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Membrana amniótica preservada em glicerina no reparo de feridas cutâneas de membros locomotores de eqüinos

Equine amniotic membrane preserved in glycerin in reparing the equine limbs cütaneous wounds

Resumos

Neste estudo experimental, avaliou-se o uso de membrana amniótica eqüina preservada em glicerina 98%, à temperatura ambiente, em feridas com cura por segunda intenção, nos membros locomotores de eqüinos. Foram provocadas cirurgicamente feridas de 9,6cm² na face lateral da articulação metacarpo-falangeana, face medial do terço proximal do metacarpo e face lateral do terço médio do metatarso de ambos os membros locomotores de cinco eqüinos adultos, perfazendo total de trinta feridas. Foram constituídos dois grupos experimentais com quinze feridas cada, sendo um destes grupos tratado com membrana amniótica, e o outro, grupo controle, tendo recebido apenas gaze umidecida em solução fisiológica. Os curativos foram trocados a cada 48horas, tendo sido a membrana amniótica e a gaze umidecida substituídas. Em todas as feridas foram mensurados a área, o grau de secreção, a formação de tecido de granulação exuberante e o tempo para a epitelização se completar. Realizou-se também exame bacteriológico e histopatológico em um grupo de feridas, tratadas e controle. Na membrana amniótica, fez-se determinação bioquímica de proteínas e identificação de fator de crescimento de fibroblasto. Em todas as feridas tratadas, observou-se: menor tempo para cicatrização, menor formação de tecido de granulação exuberante, menor incidência de bactérias patológicas e menor aumento na área total.

ferida; membrana amniótica; tecido de granulação


In the present experimental study, the use of the equine amniotic membrane preserved in glvcerol 98%, at room temperature, in wounds with secound intention healing of equine limbs were evaluated. Surgical wounds of the size of 9.6cm² were made on the fetiock joint, medial aspect of the proximal third of the metacarpus and lateral aspect of the medium third of the metatarsus ofboth limbs offive adult horses, making a total of thirty wounds. Two experimental groups were made with fifteen wounds in each group, where one of these groups was treated with amniotic membrane, and the other, the control group, treated only with a damp gauze changed every 48 hours. In all the wounds the procedure was to evaluate the measurement of the área, degree of secretion, development of exuberant granulation tissue and the complete time of epitheliazation. Bacteriologic and histopatologic exams were made in a sample of the treated and contrai groups. The biochemical determination of proteins and the identification of fibroblastic growth factor were realized in the amnionic membrane. In all the treated wounds were observed shorter healing time, less formation of exuberant granulation tissue, smaller incidence of pathogenic bacterias and a smaller increase of the wound area.

wounds; amniotic membrane; tissue granulation


MEMBRANA AMNIÓTICA PRESERVADA EM GLICERINA NO REPARO DE FERIDAS CUTÂNEAS DE MEMBROS LOCOMOTORES DE EQÜINOS

EQUINE AMNIOTIC MEMBRANE PRESERVED IN GLYCERIN IN REPARING THE EQUINE LIMBS CÜTANEOUS WOUNDS

Valdemir Alves de Oliveira1 1 Professor MSc., Departamento de Medicina Veterinária da UFMS - CP 649 - 79070-900 - Campo Grande-MS. fone-fax: (067) 746- 1604. Autor para correspodência. José de Alvarenga2 1 Professor MSc., Departamento de Medicina Veterinária da UFMS - CP 649 - 79070-900 - Campo Grande-MS. fone-fax: (067) 746- 1604. Autor para correspodência.

