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DEBATEDORES

DISCUSSANTS

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Everardo Duarte Nunes 1

1 Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

"Uma sociedade reduzida à violência é, no limite, uma contradição nos termos: é uma "não-sociedade" (Boudon e Bourricaud, 1993:610).

A violência constitui hoje um tema cuja presença não pode ser ignorada. Longe de ser uma instigante preocupação teórica é, provavelmente, uma das questões que mais nos causa pânico e aflição, quando tentamos situá-la em relação a problemas tão graves como a perda do emprego ou as incertezas frente a um futuro sem grandes perspectivas.

A violência, com a sua carga de dor, sofrimento e morte, conseguiu fazer parte de nossas preocupações cotidianas e avança sobre os territórios físicos, mentais e sociais. Dela podem se fazer várias cartografias, mas os seus desdobramentos vão além das suas delimitações espaciais e epidemiológicas. Há anos atrás, Dom Helder Câmara dizia: "A violência está em toda parte, é onipresente e multiforme; brutal, aberta, insidiosa, escondida, racionalizada, científica, condensada, solidificada, anônima, abstrata, irresponsável". Como ela se distribui e como está condicionada a múltiplos fatores também já sabemos. Tão ampla é a questão que não há uma única formulação teórica que a explique. Nesse sentido, as autoras do texto realizaram uma elaborada síntese do que denominam "a natureza histórica da violência", para a qual não há reparos a fazer. As autoras circulam pelo tema com o conhecimento e a competência que advêm da experiência adquirida na pesquisa empírica e na elaborada reflexão teórica sobre o assunto. Evidenciam na revisão realizada que esse objeto não se restringe a um único campo de conhecimento e, quando ele chega à saúde pública, à sua complexidade anterior irão somar-se aquelas próprias das praticas sanitárias. Estas não somente referidas ao caráter individual do cuidado, mas as advindas do caráter social e coletivo inerentes às políticas públicas.

Também ao relatar os modelos de prevenção da violência, as autoras recuperam as formas mais recentes que têm sido adotadas para atuar sobre essa questão, vistas tanto na dimensão estrutural como nas relações interpessoais. De certa forma, as autoras, quando citam projetos de intervenção, estão respondendo de forma positiva a questão da possibilidade de prevenção da violência. Porém, torna-se necessário assumir de que violência estamos falando, mesmo porque, em muitos casos, ela atinge níveis de selvageria e de barbárie. Muitos já disseram, mas deve ser repetido, que o século XX passará para a história da (des)humanidade como um dos mais violentos e cruéis: duas grandes guerras e centenas de pequenas guerras; conflitos sem conta, por conta de diferenças políticas, étnicas, religiosas e a presença cotidiana da violência social. Não se trata, portanto, de uma questão epistemológica, mas essencialmente social e as suas conseqüências devem ser tratadas tanto por medidas diretas como indiretas. Indiretamente, mas básicas para a prevenção, são as medidas no campo da educação e da formação ética que preservem os princípios de "qualidade e sacralidade da vida", para usarmos as expressões de Schramm (1993).

Certamente, sem uma visão de mundo que coloque para o próprio homem o repensar do processo de humanização, será muito difícil atingir o fulcro da questão da violência, tomada em seu sentido mais genérico, no sentido de que não se trata de enfrentar somente o(s) ato(s) de violência, porém um estado (situação) de violência; estes atos são os sintomas de um estado de violência. Assim, ao torná-la objeto da saúde pública, entendida como - "a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongando a vida e promovendo a saúde através dos esforços organizacionais da sociedade" -, o enfrentamento da violência acaba sendo o de atuar não somente sobre as conseqüências diretas dos atos de violência (medidas médicas de atendimento), mas juntar-se às propostas que conduzam à defesa da vida e da cidadania. Nesse sentido, os trabalhadores da saúde têm papel importante, pois cabem a eles funções diretas no trato com pessoas, grupos e comunidades atingidas pela violência, não somente para minorar sofrimentos, mas para o exercício da vigilância epidemiológica durante tempos de violência, como também a denúncia de atos de violência. Em realidade, a questão da violência, quando comparada a outros problemas de saúde, não recebe a mesma consideração. Saul Franco, um especialista no assunto, pergunta por que esse problema não recebe a "mesma intensidade proporcional a sua magnitude, a mesma seriedade técnico-científica e a mesma solvência política, programática e financeira? Porque nos resignamos a seguir padecendo e seguimos delegando passivamente seu manejo às crônicas policiais, à imprensa amarela e a ação detetivesca?" (Franco, 1991:9). Além dessas perguntas, o mesmo autor lembra-nos que somos possuídos pela inevitabilidade e fatalismo da violência e resignamo-nos a cuidá-la somente quando fato pessoal ou em níveis microssociais mais próximos. De outro lado, pela própria natureza do problema, que, como vimos, atinge níveis estruturais, o mesmo não se enquadra nos modelos que classicamente explicam as questões da saúde e da doença. Como escreve Franco (1991: 10), "A constituição da compreensão e enfrentamento da violência em uma prioridade social - e portanto sanitária - requer clareza e diferentes frentes de ação". Anota, principalmente, não reduzi-la a uma nova enfermidade epidêmica, para torná-la atrativa, importante e tratável por médicos e pelo setor saúde. Além desses pontos, e o que nos parece extremamente importante, é a idéia de que convertê-la em problema social não resolve o problema, "mas é parte essencial de uma reação mais humana frente ao problema de uma resposta global que permita reduzi-la significantemente" (Franco, 1991:10,11).

