministas na quarta onda se voltam para o Estado

Vimos como a modernidade/colonialidade nos legou um modelo profundamente hierárquico de relações de gênero - o patriarcado colonial/moderno - que esta proposta de construção e enquadramento analíticos pretendeu rapidamente revisitar. Sabemos, portanto, que a divisão internacional do trabalho entre centros e periferias, assim como as hierarquizações de gênero e étnico-racial das nossas populações, formadas durante vários séculos de expansão colonial europeia em nosso continente, não se transformou significativamente com o fim do colonialismo e a formação dos Estados-nacionais (aliás, foi possível na seção anterior observar alguns dos traços centrais que levaram à construção do Estado brasileiro, partindo do legado colonial moderno do patriarcado; mas seria importante também fazer esse mesmo retrospecto a partir do racismo).4 4 Cabe destacar que sabemos que, tanto o patriarcado quanto o racismo, não têm suas origens estruturais e histórico-políticas no período colonial moderno. Todavia, nos interessa aqui resgatar a forma de configuração desses dois fenômenos justamente na modernidade, pois é sobre o seu legado que as nossas sociedades e culturas foram erigidas. O que presenciamos foi, segundo essa tradição teórica5 5 Algumas das principais referências teóricas desse debate são: Castro-Gomez e Mendietta (1998), Mignolo (1998), Castro-Gomez e Grosfoguel (2007), Dussel (2000), Escobar (2003), Maldonado Torres (2007), entre outros autores. , a transição do colonialismo moderno à colonialidade global, processo que certamente transformou em alguns aspectos as formas de dominação da modernidade (sobretudo porque valorizou também a ascensão de luta de diferentes movimentos sociais e anti-capitalistas), mas não teria transformado a estrutura das relações centro-periferia em escala mundial no que tange ao saber e ao conhecimento.

Na Europa, as transformações no desenho de Estado liberal ocorreram por forte pressão do período da Guerra Fria, sendo a construção dos Estados de Bem-Estar Social (EBES) a tentativa de resposta ocidental ao temor do avanço do socialismo no mundo. Mas, na sequencia, com a derrocada do socialismo real, a queda do muro de Berlim em 1989, houve o ressurgimento do neoliberalismo, também no continente europeu. No final dos anos 80, algumas críticas severas aos modelos de Estado de Bem-Estar Social (doravante EBES) começaram a emergir e no final dos anos 90 algumas delas já estavam bastante consolidadas. Faço essa pequena digressão não por perda de foco, mas para situar o/a leitor/a na conjuntura geopolítica que emoldurava o que considero um novo momento de relações entre Estado e feminismo. Esse novo momento teria sido iniciado quase simultaneamente em contextos geoglobais diversos: de um lado surgiram a partir das críticas feministas desenvolvidas na Europa aos modelos de EBES, e, de outro, surgiram também pelas críticas aos Estados latino-americanos neoliberalizados e seus legados patriarcais e racistas.

Na primeira chave, Pateman (1989)PATEMAN, Carole. The disorder of Women: democracy, Feminism and Political Theory. Stanford, Stanford University Press, 1989, pp.180-209. se dedicou a construir parte das reflexões críticas sobre esse domínio. A autora apontou que mesmo que o EBES levasse em conta as mulheres como dependentes do homem, ele criaria benefícios que poderiam tornar as mulheres economicamente independentes. Ela relativiza a ideia de algumas feministas que acusam o EBES de "transferir" a dependência das mulheres dos homens para o Estado:

Existe uma diferença crucial entre a construção da dependência das mulheres aos homens e ao Estado de Bem-Estar. No primeiro caso, cada mulher vive com o homem de cuja benevolência ela depende; cada mulher está (na frase extraordinariamente apta de John Stuart Mill) em um "estado crônico de combinação entre suborno e intimidação". No Welfare State, cada mulher recebe o que é dela por direito e ela pode, potencialmente, juntar-se a outras cidadãs para reforçar seu direito de reivindicação. O Estado tem um enorme poder de intimidação, mas a ação política ocorre coletivamente no terreno público e não atrás da porta fechada da casa, onde cada mulher tem que contar com sua própria força e recurso (Pateman, 1989PATEMAN, Carole. The disorder of Women: democracy, Feminism and Political Theory. Stanford, Stanford University Press, 1989, pp.180-209.:200, Tradução Nossa).

A autora também destaca que as mulheres seriam as principais envolvidas nos serviços de bem-estar e teriam, portanto, um potencial importante para a ação política, de modo a, não só proteger os benefícios contra seu desmantelamento e privatização, mas também para utilizá-los a seu favor e contra o sistema, transformando-o. No entanto, Pateman acredita que essas transformações não seriam feitas apenas pelas mulheres. A luta das mulheres teria de ser aliada às lutas, por exemplo, do movimento sindical, de modo a reivindicar melhores condições de vida e de efetiva participação política de todos e todas, cidadãos e cidadãs na democracia.