RESUMO

Neste estudo experimental, avaliou-se o uso de membrana amniótica eqüina preservada em glicerina 98%, à temperatura ambiente, em feridas com cura por segunda intenção, nos membros locomotores de eqüinos. Foram provocadas cirurgicamente feridas de 9,6cm2 na face lateral da articulação metacarpo-falangeana, face medial do terço proximal do metacarpo e face lateral do terço médio do metatarso de ambos os membros locomotores de cinco eqüinos adultos, perfazendo total de trinta feridas. Foram constituídos dois grupos experimentais com quinze feridas cada, sendo um destes grupos tratado com membrana amniótica, e o outro, grupo controle, tendo recebido apenas gaze umidecida em solução fisiológica. Os curativos foram trocados a cada 48horas, tendo sido a membrana amniótica e a gaze umidecida substituídas. Em todas as feridas foram mensurados a área, o grau de secreção, a formação de tecido de granulação exuberante e o tempo para a epitelização se completar. Realizou-se também exame bacteriológico e histopatológico em um grupo de feridas, tratadas e controle. Na membrana amniótica, fez-se determinação bioquímica de proteínas e identificação de fator de crescimento de fibroblasto. Em todas as feridas tratadas, observou-se: menor tempo para cicatrização, menor formação de tecido de granulação exuberante, menor incidência de bactérias patológicas e menor aumento na área total.

Palavras-chave: ferida, membrana amniótica, tecido de granulação.

SUMMARY

In the present experimental study, the use of the equine amniotic membrane preserved in glvcerol 98%, at room temperature, in wounds with secound intention healing of equine limbs were evaluated. Surgical wounds of the size of 9.6cm2 were made on the fetiock joint, medial aspect of the proximal third of the metacarpus and lateral aspect of the medium third of the metatarsus ofboth limbs offive adult horses, making a total of thirty wounds. Two experimental groups were made with fifteen wounds in each group, where one of these groups was treated with amniotic membrane, and the other, the control group, treated only with a damp gauze changed every 48 hours. In all the wounds the procedure was to evaluate the measurement of the área, degree of secretion, development of exuberant granulation tissue and the complete time of epitheliazation. Bacteriologic and histopatologic exams were made in a sample of the treated and contrai groups. The biochemical determination of proteins and the identification of fibroblastic growth factor were realized in the amnionic membrane. In all the treated wounds were observed shorter healing time, less formation of exuberant granulation tissue, smaller incidence of pathogenic bacterias and a smaller increase of the wound area.

Key words: wounds, amniotic membrane, tissue granulation.

INTRODUÇÃO

A membrana amniótica humana foi descrita como substituto temporário de pele, em 1910, por Davis e por Sabella em 1913, que lançaram mão dessa prática como tratamento para pequenos defeitos de pele em pacientes humanos. Entre os fatores desejáveis da membrana amniótica na cura de feridas, SACHS & STERN (1979) relataram a existência de um fator mecânico, exercido no controle de microrganismos e uma atividade antimicrobiana no líquido amniótico, o que toma estéril o ambiente fetal e confere certa proteção no período pré-parto. A delgada membrana amniótica é elástica, de fácil manuseio e de origem ectodérmica, sendo mesmo uma extensão da pele do feto (PIGEON, 1960).

A membrana amniótica foi aplicada cirurgicamente com o intuito de reduzir a quantidade bacteriana e promover a cura de feridas infectadas. O seu efeito bactericida é atribuído a sua capacidade de aderência na superfície de feridas (TALMI et al., 1991). Estudos realizados por BIGBIE et al. (1990), demonstraram a boa capacidade da membrana amniótica na supressão do tecido de granulação, além de implicar em menor exsudação nas feridas tratadas com essa membrana. O crescimento excessivo de tecido de granulação é uma complicação comum na cura de feridas cutâneas por segunda intenção. A ação de bandagens, aplicação tópica de esteróides, causticação química e excisão cirúrgica são procedimentos comumente usados, em separado ou em associação, para suprimir ou remover o tecido de granulação (LINDASY, 1988).

A presença de infecções prejudica a cicatrização de feridas, por provocar o afastamento das bordas, a exsudação, a redução do suprimento vascular e o aumento da resposta celular e conseqüentemente o retardo da fase inflamatória do processo de cura, visto que bactérias são também produtoras de colagenase (STASHAK, 1990). Desde a década de 1960, é relatado o uso de membrana biológica como material de implante. ALVARENGA (1992) relatou ainda que membranas biológicas constituem-se em implantes de natureza orgânica, livres, inertes e são compostas quase que exclusivamente por colágeno, apresentando assim baixa antigenicidade. Sobre a preservação ou conservação de tais membranas biológicas, esse autor relatou o uso da glicerina a 98% e em temperatura ambiente, o que de certo modo facilita seu emprego em várias situações e ambientes, pois dispensa outros meios de conservação de custo elevado e de difícil transporte.