De um modo geral, quando se analisa a violência, as questões que se colocam como fundamentais e sobre as quais se assentam medidas preventivas ou de promoção de caráter social e que se deslocam para todas as outras áreas, como educação e saúde, referem-se aos princípios éticos, de justiça e solidariedade como orientadores das ações humanas.

Outra questão que nos parece oportuna é a que envolve a noção de risco. Skolbekken (1995:25), ao analisar a avaliação de risco, diz que, historicamente, as principais ameaças de risco para a nossa saúde têm vindo dos fatores de risco situados fora do nosso controle, procedentes da própria natureza ou de poderes sobrenaturais, mas que, no presente, muitos riscos podem ser vistos como criados pelos próprios homens, muitos deles como efeitos do desenvolvimento e vistos como benéficos em certos sentidos. Ao recorrer ao conceito de risco, pensamos que, ao identificá-lo, poder-se-á prevení-lo, incluindo-o na agenda das políticas sociais, especialmente pelas macro-dimensões assumidas pela violência política, financeira, cultural. Trata-se de pensar, usando a expressão de Ulrich Beck, em uma "Risk Society", na qual a distribuição dos riscos não afeta somente as classes subalternas, mas põe em perigo toda a sociedade. O autor refere-se à poluição e aos desastres ecológicos, aos quais podem ser juntados todos os problemas que cabem no âmbito da violência, como os acidentes do trabalho e de trânsito, homicídios e suicídios.

Em verdade, não apresentamos novidades neste Debate. A forma didática e competente da exposição feita pelas autoras, prescinde uma abordagem mais detalhada da questão. Quanto à pergunta de ser possível prevenir a violência, a resposta de crer nessa possibilidade coloca-nos frente à busca da resolução de outras questões cruciais sem as quais aquela dificilmente será atingida. Estas dizem respeito a aprender a conviver com a diferença, a respeitar a individualidade e engajar-se eticamente com outras pessoas, coibindo, talvez, a insegurança que se generaliza pela sociedade neste final de século. Para isso, entendemos que as intervenções da saúde pública sobre o "estilo de vida" individuais são importantes, mas devem ser contextualizadas a fim de que sejam criadas estratégias que tomem a população como um todo.

Referências

Boudon, R. e Bourricaud, F. 1993. Violência. In: Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, pp. 605-621.

Franco, S. 1991. Violencia, derechos humanos e salud. Cuadernos Médico Sociales, 57, septiembre, pp. 5-11.

Schramm, F. R. 1993. A terceira margem da saúde: a ética natural. Tese de Doutorado. Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz.

Skolbekken, J. 1995. The risk epidemic in medical journals. Social Science and Medicine, 40, pp. 291-305.

João Yunes 1

1 Secretaria de Políticas Públicas,Ministério da Saúde, Brasil.

O trabalho em epígrafe traz um tema relevante e de grande atualidade, apresenta dados coerentes e corretos, está baseado em conceitos sólidos e escrito em linguagem clara, objetiva e de fácil e agradável leitura. Também apresenta bibliografia pertinente e útil a novas pesquisas sobre o assunto.

O relato das seis propostas de intervenção permite tanto sua compreensão como a visualização de seu alcance. No entanto, falta no artigo a análise de cada uma das propostas de ação apresentadas pelas autoras, o que pode vir a ser tema de um novo trabalho onde elas possam colocar em discussão os limites e alcances das referidas abordagens.

