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Mulheres brasileiras imigrantes como estraga-prazeres: revelando racismo no “amigável” Portugal

Resumo

Neste artigo, colocamos a noção de Sarah Ahmed de “estraga-prazeres feminista” em diálogo com estudos feministas de migração e decoloniais. Temos como objetivo analisar como o ativismo digital das mulheres brasileiras em Portugal se torna um “coletivo estraga-prazeres feminista”, desafiando a construção das brasileiras como um “corpo colonial”, bem como a narrativa de ser Portugal um país não racista. Guiado pela abordagem decolonial feminista e fazendo uso da etnografia virtual, junto de uma entrevista em profundidade, este estudo examina a resistência digitalizada de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal contra a discriminação e o preconceito. As evidências são extraídas a partir da análise das postagens publicadas entre julho de 2020 e julho de 2021 pela conta de Instagram do projeto “Brasileiras não se calam”.

Mulheres Brasileiras; Corpo Colonial; Feministas Estrega-Prazeres; Resistência

Abstract

In this article, we place Ahmed’s notion of the “feminist killjoy” into dialogues with feminist migration studies and decolonial studies, to explore how Brazilian women in Portugal become “killjoys” by challenging their construction as a “colonial body” and unveiling the fallacious narrative of Portugal as a non-racist country. Guided by a feminist decolonial approach and using virtual ethnography together with an in-depth interview, this study examines the digitized resistance of Brazilian migrant women in Portugal against discrimination and prejudice. Evidence is drawn from an analysis of the 541 posts published between July 2020 and July 2021 by the Instagram account of the “Brasileiras não se calam” project, along with an interview with the project’s coordinating board.

Brazilian women; colonial body; feminist killjoy; resistance

Introdução

Então, sim, levemos a sério a figura da feminista estraga-prazeres.

A feminista estraga o prazer de outras pessoas apontando momentos de sexismo?

Ou ela expõe os sentimentos negativos que ficam escondidos,

deslocados ou negados sob sinais públicos de alegria?

(Ahmed, 2020:88)1 1 No original: “ Let’s take this figure of the feminist killjoy seriously. Does the feminist kill other people’s joy by pointing out moments of sexism? Or does she expose the bad feelings that get hidden, displaced, or negated under public signs of joy? ” (Ahmed, 2010:582).

As experiências das mulheres brasileiras com preconceito e discriminação em Portugal têm sido amplamente discutidas na literatura ( Cunha, 2005CUNHA, I. A mulher brasileira na televisão portuguesa. Actas do III SOPCOM, VI LUSOCOM e II Ibérico, v. III, n. Universidade da Beira Interior, 2005, pp.535-553. ; França; Padilla, 2019; Gomes, 2013a; Neves, 2010NEVES, S. Tráfico de mulheres brasileiras para fins de exploração sexual em Portugal e interseccionalidade: Um estudo de caso. PSICOLOGIA, v. 24, n. 2, 2010, pp.177-196. https://doi.org/10.17575/rpsicol.v24i2.312
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; Novaes; Rossi, 2018NOVAES, C. B.; ROSSI, C. R. O corpo das mulheres brasileiras e o seu estereótipo no universo fitness em Portugal. cadernos pagu (52), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, pp.194–219 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8652642 - acesso em: 01 set 2021.
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; Padilla, 2007b; Pontes, 2004PONTES, L. Mulheres brasileiras na midia portuguesa. cadernos pagu (23), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, pp.229-256 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644663 - acesso em: 01 dez 2008].
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; Queiroz; Cabecinhas; Cerqueira, 2020). Em Portugal, a colonialidade, juntamente com o racismo e o sexismo, desempenha um papel central na experiência das brasileiras e no reforço da sua construção como um “corpo colonial” hipersexualizado (Gomes, 2013a; Padilla, 2007b). Segundo Mariana Gomes (2013), a colonialidade sobreviveu na sociedade portuguesa, até os dias de hoje, apoiada no legado duradouro das ideias do lusotropicalismo de Gilberto Freyre (1933)FREYRE, G. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro, Maia & Schmidt, 1933. , que retratam Portugal como um país tolerante, aberto à diversidade e onde o racismo, senão inexistente, é um problema menor ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ).

Na última década, após a crescente digitalização do ativismo feminista em todo o mundo ( Edmé, 2020EDMÉ, D. R. Mexico and Latin America: From #MeToo to #NiUnaMenos. In: The Routledge Handbook of the Politics of the #MeToo Movement. [s.l.] Routledge, 2020. ; Freire, 2016FREIRE, F. Campanhas feministas na internet: sobre protagonismo, memes e o poder das redes sociais. Em debate, v.8, n.5, p.26-32, jul. 2016 [http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/03-Fernanda-Freire.pdf - acesso em: 18 set 2021].
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; Khamis, 2016KHAMIS, S. Five Questions About Arab Women's Activism Five Years After the “Arab Spring”. CyberOrient, v. 10, n. 1, 2016, pp.132-143. https://doi.org/10.1002/j.cyo2.20161001.0007
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; Paulino; Paulino, 2019PAULINO, S. C.; PAULINO, S. C. #ELENÃO: reflexões sobre ciberativismo feminista no Brasil nas eleições presidenciais de 2018. Revista Magistro, v. 1, n. 19, 25 out. 2019 [http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/magistro/article/view/5528 - acesso em: 08 set 2021].
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), as imigrantes brasileiras em Portugal têm utilizado as redes sociais para denunciar a estigmatização e marginalização diárias a que elas estão submetidas no país. Em 2012, por exemplo, foi criado o “Manifesto contra o preconceito contra as mulheres Brasileiras em Portugal” e, em 2013, no âmbito das eleições para o Conselho da Associação de Estudantes da Universidade de Coimbra (UC), um grupo de jovens estudantes se engajou em uma campanha que se opunha à “Xenofobia e todas as formas de discriminação”. Mais recentemente, em 2020, o projeto “Brasileiras não se calam”, coordenado por um grupo anônimo, foi lançado online , reunindo relatos de brasileiras sobre suas experiências de discriminação e preconceito vividas no exterior. Com exceção de Gomes (2013a), Gomes e Beatriz Padilla (2016)PADILLA, B. Brazilian narratives of migration: a multisited journey. Portuguese Studies Review, v. 24, n. 1, 2016, pp.259-281. e Jéssica Rossi and Larissa Silva (2015), que analisaram o “Manifesto”, e França e Padilla (2019), que investigaram a campanha contra a “Xenofobia e todas as formas de discriminação”, estudos sobre como as brasileiras ocupam o ciberespaço para resistir e enfrentar o preconceito e a discriminação que experienciam em Portugal ainda são escassos.

Neste artigo, a partir de uma abordagem decolonial feminista, trazemos a noção de Sarah Ahmed (2010b) sobre a “estraga-prazeres feminista”, em diálogos com estudos de migração para analisar a resistência online de mulheres brasileiras imigrantes contra a discriminação e o preconceito em Portugal. Por meio de uma análise temática do discurso, examinamos a página de Instagram do projeto “Brasileiras não se calam” (BNSC). O trabalho de campo consistiu em uma entrevista em profundidade com a coordenação do projeto e uma netnografia das postagens do Instagram ( Kozinets, 2015KOZINETS, R. V. Netnography. In: Ang, P. H.; Mansell, R. (ed) The International Encyclopedia of Digital Communication and Society. [s.l.] American Cancer Society, 2015, pp.1-8. https://doi.org/10.1002/9781118767771.wbiedcs067
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). Inicialmente, contextualizamos o surgimento do projeto e, em seguida, analisamos o discurso das postagens. Mais precisamente, examinamos a discriminação e o preconceito interseccional que as postagens revelam, refletindo sobre a marginalização que as brasileiras vivenciam no país. Em nossa análise, argumentamos que, ao criar um espaço seguro nas redes sociais onde mulheres brasileiras podem divulgar publicamente suas experiências com racismo, sexismo e colonialidade em Portugal, o projeto se torna um “coletivo estraga-prazeres feminista”, causador de problemas por revelar as inconsistências no amplamente desejado “discurso da felicidade” que retrata Portugal como um país não racista (Ahmed, 2010b). Partindo da taxonomia de Gomes (2013b) sobre os modos de subjetivação através dos quais as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal resistem ao estigma e reexistem de diferentes formas, enquadramos o BNSC como uma “resistência combativa coletiva”, que desafia a posição subalterna das mulheres brasileiras como um “corpo colonial” ( Fanon, 2007FANON, F. The Wretched of the Earth. [s.l.] Grove/Atlantic, Inc., 2007. ; Gomes, 2013b). Concluímos enfatizando a necessidade de apoio ao ativismo digital de brasileiras imigrantes estraga-prazeres tanto por coletivos feministas offline , antirracistas e decoloniais quanto pela academia.