O presente estudo tem por objetivo avaliar os efeitos da utilização de membrana amniótica eqüina, preservada em glicerina a 98%, no tratamento de feridas nas extremidades distais dos membros locomotores de eqüinos.

MATERIAIS E MÉTODOS

As membranas amnióticas utilizadas no presente estudo foram coletadas de éguas clinicamente sadias, de idade, peso e raça variáveis. Logo após a ocorrência do parto e eliminação das membranas fetais, a membrana amniótica foi separada das demais membranas, e, seccionada junto a sua inserção no cordão umbilical. Posteriormente, essa membrana foi submetida à lavagem com água corrente abundante, para remover sujidades, seguida de nova lavagem com solução fisiológica a 0,9%. Essas membranas, posteriormente, foram submersas em solução fisiológica com 2% de solução degermante de iodopovidona1 e mantidas em refrigeração a 4°C por 24 horas.

Decorrido o período de refrigeração, a membrana amniótica foi novamente submetida à lavagem com solução fisiológica a 0,9% e estendida sobre pano cirúrgico esterilizado, onde foi cortada em fragmentos de aproximadamente 10x10cm. Esses fragmentos foram secos com gazes esterilizadas e posteriormente colocados em frascos de vidros esterilizados, com capacidade para 300ml, contendo glicerina a 98%, onde permaneceram totalmente imersas para conservação e armazenamento. As membranas amnióticas foram mantidas nesses recipientes à temperatura ambiente e foram consideradas prontas para uso, após o período mínimo de 30 dias.

Foram utilizados cinco eqüinos adultos, sem raça definida, de idade entre 5 a 9 anos, e com escore corporal satisfatório, doados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, sendo então constituídos dois grupos, o Grupo 1, de animais Tratados e o Grupo 2, de animais Controle. Em cada animal, foram provocadas seis feridas, sendo uma na face lateral da articulação metacarpo-falangeana (boleto), outra na face interna do terço proximal do metacarpo e face lateral do terço médio de metatarso de ambos os membros locomotores, perfazendo o total de 30 feridas, sendo, portanto, cada grupo experimental constituído de 15 feridas. Cada animal teve três feridas tratadas e três como controle, contralaterais. As posições das feridas, tratadas e controle, foram sempre alternadas de um animal para outro.

Com o animal sob anestesia geral, fez-se, com auxílio de um punch com 3,5cm de diâmetro, uma incisão circular de pele e tecido subcutâneo, sendo o fragmento circular removido com auxílio de tesoura. Nos casos em que ocorreram hemorragias, os vasos foram pinçados e ligados. Decorridas 36 horas da intervenção cirúrgica, iniciou-se a aplicação da membrana amniótica. Os curativos foram renovados, incluindo a membrana, a intervalos de 48 horas, onde todas as feridas, tratadas e controle, foram lavadas com solução fisiológica a 0,9% e mensuradas quanto a sua área, tecido de granulação, presença de secreções e sangramentos. O tecido de granulação, a secreção e o sangramento das feridas foram quantificados com a atribuição de cruzes, de acordo com a intensidade de ocorrência (de uma a três no máximo).

O fragmento de membrana amniótica, estocada em glicerina 98%, foi recortado de modo a recobrir a ferida, levando-se em conta a área da mesma. Submeteu-se a membrana a ser utilizada a dois banhos em solução fisiológica a 0,9%, sendo o primeiro para remoção do excesso do conservante (glicerina) e o segundo para fins de hidratação da membrana, deixando-a totalmente imersa nesta solução, por dez minutos.