Algumas coisas, entretanto, não ficaram claras, como por exemplo:

1) Se o plano integral da Colômbia é para o país ou só se aplica à cidade de Cáli;

2) Se o plano de Nova York foi publicado e divulgado em 1998 e, no entanto, já estava em vigor desde 1993;

3) A que cursos de referem quando, no item 21 do plano do Rio de Janeiro, tratam sobre a redefinição de programas e cursos;

4) À exceção do plano da Colômbia, os planos e projetos se utilizam de enfoque da promoção da saúde apenas como referência para análise, mas não como instrumento de ação que se encontra, para as demais propostas, bastante calcado no modelo de prevenção;

5) A impressão acima fica mais clara nas conclusões. Nelas, as autoras afirmam ser papel do setor saúde “liderar ações específicas, intersetoriais e de militância cidadã”. Essa liderança do processo e de execução de projetos e atividades dessa natureza, em se aplicando os conceitos de promoção da saúde, deve se situar na esfera do decisor maior, como prefeitos e governadores, por exemplo, ou na área aglutinadora das políticas públicas, como as Secretarias de Governo, sob pena de não se evoluir para ações concretas?

Letícia Legay Vermelho 1

1 Faculdade de Medicina e Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O impacto da epidemia de violência que se estendeu pelas cidades brasileiras tem gerado atitudes das mais diversas, desde sentimentos de rejeição, como por exemplo, o apelo para a instituição da sentença de penalidade máxima para os criminosos, até manifestações de solidariedade e demanda de soluções coletivas em busca de justiça social.

Como as autoras deste artigo apontam "o quadro preocupante da mudança no perfil de mortalidade geral é a evidência que grupos jovens, principalmente masculinos, estão cada vez mais atingidos como vítimas e autores".

Para a opinião pública brasileira, a vítima e o algoz das chamadas violências é antes de tudo o bandido, envolvido com o tráfico e o uso de drogas, marginal cruel e sanguinário, "gerado a partir de uma subcultura à margem da lei " (Paixão e Oliven, 1982).

Colaboram para tal construção as próprias correntes teóricas explicativas da violência, tais como a existência de instinto violento, natural do ser humano, que se expressa, portanto, em conduta individual, assim como aquela já citada, da subcultura marginal. Holinger (1987) prediz que a violência aumenta quando aumenta a proporção de população jovem.

Este fato é real, porém, efeito evidente das condições de desemprego, marginalidade, exclusão dos direito de cidadania (amplamente debatidos), para aqueles que deveriam se constituir na força de trabalho em renovação de nossa sociedade. Os ditos populares são pródigos na compreensão desta realidade, como por exemplo na tão conhecida sentença: "adote seu filho antes que um traficante o faça ", que também pode ser compreendida como, "quando a sociedade renega seus jovens cidadãos, o crime organizado os adota".

Aliás, o problema das drogas não é fato novo em nosso meio, embora tenha se acentuado muito nas últimas décadas. Já, em 1920, Almeida reclamava que a cocainomania estava se tornando um vício perigoso, que exigia enérgicas providências dos poderes públicos. Em São Paulo e Rio de Janeiro existem "pharmacias que se celebrisaram com o commercio deshonesto de cocaina".

Nada comparável, evidentemente, com a dimensão atual do tráfico de drogas no país.

Entretanto, é reconhecido que o universo da população jovem atingida pela violência, no Brasil de hoje, tem mais em comum o fato de participar do mesmo estrato social, do que tal "ofício".

A violência, até aqui citada, é aquela referente às causas denominadas intencionais, tais como os homicídios, que se somaram e superaram outros tipos de violência, tradicionais causadores de traumatismos e mortes, principalmente de jovens, os acidentes de trânsito (OPAS, 1986), a partir das décadas de 1970 e 1980.

Entretanto, considero que o debate sobre a prevenção da epidemia de violências, deve considerar seu amplo espectro.

A violência, como grave problema de Saúde Pública, só começa a ser assumida como tal a partir das últimas décadas e, desde há algum tempo, a contribuição das autoras vem sendo decisiva no desenvolvimento teórico da temática sáude e violência.

Ao trazer a descrição de propostas concretas para o enfrentamento da questão, contendo diferentes ingredientes que recheiam o tema, isto é, elementos das diferentes áreas do conhecimento e estratégias de políticas públicas construídas por setores sociais engajados, as autores descortinam um campo de debates decisivos.