Outra autora, Hernes (1987)HERNES, Helga. Welfare State and Women Power: Essays in State Feminism. Oslo, Norwegian University Press, 1987. ficou bastante reconhecida por seu termo controverso: Welfare State woman-friendly. Com essa designação, a autora desejava referir-se aos regimes de bem-estar escandinavos que, segundo concluiu, fariam desses países verdadeiros estados "amigos das mulheres", já que adotariam amplas condições de licença maternidade e paternidade, extenso serviço público de cuidado para com as crianças e idosos, além de uma alta proporção de representação política das mulheres. Como apontou a autora,

(...) um estado "woman-friendly" permitiria às mulheres ter uma relação natural com suas crianças, seu trabalho e sua vida pública [...] não forçaria homens e mulheres a tomar escolhas difíceis ou permitiria tratamento injusto baseado no sexo. Em um estado "woman-friendly" as mulheres vão continuar tendo bebês e terão outros caminhos abertos para sua própria auto-realização. Em tal Estado, as mulheres não deverão ter que fazer escolhas que demandem maiores sacrifícios delas que dos homens (Hernes apud Borchorst; Siim, 2008:209; tradução nossa).

Desse modo, os Estados woman-friendly alterariam a relação público-homem e privado-mulher, expandindo as responsabilidades públicas do Estado para com o trabalho doméstico referente principalmente ao cuidado. As autoras Borchrst e Siim (2008), por sua vez, analisam as contribuições do argumento de Hernes, bem como as suas principais críticas. Na visão das primeiras, a força da análise de Hernes estaria na relação teórica entre igualdade social e representação política e na exposição da interação entre o papel das mulheres enquanto mães, trabalhadoras e, sobretudo, como cidadãs.

As críticas, no entanto, foram várias: (a) sua negligência quanto à interseccionalidade inerente às desigualdades de gênero (que incluiria outras formas de opressão significadas sobretudo nas diferenças de classe, raça e etnia); (b) sua aplicação restrita à Escandinávia; (c) sua visão de um único caminho possível para se acessar/alcançar a equidade de gênero (sobretudo através da representação política e da participação feminina na economia); (d) a negligência de estabelecer uma análise a respeito da violência doméstica frequentemente vivida pelas mulheres. Ela também teria (e) subestimado as diferenças intragênero, tratando "as mulheres" como um grupo homogêneo, com os mesmos interesses e vontades (Borchorst; Siim, 2008).

Apesar dessas críticas, nos parece que o desenvolvimento analítico de Hernes, entre outras autoras, contribui sim para se pensar criticamente o EBES e dessa vez por outras lentes - lentes que visariam entender o papel do Estado, não só na conformação das distintas hierarquias de gênero, mas também na alteração delas. Apesar de a análise dos regimes escandinavos ainda provocar um ceticismo quanto ao alcance efetivo de um Estado women-friendly, o esforço teórico de Hernes nos dá uma dimensão normativa importante nesse sentido.

Batalhas reais da luta pela despatriarcalização do Estado Brasileiro

Passemos agora ao debate final deste ensaio sobre alguns avanços que consideramos importantes sinalizar nessa rica disputa entre as teóricas feministas e o debate a respeito da reformulação do Estado contemporâneo. Trata-se da discussão a respeito do "feminismo estatal" na Europa ou da dinâmica ostensiva de "despatriarcalização do Estado" na América Latina. Estamos, pois experimentando um novo momento dinâmico de articulação Estado e movimentos feministas. Vou me dedicar especificamente à nossa região e mais detalhadamente ao Brasil, mas importa destacar que essa é uma nova dinâmica de relações que abrange dimensões muito mais amplas. O recurso ao enquadramento da "quarta onda" dos movimentos feministas no Brasil e na América Latina nos é útil neste ensaio apenas para dar relevo a um contexto que, se é brasileiro, também extrapola e muito as fronteiras de nosso país e transborda, pelo menos, para mais 17 países latino-americanos.

Tenho insistido em afirmar a presença de uma "quarta" onda dos feminismos no Brasil e na América Latina (Matos, 2010c______. Movimento e a Teoria Feminista em sua Nova Onda: entre encontros e confrontos, seria possível reconstruir a Teoria Feminista a partir do Sul Global? Revista de Sociologia e Política, vol. 18, UFPR, 2010c, pp.67-92., Matos & Paradis, 2013MATOS, Marlise & PARADIS, Clarisse. Los feminismos latinoamericanos y su compleja relación con el Estado: debates actuales Íconos. Revista de Ciencias Sociales, nº 45, Quito, set. 2013.), justamente através da efetivação dos recentes processos de institucionalização e dos aprofundamentos democráticos (da representação política, a partir do âmbito do Poder Legislativo, às políticas públicas implementadas pelos Poderes Executivo e Judiciário), experimentada, entre outros fatores, pela intensa revitalização cívica das demandas das mulheres - o que Alvarez (2009) designa por "sidestreaming" feminista latino-americano -, e também das mulheres negras e demais segmentos LGBT, sobre e para com os Estados brasileiro e latino-americanos.

O contexto do feminismo na região latino-americana, e especialmente aqui no Brasil, a partir dos anos 2000 (portanto, no alvorecer do século XXI), pode ser descrito como um movimento multinodal de mulheres ou a partir de diferentes "comunidades de políticas de gênero" (como tem sido mais comum se referir no Brasil). O feminismo, em parte significativa dos países da região latino-americana na atualidade, não só foi transversalizado - estendendo-se verticalmente por meio de diferentes níveis do governo, atravessando a maior parte do espectro político e engajando-se em uma variedade de arenas políticas aos níveis nacionais e internacionais -, mas também se estendeu horizontalmente, fluiu ao longo de uma larga gama de classes sociais, de outros movimentos - especialmente os de classe, étnico-raciais, geracionais e LGBTT - que se mobilizavam pela livre expressão de experiências de gênero, raciais e sexuais diversas no seio de comunidades étnico-raciais e rurais, bem como de múltiplos espaços sociais e culturais urbanos, articulando-se não só como movimentos sociais paralelos, mas como movimentos interseccionalizados.

