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Topografia do risco: o erotismo literário no Brasil contemporâneo

Topography of risk: literary eroticism in contemporary Brazil

Resumos

A literatura obscena produzida no último quarto de século no país mobiliza um repertório de fantasias próprio da sensibilidade urbana do Brasil contemporâneo. Trata-se de um imaginário marcado pelo embate entre as formas elevadas e os registros baixos da cultura nacional, em forte sintonia com os dilemas mais candentes da época. Praticada quase que exclusivamente por homossexuais e mulheres, essa escrita sugere uma erótica do limite, como se o risco de vida tivesse se tornado condição primordial do desejo. Este texto explora as afinidades entre as particularidades temáticas e formais de tal repertório.

Erotismo; Literatura Brasileira; Erótica Literária; Imaginário Sexual; Obscenidade


The obscene literature produced in the country over the last quarter century has mobilized a repertoire of fantasies peculiar to the urban sensibility of contemporary Brazil. It consists of gamut of images whose defining characteristic is the clash between the elevated forms and lower rungs of national culture, finely attuned to the most pressing dilemmas of the day. Undertaken almost exclusively by homosexuals and women, this type of writing suggests an eroticism on the edge, as if putting one's life at risk had become the primordial condition of desire. This text will explore the affinities among the thematic and formal particularities of this repertoire.

Eroticism; Brazilian Literature; Literary Erotica; Sexual Image Repertoire; Obscenity


ARTIGOS

Topografia do risco: o erotismo literário no Brasil contemporâneo* * Recebido para publicação em novembro de 2007, aceito em fevereiro de 2008. Este texto, em versão reduzida e com algumas alterações, foi publicado originalmente em francês, sob o título Topographie du risque: L´érotisme littéraire dans le Brésil contemporain (2005).

Topography of risk: literary eroticism in contemporary Brazil

Eliane Robert Moraes

Professora de Estética e Literatura na PUC-SP e no Centro Universitário Senac-SP. elianermoraes@uol.com.br

RESUMO

A literatura obscena produzida no último quarto de século no país mobiliza um repertório de fantasias próprio da sensibilidade urbana do Brasil contemporâneo. Trata-se de um imaginário marcado pelo embate entre as formas elevadas e os registros baixos da cultura nacional, em forte sintonia com os dilemas mais candentes da época. Praticada quase que exclusivamente por homossexuais e mulheres, essa escrita sugere uma erótica do limite, como se o risco de vida tivesse se tornado condição primordial do desejo. Este texto explora as afinidades entre as particularidades temáticas e formais de tal repertório.

Palavras-chave: Erotismo, Literatura Brasileira, Erótica Literária, Imaginário Sexual, Obscenidade.

ABSTRACT

The obscene literature produced in the country over the last quarter century has mobilized a repertoire of fantasies peculiar to the urban sensibility of contemporary Brazil. It consists of gamut of images whose defining characteristic is the clash between the elevated forms and lower rungs of national culture, finely attuned to the most pressing dilemmas of the day. Undertaken almost exclusively by homosexuals and women, this type of writing suggests an eroticism on the edge, as if putting one's life at risk had become the primordial condition of desire. This text will explore the affinities among the thematic and formal particularities of this repertoire.

Key Words: Eroticism, Brazilian Literature, Literary Erotica, Sexual Image Repertoire, Obscenity.

I - Do alto

Tal qual um pressentimento noturno, uma ameaça de morte se acerca do erotismo literário brasileiro às vésperas dos anos 1980. A sexualidade jovial e inconseqüente que modulava os textos da contracultura, sintonizada com o espírito libertário das décadas anteriores, se reveste então de uma inesperada gravidade que por vezes se abeira do trágico. Como que inaugurando essa tendência, dois expressivos livros de poesia, ambos publicados em 1979, associam de forma incisiva o desejo sexual a imaginários funestos, valendo-se de paisagens ostensivamente cosmopolitas, a sugerir um repertório de fantasias eróticas próprio da sensibilidade urbana que caracteriza o Brasil contemporâneo.

Coxas, de Roberto Piva, se inicia com o longo poema intitulado "Os escorpiões do sol", que descreve, de maneira quase relatorial, uma cena erótica entre dois homens, passada no coração da metrópole paulistana. A dicção seca, sem rodeios, a rigor bem mais próxima da prosa do que da poesia, cria um intervalo entre fundo e forma que contribui para acentuar a estranheza do encontro:

Eram 4 horas da tarde do mês de junho & o sol batia no topo do Edifício Copan suas rajadas paulistanas onde Pólen & Luizinho foram fazer amor & tomar vinho.

O adolescente vestia uma camiseta preta com o desenho no peito de um punho fechado socialista, calças Lee desbotadas & calçava tênis branco com listras azuis. Você é minha putinha, disse Pólen. Isso, gritou Luizinho, gosto de ser chamado de putinha, puto, viado, bichinha, viadinho ah acho que vou gozar todo o esperma do Universo!

Neste instante um helicóptero do City Bank aproximava-se pedindo pouso & os dois nem ligaram continuando com suas blasfêmias eróticas heróicas & assassinas.

