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Composição físico-química do vinho Bordô de Flores da Cunha, RS, elaborado com uvas maturadas em condições de baixa precipitação

Physicochemical composition of Bordô wines from Flores da Cunha, RS, made with grapes matured in low rain conditions

Resumos

O Bordô é, depois do Isabel, o vinho de mesa de maior importância econômica na Serra Gaúcha, pois existe um considerável segmento de mercado que o aprecia, especialmente por seu sabor frutado e por sua cor intensa e matiz violeta. Devido a isso e às condições de estiagem que ocorreram no verão de 2005, quando as chuvas corresponderam a 38% da normal climatológica, analisaram-se vinhos Bordô do município de Flores da Cunha, RS, um dos mais importantes produtores da Serra Gaúcha. Os vinhos analisados eram varietalmente puros e elaborados segundo a tecnologia de cada vinícola. Avaliaram-se 39 variáveis, das quais os resultados mais expressivos foram os seguintes: álcool 10,58% v/v; acidez total 91meq L-1; acidez volátil 7,3meq L-1; pH 3,21; extrato seco 24,24g L-1; açúcares redutores 2,90g L-1; extrato seco reduzido 22,34g L-1; cinzas 2,09g L-1; ácido tartárico 5,35g L-1; DO 420 0,480; DO 520 1,296; DO 620 0,184; taninos 1,41g L-1; antocianinas 778,8mg L-1; etanal 14,9mg L-1; acetato de etila 59,3mg L-1; metanol 290,9mg L-1; 1-propanol 24,9mg L-1; 2-metiL-1-propanol 40,6mg L-1; 2-metiL-1-butanol 45,9mg L-1; 3-metiL-1-butanol 149,1mg L-1; soma dos álcoois superiores 260,5mg L-1; e K 953mg L-1.

Vitivinicultura; Vitis labrusca; composição físico-química


The Bordô, after Isabel, is the table wine presenting the greater economic importance in the Serra Gaúcha region, because there is a segment of the market that likes its characteristics, specially its fruity flavor, color intensity, and violet hue. Due to these aspects and to the very dry climatic conditions in the 2005 summer, where rain represented 38% of the climatological normal, Bordô wines were analyzed from the commune of Flores da Cunha, RS, Brazil, one of the most important producers of the Serra Gaúcha region. Analyzed wines were varietal ones and made according to the technology of each winery. Thirty nine variables were evaluated and the average parameters of the most expressive ones were the following: alcohol 10.58% v/v; total acidity 91meq L-1; volatile acidity 7.3meq L-1; pH 3.21; dry extract 24.24g L-1; reducing sugars 2.90g L-1; reduced dry extract 22.34g L-1; ashes 2.09g L-1; tartaric acid 5.35g L-1; A 420 0.480; A 520 1.296; A 620 0.184; tannins 1.41g L-1; anthocianins 778.8mg L-1; ethanal 14.9mg L-1; ethyl acetate 59.3mg L-1; methanol 290.9mg L-1; 1-propanol 24.9mg L-1; 2-mehyL-1-propanol 40.6mg L-1; 2-methyL-1-butanol 45.9mg L-1; 3-methyL-1-butanol 149.1mg L-1; sum of higher alcohols 260.5mg L-1; and K 953mg L-1.

Vitiviniculture; Vitis labrusca; physicochemical composition


NOTA

TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

Composição físico-química do vinho Bordô de Flores da Cunha, RS, elaborado com uvas maturadas em condições de baixa precipitação

Physicochemical composition of Bordô wines from Flores da Cunha, RS, made with grapes matured in low rain conditions

Francine Maria TecchioI; Alberto MieleI,1 1 Autor para correspondência. ; Luiz Antenor RizzonII

IGolden Sucos Ltda., Km 5, São Marcos - 1° Distrito, 95180-000, Farroupilha, RS, Brasil. E-mail: golden.s@terra.com.br

IIEmbrapa Uva e Vinho, 95700-000, Bento Gonçalves, RS, Brasil. E-mail: miele@cnpuv.embrapa.br