E é essa conformação que expressa o que venho definindo como "quarta" onda feminista.6 6 Pinto (2003) sintetizou a existência dos três grandes momentos do feminismo brasileiro: o primeiro expresso por meio da luta pelo voto no âmbito do movimento sufragista - um "feminismo bem comportado" -; o segundo experimentado durante o clima político do regime militar no início dos anos 1960; e a terceira fase - uma espécie de "feminismo difuso": esse momento teria se caracterizado "por forte dissociação entre o pensamento feminista e o movimento" e a "profissionalização do movimento por meio do aparecimento de um grande número de ONGs voltadas para a questão das mulheres" (Pinto, 2003:91). Entendo, então, que haveria hodiernamente uma forte tendência dos feminismos brasileiros e latino-americanos para uma renovada retomada e aproximação entre pensamento, teoria e movimento feministas, que estaria ocorrendo no escopo da "quarta" onda. Entendo e defendo a experiência de uma recente nova "onda" para os movimentos feministas no Brasil e também para os estudos e teorias feministas que têm incidência muito especial nos países do Sul global e em especial na América Latina e Caribe. O sentido orientador da nova onda está vinculado a uma renovada e radicalizada ênfase em fronteiras interseccionais, transversais e transdisciplinares entre gênero, raça, sexualidade, classe e geração. Se essa seria uma "terceira" ou "quarta" onda feminista no continente é menos relevante do que dar o efetivo destaque ao fato de que é a primeira vez que se pode levar a sério a existência radical (mas ainda recente) de circuitos de difusão feministas operados a partir das mais distintas correntes horizontais de feminismos (acadêmico, negro, lésbico, jovem, rural, masculino etc.), que se poderia chamar de feminist sidestreaming ou de fluxo horizontal do feminismo (Alvarez, 2009; Heilborn & Arruda, 1995)HEILBORN, Maria Luiza. & ARRUDA, Angela. Legado feminista e ONGs de mulheres: notas preliminares. In: NÚCLEO de Estudos da Mulher e Políticas Públicas. Gênero e Desenvolvimento institucional em ONGs. Rio de Janeiro, IBAM, 1995., e também a colocação na agenda dos poderes constituídos na região da necessidade de maior paridade de representação política e de acesso às políticas públicas como "últimas fronteiras" rumo a uma maior justiça das diferenças.

Os anos 90 são anos de neoliberalismo e de reorganização do patriarcado dentro do Estado a partir do Capitalismo financeiro internacional. Na última década do séc. XX passou-se a privilegiar a redução de investimentos em políticas sociais redistributivas e a transferir para organizações da sociedade civil a responsabilidade pelos atendimentos a certas demandas sociais, promovendo forte dinâmica de desregulamentação do Estado (enxugamento, busca de eficácia de resultados, focalização, seletividade, "envolvimento manipulatório" com os movimentos sociais, reestruturação produtiva, desemprego estrutural etc.). Em relação aos desafios para o feminismo, se colocam no cenário: a onguização e profissionalização, especialização dos movimentos; a deslegitimação e a desresponsabilização do Estado para com as políticas sociais - "parcerias manipulatórias"; uma nova "lógica da negociação", despolitização e esvaziamento popular, entre outros elementos. Foi assim que, me parece, o Estado patriarcal no curso de regimes democráticos chegou à posição mais opressora (excetuando-se, é claro, durante o regime ditatorial militar) em termos de discriminação e manipulação de gênero. Isso ocorre francamente quando o Estado patriarcal neoliberal passa a se apresentar recrutando o trabalho feminino do cuidado nas políticas sociais e incluindo "gênero" (como uma variável despolitizada) como tema transversal das políticas públicas.

Mas os movimentos feministas e de mulheres, especialmente a partir dos anos 90, foram também travando a batalha da reconstrução de uma renovada consciência feminista no país (e na região), e com ela foram ganhando um novo contorno político. Podemos entendê-los a partir de então não mais apenas como um tipo específico de "movimento social", mas, e sobretudo, como um "campo" movimentalista e dinâmico: o campo feminista e de gênero (Matos, 2008MATOS, Marlise. Teorias de gênero e teorias e gênero? Se e como os estudos de gênero e feministas se transformaram em um campo novo para as ciências. Revista Estudos Feministas 16(2), Florianópolis-SC, mai/ago. 2008, pp.333-357.), no qual estão presentes forças heterogêneas, diversificadas, plurais, policêntricas de organização entre mulheres que vão às ruas, constroem espaços específicos de autorreflexão e de crítica no âmbito de sindicatos, movimentos estudantis, das universidades, ONGs, parlamentos, partidos políticos e também, nas organizações internacionais etc. Essas atrizes conformaram redes articuladas de atuação que, há muito, extrapolaram a forma de organização meramente nacional, construindo-se, assim, as bases de interações que estão se dando no ciberespaço, através de um enquadramento transnacional (Fraser, 2009bFRASER, Nancy. Unruly Practices: Power, Discourse, and Gender in Contemporary Social Theory. Minneapolis, University of Minesota Press, 1989., 2009cFRASER, Nancy. Unruly Practices: Power, Discourse, and Gender in Contemporary Social Theory. Minneapolis, University of Minesota Press, 1989.) e através de outros meios recentes globais de comunicação de massa e de tecnologias inovadoras (inclusive sociais).