O guarda que estava no helicóptero então mirou & abriu fogo. Luizinho ficou morto lá no topo do Edifício Copan com uma bala no coração.

Por onde é preciso começar? (Piva, 1979:7).

Se a saga erótica de Pólen, que o leitor acompanha até o final do volume, tem sua origem em uma cena a um só tempo lasciva e sinistra, é porque essa cena vem efetivamente configurar uma nova origem na paisagem sensível do período, demarcando "por onde é preciso começar" antes mesmo que tal questão seja colocada. Ou seja: diferentemente da década de 1970, quando tudo parecia passível de um recomeço e cada sujeito se sentia um demiurgo, os anos 1980 se iniciam com a fatalidade de que há um começo já dado, independente das vontades, das escolhas ou dos desejos de cada um. E, em matéria de erotismo, isso significa um voto de compromisso entre o sexo e o perigo.

Nesse mesmo diapasão, o livro As mulheres gostam muito, de Angela Melim, divisa uma cena fatal desde a primeira linha, enunciada com o auxílio enfático da caixa alta nas palavras iniciais: "SOBRE O SUICÍDIO. PRECISO TOMAR UMA DECISÃO entre pedra e vidro, estilhaça ou espatifa, porque todas as palavras não cabem num livro". Em contraste com o título sensual e meloso, os versos que se seguem a esse categórico ponto de partida só propõem novos matizes para um desejo de morte que em nada parece se distinguir do desejo sexual. Também nesse caso, o erotismo aterrador se associa em definitivo ao cenário urbano:

Nu coração

de Copacabana

desejo você como desejo

pular

do décimo primeiro

um vidrinho colorido

espatifa

quando cai: brilhante vermelho automóvel

mi aperta na mão

esmigalha

desejo/como/você

morrer

(Melim, 1979:1)

Não são poucos os pontos de contato entre os dois livros, a começar pela data da publicação e pelo fato de que eles marcam uma mudança sutil, mas importante, nas vozes desses autores, justamente por introduzir um tom mais grave às suas obras, ambas vinculadas à chamada "poesia marginal". Deve-se destacar ainda a afinidade entre os imaginários em questão, sobretudo na convergência entre sexualidade e perigo, o que por certo alinha ambos os poemas a uma fecunda tradição do erotismo literário ocidental. Mais que tudo, porém, o que chama a atenção nesses versos é uma certa intensidade a sugerir uma erótica do limite, como se o risco de vida tivesse se tornado a condição primordial do desejo.

Nesse sentido, é digno de nota que os dois poetas tomem como cenário o alto de um prédio, seja num caso a cobertura do Edifício Copan - emblema da arquitetura moderna brasileira, cravado bem no centro nervoso de São Paulo -, seja no outro o décimo primeiro andar de um imóvel qualquer da povoada praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Tópica recorrente das artes ocidentais, a visão do alto supõe deslocamentos decisivos nas escalas e nos valores: por isso mesmo, os lugares elevados tendem a desviar os sujeitos de suas posições habituais, precipitando-os a saltos vertiginosos que, não raro, se revelam mortais.

Ver a cidade de cima supõe um distanciamento do caos urbano que permite desvelar a multidão soturna, apinhada, correndo atrás dos meios de sobrevivência tal qual um formigueiro. Os versos de Angela Melim evocam mais de uma vez a "multidãozinha curiosa e sofredora", que interrompe o passo maquinal e rápido ao deparar com o corpo de uma jovem suicida estatelado na calçada, traduzindo a perplexidade em comentários banais: "só vendo a queda!". Entre a inconsciência dos vivos e o mistério da morta, nenhum contato possível. Assim também, o poema de Roberto Piva contrapõe a lógica implacável do poder financeiro, próprio da metrópole, à ousadia juvenil do par homossexual que, em plena tarde de verão, sobe ao topo de um edifício para "fazer amor & tomar vinho".

Seja na versão impiedosa de As mulheres gostam muito, seja na versão hedonista de Coxas, o deslocamento que se produz nesses patamares elevados vem denunciar a miséria da superfície, onde a vida se restringe ao automatismo de corpos dóceis e deserotizados. Uma tal denúncia por certo implica riscos. Sendo locais por excelência dos medos e das vertigens, os pontos altos tendem a incitar os visitantes a experiências arrojadas, o que pode resultar em subversões de toda ordem, de simples "blasfêmias eróticas & assassinas" a um inesperado "desejo de pular do décimo primeiro". Daí que os castigos - no mais das vezes corporais - sejam igualmente implacáveis: "Precisava ver; na beira da praia, cortaram as pernas do caranguejão para ele não fugir; o esforço do tronco se contorcendo" (Melim, 1979:77). Daí que as execuções sejam invariavelmente sumárias: "O guarda que estava no helicóptero então mirou e abriu fogo" (Piva, 1979:7).

Ora, esse perigo de morte, que se impõe como condição do desejo, consolida-se como uma linha de força da produção erótica brasileira no decorrer da década de 1980, sobretudo quando a Aids deixa de ser uma ameaça e começa a se tornar realidade. Assim, o que antes se apresentava apenas como um pressentimento, enigmático e difuso, vai rapidamente transformarse em um diagnóstico categórico. Em possível sintonia com essa fatalidade, um outro poema de Piva, este publicado já em 1981, atesta uma significativa mudança no cenário erótico da metrópole:

a cidade com sol vista do alto de um terraço.

luz sombra cor & estranhas vertigens

cabeças decepadas

últimos centauros trotando nos parques

últimos amores nas tocas antes da noite

(Piva, 1981:XV).