RESUMO

O Bordô é, depois do Isabel, o vinho de mesa de maior importância econômica na Serra Gaúcha, pois existe um considerável segmento de mercado que o aprecia, especialmente por seu sabor frutado e por sua cor intensa e matiz violeta. Devido a isso e às condições de estiagem que ocorreram no verão de 2005, quando as chuvas corresponderam a 38% da normal climatológica, analisaram-se vinhos Bordô do município de Flores da Cunha, RS, um dos mais importantes produtores da Serra Gaúcha. Os vinhos analisados eram varietalmente puros e elaborados segundo a tecnologia de cada vinícola. Avaliaram-se 39 variáveis, das quais os resultados mais expressivos foram os seguintes: álcool 10,58% v/v; acidez total 91meq L-1; acidez volátil 7,3meq L-1; pH 3,21; extrato seco 24,24g L-1; açúcares redutores 2,90g L-1; extrato seco reduzido 22,34g L-1; cinzas 2,09g L-1; ácido tartárico 5,35g L-1; DO 420 0,480; DO 520 1,296; DO 620 0,184; taninos 1,41g L-1; antocianinas 778,8mg L-1; etanal 14,9mg L-1; acetato de etila 59,3mg L-1; metanol 290,9mg L-1; 1-propanol 24,9mg L-1; 2-metiL-1-propanol 40,6mg L-1; 2-metiL-1-butanol 45,9mg L-1; 3-metiL-1-butanol 149,1mg L-1; soma dos álcoois superiores 260,5mg L-1; e K 953mg L-1.

Palavras-chave: Vitivinicultura, Vitis labrusca, composição físico-química.

ABSTRACT

The Bordô, after Isabel, is the table wine presenting the greater economic importance in the Serra Gaúcha region, because there is a segment of the market that likes its characteristics, specially its fruity flavor, color intensity, and violet hue. Due to these aspects and to the very dry climatic conditions in the 2005 summer, where rain represented 38% of the climatological normal, Bordô wines were analyzed from the commune of Flores da Cunha, RS, Brazil, one of the most important producers of the Serra Gaúcha region. Analyzed wines were varietal ones and made according to the technology of each winery. Thirty nine variables were evaluated and the average parameters of the most expressive ones were the following: alcohol 10.58% v/v; total acidity 91meq L-1; volatile acidity 7.3meq L-1; pH 3.21; dry extract 24.24g L-1; reducing sugars 2.90g L-1; reduced dry extract 22.34g L-1; ashes 2.09g L-1; tartaric acid 5.35g L-1; A 420 0.480; A 520 1.296; A 620 0.184; tannins 1.41g L-1; anthocianins 778.8mg L-1; ethanal 14.9mg L-1; ethyl acetate 59.3mg L-1; methanol 290.9mg L-1; 1-propanol 24.9mg L-1; 2-mehyL-1-propanol 40.6mg L-1; 2-methyL-1-butanol 45.9mg L-1; 3-methyL-1-butanol 149.1mg L-1; sum of higher alcohols 260.5mg L-1; and K 953mg L-1.

Key words: Vitiviniculture, Vitis labrusca, physicochemical composition.

A superfície cultivada com a uva Bordô tem aumentado nos últimos anos, especialmente no município de Flores da Cunha, RS, face à crescente demanda por esta uva. O vinho elaborado com essa uva agrada a um determinado segmento do mercado brasileiro, especialmente devido a sua cor violeta intensa e a seu aroma e sabor frutado e foxado.

A uva Bordô, sendo uma Vitis labrusca, não é cultivada nos países produtores de vinho. Devido a isso, a literatura mundial em relação a essa cultivar e a seus produtos - o suco de uva e o vinho - é praticamente inexistente. Mas no Brasil não há restrição quanto a seu cultivo. Mesmo assim, os trabalhos publicados sobre a uva e o vinho Bordô são restritos (ABRAHÃO et al., 1993; GONÇALVES et al., 1999; ROMBALDI et al., 2004). Face ao exposto, este trabalho foi realizado com o objetivo de caracterizar o vinho Bordô de Flores da Cunha, RS, através de sua composição físico-química.

O trabalho foi conduzido em 2005, constatando-se nesse ano precipitação pluviométrica que representou 38% da normal climatológica da região. Coletaram-se, em junho desse ano, 13 amostras de vinho 100% Bordô, chaptalizados, em vinícolas do município de Flores da Cunha, RS. As amostras foram analisadas em setembro e outubro, no Laboratório de Enoquímica da Embrapa Uva e Vinho.