Destaco muito brevemente algumas características dessa "quarta" onda, reforçando seu débito incontestável com a necessidade de transversalização do conhecimento e a transversalidade na demanda por direitos (humanos) e justiça social pautada pelas mulheres. Essas características seriam:

1) O alargamento, o adensamento e o aprofundamento da concepção de direitos humanos pautados a partir da luta feminista e das mulheres e de outros movimentos: referenciar direitos humanos para humanos com carne, sexo, cor, raça, etnia, idade, sexualidade etc.;

2) A ampliação da base das mobilizações sociais e políticas, sobretudo dentro de um novo enquadramento ou moldura transnacional e global, além de uma moldura ressignificada nacionalmente de forte ativismo feminista on line, a exemplo da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) - movimento que pode ser considerado emblemático do feminismo de "quarta" onda - que teve origem numa manifestação pública feminista no Canadá, em 1999, cujo lema, inspirado em uma simbologia feminina - " pão e rosas" -, expressava a resistência contra a pobreza e a violência. A MMM mantém até hoje esse primeiro mote, mas vem ampliando sua conotação, convocando o conjunto dos movimentos sociais para a luta por "um outro mundo" (designada de "altermundialismo"), e por novos direitos humanos, em que sejam superados os legados históricos do patriarcalismo e do capitalismo;

3) Foco no "sidestreaming" feminista (horizontalização): para além da não discriminação de gênero, ocorre o reforço do princípio da não discriminação com base em raça, etnia, geração, nacionalidade, classe ou religião. São "feminismos outros", profundamente entrelaçados, e, por vezes, controversamente emaranhados com as lutas nacionais e globais para a justiça social, sexual, geracional e racial; o reforço do princípio da não discriminação com base no gênero, na raça, na etnia, na nacionalidade, na classe ou na religião. As mesmas mulheres que constituíram as bases do feminismo hegemônico da década de 1990 e que tratavam as mulheres "diferentes" frequentemente como as "outras" - trabalhadoras rurais e urbanas, jovens, afrodescendentes, mulheres indígenas, lésbicas - foram responsáveis por um novo efeito de "tradução", transformando muitos dos princípios do núcleo do feminismo;

4) Foco no "mainstreaming" feminista (verticalização): ou seja, em relação ao Estado suas instituições e às dinâmicas vinculadas a esse novo formato de teorização feminista, destaca-se, por sua vez, o esforço no sentido de ações transversais, interseccionais e intersetoriais de despatriarcalização das nossas instituições (inclusive as estatais, mas não apenas - também ganham relevo aqui os partidos, sindicatos, parlamentos, empresas etc.). Essas ações transversais que produziram efeitos concretos nos espaços de representação política e no âmbito do Poder Executivo também;

5) Também uma nova forma teórica de teoria feminista que é complexa: interseccional, transversal, multinodal, policêntrica (estatal e anti-estatal ao mesmo tempo e também decolonizadora, ou seja, despatriarcalizadora, desrracializadora, desetarizadora e des-heteronormatizadora);

6) Uma renovada retomada e aproximação (tensa, mas produtiva) entre pensamento, a teoria e os movimento feministas (a exemplo da proposta do "campo crítico emancipatório das diferenças" [Matos, 2013MATOS, Marlise & PARADIS, Clarisse. Los feminismos latinoamericanos y su compleja relación con el Estado: debates actuales Íconos. Revista de Ciencias Sociales, nº 45, Quito, set. 2013.]) que propõe uma reformulação teórica profunda com forte concentração em tradições teórico-críticas feministas contemporâneas descoloniais, do feminismo cosmopolita e feminismo material (sendo esta proposta de pesquisa um testemunho desse esforço renovador).