Do alto do edifício, o que se divisa já não é mais o embate polarizado entre a ordem truculenta do capital e a volúpia subversiva dos amantes, mas sim uma espécie de devastação da própria paisagem, que, aliás, coincide com o acanhamento da literatura erótica nos anos 1980. Em comparação com o livro de 1979, percebe-se aí um franco decréscimo de energia e de libido, a esboçar os contornos de uma cidade desolada: mesmo sob o sol, ela é decididamente melancólica, quase deserta, habitada pelos últimos centauros e amores que restam ao lado de estranhas cabeças decepadas, a anunciar a chegada da noite.

Notável afinidade entre essa imagem e o livro Triângulo das águas que Caio Fernando Abreu publica em 1983, a começar pela capa da primeira edição. Trata-se da foto aérea de uma metrópole, na qual se distinguem apenas os topos dos arranhacéus, capturados num fim de tarde que se delineia no horizonte, carregado de nuvens negras e pesadas, indicando o prenúncio de um temporal noturno. Por certo, tal cena é bem mais dramática que a anterior, tanto por radicalizar a perspectiva do alto - uma vista aérea ao invés do terraço de um edifício -, quanto por carregar a paisagem com uma gravidade que o poema de Piva mal chega a sugerir. Não por acaso, esse é o primeiro texto de ficção brasileira em que a Aids aparece claramente como tema.1 1 A capa é assinada por Victor Burton e a fotografia é de autoria de Jacqueline Cantore. Vale lembrar que o ano de 1983 marca uma tomada de consciência coletiva sobre a presença da Aids no país, sobretudo devido à publicação de duas notícias na imprensa: a morte do soropositivo Markito, um dos maiores nomes da alta costura brasileira, e a revelação de que o diretor de cinema Glauber Rocha, misteriosamente falecido em 1981, teria sido uma das primeiras vítimas da doença no Brasil.

Com efeito, conforme a epidemia cresce, mais e mais se nota seu impacto nas letras do país.2 2 Os primeiros dados nacionais sobre o crescimento da epidemia começam a aparecer em 1985 e são alarmantes: a cada dia registra-se um novo caso, com um saldo de quatro mortes por semana, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, e o Brasil passa a ser considerado então o quarto país do mundo em número de infectados. Numa relação inversamente proporcional, contudo, o erotismo literário entra em claro declínio, perdendo espaço entre as publicações do período. Pode-se contar nos dedos os livros do gênero editados no decorrer da década, configurando exceções que só fazem confirmar essa ausência.3 3 Registrem-se, entre outras, algumas iniciativas coletivas no período, como os livros Muito prazer - Contos eróticos femininos, organizado por Márcia Denser (1982), Um prazer imenso - Contos eróticos masculinos, organizado por Jeferson de Andrade (1986) e Antolorgia, arte pornô, organizado por Eduardo Kak e Cairo Assis Trindade (1984). Contudo, o próprio fato de serem obras coletivas é significativo, já que pode sugerir a carência de novas produções individuais no gênero, sem contar algumas poucas exceções. Enfim, se a temática sexual continua a aparecer aqui e acolá na ficção brasileira, quase sempre mais sugerida do que afirmada, aquela sexualização enfática do mundo e da experiência humana que constitui o cerne da literatura erótica raramente encontra vias de expressão. A imaginação pornográfica se retrai diante da dor.

II - Do baixo

Será preciso esperar a virada da década, portanto, para que esse panorama assuma novos contornos. Quando isso acontece, tanto o público leitor quanto a crítica são tomados de surpresa: mal se iniciam os anos 1990 e a temática do erotismo reaparece na literatura com inesperado e renovado vigor.

Não é possível apontar uma só razão para essa reviravolta, sem dúvida resultante de uma complexa série de acontecimentos. Vale arriscar algumas hipóteses. De um lado, assiste-se a uma certa "normalização" da Aids, decorrente de significativas mudanças no quadro geral da doença, a começar pela reversão das cifras epidêmicas. De outro, talvez se possa apontar aí uma resistência do imaginário que, saturado com o horizonte sombrio ao qual a sexualidade parecia condenada, responde à morbidez da cena histórica com os mais variados expedientes da imaginação, numa formidável afirmação do potencial ilimitado da fabulação erótica.

Dessa forma, em franca oposição a uma tendência realista e naturalista que ainda predomina na literatura brasileira no final do século XX, a produção obscena da última década faz uma aposta radical na fantasia, seja ela fescenina, alucinatória, mística ou grotesca. Uma vez desfeito o pacto com a morte, a ênfase trágica cede lugar a uma pluralidade de vozes que descobrem outras vias de dizer o sexo. Assim também, a metrópole deixa de ser um cenário ostensivo para figurar de modo menos evidente, fazendose presente mais por meio dos seus fantasmas do que de sua arquitetura. Por fim, a perspectiva elevada, que traduzia a gravidade da paisagem, perde espaço em função de um olhar mais disperso, cuja atenção se fixa ora no corriqueiro, no popular, ora no bizarro e no excêntrico. O erotismo literário se vale então de um dos seus expedientes mais férteis: o rebaixamento.