Considero que o artigo atual é um avanço nesta produção, no sentido mais estratégico, na direção de um posicionamento sobre prevenção na visão da saúde pública.

É inerente a este campo do saber a apropriação devida de conhecimentos e instrumentos originados em outras áreas. Assim, quanto mais ela incorpora adequadamente, mais ela se fundamenta, se objetiva. Conhecimentos estes que são imprescindíveis, porém, também limitados de per si, em sua abrangência. Assim, do ponto de vista jurídico, por exemplo, ironicamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), criado para a proteção do menor, ao ser colocado em prática, gerou determinadas formas de enfrentamento social que, ao invés de contribuir para sua viabilização, gerou novas formas de exploração e rejeição do menor. Hoje, ele está duplamente refém, por um lado do crime organizado, ou não, que o utiliza e expõe, por sua imunidade legal, e pelo outro lado, está a mercê de respostas sociais, também criminosas, como é o caso dos grupos de extermínio, cuja atuação é, por vezes, promovida pelos próprios ditos cidadãos.

O presente artigo ressalta a importância que teve o despertar dos profissionais da especialidade pediátrica, a partir da década de 60, primeiramente nos Estados Unidos e depois em diversos países do mundo, para os maus-tratos à criança como problema de saúde pública. Vale registrar que não havendo uma "especialidade sensível" que se dedicasse aos problemas dos adolescentes e jovens, que só há muito pouco tempo vem se configurando como uma área de especialização dentro da saúde, a questão demorasse mais a ter seus "defensores".

Destaco aqui, que o modelo brasileiro de saúde é inadequado para a atenção aos agravos decorrentes das violências, e não somente a estes, pela sua fragmentação, causando impactos negativos do ponto de vista técnico. Assim, por exemplo, considero adequado inserir a questão da violência contra a mulher, nos próprios programas de saúde da mulher, ampliando e aperfeiçoando seus recursos tanto humanos quanto materiais, para o atendimento destes agravos. Estes mesmos recursos humanos, por exemplo, deveriam ser competentes para o enfrentamento das DSTs, tanto do ponto de vista clínico quanto preventivo. No meu ponto de vista a criação de inúmeras estruturas dentro do setor saúde que se superpõe, significa muito mais uma questão de poder do que eficiência.

Agrava a situação da atenção às vítimas das violências, a grave crise no setor de saúde pública, particularmente naquelas especialidades tradicionalmente competentes para a assistência curativa, as emergências. Esta crise, de proporções ainda não adequadamente mensuradas, coloca em risco os avanços obtidos. As violências, na maioria das vezes nem requerem assistência médica, é bem verdade, já que os indivíduos não sobrevivem para recebê-la. Entretanto, existe uma parcela importante que só sobrevive às custas do funcionamento adequado dos serviços de emergência do setor público.

Outra importante e polêmica questão mencionada no texto, é que os governos, ao centrarem no setor de segurança pública seu modelo de combate à violência e não construí-lo concomitantemente com uma proposta de políticas sociais viáveis e comprometidas, correm o risco de transformar seus programas em tentativas de controle social (o que sem dúvida agravará o problema) e não em prevenção. Na mesma perspectiva para o setor saúde, podemos diagnosticar, classificar e tratar as lesões, mas não evitando as causas só conseguiremos aumentar as dificuldades do setor.

É evidente, entretanto, que os programas que deram certo no mundo, como a política de segurança pública da cidade de Nova York, por exemplo, quanto às armas, correção dos desmandos policiais, etc., devam ser incorporadas. Porém, basta comparar a magnitude dos índices de violência daquela cidade com os das capitais brasileiras, para concluirmos que, ao atuar somente no nível policial, corremos o risco de ampliar esta guerra, da qual somos reféns, contra um exército que só tende a se multiplicar, caso sejam mantidas as condições sociais "favoráveis" para sua perpetuação. Cabe lembrar também, como é descrito no texto, que mesmo o Plano de Combate à Violência de Nova York, inclui, além das questões de segurança, elevação do nível de emprego, melhora do atendimento emergencial, mobilização comunitária, entre outras estratégias.

Como dizem as autoras, é papel do setor saúde promover a qualidade de vida e interromper o ciclo perverso de banalização da vida e da morte. A realidade é que a violência se tornou ato tão habitual, corriqueiro, começando mesmo dentro dos lares e executados, às vezes, dentro do próprio núcleo familiar.