Mulheres brasileiras imigrantes em Portugal como um “corpo colonial”

Em Portugal, as mulheres brasileiras imigrantes são estatisticamente significativas. Em 2020, elas representavam a maior proporção da população imigrante feminina (31,5%) e constituíam 55,8% da população brasileira residentes no país ( SEF, 2021SEF, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo. Lisboa, Portugal, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, 2021 [https://sefstat.sef.pt/Docs/Rifa2020.pdf - acesso em: 09 jul 2021].
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). Dado o passado colonial que liga os dois países, as brasileiras desfrutam de uma hipervisibilização da mídia portuguesa, do discurso acadêmico e político ( França, 2012FRANÇA, T. Mulheres que imigram através da academia - reflexões acerca da trajetória de uma mulher brasileira iimigrante doutoranda na Europa. Revista Ártemis, v. 14, 2012, pp.111–121 [https://periodicos.ufpb.br/index.php/artemis/article/view/14294 - acesso em: 14 jun 2012].
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; Padilla, 2007a; Pontes, 2004PONTES, L. Mulheres brasileiras na midia portuguesa. cadernos pagu (23), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, pp.229-256 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644663 - acesso em: 01 dez 2008].
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).

As mulheres das ex-colônias têm sido associadas à construção discursiva política e física do corpo colonial. Os discursos produzidos sobre os corpos dos povos colonizados foram fundamentais para apoiar o racismo, ao transformá-los em “objetos” ( Mbembe, 2012MBEMBE, A. Metamorphic Thought: The Works of Frantz Fanon. African Studies, v. 71, n. 1, 1 abr. 2012, pp.19-28. https://doi.org/10.1080/00020184.2012.668291
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). O colonialismo ligou os corpos dos povos colonizados a uma identidade racial investida de atributos desumanizadores (anormais, antinaturais, não civilizados, sujos etc.), hipersexualizados e considerados diferentes dos corpos brancos. Aos corpos coloniais foram relacionadas categorizações de excesso (sensualidade, sexualidade) e ausência (disciplina, autocontrole) ( Fanon, 2008FANON, F. Black Skin, White Masks. [s.l.] Grove Press, 2008. ). Como tal, não poderia “ser trazido para o reino da cultura”2 2 As traduções dos excertos referidos neste artigo foram feitas pelas autoras, o original será referido em notas de rodapé. “ be brought into the realm of culture ” ( Ahmed, 2002: 47). ( Ahmed, 2002AHMED, S. Racialized Bodies. In: EVANS, M.; LEE, E. (ed.). Real Bodies: A Sociological Introduction. London, Macmillan Education UK, 2002, pp.46-63.: 47), portanto, precisava ser escrutinizado e conhecido para ser regulamentado e disciplinado. A obsessão em saber a verdade sobre os corpos das mulheres das colônias criou um sistema de conhecimento que os nega, os sexualiza e os racializa como a um corpo desviante ( Ahmed, 2002AHMED, S. Racialized Bodies. In: EVANS, M.; LEE, E. (ed.). Real Bodies: A Sociological Introduction. London, Macmillan Education UK, 2002, pp.46-63. ).

Gomes (2013b) mostra como o império colonial português constituiu discursivamente as mulheres brasileiras como um corpo colonial: para a autora, essa construção social continua a operar até hoje em Portugal. Segundo ela, as narrativas e imagens coloniais portuguesas frequentemente expunham o corpo nu de mulheres das colônias, sustentando uma noção erótica, promíscua e primitiva sobre elas. As mulheres brasileiras, assim, corporificaram a articulação entre raça e sexo nas narrativas coloniais (Pisctelli, 2008a, 2008b). Para Homi Bhabha (1983BHABHA, H. K. The Other Question…. Screen, v. 24, n. 6, 1 nov. 1983, pp.18-36. doi.org/10.1093/screen/24.6.18
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: 19), tal articulação é “crucial para a ligação de uma gama de diferenças e discriminações que informa a prática discursiva e política de hierarquização racial e cultural”3 3 “ crucial to the binding of a range of differences and discriminations that inform the discursive and political practice of racial and cultural hierarchization ” Bhabha (1983: 19). na construção do sujeito colonial.

Adriana Piscitelli (2014:279) argumenta, ainda, que “a noção de que os colonizadores portugueses encontraram nos trópicos “uma terra sem rei e sem lei” desempenhou um papel significativo no surgimento do imaginário sexual racializado do Brasil”4 4 “ the notion that the Portuguese colonizers found in the tropics ‘a land with no king and no law’ played a significant role in the emergence of Brazil’s racialized sexual imagery ” Piscitelli (2014:279). . O processo de racialização e sexualização a que as brasileiras são submetidas no exterior é atravessado pela imagem de um Brasil exuberante, paradisíaco e exótico. Imagem que recai sobre essas mulheres como “mestiças” e “mulatas tropicais” e eróticas, independentemente da cor da pele ( Malheiros; Padilla, 2015MALHEIROS, J.; PADILLA, B. Can stigma become a resource? The mobilization of aesthetic-corporal capital by female immigrant entrepreneurs from Brazil. Identities: Global Studies in Culture and Power, 2015, pp.687-705. https://doi.org/10.4324/9781315226491-4
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; Piscitelli, 1996PISCITELLI, A. Sexo tropical: comentários sobre gênero e “raça” em alguns textos das mídia brasileira. cadernos pagu (6–7), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 1996, pp.9-34. https://doi.org/10.1590/1984-6487
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, 2008aPISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de imigrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, v. 11, 2008a, pp. 263-274. https://doi.org/10.5216/sec.v11i2.5247
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). A nacionalidade, portanto, se justapõe a raça, gênero e a colonialidade na formação da experiência das mulheres brasileiras no exterior.

Os corpos racializados e sexualizados das brasileiras transmitem a imagem de sensualidade, naturalmente disponível para o sexo e propensas ao envolvimento com mercados sexuais. Ao mesmo tempo, essa percepção das brasileiras está paradoxalmente ligada a uma noção de mulheres femininas, esposas submissas, devotadas e mães atenciosas (Padilla, 2007b; Piscitelli, 2008b). O corpo colonial das mulheres brasileiras imigrantes abraça, portanto, dois imaginários contraditórios: a repulsa da luxúria e a virtude do cuidado.

É importante observar como as brasileiras que vivem no exterior navegam por essa ambivalência. Apesar de ser atravessada por processos de sexualização, tal imagem essencializada ocasionalmente “também pode oferecer recursos valiosos no casamento e no mercado de trabalho”5 5 “ could also facilitate worthy resources in marriage and labour markets ” ( Padilla, 2016: 256). ( Padilla, 2016PADILLA, B. Brazilian narratives of migration: a multisited journey. Portuguese Studies Review, v. 24, n. 1, 2016, pp.259-281.: 256). De acordo com Piscitelli (2008b:787), as “noções sobre a feminilidade brasileira que a marcam com sensualidade, mas também com a valorização da domesticidade e o interesse pela maternidade”6 6 “ notions about Brazilian femininity that mark it with sensuality but also with the valorization of domesticity and an interest in motherhood ” Piscitelli (2008b:787). dotam essas mulheres de um “valor” particular nos mercados matrimoniais. Na mesma linha, algumas brasileiras agenciam características sociais e essencializadas que lhes são atribuídas — sensualidade e beleza —, legitimando suas atuações como profissionais e especialistas em determinados nichos de trabalho, como por exemplo, o setor de beleza ( Lidola, 2015LIDOLA, M. Of Grooming Bodies and Caring Souls: New-Old Forms of Care Work in Brazilian Waxing Studios in Berlin. In: ALBER, E.; DROTBOHM, H. (ed.). Anthropological Perspectives on Care: Work, Kinship, and the Life-Course. New York, Palgrave Macmillan US, 2015, pp.69-90. ; Malheiros; Padilla, 2015MALHEIROS, J.; PADILLA, B. Can stigma become a resource? The mobilization of aesthetic-corporal capital by female immigrant entrepreneurs from Brazil. Identities: Global Studies in Culture and Power, 2015, pp.687-705. https://doi.org/10.4324/9781315226491-4
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; Novaes; Rossi, 2018NOVAES, C. B.; ROSSI, C. R. O corpo das mulheres brasileiras e o seu estereótipo no universo fitness em Portugal. cadernos pagu (52), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, pp.194–219 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8652642 - acesso em: 01 set 2021.
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). Ao mobilizar seus corpos como um tipo de capital social e estético-corporal ( Malheiros; Padilla, 2015MALHEIROS, J.; PADILLA, B. Can stigma become a resource? The mobilization of aesthetic-corporal capital by female immigrant entrepreneurs from Brazil. Identities: Global Studies in Culture and Power, 2015, pp.687-705. https://doi.org/10.4324/9781315226491-4
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) e exaltar aquilo que é a causa da sua marginalização, almejando subverter o discurso hegemônico, essas mulheres se engajam em um “modo de subjetivação de resistência afirmativa” (Gomes, 2013a).