Tome-se, por exemplo, a vigorosa obra de Glauco Mattoso que, iniciada nos anos de ouro da contracultura, conhece seu momento mais produtivo na atualidade. Marcados pelo tom irreverente e licencioso característico do autor, já os primeiros trabalhos colocavam em cena uma série de obsessões sexuais que lhe serviam de ponto de partida, fosse para realizar uma crítica social mordaz e ferina, fosse para zombar das mais altas aspirações da literatura:

ó merda com teu mar de urina

com teu céu de fedentina

tu és meu continente terra fecunda onde germina

minha independência minha indisciplina

(Mattoso, 2001).

A partir de 1990, uma contingência pessoal vai repercutir com intensidade na sua literatura: tendo ficado completamente cego, o poeta passa a adotar quase que exclusivamente as formas fixas, em particular a do soneto, cuja regularidade facilita a memorização dos versos.4 4 O poeta, cujo verdadeiro nome é José Ferreira da Silva, ficou cego devido a um glaucoma, doença que lhe inspirou o pseudônimo de Glauco Mattoso. Essa restrição, ao invés de limitar sua produção, resulta em forte compulsão criativa. Da mesma forma, ao invés de originar uma poética de tons dramáticos, ela acentua ainda mais a vitalidade das fantasias escatológicas, do humor negro e das críticas corrosivas que evocam tanto as cantigas de escárnio e maldizer do trovadorismo português quanto o veio satírico e fescenino de um Bocage ou de um Gregório de Matos.

Ou seja, se a lírica licenciosa de Mattoso ganha uma nova desenvoltura após a cegueira, isso se deve tanto à sua produção compulsiva quanto à sua extraordinária capacidade de atualizar temas obsessivos, abordados em inusitadas combinatórias e à luz de um incontestável rigor formal. Seus versos, em exatos decassílabos, giram com freqüência em torno da podolatria homoerótica, como neste "Perversivo", publicado em 2000:

Um pênis, uma xota e está completo

o coito, se é político e correto.

Nem tudo, todavia, no tesão

Se rege por ciência ou protocolo

Trepada não é só penetração.

Uns gozam quando cheiram um sovaco

Pentelho na saliva é estimulante

E mesmo bananeiras há quem plante

se o clima entre dois corpos está fraco.

Em mim, fica debaixo do pisão,

Na sola onde esta imunda língua esfolo,

a fonte da mais louca excitação.

Um tênis, uma bota e pouco afeto:

Assim é meu orgasmo predileto

(Mattoso, 2004:130).

Uma tal veneração dos pés, onipresente na poesia do autor, amplia o gesto de rebaixamento, uma vez que se volta em definitivo às partes inferiores do corpo humano. Ou seja: como se não bastasse ao poeta colocar sua verve eloqüente à serviço do baixo corporal como um todo, a exaltação fetichista dos pés insiste em celebrar aí o que efetivamente há de mais rasteiro. "Na sola onde esta imunda língua esfolo" - verso notável, que dá as dimensões dessa celebração, evidenciando sua rica ambigüidade, já que remete tanto aos procedimentos da linguagem poética quanto à pratica sexual que o órgão da língua enseja.

Ora, à "eloqüência rebaixada" de Glauco Mattoso poderíamos opor o "coloquialismo elevado" de Valdo Motta5 5 A expressão "coloquialismo elevado" e outras proposições sobre a poesia do autor aqui expressas me foram sugeridas por Iumna Maria Simon em "Revelação e Desencanto - Os dois livros de Valdo Motta" (1999). , não houvesse uma certa equivalência de fundo entre essas expressões. Por certo, um confronto entre os dois autores tenderia a revelar mais proximidades do que distâncias, pois ambos praticam uma poética de forte inspiração homoerótica que opera com múltiplas inversões e deslocamentos de sentido. Se no primeiro é a forma nobre que se dobra por completo à escatologia, no segundo são as partes baixas que ganham nobreza, ascendendo ao mais elevado dos planos: "NO CU/ DE EXU/ A LUZ" (Motta, 1996:69).

A inversão da simbologia mística, tal como propõe o autor de Bundo (1996), sugere uma inusitada identificação entre o ânus e Deus - ou seus correlatos, como Exu e outras divindades das religiões afro-brasileiras -, supondo uma erótica de veio espiritual cuja maior particularidade está em sacralizar a experiência carnal da homossexualidade. De fato, a poesia a um só tempo apocalíptica e pornográfica de Motta não hesita em se apropriar da Bíblia e de outros textos sagrados para corroborar sua doutrina da gnose anal:

Ó guardião

da estreita via

oculta em roupas

e interditos

premia a audácia

dos destemidos

que enrabamos

e nos enrabam

dá-nos a todos

as tuas graças

(Motta, 1996:36).

