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Estas entrevistas foram realizadas em duas capitais do Brasil, a fim de conhecer as medidas aplicadas pelos Juizados da Infância e Juventude de Recife e Rio de Janeiro para crianças e adolescentes que cometeram atos infracionais. O objetivo foi apresentar as diferentes alternativas que vêm sendo adotadas nesse campo em algumas regiões do país, que visam o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei no 8.069, que dispõe sobre a proteção integral a esse grupo, instituída em 1990).

Entrevistado: Dr. Luiz Carlos Figueiredo, Juiz da 2a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Recife/PE (entrevista concedida em setembro de 1998)

Entrevistadoras: Edinilsa Ramos de Souza e Kathie Njaine - Pesquisadoras do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli.

A que se pode atribuir, atualmente, a entrada de crianças e adolescentes no mundo infracional? Va Excia. considera que está ocorrendo um aumento destas infrações?

Muitas são as causas da delinqüência juvenil, no País e no mundo. No Brasil. basicamente, as principais causas são as seguintes: a) crise econômica; b) êxodo rural e favelização das periferias das grandes cidades; e) ausência de política de fixação do homem no campo e nas cidades de médio e pequeno porte; d) desemprego; e) aumento do consumo de drogas (em especial maconha e inalantes); f) desajuste familiar; g) cultura do País de que o " menor de 18 anos pode fazer o que quiser que nada Ihe acontecerá"; h) divulgação massificada na TV de filmes de violência (incorporando ao cotidiano a imagem das gangues de rua dos Estados Unidos); i) falta de educação, saúde, etc. (políticas sociais básicas). Embora as notícias dêem conta do incremento da delinqüência juvenil, no caso de Recife comprovadamente se observa de julho de 1994 para cá uma redução da ordem de 32%. Além disso é ínfima se comparada com a de adultos.

Que medidas Va Excia. considera que a sociedade deveria priorizar a fim de prevenir a infração praticada por crianças e adolescentes?

Contraposição a todas as causa apontadas acima, com ênfase nas políticas sociais, reforma agrária, geração de emprego e renda, campanhas educativas e de apoio familiar.

Como Va Excia. percebe as tendências em relação ao ECA nos diferentes setores da sociedade brasileira? Há predomimância de alguma delas?

A "cultura" apontada no início leva em todas as camadas uma tendência de rejeição às Normas em vigor, atribuindo-lhes, falsamente a causa dos problemas "por ter dado muitos direitos aos menores" (sic). Nas camadas mais baixas chega a haver uma tolerância e até incentivo ao extermínio de adolescentes infratores.

Va Excia. considera que as medidas socioeducativas no ECA estão sendo adequadamente aplicadas? Quais os maiores obstáculos ao seu cumprimento?

Na média geral brasileira a resposta há que ser não. Para medidas socioeducativas em meio aberto. em termos de grandes cidades, fora Recife, com sua metodologia participativa, só há boas experiências em Porto Alegre, Curitiba, Belém. Em médio porte, Blumenau - SC e Santo Ângelo - RS. Em meio fechado, exemplar mesmo só Boa Vista - Roraima. Continua predominando a "cultura 8 ou 80" (ou simplesmente se adverte ou vai se internando). Na prática, não se julga o processo dos internados provisoriamente nos 45 dias previstos em lei, gerando entre os autores de atos infracionais a "cultura'' de que, qualquer que seja a medida praticada, eles receberão uma "pena de 45 dias". Até por sobrevivência, para serem respeitados nas unidades, tenderão a, nas próximas vezes, praticarem delitos cada vez mais graves. Falta vontade política para incentivar serviços de execução de medidas em meio aberto, comprovadamente mais baratos e eficazes. Falta conscientização de que os menores que continuam pelas ruas, sem vínculos familiares, fatalmente praticarão, mais dia menos dia, alguma infração. Se não forem atendidos no meio aberto, praticarão delitos graves e terão de ser internados. Se apenas ficarem "depositados" quando alcançarem a maioridade (se alcançarem) serão marginais contumazes, condenados a agredir ou serem agredidos pela sociedade.

Como se tem procedido em relação à reinserção social e familiar do adolescente, após a desinstitucionalização do mesmo?

Em Recife, dependendo da natureza e gravidade da infração, das condições sociais e da conduta na internação, tanto poderão ir para a semi-liberdade como para a liberdade assistida, em progressão de medidas. Basicamente a prioridade é reintegrar na família e na comunidade. São acompanhados por agentes comunitários. Os resultados são fabulosos.