No contexto dessa quarta onda, as mulheres feministas finalmente se voltaram para dentro do Estado brasileiro e foram, cada vez mais, ocupando espaços e reforçando a criação de organismos, estruturas e mecanismos que pudessem, dessa vez, a partir de dentro do Estado, promover ações concretas despatriarcalizadoras e, portanto, descolonizadoras. Vou problematizar a instituição estatal brasileira na perspectiva de dois de seus poderes centrais: o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Não pretendo falar aqui da dinâmica interativa entre esses poderes (ainda que essa seja uma abordagem igualmente relevante), mas destaco alguns traços inovadores de ambos que têm tido impactos efetivos em relação à agenda dos direitos das mulheres. Para exemplificar essas transformações estatais promovidas no escopo da experiência da quarta onda dos movimentos feministas que estaríamos vivenciando, pretendo explorar a criação dos Mecanismos Institucionais de Mulheres (MIMs) - ou, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres prefere designar, Organismos de Políticas para as Mulheres, OPMs -, e de outras estratégias que concatenadamente têm visado resultados despatriarcalizadores do Estado, como os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres. O tema da sub-representação política das mulheres seria outro aspecto a estar incluído aqui, mas por exclusiva ausência de espaço, deixo de lado esse debate (que, aliás, já travei em outros lugares: Matos, 2011a______. A sub-representação política das mulheres na chave de sua subteorização na ciência política. In: PAIVA, Denise (org.). Mulheres, Poder e Política: a experiência do Brasil e do Canadá, vol. 01. Goiânia, Editora da Universidade de Goiás, 2011, pp.22-54., 2011b______. Recentes Dilemas da Democracia e do Desenvolvimento no Brasil: porque precisamos de mais mulheres no poder? Revista Sinais Sociais, vol. 5, Rio de Janeiro, Editora SENAC, 2011b, pp.110-142.). Mas a urgência por uma maior e mais efetiva representação de mulheres é, de fato, o fio condutor das próximas páginas. E o é no sentido que se está claramente em busca de formas de representação/participação que sejam finalmente capazes de promover maior justiça de gênero. Para tanto urge conduzir e promover estratégias de despatriarcaliação e desrracialização do Estado.

Sabemos que, embora boa parte dos estudos sobre representação política das mulheres seja centrada na atuação delas no Legislativo, vamos discuti-la aqui a partir das fontes de representação dos MIMs - quantas são as representantes dos movimentos de mulheres que estão nessas posições dentro dos novos governos de esquerda na região (que ficou conhecida na América Latina como a "Onda Rosa"). Uma vez que as administrações públicas possuem mecanismos de funcionamento que, muitas vezes, blindam a participação e a representação de determinados grupos marginalizados (a exemplo de mulheres e negros/as), os mecanismos institucionais de mulheres foram criados como forma de institucionalizar, no interior da própria estrutura do Estado, a perspectiva das mulheres, mesmo que isso esteja sendo feito, no momento atual, apenas de maneira parcial. Nesse sentido, quanto mais independência, recursos próprios, autoridade e canais de interlocução com o movimento de mulheres, mais efetivo o MIM poderá ser para representá-las.

Sabemos, entretanto, que a representação do movimento de mulheres por meio desses mecanismos é sempre parcial, pois alguns subgrupos oprimidos continuam, muitas vezes, excluídos no bojo do discurso geral de "mulheres". Mesmo assim, o processo de representação pode se dar porque as atividades do movimento provêm arenas nas quais as mulheres interagem enquanto mulheres para definir prioridades. Exemplos muito efetivos desses espaços são as Conferências de Políticas para as Mulheres, que, como sabemos já se realizaram em três grandes ciclos no Brasil: em 2004, 2007 e 2010. Nesse sentido, o movimento de mulheres seria mais propício a articular a perspectiva das mulheres que um grupo diverso e não organizado como o das mulheres no Legislativo (Weldon, 2002WELDON, Lauren. Beyond Bodies: Institutional Sources of Representation for Women in Democratic Policymaking. The Journal of Politics, vol. 64, nº4, nov. 2002, pp.1153-1174.:165). Para essa representação ser efetiva parece necessário que o movimento tenha autonomia, inclusive como insumo para cobrar prestação de contas do governo.

Além disso, ambos - MIM e movimento de mulheres - costumam interagir para produzir melhores condições de representação. Assim, apesar de imensa preocupação em ocorrer a cooptação, um possível efeito que durante décadas norteou o distanciamento das feministas do Estado, as recentes transformações evidenciadas nos revelam que, ao contrário, um movimento de mulheres forte e autônomo aumentaria ainda mais a função representativa do MIM e ele, por sua vez, também poderia vir a fortalecer os movimentos de mulheres, ao fornecer recursos adicionais, como pesquisas e publicidade, por exemplo. Em suma, movimentos de mulheres fortes e autônomos e MIM efetivo se reforçariam mutuamente e provocariam, afinal, a possibilidade de um aumento na representação dos reais interesses das mulheres.

Em contraposição, a análise de Weldon (2002)WELDON, Lauren. Beyond Bodies: Institutional Sources of Representation for Women in Democratic Policymaking. The Journal of Politics, vol. 64, nº4, nov. 2002, pp.1153-1174. das políticas de combate à violência contra a mulher demonstrou que a maior proporção de mulheres no Legislativo não teria efeito consistente e amplo sobre receptividade governamental ao tema. A conclusão da autora é que na área de política de combate à violência contra a mulher, os MIMs e os movimentos de mulheres juntos são mais efetivos que um grande número de mulheres no Legislativo para assegurar a ação política.

Alguns estudos importantes desse tema (Macbride & Mazur, 2010MCBRIDE, Dorothy E.; MAZUR, Amy G. The politics of State Feminism: innovation in comparative research. Philadelphia, Temple University Press, 2010.; Lovenduski, 2005LOVENDUSKI, Joni (ed.). State Feminism and Political Representation. New York, Cambridge University Press, 2005.) buscaram elucidar as circunstâncias em que atrizes do movimento de mulheres, atrizes do Estado e legisladoras intervêm no processo político na direção de despatriarcalizar a dinâmica estatal. Lovenduski (2005LOVENDUSKI, Joni (ed.). State Feminism and Political Representation. New York, Cambridge University Press, 2005.), por exemplo, define representação como processo de enquadramento (framing) - "o movimento de mulheres propaga ideias 'engendradas'na busca por (re)enquadrar debates, de modo que seu discurso é 'engendrado'de acordo com os interesses das mulheres" (Lovenduski, 2005LOVENDUSKI, Joni (ed.). State Feminism and Political Representation. New York, Cambridge University Press, 2005.:170). Macbride e Mazur concluem que a representação é feita pelos três grupos de atrizes através de repertórios padronizados de intervenção política tanto de maneira conjunta, como separadamente.