Esboça-se aí uma "dialética da transcendência que rebaixa o elevado e eleva o baixo, tornando esse dualismo agressivamente obsceno", tal como propõe Iumna M. Simon ao aproximar a cosmovisão do poeta ao "baixo materialismo" de Georges Bataille. Desse modo, completa a crítica, a poesia do autor presume um mundo onde tudo se inverte: "a mulher é um homem ao avesso, o homem é uma mulher ao avesso, morrer é viver em pé, viver é virar de ponta cabeça" (Simon, 1999:89).

Valendo-se dessas reviravoltas, o poeta termina por criar uma epifania às avessas, que jamais cede às abstrações elevadas. Ao contrário, sua doutrina não só se concentra no baixo, fazendo da região anal o epicentro de todos os fenômenos sagrados, como insiste em rebaixar precisamente aquilo que é mais elevado. Não surpreende, portanto, que um de seus poemas mais incisivos sintetize essa doutrina ao formular uma questão tão breve quanto desconcertante: "Deus viado?" (Motta, 1996:48).

III -De um lugar outro

Se a produção erótica das últimas décadas, em suas principais linhas de força, aponta sem cessar para um confronto de polaridades que vem perturbar a hierarquia dos valores, a expressão mais acabada dessa tendência encontra-se na obra obscena de Hilda Hilst, que instaura a fusão do alto e do baixo no corpo da própria linguagem. Depois de cultivar durante muito tempo uma lírica amorosa, que explorava o veio do erotismo místico, logo no início dos anos 1990, a autora lança quatro livros de tom puramente lascivo, que constituem a grande novidade do erotismo literário brasileiro do último quarto de século.

"É metafísica ou putaria das grossas?" (Hilst, 1990:76) - a questão do personagem de Contos D'Escárnio - Textos Grotescos excede o contexto em que é formulada para oferecer uma chave de leitura desses livros inclassificáveis, que somam à desordem narrativa uma total anarquia de referências. Não se trata, pois, de responder a pergunta, mas antes de atentar para a ostensiva aproximação que ela realiza ao confrontar um termo filosófico com uma expressão das mais chulas. Aproximação que perpassa o conjunto da obra licenciosa da autora, com particular rigor nesta narrativa que insiste em colocar a alta cultura à prova da mais deslavada pornografia.

Crasso, o narrador, é um sexagenário que resolve escrever seu primeiro livro, motivado pela baixa qualidade dos textos que lê: "ao longo de minha vida tenho lido tanto lixo que resolvi escrever o meu". Ao narrar suas memórias sexuais, ele concentra a atenção em Clódia, parceira de extravagantes jogos eróticos, que é uma artista plástica obcecada pela imagem dos órgãos sexuais. Por fim, a esses dois personagens debochados vem se acrescentar a figura melancólica de Hans Haeckel, um "escritor sério" para quem a literatura era "paixão, verdade e conhecimento", que se mata com um tiro na cabeça.

Se é que se pode falar em enredo, o livro conta as peripécias de Crasso à procura de inéditos de H. H., o que rapidamente se transforma em pretexto para sua descoberta do erotismo, evocando as convenções do romance de formação. Assim, ao longo de sua peregrinação, conforme vai encontrando os estranhos manuscritos do escritor morto, o personagem também fica conhecendo toda a sorte de aventuras lúbricas - ou de "bandalheiras", como prefere Hilda Hilst. Para além da experiência carnal, tais descobertas lhe exigem, como estreante na literatura, a busca de uma via expressiva.

O problema enfrentado pelo personagem é, portanto, o mesmo que se coloca para a autora, ela também uma sexagenária estreando na ficção obscena no início dos anos 1990. Na verdade, ambos se vêem diante do desafio de criar uma escrita que dê conta do sexo em suas diversas dimensões, o que remete a uma tópica de fundo da literatura licenciosa: como fixar em palavras o momento fugidio do erotismo? Ou, dito de outra forma: como associar a atividade sexual ao exercício do conhecimento?

Para tal desafio, os Contos D'Escárnio - Textos Grotescos propõem uma resposta singular. Valendo-se do espírito satírico da tradição medieval portuguesa, o livro lança mão de uma fabulosa quantidade de gêneros literários sem se fixar em qualquer um deles, dando livre curso a uma paródia vertiginosa. À proliferação de referências ao cânone acrescentam-se as mais diversas formas discursivas como diálogos, poemas, textos dramáticos, fluxos de consciência, receitas, comentários, fábulas, piadas e fragmentos de toda ordem - tudo isso expresso em uma mistura babélica de línguas que só faz desnortear o leitor.

Como observa Alcir Pécora (2002:6), essa opção pela desordem narrativa "pode ser interpretada como uma resposta irônica à literatura de mercado". Ao realizar um inventário da mercadoria literária mais estereotipada, o narrador coloca em questão o lixo cultural produzido no país, criticando a supremacia do best seller. Mas sua visada, conclui o crítico, não se reduz a isso: o personagem vai além e faz da hegemonia da indústria cultural a condição de sua própria literatura, criando uma pornografia descontrolada, que excede as normas do mercado.