Diante de várias críticas já efetuadas em relação ao atual modelo de atendimento ao adolescente infrator, que alternativas Va Excia. propõe como política mais eficaz?

Não precisa mudar nada nem na Constituição, nem no Estatuto. A listagem das medidas socioeducativas é adequada e suficiente, desde que aplicadas corretamente ao adolescente certo, na hora certa, por prazo compatível, segundo as especialidades de cada caso e executada com competência e profissionalismo. O modelo teórico descentralizado e participativo para atendimento do infrator é adequado. A prática é que é ruim. Precisa-se adequar o real ao paradigma teórico.

Qual é a experiência de Va Excia., enquanto Juiz da Comarca do Recife, em relação à aplicação de medidas socioeducativas inovadoras? Na opinião de Va Excia. em que essas medidas têm contribuído para evitar a reincidência de delitos de adolescentes ?

A rigor técnico, nada do que é feito em Recife é inovador, posto que tudo já é previsto em lei. O "novo" é o "olhar" para o mesmo texto legal e a mesma realidade social. A alternativa de Execução das Medidas de Prestação de Serviços à Comunidade e de Liberdade Assistida comunitariamente, sob a supervisão do Judiciário, minimiza custas, permite que o acompanhamento seja feito por alguém próximo do dia a dia do infrator, a rápida tomada de decisões para corrigir rumos; redução dos custos da internação e, principalmente, NÃO REINCIDÊNCIA em 90% dos casos em 4 anos e pouco de implantação. Existem adolescentes com mais de 70 processos. Ou nada ficava provado, ou recebiam medidas de advertência, ou se evadiam. Agora só 4,2% tornam a delinqüir. Outra constatação é a diminuição do extermínio de menores. Em contrapartida, nos meses de julho a setembro de 1997, quando o Fundo Municipal deixou de apoiar os orientadores com uma bolsa de R$ 80,00 por mês, muitos deixaram o programa, pois precisavam sobreviver e descobriram que além de trabalhar de graça, corriam risco de vida (principalmente quando acompanhavam adolescentes envolvidos com tráfico de drogas) e, ainda tinham que arcar com pequenas despesas (lanches e passagens de ônibus do adolescente acompanhado), gerando, além dos custos para treinar novos orientadores, um aumento considerável no período de reincidências (adolescentes continuam precisando de um acompanhamento mais próximo), e de extermínio de menores (seja pelo retomo à delinqüência, seja como "queima de arquivo," seja por se apresentar publicamente desprotegidos).

Qual é o procedimento processual que se estabelece na Vara, desde que o adolescente chega até a sua saída (quem o recebe? para onde ele é encaminhado? em que prazos estas etapas são cumpridas?). Há modificações que Va Excia. esteja sugerindo ou adotando para agilizar esse processo?

O adolescente infrator é atendido no serviço "Justiça Sem Demora". Infrações leves são julgadas no mesmo dia. Infrações graves, em média, em 45 dias. Em Porto Alegre foi onde a idéia se originou (antes com o nome de "hora do guri", hoje denominada " Justiça Instantânea", sendo o atendimento dirigido apenas para infrações leves). Embora tudo possa ser aperfeiçoado, no caso concreto não há nenhuma proposta de inovação. Parece ser impossível reduzir prazos. Se existissem mais Juízes na Capital e se fosse instituído o "Comarcão" (todos os municipios da região metropolitana) seria viável usar o sistema nos finais de semana (apenas o Ministério Público faz plantões, até porque trata-se de um orgão"uno e indivisível", podendo atuar por qualquer dos seus membros, sem as restrições processuais da Jurisdição em razão da matéria e do lugar inerentes à Magistatura). As lnstalações físicas do serviço estão sendo melhoradas para unidade própria.

Entrevistado: Dr. Guaraci de Campos Vianna, Juiz da 2a Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (entrevista concedida em janeiro de 1999)

Entrevistadoras: Edinilsa Ramos de Souza e Kathie Njaine - Pesquisadoras do Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli.

A que se pode atribuir, atualmente, a entrada de crianças e adolescentes no mundo infracional? Va Excia. considera que está ocorrendo um aumento destas infrações?