O caso das “Mães de Bragança” é um exemplo emblemático de práticas de dominação de gênero em torno da experiência das imigrantes brasileiras em Portugal. Em 2003, um grupo de mulheres portuguesas intitulado “Mães de Bragança” criou um movimento para expulsar as mulheres brasileiras que viviam na cidade, argumentando que elas estavam seduzindo e encantando seus maridos portugueses ( Pais, 2010PAIS, J. M. “Mães de Bragança” e feitiços: enredos Luso-brasileiros em torno da sexualidade. Revista de Ciências Sociais, v. 41, n. 2, 2010, pp.9-23 [http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/455 - acesso em: 8 jul 2011].
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). A mobilização capitaneada pelo movimento que articula a categoria “mães” em seu nome, ilustra que em Portugal as brasileiras são racializadas por meio de atributos de hipersexualidade e de desvios, particularmente quando colocadas em comparação com as supostamente imaculadas e superiores mulheres portuguesas e europeias brancas (Gomes, 2013a). Além disso, o caso expõe os estereótipos em relação as mulheres brasileiras como “caçadoras de homens”, “ladras de maridos”, depravadas ou prostitutas (Padilla, 2007b; Pontes, 2004PONTES, L. Mulheres brasileiras na midia portuguesa. cadernos pagu (23), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, pp.229-256 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644663 - acesso em: 01 dez 2008].
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). Embora o evento das “Mães de Bragança” possa ser considerado extremo, experiências de discriminação e preconceito são a norma no quotidiano das mulheres brasileiras imigrantes em Portugal.

Dos corpos coloniais às estraga-prazeres feministas: A resistência das mulheres brasileiras imigrantes em Portugal

Em Promise of Happiness , Ahmed (2010b) expande suas discussões sobre “felicidade” e feminismos, argumentando como sujeitas estraga-prazeres perturbam o consentimento social ao revelar a dinâmica existente de sexismo, heterossexismo e racismo. As estraga-prazeres são vistas como causadoras de problemas porque expõem que a felicidade da comunidade repousa em corpos historicamente oprimidos e silenciados. Ahmed apresenta quatro categorias de estraga-prazeres: a estraga-prazeres feminista; a negra raivosa; a queer infeliz; e a imigrante melancólica. Para efeito deste estudo, dedicar-nos-emos às figuras da estraga-prazeres feminista e da imigrante melancólica.

Estraga-prazeres feministas são aquelas que se recusam a perpetuar o silêncio em nossa sociedade marcada pelas desigualdades de gênero, e, portanto, são sempre vistas como causando problemas. Ao expor constantemente o sexismo, as injustas práticas de poder de gênero ou outras desigualdades existentes em situações em que suas declarações podem fomentar sentimentos negativos e desconforto, elas “estragam” a “felicidade” da comunidade. Nas palavras de Ahmed, as estraga-prazeres feministas “entristecem o[s] outro[s] não só por falar sobre tópicos infelizes como o sexismo, mas também por expor como a felicidade é mantida apagando os sinais de discordância” (Ahmed, 2010b:56)7 7 “ brings other[s] down, not only by talking about unhappy topics such as sexism but by exposing how happiness is sustained by erasing the signs of not getting along ” (Ahmed, 2010b:56). .

Na mesma linha, de acordo com a autora, as imigrantes que perturbam os “roteiros de felicidade” do país de acolhida também são vistas como um perigo para o “prazer” e “coesão social” da comunidade (Ahmed, 2010b). As chamadas imigrantes melancólicas “se recusam a participar do jogo nacional” e expõem a dinâmica opressora de uma sociedade. Por “perceber o racismo acontecendo”, elas promovem a infelicidade na comunidade anfitriã ao denunciá-lo. Uma vez que apontam abertamente suas experiências com discriminação e preconceito, elas são vistas como “criadoras, em vez de descritoras, de um problema”8 8 “ creating rather than describing a problem ” (Ahmed, 2010a:7). (Ahmed, 2010a:7). As imigrantes melancólicas, assim, se opõem ao entendimento generalizado do Ocidente sobre as/os imigrantes como pessoas “afortunadas” que deveriam ser gratas por poderem escapar de seus pobres e “infelizes” países (Ahmed, 2010:142). Nessa configuração afetiva, as imigrantes melancólicas também se tornam estraga-prazeres.

O racismo e as suas consequências — preconceito, discriminação, marginalização, estigmatização etc. — sempre foram um tema de menor importância na agenda acadêmica e política portuguesa ( Maeso, 2019MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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). Após a revolução dos Cravos, em 1974, Portugal viu-se limitado ao papel de país europeu periférico, pobre e subdesenvolvido. A partir do discurso lusotropicalista de Freyre (1933)FREYRE, G. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro, Maia & Schmidt, 1933. , Portugal criou a sua própria narrativa mítica sobre o convívio colonial e a excepcionalidade do colonialismo benevolente português ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ; Castelo, 2011CASTELO, C. “O modo português de estar no mundo”: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa: 1933-1961. Porto, Edições Afrontamento, 2011. ), colocando-se no centro do mundo lusófono como ponte entre as antigas colônias e a Europa ( Almeida, 2008ALMEIDA, M. V. O complexo colonial português. Jornal Hoje Macau, 2008, p.10. ). O novo discurso oficial retratou Portugal como uma nação harmoniosa, multicontinental e multirracial, sugerindo que o povo português tinha o dom para se misturar com outras raças ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ). Essas narrativas despolitizaram o colonialismo ao legitimar a mítica dádiva da interculturalidade como parte da nação portuguesa, evitando qualquer confronto crítico com o racismo e desvinculando-o do projeto colonial ( Maeso, 2019MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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). O projeto nacionalista colonial foi reformulado por meio de uma narrativa que retrata o colonialismo português como uma coexistência inter-racial e intercultural amigável, enquanto o racismo foi reduzido a um “preconceito individual da cor da pele” ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ). Nesse contexto, em Portugal, espera-se que as mulheres brasileiras sigam os roteiros da “felicidade” que sugerem ignorar suas experiências com o racismo, o sexismo e a colonialidade, para que a sociedade portuguesa não se sinta ofendida ou incomodada com o legado do seu passado colonial.

Percurso Metodológico

Nossa metodologia em duas etapas permitiu-nos realizar uma análise abrangente do projeto BNSC. A parte netnográfica explorou como o BNSC incorpora a figura da estraga-prazeres feminista (Ahmed, 2010) ao denunciar publicamente nas redes sociais o preconceito e a discriminação enfrentados pelas mulheres brasileiras em Portugal, desafiando o mito de Portugal como país não racista. De natureza etnográfica, como uma ferramenta metodológica para estudos da internet, a netnografia permite investigar dinâmicas sociais e comportamentos culturais no mundo online (Amaral; Natal; Viana, 2008; Kozinets, 2009KOZINETS, R. V. Netnography: Doing Ethnographic Research Online. [s.l.] SAGE, 2009. ). A entrevista em profundidade, por sua vez, permitiu-nos compreender melhor o potencial do projeto para promover uma voz feminista coletiva organizada por mulheres brasileiras em Portugal contra a discriminação e o preconceito, e refletir sobre as nossas interpretações dos temas que identificamos durante a análise das publicações ( Tracy, 2010TRACY, S. J. Qualitative Quality: Eight “Big-Tent” Criteria for Excellent Qualitative Research. Qualitative Inquiry, v. 16, n. 10, 1 dez. 2010, pp.837-851. https://doi.org/10.1177/1077800410383121
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).

Ao adotar uma abordagem decolonial feminista, este estudo põe as vozes das mulheres brasileiras imigrantes no centro das nossas análises ( Curiel, 2015CURIEL, O. Construyendo metodologías feministas desde el feminismo decolonial. In: AZUKE, I. et al. (ed.). Otras formas de (re)conocer: reflexiones, herramientas y aplicaciones desde la investigación feminista. [s.l.] Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea, 2015, pp.45-60. ). Essa perspectiva oferece uma compreensão crítica do emaranhado entre colonialidade, sexismo e racismo que molda as experiências das brasileiras com a discriminação e o preconceito em Portugal. Nossas reflexões se voltam para os relatos de opressão interseccional postados pelas próprias brasileiras. Inspiradas por Grada Kilomba (2015)KILOMBA, G. Decolonizing Knowledge. [Lecture-Performance] Voice Republic. 2015 [https://voicerepublic.com/talks/grada-kilomba-decolonizing-knowledge - acesso em: 20 jan. 2020].
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, pretendemos identificar práticas racistas e sexistas persistentes e silenciadas pelas colonialidade e que perpassam as experiências das mulheres brasileiras em Portugal. Ademais, também buscamos desconstruir a imagem das mulheres do Sul Global como um corpo colonial submisso e sem agência ( Curiel, 2020CURIEL, O. Construindo metodologias feministas a partir do feminismo decolonial. In: HOLLANDA, H. (ed.). Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro, Bazar do Tempo, 2020, pp. 141-161. ), dando visibilidade à sua “resistência combativa coletiva” como estraga-prazeres feministas.

Reconhecemos que a ciência é uma atividade subjetiva e situada e reconhecemos a noção de conhecimento incorporado ( Haraway, 1988HARAWAY, D. Situated Knowledges: The Science Question in Feminism and the Privileged of Partial Perspective. Feminist Studies, v. 14, n. 3, 1988, pp.575-559. https://doi.org/10.2307/3178066
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; Löwy, 2000LÖWY, I. Universalidade da ciência e conhecimentos “situados”. cadernos pagu (15), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2000, pp.15-38 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8635360 - acesso em: 08 fev 2008].
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), portanto, nossas biografias como pesquisadoras feministas brasileiras residentes no exterior (Portugal e Alemanha, respectivamente) também fazem parte da perspectiva de análise. Ao revelar nossa posicionalidade, comprometemo-nos com um “conhecimento transparente”, como argumenta Haraway (1998).