Levada ao extremo, tal estratégia vem colocar em xeque os códigos do sistema literário vigente, transtornando a ordem dos discursos a partir da qual se organiza a própria cultura nacional. Ou seja: ao retirar os temas imorais do gueto onde se confinam os gêneros inferiores, associando-os às expressões legitimadas como superiores, Hilda Hilst subverte a hierarquia dos saberes, perturbando a zona de tolerância que o país reserva às fabulações sobre o sexo. Daí o sentido escandaloso da questão formulada pelo narrador, que acaba expondo um ponto de contato entre a elevação da filosofia e a baixeza da língua chula, ao aproximar a metafísica da "putaria das grossas".

Leia-se, a título de exemplo, o breve poema que interrompe o fluxo de consciência do narrador, a reiterar um mote obsceno que não dispensa referências filosóficas:

Otávia tinha pêlos de mel.

A primeira vez que me beijou a caceta

Entendi que jamais seria anacoreta

Não me beijou com a boca

Me beijou com a boceta

(Pécora, 2002:11).

Semelhante expediente pode-se reconhecer nos insolentes "Hiatos de Crasso no relato", versos que fazem parte das evocações carnais do personagem, cujo teor pornográfico destoa do tom elevado e do vocabulário científico, ambos empregados de forma ostensiva de modo a produzir um forte estranhamento:

Posso dobrar joelhos e catar pentelhos?

Posso ver o caralho do emir

E a "boceta do mulo"

(atenção: é uma planta da família das esterculiáceas)

Que acaba de nascer no jardim do grão vizir?

Devo comprimir junto ao meu palato

O teu régio talo? Ou oscular tua genitália

Dulçorosa Vestália?

(Pécora, 2002:33).

Uma tal promiscuidade entre o alto e o baixo termina por promover as associações mais bizarras e imprevistas, revelando relações entre corpo e espírito que nossa sociedade, por tradição, tenta esconder.6 6 Desenvolvi o tema em "A prosa degenerada" ( Folha de S.Paulo, 10/03/03). São justamente esses elos, entre pólos a princípio excludentes, que o deboche escrachado da escritora explora de forma obstinada e ostensiva, oferecendo uma chave importante para a compreensão não só da particularidade de seus livros pornográficos, mas também da fatia mais expressiva do erotismo literário produzido no Brasil nas últimas décadas.

IV - De lugar nenhum

Não deixa de ser significativo que, no período em questão, esse gênero de escrita seja praticado quase que exclusivamente por homossexuais e por mulheres, delineando um imaginário que não se conforma aos padrões tradicionais da sexualidade, ainda bastante hegemônicos no país. Por certo, seria cômodo falar em literatura "gay" ou "feminina", não fosse o fato de que os escritores em pauta - pelo menos os aqui citados - parecem alheios a qualquer tipo de afirmação de diferenças coletivas, alguns deles chegando até a zombar de reivindicações dessa ordem, como fazem Glauco Mattoso e Hilda Hilst.

Tudo leva a crer, portanto, que essa literatura aposta sobretudo na singularidade das fantasias que se desenvolvem à margem dos modelos tradicionais, mas sem se render aos apelos das identidades de grupo. Tudo leva a crer, enfim, que esses autores se empenham em reiterar um certo poder de desvio do erotismo.

Tarefa arriscada, sem dúvida, já que essa ambição transgressiva se manifesta num momento em que a prática da transgressão parece ter sido completamente normalizada pelo mercado.7 7 Convém lembrar que é justamente na passagem dos anos 1970 para 1980 que a indústria pornográfica brasileira vive um crescimento inusitado, e se estende de forma expressiva ao segmento editorial. Ver, nesse sentido, Mira (2001:100-120) e Winckler (1983:105-107). Com efeito, a proliferação de imagens sexuais que a indústria cultural vem colocando em circulação no Brasil no decorrer das duas últimas décadas, condenando o erotismo à plena visibilidade, trabalha no sentido de neutralizar a vocação subversiva da sexualidade que, poucos anos antes, havia sido uma bandeira da contracultura. Banalizada ao extremo pela cultura de massa, a temática erótica tornou-se objeto de suspeita por parte dos circuitos literários mais cultos, atraindo apenas alguns escritores pouco assimilados pelo sistema cultural do país.

De fato, a imaginação sexual raramente tem presença naquele conjunto de obras contemporâneas do mainstream das letras brasileiras que, de forma geral, parecem preferir as convenções aos riscos. Ora, não é difícil associar essa evidência ao intenso processo de retradicionalização dessa mesma literatura a partir da década de 1980, que diversos críticos interpretam como uma tendência de viés conservador, seja ele formal, ideológico ou até mesmo moral.8 8 O tema é amplo e complexo, excedendo as ambições deste artigo. Vale registrar, a título de indicação, que não são poucos os críticos que notam um forte veio conservador na produção literária do período, a começar por Heloísa Buarque de Hollanda (1986:3), que credita essa revalorização dos padrões convencionais ao crescente desprestígio do projeto alternativo dos anos 70. Assim também, Iumna M. Simon (1999a:70-77; 1999b:36) interpreta o "tradicionalismo afetado e superficial em voga desde a década de 1980" como conformismo mercadológico, enquanto Flora Sussekind aponta, em diversos modelos narrativos da ficção brasileira contemporânea, "mecanismos de estabilização conservadora semelhantes aos que têm justificado a globalização autoritária e o continuísmo governamental na história latino-americana recente" ( Folha de S.Paulo, 23/07/2000:11). Nesse sentido, é digno de nota que um desses comentaristas chegue a assinalar a "predominância do homem branco de classe média, heterossexual e europeizado" no panorama do conto brasileiro dos anos 1990, reiterando a revalorização de padrões tradicionais (Oliveira, 2001:12).