Feitas as mensurações, observações e limpeza das feridas, as do Grupo Tratado receberam a membrana amniótica, recobrindo toda a sua extensão e bordas da pele íntegra (2cm sobre a pele íntegra). Após a completa oclusão da ferida e aderência da membrana, aplicou-se bandagem com atadura de crepe, cobrindo toda a área envolvida. As feridas do Grupo Controle foram preparadas e mensuradas como as do Grupo Tratado e receberam gaze umidecida em solução fisiológica a 0,9% recobrindo a sua área, aplicando-se também bandagem com atadura de crepe. Durante a aplicação dessas bandagens, foram tomadas precauções para evitar compressão excessiva sobre as feridas, o que poderia influir nos resultados.

Independente do grupo, sempre que o tecido de granulação atingiu grau equivalente a duas cruzes (++), foi feita sua ressecção com bisturi, deixando-o nivelado com as bordas da pele. Para a avaliação dos resultados foram adotados os seguinte critérios: tempo para completa epitelização, formação de tecido de granulação exuberante, presença de exsudação, área total das feridas e a realização de alguns complementares (histopatológico das feridas e bioquímico da membrana amniótica). O teste estatístico empregado foi o de análise de variância com medidas repetidas, seguido pela confirmação pelo método de Tukey. O intervalo de confiança adotado foi de 0,05.

RESULTADOS

O uso da membrana amniótica permitiu que as feridas cicatrizassem sem apresentarem sinais que indicassem rejeição dessa membrana. No Grupo Tratado, a região anatómica não influenciou no tempo de cicatrização (p<0,05), enquanto que no Grupo Controle, esse tempo foi maior para feridas na região da articulação metacarpo-falangeana, seguido pelas localizadas no terço médio do metatarso, e menor nas da região do metacarpo(p<0,05). Pela Tabela 1, observa-se que as feridas do Grupo Tratado cicatrizaram mais rápido do que as do Grupo Controle (p<0,05). Não houve diferenças entre os tempos de recuperação das feridas tratadas (p>0,05), enquanto que no Grupo Controle houve diferença na interação tempo para cicatrização e local da ferida (p<0,05). Feridas do Grupo Tratado tiveram menor crescimento de tecido de granulação exuberante do que as feridas do Grupo Controle.

Pela. Tabela 2, observa-se que as feridas tratadas na região do boleto e do metatarso necessitaram de menor número de ressecções do tecido de granulação exuberante do que as do Grupo Controle (p<0,05). Na região do metacarpo, não houve diferença significativa no número de ressecção do tecido de granulação(p>0,05). No Grupo Controle, feridas, na região do metacarpo, apresentaram menor formação de tecido de granulação exuberante do que as nas regiões do boleto e do metatarso(p<0,05). No Grupo Tratado, as três regiões apresentaram o mesmo desenvolvimento de tecido de granulação (p>0,05).

Pela Tabela 3, observa-se que as feridas tratadas, na região do boleto e do metatarso, apresentaram menor tempo de secreção do que as do Grupo Controle (p<0,05), enquanto que na região do metacarpo não houve diferenças nesse período entre os dois grupos experimentais (p>0,05). Tanto no Grupo Tratado quanto no Controle, o local da ferida não interferiu no tempo de permanência de secreção. A característica das secreções foi a mesma para os dois grupos, com exceção de que o período de prevalência foi maior para feridas do Grupo Controle, em nenhuma ferida dos grupos houve alterações do odor.

Pela Tabela 4, pode-se observar que feridas tratadas, na região do boleto, apresentaram menor área a partir do 30° dia e cicatrizaram em menor tempo do que as do Grupo Controle (p<0,05). Na região do metatarso, o Grupo Tratado apresentou menor área a partir do 40° dia (p<0,05), enquanto que, na região do metacarpo, os dois grupos comportaram-se da mesma maneira no decorrer de todo o experimento (p<0,05). No Grupo Controle, feridas, na região do metacarpo, foram as que mais rápido cicatrizaram (p<0,05); no Grupo Tratado, todas as feridas evoluíram da mesma maneira, independentemente do local (p<0,05).