Avaliaram-se 39 variáveis relacionadas às análises clássicas, aos compostos fenólicos e aos compostos voláteis e minerais do vinho Bordô. A densidade foi determinada através de um densímetro digital; o álcool, por destilação e densimetria; a acidez total, pela titulação do vinho com NaOH 0,1N, utilizando o azul de bromotimol como indicador; a acidez volátil, pelo arraste de vapor com titulação do vinho com NaOH 0,1N e fenolftaleína como indicador; e o pH, com um potenciômetro digital, equipado com eletrodo de vidro e calibrado com solução padrão de pH 3,0 e pH 4,0. Os açúcares redutores foram determinados segundo metodologia de MEYER & LEYGUE-ALBA (1991); o extrato seco e o extrato seco reduzido, segundo RIBÉREAU-GAYON et al. (1982); as cinzas, pela incineração de 20 mL de vinho em cadinhos de platina a 530°C-550°C (AMERINE & OUGH, 1976); a alcalinidade das cinzas, segundo USSEGLIO-TOMASSET (1995); as antocianinas, segundo RIBÉREAU-GAYON & STONESTREET (1965); os taninos, conforme RIBÉREAU-GAYON & STONESTREET (1966); os polifenóis totais - medindo-se a absorbância a 280nm - e os índices de cor - medindo-se a absorbância a 420, 520 e 620nm -, segundo RIBÉREAU-GAYON et al. (1982); e o ácido tartárico, através da cromatografia líquida de alta performance (AUGUSTE, 1979).

A determinação da maioria dos minerais foi realizada por um espectrofotômetro de absorção atômica Perkin-Elmer equipado com lâmpadas de cátodo oco para cada elemento. Ca, Mg, Mn, Zn, Cu e Fe foram determinados por absorção atômica e K, Na, Li e Rb por emissão de chama (PERKIN-ELMER, 2000). Para a determinação do N e do P, utilizou-se a metodologia proposta por TEDESCO et al. (1995), adaptada para mostos e vinhos.

A análise dos compostos voláteis foi realizada de acordo com a metodologia de BERTRAND (1975), utilizando um cromatógrafo a gás equipado com detector de ionização de chama. Usou-se o 4-metil-2-pentanol como padrão interno. O glicerol também foi determinado por cromatografia gasosa com o mesmo aparelho com que se determinaram os compostos voláteis. Neste caso, o detector foi o de ionização de chama. Utilizou-se o padrão interno 1,6-hexanodiol (CANTAGREL et al., 1978).

Os resultados (Tabela 1) mostram que o vinho Bordô elaborado no município de Flores da Cunha, RS, em 2005, caracterizou-se por apresentar baixo teor alcoólico, apesar das condições climáticas terem sido favoráveis à maturação da uva. Considere-se, ainda, que o mosto foi corrigido com sacarose (chaptalização), o que evidencia que essa cultivar possui um baixo potencial de produção de açúcar na região. Quanto às variáveis relacionadas à acidez do vinho, constataram-se elevados valores da acidez total e baixos de pH, o que é uma característica das principais cultivares de Vitis labrusca (RIZZON & MIELE, 2006). Acidez acima do normal causa desequilíbrio no vinho, prejudicando suas características sensoriais. A acidez constatada foi devida à presença de concentrações relativamente elevadas de ácido tartárico e, também, ao baixo teor da alcalinidade das cinzas.

Características marcantes do vinho Bordô, como a intensidade de cor e o matiz (Tabela 1), são evidenciadas por valores elevados e bem superiores aos dos vinhos tintos da maioria das variedades de uva cultivadas na Serra Gaúcha. Isto pode ser verificado, também, pela concentração de antocianinas desses vinhos. O matiz violeta, por sua vez, que lhe atribui aspecto de vinho jovem, é, em parte, conseqüência da relação DO 420/DO 520, ou seja, da relação existente entre o amarelo dos taninos e o vermelho das antocianinas, e, ainda, da proporção dos cinco grupos de antocianinas predominantes na película da uva Bordô. Por outro lado, o baixo teor de taninos registrados, o que é comum nas variedades americanas, pode ser um dos indicadores da pouca aptidão de amadurecimento e/ou envelhecimento desse tipo de vinho e do tempo de maceração relativamente curto utilizado por ocasião de sua elaboração.

Com relação aos compostos voláteis (Tabela 2), constatou-se que o vinho Bordô tem potencial para produzir metanol, o que pode ser debitado à maior concentração de pectinas presente nas uvas americanas. Por outro lado, observaram-se baixos teores de álcoois superiores, dados que correspondem aos encontrados nos vinhos Isabel elaborados na Serra Gaúcha.

Quanto aos elementos minerais (Tabela 2), constatou-se baixa concentração de potássio, o que explica a presença de elevado teor de ácido tartárico na forma livre e baixo pH e, conseqüentemente, baixo valor da variável alcalinidade das cinzas.

Portanto, na safra de 2005, o vinho Bordô caracterizou-se por apresentar teor de álcool aquém do esperado, acidez pronunciada, cor intensa, matiz violeta e pouco tanino.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), pela concessão de Bolsa de Iniciação Científica.

Recebido para publicação 24.01.06

Aprovado em 17.01.07

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  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2006
    • Aceito
      17 Jan 2007
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