É precisamente esse quadro que as obras, a um só tempo discretas e escandalosas, de escritores tão distintos como Roberto Piva, Glauco Mattoso, Valdo Motta e Hilda Hilst vêm transtornar com sua recusa das normas correntes - sejam da maioria ou das minorias, sejam do mercado ou do sistema literário - na tentativa de devolver ao sexo sua potência primitiva de subversão. Tarefa arriscada, vale repetir, já que esses autores não podem reivindicar a posição marginal que garantia, para a geração da contracultura, um lugar à parte do establishment. Ao contrário, o potencial subversivo que lhes cabe na paisagem sensível da atualidade depende justamente de um contato promíscuo com o que está ao redor para, então, criar linhas de fuga que operem como vetores de crítica e resistência a esse mesmo redor.

Talvez esse lugar outro - não mais o alto, nem o baixo - seja uma via produtiva para se repensar as intrincadas relações entre estética, moral e erotismo que, no Brasil contemporâneo, parecem oscilar entre o viés repressivo da liberação sexual promovida pelo mercado e o moralismo dissimulado de boa parcela da elite bem pensante. Entre esses pólos da cultura nacional existem, por certo, relações mais tensas e complexas do que normalmente se costuma admitir - o que mereceria uma exploração atenta, sobretudo agora que autores mais institucionalizados e escritores da cultura de massa começam a redescobrir o veio do erotismo, indicando uma outra virada nesse cenário.

Virada recente, inaugurada em 1999 por João Ubaldo Ribeiro que estreou no gênero com A casa dos budas ditosos, seguido de Rubem Fonseca, cujo Diário de um fescenino foi publicado em 2003, ano que também marcou a primeira incursão de Paulo Coelho no tema, com Onze Minutos. Some-se a esses títulos o surpreendente número de obras tangenciando o sexo que vem sendo editadas atualmente no país, incluindo traduções, quadrinhos e outros quetais.9 9 Para ficar apenas em alguns exemplos da produção nacional dos últimos anos, vale citar coletâneas como Intimidades ou O sexo depois do Viagra (uma organizada por Luiza Coelho e a outra por Silvia Campolim), além de títulos como Tesão e Prazer (Luiz Alberto Mendes) ou Catecismo de devoções, intimidades & pornografias (Xico Sá), sem esquecer o livro de Bruna Surfistinha que se tornou um fenômeno comercial. A lista não se limita a esses poucos exemplos e, dada sua e diversidade, é prudente tratá-la como um fenômeno sensível e mercadológico que ainda carece de avaliação mais rigorosa. De momento, cumpre lembrar que, uma vez aplacadas as oposições rígidas entre o alto e o baixo, abre-se um espaço em branco, uma vacância, que se oferece sempre como convite a novas criações. Ao que tudo indica, a medianidade vem se esforçando ao máximo para ocupar esse vazio.