No exame bacteriológico, observou-se crescimento bacteriano em menor intensidade e por um período menor, em feridas do Grupo Tratado. No meio de conservação, não houve crescimento bacteriano. No exame histopatológico, constatou-se que feridas tratadas apresentaram menor infiltrado inflamatório, menor grau de hemorragia e formação maior e mais rápida de tecido epidermal e anexos cutâneos. Na dosagem bioquímica , constatou-se a presença de l,45mg/ml de proteína total. Através da técnica de Imuno-eletroforese, pode-se verificar a existência de algumas proteínas de alto peso molecular (> 100.000 KDA), outras de baixo peso molecular (<14.000 KDA), que, provavelmente, sejam fatores de crescimento. Face esta suspeita, fez-se a confirmação pelo método de Western Blot com anti- FGF, certificando-se da presença do Fator de Crescimento de Fibroblastos.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A escolha da glicerina a 98%, como agente de estocagem para a membrana amniótica, deu-se em função dos resultados positivos com outras membranas biológicas e facilidades no seu emprego, como descrito por ALVARENGA (1992). A espécie utilizada neste estudo foi a Equus caballus, assim como o fizeram FRETZ et al. (1983), BIGBIE et al (1991). Esta escolha deveu-se ao fato de que essa espécie é a mais acometida por feridas que cicatrizam por segunda intenção, além de apresentar maior predisposição para a formação de tecido de granulação exuberante, que comumente é a causa de resolução a longo prazo.

WALKER et al. (1977) descreveram o emprego da membrana amniótica no tratamento de queimaduras, onde observaram menor período de recuperação e baixa incidência de bactérias patogênicas nestas feridas. Neste estudo, todas as feridas tratadas com membrana amniótica eqüina necessitaram de menor tempo para cicatrizarem. Nas feridas do Grupo Tratado, não houve interação do local e tempo de cicatrização. No Grupo Controle, as feridas, na região do boleto cicatrizaram em maior tempo. Trabalhando experimentalmente com membrana amniótica em feridas de eqüinos, FRETZ et al. (1983), JACOBS et al. (1984), BIGBIE et al. (1991), e HOWARD et al. (1993) obtiveram resultados semelhantes, especificamente no tempo necessário para epitelização de feridas tratadas.

Em estudo comparativo sobre a interferência do local no tempo de cicatrização de feridas em eqüinos, JACOBS et al. (1984) observaram que feridas no tronco cicatrizaram em menor tempo do que feridas localizadas nos membros locomotores. BERTONE et al. (1985) relataram, em estudo experimental, que feridas na região da articulação metacarpo-falangeana cicatrizaram em maior tempo do que feridas localizadas na região do metatarso.

O menor tempo necessário para a completa cicatrização das feridas tratadas com a membrana amniótica foi devido a: l) oclusão da ferida pela membrana, o que implicou em menor contaminação secundária; 2) existência, na estrutura química da membrana, de fator de crescimento de fibroblastos (FGF); 3) melhor controle sobre o crescimento de tecido de granulação exuberante; 4) não ocorrência de hemorragias entre as trocas de curativos.

No Grupo Controle, feridas na região do boleto cicatrizaram em maior tempo. É sugestivo que feridas nessa região estivessem mais expostas a contaminações, o que prolongaria o tempo de cicatrização. Nessa região, há maior presença de tendões, o que a torna mais complexa, contribuindo para maior aumento de área das feridas e, conseqüentemente, maior formação de tecido de granulação exuberante.

Neste estudo, a formação desse tecido foi menor no Grupo Tratado, como também foi observado por FRETZ et al. (1983), BIGBIE et al. (1990), BIGBIE et al. (1991) e HOWARD et al. (1993). Esse resultado deveu-se possivelmente à boa intimidade biológica entre a membrana amniótica e a superfície da ferida, o que reduziu a incidência de infecção secundária e na área da ferida. A prevalência de bactérias, secreção e aumento da área da ferida são fatores que contribuem para a formação de tecido de granulação exuberante, por prolongarem a fase inflamatória da cura.