Seguindo os princípios da etnografia, a pesquisa netnográfica permitiu-nos compreender a dinâmica virtual do BNSC e extrair informações ricas a partir de um pequeno conjunto de dados. Nosso trabalho de campo online abrangeu o período de julho de 2020, com o lançamento do perfil do Instagram , a setembro de 2021. A opção por um engajamento passivo, apenas de observação da campanha9 9 Nenhum comentário, resposta ou reação às postagens foram feitas pelas autoras. objetivou registrar a emergência espontânea dos material que almejávamos analisar ( Christou; Janta, 2019CHRISTOU, A.; JANTA, H. Affecting solidarities: Bringing feeling into feminism, empathy in employment and compassion in academic communities of crises. Tourism Management Perspectives, v. 30, 1 abr. 2019, pp.232-239. https://doi.org/10.1016/j.tmp.2019.02.007
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; Kozinets, 2009KOZINETS, R. V. Netnography: Doing Ethnographic Research Online. [s.l.] SAGE, 2009. ). Foram examinadas todas as 802 postagens de denúncia publicadas pelo perfil do Instagram do projeto, permitindo-nos identificar e analisar 541 postagens que descreviam incidentes de discriminação e preconceito em Portugal. Outras faziam referência a eventos vivenciados em outros países. Reconhecendo plenamente o fato de que um exame dos comentários dos posts do Instagram pode promover novas ideias sobre o poder transformador das mídias sociais, tomamos a decisão pragmática de limitar a análise apenas às postagens, uma vez que constituem o corpus principal do projeto. Nesse sentido, enquanto algumas eram postagens longas detalhando cuidadosamente os incidentes, outras eram curtas e objetivas e, em alguns casos extremos, continham apenas uma única frase, na qual nenhum evento específico era referido. Exclusivamente compartilhou-se um sentimento geral de frustração, tristeza ou humilhação.

Para a entrevista com a coordenação do projeto, foi feito contato via e-mail. O objetivo do estudo foi apresentado e o consentimento informado escrito foi obtido. O anonimato e o sigilo de suas identidades foram garantidos, assegurando-se que a entrevista seria utilizada apenas para fins acadêmicos. A entrevista foi realizada via Zoom. Levando em consideração que o perfil do Instagram recebeu muitas ameaças, para garantir ainda mais a proteção das identidades das informantes, não foram feitas perguntas demográficas, nem sobre sua trajetória migratória. Embora um roteiro de entrevista tenha sido elaborado, a entrevista foi amplamente informal e algumas perguntas foram adicionadas espontaneamente enquanto as informantes falavam, como em uma conversa. A entrevista durou 58 minutos. Foi conduzida em português e gravada em áudio, sendo posteriormente transcrita na íntegra. As perguntas feitas cobriram quatro grandes temas: a motivação por trás do projeto, sua afinidade com o ativismo feminista e antirracista, suas ligações com outros movimentos em Portugal e no Brasil, e a percepção da coordenação sobre o preconceito e a discriminação enfrentados pelas mulheres brasileiras em Portugal.

A análise dos dados seguiu os princípios da “análise temática reflexiva” ( Braun; Clarke, 2021BRAUN, V.; CLARKE, V. One size fits all? What counts as quality practice in (reflexive) thematic analysis? Qualitative Research in Psychology, v. 18, n. 3, 3 jul. 2021, pp.328-352. https://doi.org/10.1080/14780887.2020.1769238
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). Após a leitura e releitura das postagens, com o objetivo de familiarização com os dados, criamos os códigos iniciais (ou seja, sentimentos compartilhados, ofensas verbais, provocações). Em seguida, começamos a construir possíveis categorias temáticas (por exemplo, hipersexualização, exotização, inferiorização, racialização). Conduzimos repetidas revisões para definir os temas finais (ou seja, preconceito e discriminação implícita, preconceito implícito e racismo/sexismo oculto e assédio sexual físico). Por fim, foram selecionadas algumas das postagens mais emblemáticas. Um processo semelhante foi seguido para a análise da entrevista. Após refinar os códigos emergentes da entrevista, os temas finais definidos foram: estraga-prazeres, felicidade/infelicidade e resistência.

O Projeto

Em julho de 2020, o projeto “Brasileiras não se calam” foi lançado anonimamente no Instagram . Atualmente, sua presença nas redes sociais também abrange uma página no Facebook e um site. Os perfis nas redes sociais funcionam como plataformas de denúncia para as quais mulheres brasileiras podem apresentar relatos de episódios de discriminação e preconceito que enfrentam no exterior, em qualquer país do mundo, seja como imigrantes ou como turistas. As narrativas são publicadas de forma anônima, em português e inglês. Embora o Instagram seja principalmente uma rede de compartilhamento de fotos, os relatos são apresentados apenas na forma de textos sem imagens em formatos muito coloridos. O perfil do Instagram possui 41.200 seguidoras/es e, até a data de redação deste artigo10 10 Setembro de 2021. , foram publicadas 1.034 postagens. Destas, 802 eram postagens de denúncia de discriminação e racismo e as restantes tinham conteúdos diversos (notas repúdio e de apoio, convites para reuniões, convocatórias para eventos artísticos, etc.). O número médio de curtidas por postagem é de 1.500. A maioria das postagens aborda episódios ocorridos em Portugal, mas também podem ser encontrados relatos da Alemanha, EUA, Rússia, dentre outros. Além de disponibilizar um espaço para denúncias, o projeto também oferece serviço de apoio psicológico e jurídico para mulheres brasileiras que enfrentaram discriminação e preconceito em Portugal, bem como para organizar encontros entre mulheres brasileiras vivendo no país e um canal de divulgação de acomodações para aluguel, vagas de emprego ou ofertas serviços profissionais. Todas as atividades são realizadas de forma voluntária. O projeto ganhou muita atenção da mídia, tanto em jornais portugueses como o Público, Correio da Manhã e Jornal de Notícias , quanto na mídia brasileira como Folha de S. Paulo, O Globo e Universa UOL , para citar alguns11 11 Todas as matérias foram acessadas em setembro de 2021, durante a escrita do artigo, e estão disponíveis nos seguintes links: Público: https://www.publico.pt/2020/08/07/p3/noticia/brasileiras-nao-calam-estao-cansadas-assedio-preconceito-1927196 Correio da Manhã: https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/movimento-brasileiras-nao-se-calam-expoe-centenas-de-relatos-de-assedio-e-xenofobia-em-portugal Jornal de Notícias: https://www.jn.pt/nacional/elas-sao-brasileiras-e-nao-se-calam-mais-perante-a-discriminacao-e-o-assedio-12530624.html?fbclid=IwAR0QZNDAO1at8d2WS4ci5jh4KVtRtH5U9vhYn5WtiE0tY-YxRl6rq_zfDIY Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/08/grupo-de-brasileiras-expoe-centenas-de-casos-de-assedio-e-xenofobia-em-portugal.shtml Universia: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/30/brasileiras-denunciam-assedio-e-preconceito-no-exterior.htm .

Semelhante ao Manifesto e a campanha da UC, enquadramos o projeto no contexto do crescente ativismo feminista no espaço digital ( Ferreira, 2015FERREIRA, C. B. DE C. Feminismos web: linhas de ação e maneiras de atuação no debate feminista contemporâneo. cadernos pagu (44), 2015, pp.199–228 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8637329 - acesso em: 13 Maio de 2018.
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; McCaughey; Ayers, 2013MCCAUGHEY, M.; AYERS, M. D. Cyberactivism: Online Activism in Theory and Practice. [s.l.] Routledge, 2013. ; Padilla; Gomes, 2016PADILLA, B.; GOMES, M. S. Empoderamento, Interseccionalidade e Ciberativismo: Uma Análise do “Manifesto Contra o Preconceito às Mulheres Brasileiras em Portugal”. Revista TOMO, v. 0, n. 0, 29 jun. 2016. https://doi.org/10.21669/tomo.v0i0.5425
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). A coordenação do BNSC afirma que, embora “conhecessem os movimentos [#metoo e #elenao], elas não foram uma inspiração direta para o movimento” e para o lançamento do perfil do Instagram . Em relação ao Manifesto e à campanha da UC, elas não tinham informações sobre eles. A ascensão global do ativismo digital feminista, indo do movimento #metoo e #niunamenos a #elenao, deu impulso para que as mulheres brasileiras no exterior se conectassem e expusessem suas experiências de discriminação e preconceito. Considerando, assim, a crescente centralidade das redes sociais como um sítio privilegiado para a intervenção feminista, o BNSC ocupou o espaço de denúncias criado pelo Manifesto e pela campanha da UC, mas que esteve adormecido, uma vez que ambas as iniciativas se dispersaram posto que estavam vinculadas a demandas específicas (ver Padilla; Gomes, 2016PADILLA, B.; GOMES, M. S. Empoderamento, Interseccionalidade e Ciberativismo: Uma Análise do “Manifesto Contra o Preconceito às Mulheres Brasileiras em Portugal”. Revista TOMO, v. 0, n. 0, 29 jun. 2016. https://doi.org/10.21669/tomo.v0i0.5425
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; Padilla; França, 2019).