Considero que análises e propostas, quanto aos possíveis caminhos da prevenção, devam ter como ponto de referência os valores e princípios fundamentais que norteiam a saúde coletiva, tais como saúde para todos, eqüidade, qualidade de vida, cidadania, ética, universalidade, já enfatizados no programa do CONASEMS. Se eles são utopia, também o será a prevenção das violências.

Não podemos cair na armadilha do que parece mais acessível, mais viável, mais apaziguador para uma sociedade em pânico. Trata-se de avaliar os limites e as limitações de cada atuação, a verdadeira dimensão de polícia versus político, do controle versus prevenção.

Referências

Almeida SV 1920 Cocaina e Cocainomania. Brazil-Medico 34: 235-239.

Brasil 1990. Lei 8069 de 1990. In Brasil Criança Urgente: a Lei. Columbus, São Paulo.

Holinger PC, Offer D, Ostrov E 1987. Suicide and homicide in the United States: an epidemiologic study of violent death, population changes and the potential of prediction. American Journal of Psychology 144:215-219.

Organizacion Panamericana de la Salud, 1986. Las condiciones de salud en las Americas, l981-l984, Washington D.C. (Publicación Científica 500).

Paixão, A.L., 1982 Crimes e criminosos em Belo Horizonte: uma exploração inicial das estatísticas oficiais de criminalidade. In: Boschi, R.R. (org.) Violência e Cidade, Rio de Janeiro, Zahar, Rio de Janeiro, p.75-97.

Roberto Salvador Scaringella 1

1 Instituto Nacional de Segurança no Trânsito - INST, São Paulo.

É importante que um problema dessa magnitude e complexidade mereça uma análise abrangente e aprofundada.

As luzes sobre o tema, a partir da discussão feita pela comunidade científica e tecnológica, dão uma enorme contribuição na fundamentação, no conceito e trazem à tona a importância da identificação de valores antes e acima das atitudes operacionais que são igualmente fundamentais.

O trabalho das Doutoras Maria Cecília de Souza Minayo e Edinilsa Ramos de Souza coloca importante e didática iluminação sobre o tema da violência.

É significativamente enriquecedora a discussão da "participação da saúde coletiva" na abordagem da violência em todos os seus aspectos.

É preciso conhecer melhor e mais a realidade para se pretender transformá-la.

A violência não se trata apenas com o "enforcement". É preciso educar, entender tecnicamente o processo, a lógica da violência para combatê-la.

Se a saúde trata a conseqüência da violência, deve necessariamente contribuir na discussão das causas e na elaboração da ação preventiva.

É de se notar, felizmente, que a elaboração teórica do tema existe e que a ação concreta não depende de nenhuma nova descoberta tecnológica ou mesmo dependa de tecnologia ainda não dominada pelos brasileiros.

Na tese da prevenção da violência defendida pelas ilustres Doutoras fica claro que duas questões são vitais:

• A informação e a implementação das idéias formuladas em teoria.

• A informação precisa ser tratada, disponível e atual. Ela é muito mais do que tabelas e estatísticas. Mais do que um mero banco de dados, deve ser uma ferramenta de operação dos agentes que intervém no processo. A informação deve tender a ser um recurso "on line" à disposição da Saúde, da Polícia, da Justiça, do Ministério Público, e demais entidades públicas e particulares envolvidas de algum modo.

Atualmente o funcionamento de redes de informática possibilita, pela diminuição de custos e aumento de capacidade, disponibilizar informações em escala nacional, inclusive com recurso de software, geo-referenciados muito úteis para o acompanhamento de indicadores.

O Sistema de Vigilância Epidemiológica deve se integrar nacionalmente a uma rede de informação rápida e disponível. Assim, será possível uma melhor identificação dos fatores de risco e a partir daí gerenciá-los. Uma ação preventiva da violência é possível quando há condições de monitoramento. O resultado será a redução da violência.

Somente com esse tipo de recurso se passará de uma abordagem tópica para um tratamento sistêmico e abrangente.

A efetiva implantação de planos, programas e projetos elaborados em teoria devem levar em conta duas grandes forças de resistência. De um lado a banalização da violência pela própria sociedade, contando com o reforço da sensação de impunidade que gera o desrespeito à lei, que por sua vez gera a atitude de risco, que desemboca na ação violenta. De outro lado, de certa forma, essa banalização atinge os órgãos governamentais.