LIN et al. (1985) usaram membrana amniótica recobrindo áreas de enxertos de pele em pacientes humanos e puderam observar redução significativa na ocorrência de hemorragias, durante as trocas dos curativos. A ausência de hemorragia quando se destacou a membrana amniótica da superfície da ferida, foi constante em feridas do Grupo Tratado, no presente estudo. Sangramentos constantes em feridas de eqüinos, com cura por segunda intenção, estão diretamente relacionados com o crescimento exacerbado de tecido de granulação, retardam a cura por reagudizar constantemente o processo. Nenhum dos eqüinos utilizados neste estudo demonstrou quaisquer sinais de rejeição ou eliminação da membrana amniótica, o que foi verificado por WALKER et al. (1977) e LIN et al. (1985). Conforme descrição feita por PIGEON (1960), a membrana amniótica é de origem ectodérmica, sendo então uma extensão da pele do feto, o que, sem dúvida, melhor explica a boa aceitação da mesma, em feridas cutâneas.

O uso da membrana amniótica impede maiores perdas de proteínas e eletrólitos pela superfície da ferida, em função da boa oclusividade exercida pela membrana. Essa característica foi descrita por WALKER et al. (1977) como fator importante na reepitelização de feridas cutâneas. A membrana amniótica eqüina é composta basicamente por colágeno e outras proteínas, sua estrutura é elástica, o que, de certa forma, facilita sua oclusão sobre a ferida, impedindo perdas de substâncias.

As feridas, na região do boleto e face medial do terço proximal do metacarpo, tiveram maior aumento da área do que feridas localizadas na face lateral do terço médio do metatarso. Em estudo comparativo do local da ferida com tempo de cicatrização, JACOBS et al. (1984) e BERTONE et al. (1985) mencionaram resultados semelhantes ao observado neste estudo experimental.

WALKER et al. (1977) mencionaram o bom controle bacteriológico obtido com essa forma de tratamento para queimaduras; SACHS & STERN (1979) relataram a existência de fator mecânico na membrana amniótica, que atua no controle bacteriano. Em Medicina Veterinária, BIGBIE et al. (1990) relatam o bom controle sobre microrganismos, exercido pela membrana em feridas. Neste trabalho, pode-se constatar a prevalência de bactérias em feridas do Grupo Controle, quando comparadas ao Grupo Tratado. Essa diferença é devido à boa oclusão da membrana, impedindo a contaminação secundária e diminuindo o tempo de persistência de exsudação. STASHAK (1990) citou que bactérias promovem o afastamento das bordas da ferida e também produzem colagenase. Neste estudo, as feridas do Grupo Tratado cicatrizaram mais rápido do que as do Grupo Controle, em função da membrana controlar os microrganismos, impedir o aumento da área e suprimir a formação exuberante de tecido de granulação. A identificação de fatores de crescimento em membrana amniótica eqüina, bem como sua ação sobre feridas, não consta de nenhuma referência consultada, o que deverá ser objeto de estudos futuros.

Diante dos resultados obtidos e nas condições metodológicas deste estudo, pode-se concluir que:

1-a glicerina a 98% responde satisfatoriamente como agente de conservação, para membrana amniótica eqüina;

2-a membrana amniótica possui importante poder oclusivo sobre feridas cutâneas, diminuindo a contaminação secundária, a intensidade de exsudato e conseqüentemente o tempo para cicatrização;

3-por se tratar de um tecido biológico de boa resistência e elasticidade, a membrana amniótica, quando em contato com a ferida cutânea, desenvolve boa oclusividade sem provocar perdas teciduais e sangramentos durante as renovações de curativos;

4-feridas tratadas com membrana amniótica preservada em glicerina desenvolvem menor quantidade de tecido de granulação;

5-a membrana amniótica de eqüinos é de fácil obtenção e estocagem, além de ter custo irrisório.

FONTES DE AQUISIÇÃO

1 Povidine - Jonhson Ltda - Divisão Hospitalar.

2 Professor Titular do Departamento de Cirurgia FMVZ/USP.

Recebido para publicação em 26.08.97. Aprovado em 13.05.98

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  • 1
    Professor MSc., Departamento de Medicina Veterinária da UFMS - CP 649 - 79070-900 - Campo Grande-MS. fone-fax: (067) 746- 1604. Autor para correspodência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 1998

    Histórico

    • Aceito
      13 Maio 1998
    • Recebido
      26 Ago 1997
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