  • ABREU, Caio Fernando. Triângulo das águas Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983.
  • ANDRADE, Jéferson. (org.) Um prazer imenso - Contos eróticos masculinos Rio de Janeiro, Record, 1986.
  • DENSER, Márcia. (org.) Muito prazer - Contos eróticos femininos Rio de Janeiro, Record, 1982.
  • HILST, Hilda. Contos de Escárnio: textos grotescos São Paulo, Siciliano, 1990.
  • HOLLANDA, Heloísa Buarque. Apresentação. Revista do Brasil - Literatura anos 1980, ano 2, nş 5, Rio de Janeiro, 1986.
  • KAK, Eduardo e TRINDADE, Cairo Assis. (orgs.) Antolorgia, arte pornô Rio de Janeiro, Codecri, 1984.
  • MATTOSO, Glauco. Poesia Digesta (1974-2004) São Paulo, Landy, 2004.
  • ______. Jornal do Brabil [1977-1981]. São Paulo, Edição do Autor, 2001.
  • MELIM, Ângela. As mulheres gostam muito Rio de Janeiro, Editora Noa Noa, 1979.
  • MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas São Paulo, Olho D'Água/Fapesp, 2001.
  • MORAES, Eliane Robert. A Cintilação da Noite. In: PIVA, Roberto. Mala na Mão & Asas Pretas Volume 2. São Paulo, Editora Globo, 2006.
  • ______. Topographie du risque: L´érotisme littéraire dans le Brésil contemporain. Europe: Revue litéraire mensuelle - Litterature du Brésil, nş 919/920, Paris, novembro/dezembro, 2005.
  • ______. A prosa degenerada. Jornal de Resenhas, São Paulo, Discurso Editorial/USP/UNESP/UFMG/Folha de S.Paulo, 10/03/03.
  • ______. Da medida estilhaçada. Cadernos de Literatura Brasileira - Hilda Hilst, nş 8, São Paulo, Instituto Moreira Salles, outubro de 1999.
  • MOTTA, Valdo. Bundo e outros poemas Campinas-SP, Editora da Unicamp, 1996.
  • OLIVEIRA, Nelson. Contistas do fim do mundo, apresentação à coletânea de contos Geração 1990 - Manuscritos de computador São Paulo, Boitempo, 2001.
  • PÉCORA, Alcir. Nota do organizador. In: HILST, Hilda. Contos de Escárnio: textos grotescos São Paulo, Globo, 2002.
  • PIVA, Roberto. Poemas com brócoli São Paulo, Massao Ohno/Rosiwtha Kempf, 1981.
  • ______. Coxas São Paulo, Feira de Poesia, 1979.
  • SIMON, Iumna Maria. Revelação e Desencanto - Os dois livros de Valdo Motta. Revista Praga, nş 7, São Paulo, Hucitec, 1999a.
  • ______. Considerações sobre a poesia brasileira em fim de século. Revista Novos Estudos, nş 55, São Paulo, Cebrap, novembro de 1999b.
  • SUSSEKIND, Flora. Escalas & Ventríloquos. Folha de S.Paulo, "Caderno Mais!", 23/07/2000.
  • TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso - A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade Rio de Janeiro, Record, 2000.
  • WINCKLER, Carlos Roberto. Pornografia e sexualidade no Brasil Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.
  • *
    Recebido para publicação em novembro de 2007, aceito em fevereiro de 2008. Este texto, em versão reduzida e com algumas alterações, foi publicado originalmente em francês, sob o título
    Topographie du risque: L´érotisme littéraire dans le Brésil contemporain (2005).
  • 1
    A capa é assinada por Victor Burton e a fotografia é de autoria de Jacqueline Cantore. Vale lembrar que o ano de 1983 marca uma tomada de consciência coletiva sobre a presença da Aids no país, sobretudo devido à publicação de duas notícias na imprensa: a morte do soropositivo Markito, um dos maiores nomes da alta costura brasileira, e a revelação de que o diretor de cinema Glauber Rocha, misteriosamente falecido em 1981, teria sido uma das primeiras vítimas da doença no Brasil.
  • 2
    Os primeiros dados nacionais sobre o crescimento da epidemia começam a aparecer em 1985 e são alarmantes: a cada dia registra-se um novo caso, com um saldo de quatro mortes por semana, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, e o Brasil passa a ser considerado então o quarto país do mundo em número de infectados.
  • 3
    Registrem-se, entre outras, algumas iniciativas coletivas no período, como os livros
    Muito prazer - Contos eróticos femininos, organizado por Márcia Denser (1982),
    Um prazer imenso - Contos eróticos masculinos, organizado por Jeferson de Andrade (1986) e
    Antolorgia, arte pornô, organizado por Eduardo Kak e Cairo Assis Trindade (1984). Contudo, o próprio fato de serem obras coletivas é significativo, já que pode sugerir a carência de novas produções individuais no gênero, sem contar algumas poucas exceções.
  • 4
    O poeta, cujo verdadeiro nome é José Ferreira da Silva, ficou cego devido a um glaucoma, doença que lhe inspirou o pseudônimo de Glauco Mattoso.
  • 5
    A expressão "coloquialismo elevado" e outras proposições sobre a poesia do autor aqui expressas me foram sugeridas por Iumna Maria Simon em "Revelação e Desencanto - Os dois livros de Valdo Motta" (1999).
  • 6
    Desenvolvi o tema em "A prosa degenerada" (
    Folha de S.Paulo, 10/03/03).
  • 7
    Convém lembrar que é justamente na passagem dos anos 1970 para 1980 que a indústria pornográfica brasileira vive um crescimento inusitado, e se estende de forma expressiva ao segmento editorial. Ver, nesse sentido, Mira (2001:100-120) e Winckler (1983:105-107).
  • 8
    O tema é amplo e complexo, excedendo as ambições deste artigo. Vale registrar, a título de indicação, que não são poucos os críticos que notam um forte veio conservador na produção literária do período, a começar por Heloísa Buarque de Hollanda (1986:3), que credita essa revalorização dos padrões convencionais ao crescente desprestígio do projeto alternativo dos anos 70. Assim também, Iumna M. Simon (1999a:70-77; 1999b:36) interpreta o "tradicionalismo afetado e superficial em voga desde a década de 1980" como conformismo mercadológico, enquanto Flora Sussekind aponta, em diversos modelos narrativos da ficção brasileira contemporânea, "mecanismos de estabilização conservadora semelhantes aos que têm justificado a globalização autoritária e o continuísmo governamental na história latino-americana recente" (
    Folha de S.Paulo, 23/07/2000:11).
  • 9
    Para ficar apenas em alguns exemplos da produção nacional dos últimos anos, vale citar coletâneas como
    Intimidades ou
    O sexo depois do Viagra (uma organizada por Luiza Coelho e a outra por Silvia Campolim), além de títulos como
    Tesão e Prazer (Luiz Alberto Mendes) ou
    Catecismo de devoções, intimidades & pornografias (Xico Sá), sem esquecer o livro de Bruna Surfistinha que se tornou um fenômeno comercial.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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