Mulheres brasileiras revelando suas experiências de colonialidade, racismo e sexismo no dia a dia em Portugal

Na primeira parte da nossa análise, olhamos para as situações descritas nas postagens do perfil do Instagram do BNSC e como elas contradizem a narrativa de Portugal como um país não racista. Em seguida, analisamos como o BNCS incorpora a figura de um coletivo estraga-prazeres feminista.

As denúncias de discriminação postadas pelo BNSC no Instagram alinham-se à nova configuração do ativismo feminista digital ( McCaughey; Ayers, 2013MCCAUGHEY, M.; AYERS, M. D. Cyberactivism: Online Activism in Theory and Practice. [s.l.] Routledge, 2013. ). Como uma prática social ( Lazar, 2007LAZAR, M. M. Feminist Critical Discourse Analysis: Articulating a Feminist Discourse Praxis. Critical Discourse Studies, v. 4, n. 2, 1 ago. 2007, pp.141-164. https://doi.org/10.1080/17405900701464816
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), a presença desse discurso nas redes sociais promove formas alternativas de engajamento com e pertença à sociedade portuguesa, uma vez que se opõe ao imaginário colonial imposto às mulheres brasileiras como passivas e subalternas. As denúncias publicadas revelam e desafiam as dinâmicas de discriminação em Portugal que tendem a ser invisibilizadas pelo discurso dominante. Ademais, mostram que, indiscutivelmente, raça, gênero e colonialidade funcionam como eixos de opressão interseccional que moldam as experiências dessas mulheres em Portugal. A teoria da interseccionalidade ( Brah, 2006BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu (26), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2006, pp.329-376. https://doi.org/10.1590/S0104-83332006000100014
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; Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, v. 9, 2008, pp.73-101 [https://revistas.unicolmayor.edu.co/index.php/tabularasa/article/view/1501 - acesso em: 16 ago 2010].
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) é a base da nossa análise, que é constituída por três categorias: preconceito e discriminação explícitos, preconceito implícito e racismo/sexismo oculto e assédio sexual físico. Cada categoria inclui três postagens exemplificativas.

Preconceito e discriminação explícitos

Algumas das experiências de preconceito e discriminação que as mulheres brasileiras imigrantes vivem em Portugal são flagrantes. Os insultos e agressões verbais descritos nas postagens refletem formas de violência simbólica, psicológica e moral que expõem como as hierarquias raciais e sexistas e a colonialidade ainda habitam a sociedade portuguesa.

Postagem 1

“Uma senhora queria entrar na loja que eu trabalho e com o limite de pessoas permitidas, eu pedi que ela aguardasse. Ela falou: ‘Vocês, brasileiras, quando vem pra cá acham que vão arrumar marido rico aí não conseguem e têm que vir trabalhar nessas lojinhas. Você nunca vai ter o passaporte português porque eu não vou deixar’. As amigas dela começaram a bater palmas.

Postagem 2

“Fui fazer um teste em um café e o dono me perguntou como eu estava me mantendo [n]esses (sic) quatro meses sem trabalho. Eu disse a ele que tinha dinheiro guardado e logo depois ele falou com um dos clientes: ‘Impossível ela ter todo esse dinheiro. Brasileira né? Com certeza é puta’”

Postagem 3

“Eu tive uma infecção urinária e quando fui a médica ela disse: ‘Isso que dá não fechar as pernas’. A médica era uma mulher, o que me deixou mais triste ainda”.

No post 1, temos uma situação de relações de poder inversas, em que uma brasileira impede uma portuguesa de fazer o que ela queria provocando uma reação de agressão verbal por parte dessa última. Numa sequência de alegações estereotipadas com o objetivo de restabelecer a sua superioridade, a portuguesa diminui a brasileira, alegando que a sua decisão de se mudar para o país estava relacionada com o desejo de encontrar um marido português. Em um contexto de políticas migratórias cada vez mais restritivas, incluindo regulamentos para casamentos transnacionais (Moret; Andrikopoulos; Dahinden, 2021), o aumento dos casamentos entre mulheres brasileiras e homens portugueses ganhou visibilidade na mídia portuguesa (Oliveira; Cabecinhas; Cunha, 2011). Diante dessa situação, o imaginário colonial sobre as brasileiras sendo retratadas como “naturalmente e alegres com propensão ao sexo”12 12 “ naturally and gaily sex-prone ” (Piscitelli, 2008b:8). (Pisctelli, 2008b:8) e com particular poder erótico e sedutor sobre os portugueses, alimenta as suspeitas acerca das motivações dessas mulheres para migrar para Portugal, ao mesmo tempo em que as associa ao mercado do sexo. Por fim, o aplauso de apoio das outras portuguesas após os insultos contra a brasileira materializa a dinâmica “nós contra elas/eles” que posiciona as brasileiras como o “outro” racializado e sexualizado ( Said, 1979SAID, E. W. Orientalism. 1st Vintage Books ed edition ed. New York, Vintage, 1979. ) das mulheres portuguesas.

Esse estereótipo também surge na postagem 2, quando o dono de um café insinua que as mulheres brasileiras têm que se prostituir para manterem-se financeiramente estáveis em meio à pandemia. Como a postagem 3 ilustra em seguida, insinuações sobre os comportamentos sexuais promíscuos das mulheres brasileiras são constantes — mesmo em contextos profissionais como uma consulta médica. Esta racionalidade assemelha-se às observações de Franz Fanon (2008)FANON, F. Black Skin, White Masks. [s.l.] Grove Press, 2008. sobre a construção do corpo colonial que funcionou para separar os europeus supostamente superiores do povo colonizado percebidos como incapazes de controlar seus instintos sexuais. Em uma linha semelhante, Verena Stolke (2006)STOLKE, V. O enigma das intersecções: classe, “raça”, sexo, sexualidade. A formação dos impérios transatlânticos do século XVI e XIX. Revista Estudos Feministas, v. 14, n. 1, 2006, pp.15-42. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2006000100003
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desvela como, durante a época colonial, o controle sobre os corpos das mulheres brancas, exercido por seus maridos, pela igreja e pelo Estado, vinculava-os às virtudes, pureza e limpeza, enquanto a exploração sexual de escravas negras e indígenas pelos colonizadores associava seus corpos à depravação, perversão e imoralidade. Essas dualidades mantem-se até os dias de hoje, contribuindo para a reprodução da sexualização e racialização das mulheres das ex-colônias.

Preconceito implícito e racismo/sexismo oculto

Outros encontros com preconceitos e discriminações que as mulheres brasileiras imigrantes enfrentam em Portugal são menos evidentes. Em muitos casos, o racismo e o sexismo subjacentes à visão das/os perpetradoras/es sobre as mulheres brasileiras costumam aparecer de forma sutil, disfarçada de elogios, piadas ou declarações suaves. Semelhante às ideias de Dan Sue et al. (2007SUE, D. W.; Bucceri. J.; Lin A. I.; Nadal, K.L.; Torino, G. C. Racial microaggressions in everyday life: implications for clinical practice. The American Psychologist, v. 62, n. 4, jun. 2007, pp.271-286. https://doi.org/10.1037/0003-066X.62.4.271
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: 271) sobre microagressão racial, esses comentários de assédio sutis “comunicam ofensas e insultos hostis, depreciativos ou negativos”13 13 “ communicate hostile, derogatory, or negative racial slights and insults ”, ( Sue et al., 2007: 271). . No caso das brasileiras em Portugal, tais insinuações frequentemente objetificam seus corpos, essencializando-as como mulheres sensuais, femininas, “fáceis” e sem agência.

Postagem 4

“Quando voltava da academia, passei no mercado e estava usando roupas de treino. Me abaixei para pegar alguma coisa e um grupo de homens se aproximou de mim e perguntou se eu precisava de ajuda e quando eu respondi que não um deles disse: ‘Dá pra ver de longe quando são brasileiras esse corpinho não engana”

Postagem 5

“Eu tinha 16 anos e estava com meus pais quando um homem nos parou e perguntou pro meu pai por quantos Euros ele poderia se casar comigo. Ele disse que eu ainda ganharia documentos Portugueses graças a ele, que sou era uma Zuca14 14 Zuca é um termo utilizado em Portugal para referir-se a brasileiras e brasileiros. Em geral dependendo do contexto, tem uma conotação pejorativa. muito “boa” e bonita então eu seria uma boa esposa “

Postagem 6

“Estava com outras duas amigas brasileiras em um bar e conhecemos um português que disse: “vocês brasileiras deviam estar felizes. Fomos nós, os portugueses, que criamos essa mistura gostosa que vocês são hoje”.

A postagem 4 relata uma situação comum envolvendo mulheres brasileiras em Portugal, declarações racializadas e sexualizadas, disfarçadas de elogios. Comentários “inofensivos” e “corteses” reproduzem o estereótipo e o imaginário colonial do corpo das brasileiras, que supostamente têm características especialmente femininas e sensuais (Gomes, 2013b; Padilla, 2007b; Pisctelli, 2008b). Devido ao conteúdo sexual geralmente impróprio desses chamados “elogios”, eles correspondem a investidas sexuais indesejadas. Em geral, em Portugal, a presunção de que uma mulher é brasileira, muitas vezes com base na aparência do seu corpo, frequentemente mobiliza comportamentos invasivos por parte de homens portugueses que as consideram “fáceis” e sexualmente disponíveis, ou ainda comentários depreciativos no caso de elas não corresponderem a clássica imagem de beleza brasileira.