É difícil se encontrar uma ação articulada, permanente que seja a tradução de uma escala de valores crenças que fundamentem as atitudes operacionais.

Há hesitação na incorporação de tecnologia de qualquer campo ao tratamento do mal, o que retarda a operacionalização de idéia.

A ponte entre a formulação teórica e a efetiva implementação prática passa por um ponto crucial, indicado pelas autoras, que é a sensibilização intra governamental.

O grande esforço do marketing da prevenção da violência não deve ser dirigido apenas à sociedade como um todo, mas principalmente aos órgãos de governo (em todos os níveis).

Aí, a distância que vai do discurso ou da intenção ao gesto concreto tem sido grande demais e no tempo tem sido sempre maior do que um período de governo.

O poder público e a própria sociedade não valorizam ações preventivas. Estas, muitas vezes são consideradas supérfluas, e dificilmente a prevenção é vista como um investimento rentável.

A abordagem relativa à prevenção de acidente de trânsito proposta pelo Comitê Técnico Científico/CTC do Ministério da Saúde é de uma abrangência e atualidade significativas.

Em especial, a redução de violência no trânsito é apresentada como o resultado de um esforço coordenado e contínuo para se ter um condutor mais seguro, um veículo mais seguro e uma via pública mais segura.

Isto implica necessariamente na implantação concreta da lei que já existe e determina ações ainda não implementadas.

O maior controle da frota circulante, o novo sistema de habilitação de condutores, a redução significativa da sensação de impunidade e um sistema viário adequadamente operado, são pressupostos essenciais para se obter resultado concreto.

É através do vazio da ação pública e das frestas, trincas e rachaduras de uma estrutura comprometida que avançam as forças de resistência que não raro estão beneficiando interesses outros, que não os da preservação da vida.

Rachel Niskier Sanchez 1

1 Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz.

O trabalho apresentado trata do complexo problema da violência e das possibilidades de prevenção a partir do campo da saúde pública, o que estimula a discussão a respeito da participação dos profissionais da área no desenvolvimento de sua prática.

Inicialmente, é importante assinalar o lugar de destaque que as autoras ocupam no cenário cientifico brasileiro, se constituindo em referência para o estudo do tema da Violência e Saúde. Concordando com os conceitos enunciados no artigo, serão feitas algumas considerações sobre pontos que merecem desdobramentos, sendo analisados alguns dos múltiplos aspectos que compõem o cenário da violência.

A violência tem sido banalizada e naturalizada na sociedade contemporânea, ficando o sofrimento e a morte como motivos, inclusive, de filmes de comédia como "A vida é bela", onde o Holocausto é tratado como uma fábula infantil. Jogos de vídeo game premiam aqueles que cometem o maior numero de infrações (crianças e adolescentes são os grandes usuários), os canais de televisão gastam somas altíssimas na veiculação de cenas de violência explícita nos horários nobres de suas programações.

Esta publicidade e banalização podem funcionar como um obstáculo às ações de prevenção, já que é necessário o conhecimento real dos fatos, em toda a sua dimensão, para que se consiga prevenir os atos violentos.

Ao mesmo tempo em que aos indivíduos é escamoteada a verdade dos fatos, o autoritarismo dos Estados Modernos exclui a sociedade, dando aos aparatos legais (Polícia, Exército) a missão de reprimir qualquer manifestação contra as causas da violência. A legislação vigente, antiquada e insensível em muitos casos, também não contribui para a resolução de situações, das mais comuns às mais complexas, que requerem leis adequadas e acessíveis a toda a população.

No que concerne às políticas públicas, torna-se imprescindível, para a compreensão do assunto em pauta, lembrar que entre 1964 e 1984 não vicejaram as políticas sociais que hoje são discutidas; é de conhecimento de todos o procedimento àquela época de certas autoridades que removiam favelas às custas de incêndios e outras violações, a primazia da política econômica em detrimento da área social (até hoje vigente), a miséria e a fome ainda presentes no país.

Assim sendo, sem negar os grandes avanços tecnológicos e científicos, e os benefícios que deles provêm, não se pode deixar de enfatizar que as condições de vida de uma parcela significativa da população brasileira refletem a violência estrutural, campo fértil de toda a sorte de atos violentos.

