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Apresentação

DOSSIÊ: GÊNERO NA CIÊNCIA

Apresentação

Gênero, ciências, feminismos, tecnologias, mulheres, corporalidades são termos que, felizmente, cada vez mais se associam em trabalhos acadêmicos também no Brasil e na América Latina. As reflexões propostas por estes campos de estudo se alastram para espaços institucionais diversos, antes imersas nos núcleos de estudos de mulheres, feministas e de gênero, responsáveis por implantar outras perspectivas de análises.

A ampliação desses campos, também para as ciências naturais, e a incorporação dessas reflexões nos estudos sociais das ciências e nas análises de culturas científicas locais, traz novos desafios e dificuldades e, evidentemente, retomam antigas discussões. Os desafios refletem diferentes graus de maturidade e de compreensão acerca de recortes analíticos – interdisciplinares – gestados, consolidados e complexificados em disciplinas específicas, migrando de um canto a outro através de operações de translações e traduções que, muitas vezes, os tornaram "quase" incomensuráveis.

Os artigos reunidos neste dossiê evidenciam o quanto a associação entre gênero e ciência tem se tornado profícua também no Brasil. Essa associação foi proposta, de forma inovadora, por Evelyn Fox Keller no final dos anos de 1970 e, pela primeira vez, traduzimos um de seus artigos, no qual a autora retoma os balanços da área de estudos de gênero na Biologia e nas suas observações sobre a ambivalência de Nüsslein-Volhard. Considerando as mudanças que tiveram lugar tanto com o maior acesso das mulheres às ciências quanto com o surgimento da crítica feminista das ciências, Evelyn Fox Keller nos faz refletir sobre o quanto o movimento feminista de sua geração de colegas norte-americanas conseguiu em termos de atingir seu objetivo – "talvez menos ambicioso do que tentar mudar o mundo, tentava só mudar a ciência".

A crítica feminista das ciências e o maior acesso das mulheres às ciências perpassam os artigos que compõem este dossiê. Recortes, nuances e limitações dessas críticas feministas são apropriados por Carla Cabral e por mim, para combiná-los a outras reflexões críticas sobre a construção das ciências, tratando temas como objetividade, neutralidade científica e determinismo tecnológico.

Partilhando alguns desses referenciais e discutindo o maior acesso das mulheres às ciências a partir do início do século XX, Apen Ruiz, Susana Garcia, Lina Faria, Nara Azevedo e Luis Otávio Ferreira assumem recortes de diferentes temporalidades e localidades para analisar os diversos contextos – e as especificidades de distintas práticas disciplinares – das primeiras gerações de mulheres que se inseriram formalmente nos ambientes científico-acadêmicos no México, Argentina, Brasil. Em seu conjunto, esses artigos mostram de forma contundente que mais mulheres do que estamos acostumadas a admitir participaram de práticas científicas, mesmo em áreas pouco propensas a reconhecê-las, como a Paleontologia. Como lembrou Maria Lúcia Mott, as invisibilidades historiográficas das mulheres estão longe de serem documentais, como atestam as cartas de Emma B. que Irina Podgorny traz dos arquivos franceses. Essas "invisíveis" mulheres construíram suas carreiras no passado e continuam a construí-las, mesmo em áreas ainda consideradas masculinas como a Informática, disciplina esmiuçada por Juliana Schwartz, Lindamir Casagrande, Sonia Leszczynski e Marilia Gomes de Carvalho.

Por outro lado, áreas de concentração feminina, como a Biologia, também são problematizadas por Maria Conceição da Costa e Neide Mayumi Osada, retomando a questão "por que tão devagar nas ciências?". No contraponto, Hildete Melo e André Oliveira mapeiam o avanço da produção das mulheres no Scientific Electronic Library Online (SciELO).

Marcados por profundas diferenças políticas e especificidades locais em relação aos movimentos feministas norte-americanos, os movimentos feministas brasileiros dos anos de 1970 não incluíram explicitamente em suas pautas mudanças nas ciências, tampouco se incorporaram com maior densidade nos debates acadêmicos que construíram os estudos críticos de gênero em ciências nos anos de 1980 e 1990. Nem por isso deixamos de ter nossas pioneiras. Como homenagem a muitas outras, lembramos aqui Lucia Tosi, com suas maravilhosas histórias das mulheres na Química e seus trabalhos com as pesquisadoras de Belo Horizonte nos anos de 1980, merecidamente homenageada no lançamento do livro das colegas do IAPAR.

Maria Margaret Lopes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
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