A mesma visão também se reflete na postagem 5, onde um português desconhecido abordou uma jovem brasileira para expressar seu interesse em casar-se com ela, após afirmar que ela reunia as qualidades que ele procura em uma esposa por ser “uma brasileira boa e bonita” nas palavras dele. Tal comentário reproduz a imagem racializada e sexualizada das mulheres brasileiras como um bom “produto para casamento” devido à sua alegada natureza doméstica, submissa e carinhosa, bem como sua aparência e desempenho sexual excepcional, como argumentado por Piscitelli (2008b). Outro estereótipo comum sobre imigrantes brasileiras e brasileiros em Portugal é sua relação com atividades ilegais ou enganosas, promovendo sua ligação com situações de trapaças (Machado, 2003) e no caso das imigrantes uma associação com irregularidades em relação à permanência no país. A sugestão de que ela teria acesso aos documentos portugueses, como uma das vantagens do casamento relaciona-se com a ideia de que as mulheres brasileiras são por regra imigrantes irregulares, pelo que visam o casamento como uma estratégia para regularizar a sua residência em Portugal. Neste contexto, a suposição de que as brasileiras estão “à venda” para o casamento em troca de documentos portugueses demonstram a continuidade do legado da ordem social colonial portuguesa, segundo a qual as mulheres colonizadas eram objetivadas e tratadas como produtos que podiam ser comprados, vendidos e trocados no mercado.

A postagem 6 é uma boa ilustração de como as memórias do passado colonial são abordadas com glorificação em Portugal (Castello, 2011; Almeida, 2008ALMEIDA, M. V. O complexo colonial português. Jornal Hoje Macau, 2008, p.10. ). Em consonância com o que observaram Marta Araújo (2013)ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. e Silvia Maeso (2019)MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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, o interlocutor interpreta o colonialismo português como uma dádiva ao povo colonizado, o que possibilitou que o Brasil se tornasse um “caldeirão racial” de pessoas bonitas culturalmente diversas e exóticas. Portanto, a expressão “mistura gostosa” deveria ser considerada um elogio. Segundo esse raciocínio, as mulheres brasileiras deveriam ser gratas a Portugal pela benevolência e enriquecimento étnico-racial resultante do empenho dos colonizadores que serviram para aprimorar a beleza e sensualidade do povo brasileiro. Esta reprodução da narrativa de uma “miscigenação de povos” singular ao colonialismo português invisibiliza a violência sexual perpetrada pelo colonizador contra as mulheres das colônias ( Carneiro, 2003CARNEIRO, S. Enegrecer o Feminismo: A situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA EMPREENDIMENTOS SOCIAIS (ed.). Racismos contemporâneos. RJ, Takano Cidadania, 2003. p. 49-58. ). Ao mesmo tempo, expõe como o mito falacioso sobre a excepcionalidade da convivialidade colonial portuguesa ainda está vivo no país ( Maeso, 2019MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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).

Assédio sexual físico

O sexismo e o racismo contra as mulheres brasileiras em Portugal também aparecem na forma de investidas sexuais físicas violentas e indesejadas, tanto em locais públicos como privados. O toque inapropriado e sem consentimento no corpo das mulheres, como é relatado nas próximas postagens, são agressões masculinas, aos quais as mulheres brasileiras em Portugal são particularmente vulneráveis (Campoes et al., 2018; Dias; Ramos, 2019DIAS, M. DE J. S.; RAMOS, N. Mulheres brasileiras em Portugal e violência de gênero: desafios migratórios em contexto internacional. In: Pina, H.; Martins, F. (ed) The Overarching Issues of the European Space: a strategic (re)positioning of environmental and socio- cultural problems? Um (re)posicionamento estratégico das questões ambientais e socioculturais?, 2019, pp.197-208. doi: 10.21747/9789898969149/mulh
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). A violência física e psicológica desses atos de assédio sexual físico geralmente ameaça, perturba e intimida as mulheres, afetando, em última instância, seu bem-estar e sentimento de pertença à sociedade portuguesa.

Postagem 7

“Uma vez eu peguei o metrô bem lotado, para encontrar meu marido no intervalo do almoço e era inverno. Um homem enfiou a mão dentro do bolso do meu casaco para tocar na minha vagina. Fiquei super constrangida e mandei ele sair de perto e não encostar em mim. Ele se fez de besta, mas uma moça que já ia descer me cedeu lugar dela. Ao mesmo tempo, uma senhora perguntou: ‘mas porque a brasileira está reclamando? Vocês gostam disso!’”

Postagem 8

“No estágio em um hospital meu supervisor estava sempre a me dar abraços e beijos ao me cumprimentar. Sempre passava a mão nos meus braços e dizia quanto gostava de ter estagiárias brasileiras. Quando ficávamos a sós ele sempre me encarava com olhares e sorrisos a mais. Me sentia constrangida com a situação, tinha repulsa quando ele chegava perto de mim como de costume. Um dia, eu disse que aquelas atitudes me incomodavam. Ele ficou bravo disse que eu realmente não era simpática, não iria fazer mais nenhuma brincadeira comigo e se eu quisesse, poderia sair do estágio, mas que ele seria minha melhor chance de recomendação profissional. Eu tinha 24 anos e ele 60.”

Postagem 9

“Tive que fazer uma cirurgia de emergência num hospital privada e fiquei internada por três dias. Na última noite, estava a dormir e acordei com as mãos de um enfermeiro nos meus seios por baixo do lençol. Quando abri os olhos, ele disse: ‘Vocês, brasileiras, são uma delícia. Que mamas!’. Nunca tive coragem de contar a ninguém. É um trauma que vou guardar para o resto da minha vida.”

Os relatos apresentados acima expõem como os corpos das mulheres brasileiras são considerados acessíveis pelos homens portugueses. As três postagens relatam situações, ocorridas em ambientes distintos, em que portugueses violaram o corpo de mulheres brasileiras. Enquanto que a postagem 7 ilustra a suposição de que as mulheres brasileiras não se importam com o abuso sexual, a postagem 8 expõe como a legitimação das hierarquias de poder ainda é usada como uma ferramenta para disciplinar os corpos das mulheres brasileiras. Por fim, a descrição na postagem 9 de um ataque a um corpo incapacitado ilustra claramente como o corpo da mulher brasileira reflete ainda a ideia de um território colonial a ser explorado em qualquer circunstância.

Retratadas como hipersexualizadas, submissas e disponíveis para o sexo, as mulheres brasileiras frequentemente têm seus corpos agredidos por apalpadelas, toques, carícias ou apertos indesejáveis. Durante o colonialismo, “a violência sexual era uma ferramenta de domínio colonial de gênero e raça”15 15 ‘ sexual violence was a gendered and raced tool of colonial dominance’ ( Jordan, 2021: 271) ( Carneiro, 2003CARNEIRO, S. Enegrecer o Feminismo: A situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA EMPREENDIMENTOS SOCIAIS (ed.). Racismos contemporâneos. RJ, Takano Cidadania, 2003. p. 49-58. ; Jordan, 2021JORDAN, L. S. Belonging and Otherness: The Violability and Complicity of Settler Colonial Sexual Violence. Women & Therapy, v. 0, n. 0, 11 ago. 2021, pp.1-21. https://doi.org/10.1080/02703149.2021.1961434
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: 271), a exploração sexual de mulheres negras e indígenas englobou diferentes práticas. Em geral, os colonizadores compravam mulheres jovens, separavam-nas de suas famílias e as exploravam-nas como criadas sexuais e domésticas. Além disso, os proprietários de escravas usavam o estupro e o abuso como prática para controlar, punir e discipliná-las. No entanto, nas narrativas coloniais portuguesas, esta violência tende a ser invisibilizada, romantizada e enquadrada como o início do Portugal multirracial e multicultural ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ; Costa; Lacerda, 2007COSTA, J. P.; LACERDA, T. Interculturalidade na Expansão Portuguesa (Séculos XV–XVIII). Lisbon, ACIME, 2007. ; Maeso, 2019MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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). Por outro lado, esse contexto histórico também alimenta o mito de que as mulheres das colônias eram sexualmente lascivas, luxuriosas e pervertidas. A narrativa colonial, que continua a ser reproduzida na mídia, nos discursos políticos e educacionais portugueses ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ; Pontes, 2004PONTES, L. Mulheres brasileiras na midia portuguesa. cadernos pagu (23), Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, pp.229-256 [https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644663 - acesso em: 01 dez 2008].
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), normaliza e legitima as agressões sexuais que as mulheres brasileiras costumam vivenciar em espaços públicos em Portugal.

Na próxima seção, discutiremos como, ao reunir e publicar essas denúncias, o BNSC representa um ato coletivo de estraga-prazeres feminista, que busca desmascarar o sexismo, o racismo e a colonialidade embutidos na vivência cotidiana das brasileiras em Portugal, mas que é negado pelas narrativas dominantes da colonialização benevolente e da convivialidade tolerante portuguesa.