Segundo as autoras, a representação ocorre em inúmeros espaços além do Legislativo - no Estado e na sociedade civil, nos órgãos e comissões do Executivo, nos partidos políticos, nos sindicatos e nas organizações internacionais. Nesse sentido, os padrões de representação são altamente dependentes do seu contexto e nem sempre são democráticos, uma vez que parte dessas representações não é instituída via eleição. As mulheres organizadas nessas arenas formam alianças e, portanto, canais de cooperação entre os atores e as atrizes desses espaços. Esses diferentes padrões de representação interagem entre si e sua combinação gera impacto nos processos políticos (Lovenduski, 2005LOVENDUSKI, Joni (ed.). State Feminism and Political Representation. New York, Cambridge University Press, 2005.).

As pesquisas fornecem apontamentos importantes para se pensar a representação exercida pelos mecanismos institucionais de mulheres. É possível perceber que essa empreitada só é possível e só tem algum sucesso quando os MIMs possuem interlocuções com o movimento de mulheres e com o legislativo e quando possuem recursos técnicos e orçamentários, além de suficiente poder no interior do Estado.

Além dos MIMs e das estratégias mistas de representação/participação que ocuparam espaço distintivo no âmbito do Estado brasileiro, a seguir, pretendo destacar algumas experiências levadas a cabo dentro dos espaços legislativo e executivo, que, no meu entender, foram estratégias que visaram esse resultado despatriarcalizador. Vejamos o Quadro 1 abaixo:

Quadro 1
Principais ações de despatriarcalização do Estado brasileiro (1988-2014)

Essas são apenas algumas das principais iniciativas nesse sentido, muitas outras não foram listadas aqui. Também não foram marcadas ações relacionadas especificamente à questão racial e aos direitos LGBT que conformam outra agenda ainda mais ampliada de ações estatais descolonizadoras. Cabe destacar ainda que essas são iniciativas que vêm transformado as relações entre Estado brasileiro e sociedade civil. Terminaria esta seção afirmando que as nossas históricas forças conservadoras (especialmente as religiosas e políticas) já identificaram esse percurso. Em parte, os movimentos neoconservadores que estamos presenciando hoje no Brasil têm a ver com os avanços que já foram empreendidos aqui desde a redemocratização do país em meados dos anos 80.

Concluindo...

Este ensaio buscou recuperar algumas das principais visões, desenvolvimentos teóricos e contradições existentes da recente literatura feminista que se relaciona como a instituição do Estado. Foi possível perceber que grande parte das correntes que se engajaram em tal debate buscou corrigir a quase onipresente falta de consideração para com um debate sobre as relações de gênero patriarcais e coloniais nas análises mais hegemônicas. Esse, portanto, pareceu ser o ponto de partida mais comum entre diferentes correntes analíticas aqui referenciadas. Outro aspecto que perpassa a literatura feminista dessa área se encontra na dicotomia "dentro/fora", ou seja, no reforço da presença de apenas duas estratégias acadêmico-políticas que pareciam ser possíveis ao se abordar o Estado: (a) manter-se "autônomas" e não se engajar em seu interior; (b) ou participar das suas estruturas, correndo os riscos de cooptação e de perda de radicalidade da/na sua agenda.

É possível perceber que o movimento partiu de uma visão mais pessimista e que, aos poucos, pareceu se expandir a uma visão mais otimista. Esse movimento corresponderia também a transformações no escopo da própria estrutura estatal, na consolidação das democracias contemporâneas, no desenvolvimento e na consolidação de mecanismos de participação cidadã, de novos instrumentos de gestão pública, de modo a se levar em consideração as diversidades e as transversalidades inerentes às relações de gênero e, por fim, à própria dinâmica de institucionalização das problemáticas e das questões de gênero no interior do Estado. Dessa forma, as relações entre sociedade e Estado tornaram-se, a partir da descrição desse percurso, certamente mais estreitas e também mais complexas.

No entanto, esse contexto é permeado de inúmeras contradições. O patriarcado tem igualmente se transformado e, infelizmente, continua moldando as nossas instituições estatais, tratando de garantir e sustentar a inserção subordinada das mulheres nas distintas dimensões da esfera pública e, com isso, retardando e muito os avanços que as mesmas demandam e lutam . Mas também é verdade, e espero ter demonstrado isso, que, se o Estado tem se tornado mais permeável às demandas feministas, a tradicional divisão sexual do trabalho, uma perene noção de família tradicional, os ataques ao exercício das liberdades sexuais das mulheres, assim como a manutenção de padrões que ainda sustentam a violência continuada contras as mulheres e as meninas seguem sendo uma constante nas nossas vidas, em quase todos os países da América Latina, e em alguns ainda mais que em outros.