No perfil da mortalidade geral, verifica-se a mudança das causas violentas do quarto lugar até a década de 1960, para o segundo lugar nos anos 80 e 90, ficando a interrogação: estão sendo atingidos igualmente ricos e pobres, brancos e negros, moradores da zona rural e dos centros urbanos? O texto sugere que não, ao explicitar os conflitos e desigualdades crescentes na sociedade - a exclusão social.

O Brasil libertou os escravos em 1888 (quase um século após a Revolução Francesa) mas mantém a estrutura patriarcal que apresenta, como conseqüência, hábitos arcaicos ainda fortemente arraigados. A nossa estrutura se move muito lentamente, configurando a "esquizofrenia" do saber técnico-científico x realidade social.

As sociedades científica e política vêm formulando de forma competente algumas políticas dirigidas à questão da violência, sem a presença efetiva da população no processo de elaboração. Agora é urgente que se executem ações competentes.

Em relação à natureza histórica do tema, é preciso que se leve em conta que a violência se apresenta com dois lados - o dos opressores, que esmagam os movimentos sociais, e o dos oprimidos, que buscam, através dela, a liberdade. Como exemplo dessa assertiva cita-se a Longa Marcha dos Camponeses sob a liderança de Mao Tsé-Tung na luta pela libertação da China do jugo de seus ocupantes estrangeiros.

Estando de pleno acordo com as autoras que consideram a violência como um problema social e histórico, acredita-se que é nesse campo do pensamento que se devem cultivar as soluções duradouras. É a partir dos movimentos sociais que se pode caminhar em direção à justiça, à liberdade e à paz, isto é, a uma vida sem violência.

A atuação no campo da saúde deve, portanto, se integrar às outras áreas e, de forma ampla e democrática, desenvolver ações interdisciplinares e intersetoriais que busquem saídas para a questão.

O setor saúde não está acima dos problemas nacionais de onde decorrem as precariedades de vida da população. A ele cabe participar ativamente na busca de soluções e liderar, em momentos específicos, o desenvolvimento de trabalhos que visem a definição de políticas e a prática de ações conseqüentes.

Quando se pensa na prevenção da violência a partir da prática do setor saúde, o que aparece de forma inequívoca são as condições adversas de trabalho (materiais, de formação técnica, falta de discussão em grupo) com as quais se deparam os profissionais de saúde e que levam a um comportamento alienante. O discurso da equipe é de preocupação, mas a sua prática é quase sempre de omissão, frente aos casos de violência doméstica (obviamente com exceções em serviços espalhados pelo país), e de baixa resolução em setores de emergência e trauma mal estruturados, tanto do ponto de vista físico quanto da capacitação de seus recursos humanos.

Se a prevenção da violência deve ser realizada em todas as instâncias, isto é, desde a promoção da saúde até o atendimento mais complexo, nunca é demais repetir que sem qualidade de vida não há saúde, e que saúde não é simplesmente uma questão médica, e sim uma questão social e política, saúde à qual só é possível ter acesso como conquista da sociedade democrática. Todos os organismos nacionais e internacionais citados no artigo, assim como a produção científica existente, enfatizam essa verdade e reforçam a necessidade urgente de se prosseguir na luta pelas reformas de base que libertem o Brasil do atraso e da injustiça social, e da maior das violências que é a miséria.

As experiências de combate à violência em países como a Colômbia e os Estados Unidos, com realidades sociais tão diferentes, não deixam de apresentar elementos importantes que podem servir de subsídios à discussão e elaboração de programas de saúde pública voltados para a prevenção da violência no Brasil.

A proposta do Estado do Rio de Janeiro abrange múltiplos aspectos, contemplando a área de segurança pública. No item 12 é citada a criação de conselhos comunitários com a participação da sociedade civil e partidos políticos, e trabalhos preventivos nas comunidades. A contribuição do setor saúde neste trabalho de prevenção é fundamental, já que a sua atuação se faz próxima aos indivíduos, no núcleo familiar, acompanhando o desenrolar da vida das pessoas, sempre que a oportunidade da intervenção acontece. Assim sendo, a presença do agente de saúde junto à comunidade da qual ele é integrante, tem papel extraordinário como veículo de informações, apoio e promotor dos fatores de proteção de indivíduos e famílias na luta contra a violência.