Brasileiras não se calam: estraga-prazeres digitais e resistência combativa coletiva

Embora as postagens publicadas pelo BNSC não reflitam reações imediatas aos ataques colonialistas, sexistas e racistas que as mulheres brasileiras vivenciam diariamente, ao reunir e divulgar as denúncias nas redes sociais, o projeto incorpora uma resistência combativa coletiva (Gomes; 2013) e passa a ser um coletivo estraga-prazeres.

Abraçando a figura da estraga-prazeres, a coordenação do projeto afirma: eu acho que essa sociedade toda acaba silenciando [a gente] no sentido de não querer que a gente fale sobre isso [racismo, sexismo, colonialidade]… eu acho que a gente ainda se cala muito, mas eu acho que isso está começando a ser falado”. Sua posicionalidade incorpora uma recusa ativa em permitir que as feridas coloniais portuguesas sejam reformuladas como uma “história de final feliz”. Reforçando essa posição, elas continuam: “a partir do momento que a gente fala, eu acho que a gente consegue, mesmo que não dê a cara, mas consegue mostrar que isso [racismo, sexismo e colonialidade] existe e que acontece”.

O BNSC perturba, assim, o mito português de um “país harmonioso e diverso” ao falar sobre “os sentimentos negativos que ficam escondidos, deslocados ou negados”16 16 “ the bad feelings that get hidden, displaced or negated ”. sob uma narrativa de felicidade. Isso expõe a inadequação da ideia falaciosa de que o racismo em Portugal é um preconceito individual e não um problema endêmico da sociedade, resultante da sua herança colonial ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ; Maeso, 2019MAESO, S. R. O Estado de negação e o presente-futuro do antirracismo: Discursos oficiais sobre racismo, “multirracialidade” e pobreza em Portugal (1985-2016). Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 3, set. 2019, pp.2033-2067. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2019/43883
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). Consequentemente, o projeto é visto por muitas pessoas em Portugal como uma sabotagem da felicidade da comunidade (Ahmed, 2010b), por que ele “ fala mal do país ”, como explica a coordenação do projeto.

Um mês após o lançamento do perfil do BNSC no Instagram , em julho de 2020, o jornal português Público17 17 O Público é um jornal Português de informação geral, que oferece análises e opiniões sobre política, cultura e atualidade. Em 2020, publicou 50.822 cópias impressas e 24.112 digitais. publicou o artigo “Mulheres brasileiras não se calam e estão cansadas de assédio e preconceito”, enquadrando o projeto como uma resposta coletiva para denunciar a situação das mulheres brasileiras em Portugal ( Flor, 2020FLOR, A. “Brasileiras não se calam” e estão cansadas de assédio e preconceito. Público, 8 jul. 2020. ). Não foi nenhuma surpresa que os comentários escritos por leitoras/es sobre o artigo desacreditaram o projeto e deslegitimaram como as mulheres brasileiras imigrantes em Portugal são afetadas pelo racismo, como ilustra o excerto a seguir: “Que absurdo! Mas está na moda, todo mundo quer criar uma causa de identidade para chamar de sua e se tornar viral na internet?”. Da mesma forma, a coordenação também referiu ter recebido mensagens que as retratam como a causa de sua própria “infelicidade”: “teve outro, um senhor, que enviou outra mensagem falando que a gente estava aqui vivendo às custas do governo e ainda estava reclamando”. Nessas narrativas, as mulheres brasileiras são apresentadas como “imigrantes melancólicas” que não conseguem inserir-se na sociedade portuguesa e se auto excluem ao referirem sempre ao racismo, quando na verdade ele não existe em Portugal.

Ahmed (2010b) argumenta que as imigrantes são vistas como tendo o dever de serem felizes e só podem falar sobre aquilo que é bom em sua “nova vida” e não devem sentir-se magoadas por conta das experiências diárias com situações de opressão. De fato, isso corresponde exatamente às expectativas generalizadas em relação ao comportamento das mulheres brasileiras em Portugal, como explicam as nossas entrevistadas: as pessoas minimizam e dizem: “Isso aconteceu mas faz parte e, tipo, segue o baile e não, [siga com tua] vida e [continue] fazendo o que [você veio ] fazer aqui”. Em clara oposição, as mulheres que compartilham suas vivências em Portugal no perfil do BSNC no Instagram e recusam-se a minimizar ou negar suas experiências de discriminação e preconceito, falando sobre a infelicidade que rodeia as rodeia em seus cotidianos. Assim, o projeto rompe com a regra de que as mulheres colonizadas devem viver de acordo com o roteiro de felicidade do colonizador (Ahmed, 2010a), rebelando-se contra a posição silenciada imposta às mulheres brasileiras como um corpo colonial subalterno.

Como um coletivo de resistência, o BNSC confronta o imaginário colonial das mulheres brasileiras como seres sexualmente disponíveis e incivilizados (Padilla, 2007b; Piscitelli, 2008b) que até agora está subjacente ao discurso português em relação às mulheres brasileiras. Considerando que “mulher brasileira” em Portugal não é um “substantivo” mas sim uma construção social, discursiva e performática (Gomes, 2013a), o fato de o projeto não ter um rosto torna-o ainda mais simbólico.

As postagens revelam como o mito feliz da diversidade, tolerância e antirracismo da sociedade portuguesa sempre se apoiou no silêncio dos corpos colonizados. Para Ahmed (2010a:8), esta “recusa em desviar o olhar daquilo que já foi visto”18 18 “ refusal to look away from what has already been looked over ”. é um posicionamento político que reconhecemos no projeto BNSC. Isso promove a “resistência como reexistência”, à medida que as brasileiras engajam-se na construção de um modo de subjetivação da resistência combativa (Gomes, 2013a; Lugones, 2003LUGONES, M. Pilgrimages/Peregrinajes: Theorizing Coalition Against Multiple Oppressions. [s.l.] Rowman & Littlefield Publishers, 2003. ).

A coordenação também refere à sua intenção de criar “oferecer um espaço seguro, onde essas mulheres pudessem falar sem serem atacadas (…) e sentirem-se menos sozinhas também de saber que outras mulheres também passam por aquilo”. Ao permitir um reconhecimento coletivo de alienação da falácia da felicidade, o BNSC emerge como um local de luta feminista e, como tal, conforma “espaço(s) emocional(is), em que a experiência de solidariedade dificilmente se esgota”19 19 “ emotional space[s], in which the experience of solidarity is hardly exhaustive ” (Ahmed, 2010a: 4). (Ahmed, 2010a:4). Por fim, como um verdadeiro coletivo estraga-prazeres feminista, a coordenação do BNSC declara: “Chega, não [vamos] mais calar. E agora a gente vai falar, mesmo que a gente não mostre o rosto mas as pessoas vão saber que isso [racismo, sexismo e colonialidade] existe”.

Reflexões para pensar novas possibilidades estraga-prazeres feministas

Este artigo explorou o ativismo digital das mulheres brasileiras imigrantes em Portugal contra a discriminação e o preconceito e sua semelhança com a figura da estraga-prazeres de Ahmed (2010). Com base em uma pesquisa netnográfica do perfil do BNSC no Instagram e em uma entrevista em profundidade com a coordenação do projeto, nossas análises sugerem que o BNSC incorpora a figura de estraga-prazeres e uma resistência combativa coletiva (Gomes, 2013b) usando o espaço das redes sociais para denunciar, divulgar e desafiar a colonialidade, o racismo e sexismo em Portugal. À medida que o lócus do ativismo feminista se espalha pelo mundo virtual, as plataformas de mídia social emergem como um espaço de resistência acessível para mulheres brasileiras no exterior possibilitando-as tornarem-se estraga-prazeres e, portanto, denunciarem as opressões vividas localmente e ao mesmo tempo em que fomenta a solidariedade transnacional entre essas mulheres.

Como apontado por Ahmed (2010), a felicidade em uma “comunidade de acolhida” sempre contou com o silêncio de corpos marginalizados. O BNSC opõe-se diretamente as essas dinâmicas de poder opressoras que moldam as experiências das mulheres brasileiras em Portugal, criando possibilidades de exposição da inadequação da narrativa falaciosa que retrata Portugal como um país não racista, aberto e diverso. Desse modo, o BNSC traz à tona “tópicos infelizes” em relação ao “legado (pós) colonial de raça”20 20 “(post)colonial legacy of ‘race’ ” . do país ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46.: 43). Fazendo isso, “estraga” a fantasia da excepcionalidade de Portugal no que diz respeito ao racismo e à diversidade.

Ademais, enquanto indiscutivelmente causa desconforto na sociedade portuguesa, o projeto também contribui para desvendar a categorização naturalizada de mulheres brasileiras em Portugal como corpo colonial sem agência. O BNSC expõe a recusa ativa das brasileiras em continuar silenciando suas experiências no país com o preconceito e a discriminação. Assim, o projeto possibilita uma mudança na posição subalterna e passiva ocupada pelas mulheres brasileiras nas narrativas coloniais. Para usar as palavras de Ahmed, o BNSC é uma declaração “voluntariosa” por parte dessas mulheres, pois representa uma recusa em obedecer ao script do corpo colonial “feliz”. Assim, ampliamos as reflexões de Gomes (2013b) sobre os modos de subjetivação das mulheres brasileiras em Portugal, enquadrando o BNSC como uma resistência combativa coletiva. Argumentamos que o projeto não só promove a desconstrução do discurso hegemônico português em relação às mulheres brasileiras e demonstra a possibilidade de múltiplas formas de “brasilidade” (Gomes, 2013b), mas também possibilita a solidariedade entre mulheres brasileiras e cria uma “consciência coletiva” em relação à violência comum vivida por estas mulheres.