Nesse sentido, os mecanismos institucionais de mulheres são criados a partir de forte pressão do movimento de mulheres por mais espaço nas políticas públicas, e com a "missão" de se atenuar e se combater a presença do patriarcado no interior do Estado. Por parte dos governos, em alguns casos de países da América Latina, os MIMs acabam por servir mais como resposta retórica às mulheres, que não compartilha com elas do compromisso profundo com as transformações nas desigualdades e hierarquias de gênero. No nosso entender, esse não é o caso brasileiro. Os avanços e conquistas empreendidos nos últimos quinze anos são inequívocos em meu entender. Tanto o são que já é igualmente passível de identificação o surgimento de nova onda reversa, neoconservadora politicamente que, por sua vez, tenta refrear e estancar as mudanças.7 7 Nas eleições de 2014, o número de pastores candidatos cresceu 40%. Essas forças religiosas têm se feito representar no Executivo e, sobretudo, no Legislativo tentando aprovar projetos de lei ou fazer obstáculos a outros que representam, verdadeiramente, retrocessos políticos e sociais, a exemplo do "Estatuto do Nascituro", "Estatuto da Família", da recente votação do PNE em março de 2014 que, inclusive, promoveu a disseminação perversa do que os religiosos cunharam como "ideologia de gênero", do Projeto de "Cura Gay", apresentado na Comissão de Direitos Humanos, a reapresentação pelo pastor Eurico da proposta do PDC 234/2011 que quer cancelar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que afirma que a condição da homossexualidade não é doença, entre outros.

Entendo ainda que através dessas reflexões, torna-se necessário o imenso desafio de se tentar elaborar uma nova síntese feminista para com as relações entre as mulheres e o Estado, que deveria: (1) levar em conta a complexidade da relação existente entre Estado e sociedade/movimento de mulheres, para além da dicotomia "dentro/fora"; (2) analisar criticamente as traduções políticas que o Estado vem dando para as demandas feministas; (3) ser capaz de capturar as transformações do patriarcado no interior das estruturas estatais; (4) relacionar, ainda que de modo tenso e contraditório, o patriarcado e o feminismo estatal, com o intuito de se compreender de que modo os MIMs buscam "despatriarcalizar" as estruturas estatais e qual o seu grau de sucesso; (5) ponderar e elaborar participativamente e de modo coletivo a proposta de um sistema de responsabilização de gênero dentro das instâncias e poderes do estado - mais comitês, gts, conselhos etc. que monitorem efetivamente as ações dos três poderes; e (6) levar em consideração as diferenças internas e das regiões de nosso país e, sobretudo, entre os diferentes grupos de mulheres dentro de um mesmo Estado nacional.

Nossa atenção vai estar finalmente voltada para as condições de possibilidade da criação e manutenção continuadas no tempo e no espaço de instituições e mecanismos que possam compor sistemas de responsabilização institucional que venham a ser sensíveis a gênero e sejam, finalmente, receptivos a processos continuados de empoderamento das mulheres como estratégia democratizadora do Eado brasileiro no âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essas novas vias analíticas poderiam ser frutíferas para apreciações feministas mais aprofundadas sobre o Estado que fugissem de perspectivas meramente essencialistas, homogeneizadoras e de simples aversão a esse ator que, como afirma Alvarez (2000:48)ALVAREZ, Sonia. Em que Estado está o feminismo latino-americano? Uma leitura crítica das políticas públicas com "perspectiva de gênero". In: FARIA; SILVEIRA; NOBRE (org.). Gênero nas Políticas Públicas: impasses, desafios e perspectivas para a ação feminista. São Paulo, SOF, 2000. "mexe conosco, sem que possamos nos livrar dele".

Além do mais, sabemos que a luta por mais direitos das mulheres que se realiza através de sua auto-organização e com o objetivo de transformação de sua realidade deve se refletir em uma luta que ultrapasse exclusivamente a luta por direitos no âmbito do Estado. Ela deveria apontar, portanto, para a necessidade de destruição do modo de organização social vigente - o patriarcado - como condição de sua emancipação e libertação. Essa postura teórica tem como consequência política uma práxis transformadora de vários campos, incluindo a cultura, a sociedade, as ciências etc.

