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Apresentação

Apresentação

Um dos autores presentes neste número lembra a frase de Virginia Woolf: as mulheres não são obedientes, castas, perfumosas e caprichosamente enfeitadas por natureza. Algumas das convenções mencionadas deixaram de ter validade como parte da definição do que é ser feminina, outras, novas, foram criadas para substituí-las, mas continua a existir um investimento social muito grande para fazer com que as marcas de masculinidade e feminilidade, sejam quais forem, pareçam emergir naturalmente nos corpos femininos e masculinos. Tomemos o exemplo dos intersexuais: o assunto, que nunca foi discutido pelas ciências sociais no Brasil, a despeito de ser uma prática médica aqui vigente há muitos anos, é trazido ao debate de gênero por Paula Machado e Mauro Cabral. Ambos mostram, de maneira bem clara, como as convenções heterossexuais impregnam as decisões médicas de tal modo que fora do modelo binário masculino/feminina parece não haver salvação. Nesse caso, tal modelo é desenhado a bisturi nos corpos das crianças nascidas, como diz o jargão médico, com sexo ambíguo, de modo que elas pareçam naturalmente masculinas ou femininas. Já as drag queens, sem bisturi, mas com muita imaginação, como mostra Anna Paula Vencato, transformam seus atributos herdados em atributos escolhidos, não nas salas de cirurgia, mas no camarim. Sugiro aos leitores que usem as tiras do cartunista Laerte, sobre Hugo se montando como Muriel, publicadas há algum tempo na Folha Informática, como ilustração desse artigo. Sugiro também que se leve a sério o comentário de uma das participantes da Nona Parada GLBT em São Paulo sobre a existência de drag kings - quase nunca tematizados.

E as relações conjugais, como poderiam ser naturalizadas, de molde a adequar as chamadas novas famílias ao modelo familiar "natural" (papai/mamãe/filhos)? Luiz Mello tenta responder a essa pergunta, alertando para o risco de uma reprodução acrítica daquele modelo.

Amílcar Torrão Filho e André Cordeiro tentam, o primeiro numa abordagem histórica do conceito de gênero, o segundo numa análise da incorporação dele pelo pintor Ismael Nery, mais estabelecer relações do que apontar oposições no par masculino/feminina. Fabio Bezerra de Souza, por sua vez, observa as transformações dos códigos que regiam a conduta das mulheres das camadas populares no momento em que as cidades também se transformavam e ofereciam oportunidades para alterações nas convenções de gênero.

Além desses artigos, e da seção de resenhas, o documento assinado por Bertha Lutz, e comentado por Lia Sousa, Mariana Sombrio e Margaret Lopes, estabelece um expressivo diálogo com o dossiê sobre gênero e saúde, apresentado de maneira mais detalhada por sua organizadora Maria Lucia Mott, e que abre este volume.

A artista Nazareth Pacheco merece um agradecimento especial por ter permitido a reprodução de um de seus colares - aqui, um de 1997, usando canutilho, cristal e lâmina de bisturi - na nossa capa. Agradecemos também a Mariana Meloni, que fez uma linda dissertação de mestrado sobre Nazareth e outras artistas, por ter chamado nossa atenção para o trabalho dela.

Mariza Corrêa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2005
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