De fato, a posição de estraga-prazeres não vai contribuir para melhorar a popularidade das mulheres brasileiras em Portugal, uma vez que provoca mal-estares na sociedade portuguesa e contradiz a visão positiva do país sobre si mesmo. Na verdade, ser “estraga-prazeres” pode até tornar a estadia dessas mulheres em Portugal ainda mais difícil, uma vez que passam a serem vistas como causadoras de problemas, que sabotam o conforto público e fazem com que Portugal sinta-se incomodado com as injustiças existentes em sua sociedade. No entanto, as mulheres brasileiras não optam deliberadamente por se mudar para Portugal para se tornarem estraga-prazeres e revelar as dinâmicas de racismo, sexismo e colonialidade em voga no país. Pelo contrário, é o efeito violento da discriminação e do preconceito que elas vivenciam no seu cotidiano que chama a atenção para as adversidades da ordem social portuguesa que elas vivenciam, e mobilizando-as para abraçar a figura da estraga-prazeres.

Devido a políticas de migração cada vez mais restritivas e as limitações de participação na esfera pública relacionadas ao trabalho ou a questões familiares, as mulheres imigrantes enfrentam desafios específicos para organizar ações coletivas offline, pelo que o engajamento em atividades no ciberespaço é mais acessível. Portanto, enfatizamos a necessidade de apoio ao ativismo digital das mulheres brasileiras em Portugal e em outros lugares, por parte de movimentos feministas offline , antirracistas e decoloniais. Além disso, pontuamos que a academia pode se envolver ainda mais com ações coletivas online realizadas por mulheres imigrantes brasileiras, aportando críticas contra a colonialidade, racismo e sexismo existentes nas dinâmicas socais, a fim contribuir para a desconstrução da narrativa do corpo colonial ( Araújo, 2013ARAÚJO, M. Challenging Narratives on Diversity and Immigration in Portugal: the (de)politicization of colonialism and racism. In: CAPETILLO, J.; JACOBS, G.; KRETSEDEMAS, P. (ed.). Migerant Marginality: A Transnational Perspective. New York, Routledge, 2013, pp.27-46. ).

Contudo, apesar da nossa visão positiva sobre o potencial do BNSC para transformar as narrativas, os discursos e imaginários dominantes sobre as mulheres brasileiras em Portugal, reconhecemos alguns limites no ativismo digital, posto que o vemos como uma luta complementar ao ativismo político e aos movimentos sociais de base. A literatura sobre o tópico questiona em que medida este tipo de ativismo pode sustentar a ação coletiva e aponta para os riscos de diluir o potencial e encobrir o papel primordial do ativismo offline em provocar mudanças sociais reais ( Harlow, 2012HARLOW, S. Social media and social movements: Facebook and an online Guatemalan justice movement that moved offline. New Media & Society, v. 14, n. 2, 1 mar. 2012, pp.225-243. https://doi.org/10.1177/1461444811410408
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; Harlow; Guo, 2014).

A despeito de termos construído uma abordagem inovadora para analisar as experiências das mulheres brasileiras imigrantes em Portugal, reconhecemos algumas limitações do nosso estudo. Não entrevistamos mulheres que comentam as postagens do perfil, uma vez que iria além do escopo deste artigo. Contudo, tal aprofundamento poderia fornecer importantes pistas para refletir sobre o impacto que o BNSC teve sobre elas. Ademais, não analisamos postagens de outros países além de Portugal, nem o alcance transnacional do projeto através de suas repostagens e curtidas, por exemplo. Outra possibilidade, teria sido analisar a popularidade das postagens de acordo com o número de curtidas e comentários para perceber quais os temas mais sensíveis entre as mulheres brasileiras no exterior. Apesar dessas limitações, este estudo oferece contribuições relevantes para análise do potencial transformador do BNSC como uma um coletivo estraga-prazeres feminista.

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    » https://doi.org/10.1177/1077800410383121
  • 1
    No original: “ Let’s take this figure of the feminist killjoy seriously. Does the feminist kill other people’s joy by pointing out moments of sexism? Or does she expose the bad feelings that get hidden, displaced, or negated under public signs of joy? ” (Ahmed, 2010:582).
  • 2
    As traduções dos excertos referidos neste artigo foram feitas pelas autoras, o original será referido em notas de rodapé. “ be brought into the realm of culture ” ( Ahmed, 2002AHMED, S. Racialized Bodies. In: EVANS, M.; LEE, E. (ed.). Real Bodies: A Sociological Introduction. London, Macmillan Education UK, 2002, pp.46-63.: 47).
  • 3
    crucial to the binding of a range of differences and discriminations that inform the discursive and political practice of racial and cultural hierarchizationBhabha (1983BHABHA, H. K. The Other Question…. Screen, v. 24, n. 6, 1 nov. 1983, pp.18-36. doi.org/10.1093/screen/24.6.18
    https://doi.org/doi.org/10.1093/screen/2...
    : 19).
  • 4
    the notion that the Portuguese colonizers found in the tropics ‘a land with no king and no law’ played a significant role in the emergence of Brazil’s racialized sexual imagery ” Piscitelli (2014:279).
  • 5
    could also facilitate worthy resources in marriage and labour markets ” ( Padilla, 2016PADILLA, B. Brazilian narratives of migration: a multisited journey. Portuguese Studies Review, v. 24, n. 1, 2016, pp.259-281.: 256).
  • 6
    notions about Brazilian femininity that mark it with sensuality but also with the valorization of domesticity and an interest in motherhood ” Piscitelli (2008b:787).
  • 7
    brings other[s] down, not only by talking about unhappy topics such as sexism but by exposing how happiness is sustained by erasing the signs of not getting along ” (Ahmed, 2010b:56).
  • 8
    creating rather than describing a problem ” (Ahmed, 2010a:7).
  • 9
    Nenhum comentário, resposta ou reação às postagens foram feitas pelas autoras.
  • 10
    Setembro de 2021.
  • 11
    Todas as matérias foram acessadas em setembro de 2021, durante a escrita do artigo, e estão disponíveis nos seguintes links: Público: https://www.publico.pt/2020/08/07/p3/noticia/brasileiras-nao-calam-estao-cansadas-assedio-preconceito-1927196 Correio da Manhã: https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/movimento-brasileiras-nao-se-calam-expoe-centenas-de-relatos-de-assedio-e-xenofobia-em-portugal Jornal de Notícias: https://www.jn.pt/nacional/elas-sao-brasileiras-e-nao-se-calam-mais-perante-a-discriminacao-e-o-assedio-12530624.html?fbclid=IwAR0QZNDAO1at8d2WS4ci5jh4KVtRtH5U9vhYn5WtiE0tY-YxRl6rq_zfDIY Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/08/grupo-de-brasileiras-expoe-centenas-de-casos-de-assedio-e-xenofobia-em-portugal.shtml Universia: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/07/30/brasileiras-denunciam-assedio-e-preconceito-no-exterior.htm
  • 12
    naturally and gaily sex-prone ” (Piscitelli, 2008b:8).
  • 13
    communicate hostile, derogatory, or negative racial slights and insults ”, ( Sue et al., 2007SUE, D. W.; Bucceri. J.; Lin A. I.; Nadal, K.L.; Torino, G. C. Racial microaggressions in everyday life: implications for clinical practice. The American Psychologist, v. 62, n. 4, jun. 2007, pp.271-286. https://doi.org/10.1037/0003-066X.62.4.271
    https://doi.org/10.1037/0003-066X.62.4.2...
    : 271).
  • 14
    Zuca é um termo utilizado em Portugal para referir-se a brasileiras e brasileiros. Em geral dependendo do contexto, tem uma conotação pejorativa.
  • 15
    sexual violence was a gendered and raced tool of colonial dominance’ ( Jordan, 2021JORDAN, L. S. Belonging and Otherness: The Violability and Complicity of Settler Colonial Sexual Violence. Women & Therapy, v. 0, n. 0, 11 ago. 2021, pp.1-21. https://doi.org/10.1080/02703149.2021.1961434
    https://doi.org/10.1080/02703149.2021.19...
    : 271)
  • 16
    the bad feelings that get hidden, displaced or negated ”.
  • 17
    O Público é um jornal Português de informação geral, que oferece análises e opiniões sobre política, cultura e atualidade. Em 2020, publicou 50.822 cópias impressas e 24.112 digitais.
  • 18
    refusal to look away from what has already been looked over ”.
  • 19
    emotional space[s], in which the experience of solidarity is hardly exhaustive ” (Ahmed, 2010a: 4).
  • 20
    “(post)colonial legacy of ‘race’ ” .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2021
  • Aceito
    28 Out 2021
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