A experiência com agentes comunitários de saúde é altamente positiva em várias partes do país, e aqui se pergunta: por que não espalhar milhares deles pelas cidades brasileiras, bem preparados e com salários dignos, para que funcionem como peça importante das equipes de saúde na prevenção da violência? Não há tempo para propostas utópicas - o setor tem que dar respostas eficazes e imediatas, e o que se vê, infelizmente, são iniciativas fragmentadas, que não se articulam entre si, apresentando consequentemente resultados inexpressivos

Os profissionais do setor saúde de todos os níveis necessitam melhores salários, estímulo a uma formação adequada às suas atividades, condições de trabalho apropriadas. Prevenir a violência a partir do campo da saúde também se apresenta como uma força capaz de desencadear esse processo de dignidade profissional.

Prevenir a violência é também possível com melhor distribuição de renda, com uma educação para a solidariedade, com a garantia dos direitos sociais de todos os cidadãos.

Essas reflexões nascem do excelente trabalho apresentado que iluminou alguns caminhos que o país deverá percorrer a fim de elevar o padrão de saúde de nossa população.

Maria Cecília de Souza Minayo
Edinilsa Ramos de Souza

As autoras respondem

The authors reply

As primeiras palavras nessa réplica ensejada pelo artigo em debate, são de agradecimento aos ilustres debatedores pelas palavras elogiosas e pelo precioso tempo dedicado à tarefa solicitada.

De um modo geral, os autores concordam com as idéias de que a violência e a sua prevenção são importantes e desafiadores temas no campo da saúde pública, tanto do ponto de vista teórico quanto no âmbito da implantação e implementação de programas e ações.

Os debatedores destacam em suas falas as contribuições e os limites do setor saúde na tarefa de assistir às vítimas da violência, ressaltando as vocações de prevenção e de promoção da saúde próprias do setor, muito embora, como bem lembra Niskier, tais vocações não sejam valorizadas pela sociedade nem pelos governantes.

Essa cultura que privilegia a assistência, em detrimento da prevenção, acrescida da ausência de vontade política juntamente com os conflitos de interesses entre grupos sociais e os grandes interesses econômicos envolvidos na indústria da violência, contribuem para a fragilidade dos programas e ações preventivas. Tal conjuntura, mais do que a carência de conhecimento sobre o que e como fazer em relação à violência, tem perpetuado e, muitas vezes, incentivado o crescimento do fenômeno entre nós.

Alguns esclarecimentos, entretanto, se fazem necessários às questões feitas por Yunes: 1) o plano colombiano refere-se apenas à cidade de Cali; 2) a imprecisão relativa à data da implantação do plano de Nova York e a publicação do mesmo deve-se unicamente à data da referência utilizada para o artigo; 3) como não era objetivo nosso analisar as propostas, mas apenas apresentá-las, nos ativemos à compilação e transcrição das mesmas sem esclarecer certos detalhes. Por isso, não temos como saber a que cursos se refere Soares quando esboçou o plano de prevenção à violência no Rio de Janeiro; 4) é bem colocada a questão sobre o fato dos planos apenas inserirem a promoção da saúde nas propostas de análise, mas não nas ações a serem desenvolvidas. Estas, como notou Yunes, são calcadas no modelo de prevenção. A consideração que pode ser feita é de que, certamente, essa é uma limitação dos planos, que não conseguem, ainda, contemplar o conceito de promoção da saúde em suas ações, o que pode ser explicado a partir de algumas hipóteses. Primeiramente, algumas das propostas - a de Nova York e a do Rio de Janeiro - não foram pensadas no interior de instituições de saúde, são antes, iniciativas originadas no âmbito de administrações públicas/governamentais. Em segundo lugar, percebe-se que ainda há uma precária incorporação e integração do setor saúde e de seus conceitos - sobretudo os de prevenção e promoção - nas iniciativas realizadas por outros setores. Constatação que também pode ser feita nos planos oriundos do interior do próprio setor saúde, como são os aqui apresentados. Esse é um problema que reflete a frágil e incipiente atuação da saúde pública no âmbito das ações de promoção, o que, por sua vez, acarreta na pouca visibilidade e na necessidade de ampliações e aprofundamento das mesmas.

Finalmente, em resposta à quinta indagação, sobre em que esfera deve se situar a liderança do setor saúde no processo e execução de projetos e atividades, entendemos que, ela deva passar tanto pelos decisores maiores (políticos e governantes) como pelos gestores (secretarias, técnicos e profissionais de serviços). Tal concepção se baseia na própria natureza da violência que exige abordagens macrossociais e de direção política, assim como ações integradoras entre planejamento e implementação; conhecimento e prática; vontade política e consciência/sensibilização; tecnologia e formação de recursos humanos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    1999
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