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    Algumas autoras feministas importantes neste debate são: Jean Elshtain (1981), Susan Okin (1989), Carole Pateman (1990PATEMAN, Carole. Feminist Critiques of the Public/Private Dichotomy. In: PATEMAN, Carole. The Disorder of Women: Democracy, Feminism, and Political Theory. Stanford, CA, Stanford University Press, 1990., 1993)PATEMAN, Carole. O Contrato Sexual. São Paulo, Paz e Terra, 1993. [Tradução de Marta Avancini]. e Sylvia Walby (1990)WALBY, Sylvia. Theorizing Patriarchy. Oxford, Basil Blackwell, 1990..
  • 2
    O matrimônio proletário, é necessário destacar, é monogâmico apenas no sentido etimológico da palavra, mas não no sentido histórico. Essa peculiaridade pode ser explicada pela ausência de propriedades, o que acarreta a inexistência de motivo para o estabelecimento da supremacia masculina. Soma-se a isso o fato de que a mulher proletária está presente no mercado de trabalho, sendo muitas vezes o alicerce da casa. O que resta, em alguns casos, é o trato violento com as mulheres, que surge com a instituição da monogamia.
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    De origem britânica, estudou na Universidade de Oxford. Sua carreira internacional inclui Europa, Austrália e Estados Unidos da América do Norte, sendo a primeira mulher a se tornar presidente da Associação de Ciência Política Australasiática e a primeira mulher Presidente da Associação de Ciência Política Internacional (de 1991 a 1994). É membro da Academia de Artes e Ciências Americana e docente do Departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Suas obras são muitas e entre seus livros mais conhecidos e estudados estão os seguintes: The Disorder of Women: Democracy, Feminism, and Political Theory (1989); The Sexual Contract (1988); The Problem of Political Obligation: A Critical Analysis of Liberal Theory (1970); Feminist Interpretations and Political Theory (1991). Além de artigos publicados nas mais importantes revistas do mundo e de traduções em diversas línguas, incluindo-se traduções brasileiras. Entre seus temas centrais estão o feminismo, a democracia e a liberdade.
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    Cabe destacar que sabemos que, tanto o patriarcado quanto o racismo, não têm suas origens estruturais e histórico-políticas no período colonial moderno. Todavia, nos interessa aqui resgatar a forma de configuração desses dois fenômenos justamente na modernidade, pois é sobre o seu legado que as nossas sociedades e culturas foram erigidas.
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    Algumas das principais referências teóricas desse debate são: Castro-Gomez e Mendietta (1998)CASTRO-GÓMEZ, Santiago & MENDIETA, Eduardo. Introducción: la translocalización discursiva de Latinoamérica en tiempos de la globalización. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago & MENDIETA, Eduardo (coords.).Teorías sin disciplina: latinoamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate. México, Miguel Ángel Porrúa, 1998., Mignolo (1998)MIGNOLO, Walter. Postoccidentalismo: el argumento desde América Latina. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago & MENDIETA, Eduardo (coords.). Teorías sin disciplina: latinoamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate. México, Miguel Ángel Porrúa, 1998., Castro-Gomez e Grosfoguel (2007)CASTRO-GÓMEZ, Santiago & GROSFOGUEL, Ramon. Prólogo. Giro decolonial, teoría crítica y pensamiento heterárquico. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago& GROSFOGUEL, Ramon (coords.). El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global. Bogotá, Siglo del Hombre, Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos, Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007., Dussel (2000)DUSSEL, Enrique. Europa, modernidad y eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (coord.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires, Clacso, 2000., Escobar (2003)ESCOBAR, Arthuro. Mundos y conocimientos de otro modo: el programa de investigación modernidad/colonialidad latinoamericano. Tabula Rasa, nº 1, Bogotá, Colombia, 2003, pp.58-86., Maldonado Torres (2007)MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago& GROSFOGUEL, Ramon (coords.). El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global. Bogotá, Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos, Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007,, entre outros autores.
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    Pinto (2003)______. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003. sintetizou a existência dos três grandes momentos do feminismo brasileiro: o primeiro expresso por meio da luta pelo voto no âmbito do movimento sufragista - um "feminismo bem comportado" -; o segundo experimentado durante o clima político do regime militar no início dos anos 1960; e a terceira fase - uma espécie de "feminismo difuso": esse momento teria se caracterizado "por forte dissociação entre o pensamento feminista e o movimento" e a "profissionalização do movimento por meio do aparecimento de um grande número de ONGs voltadas para a questão das mulheres" (Pinto, 2003______. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003.:91). Entendo, então, que haveria hodiernamente uma forte tendência dos feminismos brasileiros e latino-americanos para uma renovada retomada e aproximação entre pensamento, teoria e movimento feministas, que estaria ocorrendo no escopo da "quarta" onda.
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    Nas eleições de 2014, o número de pastores candidatos cresceu 40%. Essas forças religiosas têm se feito representar no Executivo e, sobretudo, no Legislativo tentando aprovar projetos de lei ou fazer obstáculos a outros que representam, verdadeiramente, retrocessos políticos e sociais, a exemplo do "Estatuto do Nascituro", "Estatuto da Família", da recente votação do PNE em março de 2014 que, inclusive, promoveu a disseminação perversa do que os religiosos cunharam como "ideologia de gênero", do Projeto de "Cura Gay", apresentado na Comissão de Direitos Humanos, a reapresentação pelo pastor Eurico da proposta do PDC 234/2011 que quer cancelar uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que afirma que a condição da homossexualidade não é doença, entre outros.

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  • Errata:

    No artigo “Desafios à despatriarcalização do Estado brasileiro”, publicado no número 43 da revista cadernos pagu, na página 57, onde se lê:
    "Marlise Matos**
    ** Professora do Depto. de Ciência Política da UFMG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG), ambos da UFMG. marlise.matos@fafich.ufmg.br"
    Leia-se:
    "Marlise Matos**
    Clarisse Goulart Paradis***
    ** Professora do Depto. de Ciência Política da UFMG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM) e do Centro do Interesse Feminista e de Gênero (CIFG), ambos da UFMG. marlise.matos@fafich.ufmg.br
    *** Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM), da Universidade Federal de Minas Gerais. clarisseparadis@gmail.com"

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2014
  • Aceito
    03 Out 2014
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