A pergunta é muito interessante e complexa. A mídia em geral tem revelado que há um aumento efetivo da infração infanto-juvenil. Aqui no Município do Rio de Janeiro, segundo os dados estatísticos da 2ª V.I.J., em 1996 entraram 3.318 adolescentes infratores (média mensal de 277 adolescentes julgados); em 1997, 5.105 adolescentes (média mensal de 425 adolescentes julgados); em 1998 (de janeiro a outubro), 5.443 adolescentes (média mensal de 544 adolescentes julgados). Portanto, em dois anos, praticamente o número de adolescentes infratores que tiveram passagem (foram julgados por suas condutas) pela 2a V.l.J. praticamente dobrou. Quanto às causas, elas são múltiplas. Há o fator econômico, que impulsiona os jovens à prática de delitos contra o patrimônio e agora para o tráfico de drogas; há o vício em drogas lícitas e ilícitas, que estimula a prática infracional contra a pessoa (lesões corporais, rixas, etc.), além de outros tipos de ilícitos (roubar para comprar drogas, traficar para ter acesso às drogas, etc.) e há a criminalidade passional, a criminalidade violenta e a corrupção de menores de idade, que pode ter outras causas. Entretanto, o que mais nos desperta a atenção é a infração de crianças e adolescentes que conta com a complacência dos pais ou responsáveis, em todos os níveis e camadas sociais: desde os pais deixarem seus filhos dirigirem carros e motos sem habilitação, como permitirem o uso de drogas lícitas (cigarro, álcool) ou mesmo ilícitas - para menores de idade ambas são proibidas, obviamente, sem falar no dano incentivado ao patrimônio público ou particular (pichações, etc.). Talvez a solução para, pelo menos, diminuir a violência e o crime seja priorizar a família.

Que medidas Va Excia. considera que a sociedade deveria priorizar a fim de prevenir a infração praticada por crianças e adolescentes?

Além de resgatar os valores da família, como já dito, há que se confiar mais na Justiça, na aplicação da lei, abolindo-se a prática da justiça pelas próprias mãos. Devemos acreditar na recuperação dos adolescentes. Não só acredito como já tive exemplos ao longo da minha existência jurídica, de que isto é possível, viável e, mais do que isso, um objetivo fácil de ser alcançado. Entretanto, precisamos deixar de lado os eufemismos e as frases de efeito e sentar na nossa realidade. Sou a favor da recuperação, ou melhor, da liberdade. Mas liberdade não é o direito de se fazer o que se quer, liberdade é o direito de fazer tudo o que a lei permite e de não fazer o que a lei impede de ser feito. O juiz ao aplicar uma decisão, e acredito também que o Ministério Público ao opinar, têm em mente uma coisa: que o adolescente tem que ser tratado como ser humano. Contudo, tratar o adolescente como ser humano é também lembrar que ele não pode causar o mal ao outro ser humano e, sobretudo, não pode causar o mal a si próprio. Tenho estatísticas das mortes violentas em abril de 1998 que dizem que 23% dos adolescentes que foram assassinados cumpriam medidas socioeducativas. Então, é preciso que tenhamos noção também de que, às vezes, conter, impor limites, significa também preservar a vida daquele adolescente. Eu sempre conto para os adolescentes uma história muito curiosa. Em uma sociedade como um todo, temos vários grupos: temos o grupo dos professores; o grupo dos médicos; dos enfermeiros, o grupo dos juizes, enfim, vários grupos dentro da sociedade. Um desses grupos é o grupo do adolescente infrator, menor de 18 anos. No exato dia em que ele completa 18 anos, a grande maioria das pessoas coloca este adolescente à margem deste grupo social. Então ele passa a ser responsável pelos seus atos e fica à margem de tudo. Aos 18 anos ele tem que ir para a rua responder pelos seus atos; aos 18 anos acabou o processo socioeducativo, aos 18 anos, ele deixa de ser um adolescente infrator e passa a ser colocado à margem da sociedade, que o chama de marginal. A ele são negadas todas as oportunidades. Ele não pode servir ao exército; se é egresso do sistema não pode estudar num colégio regular; não pode trabalhar porque o emprego está difícil e a preferência é sempre para aquele que não foi do sistema; enfim, as oportunidades se fecham como que num passe de mágica. Nós precisamos mudar isso, temos que ter uma visão voltada para o amanhã e não para o hoje. Temos que fazer com que o adolescente egresso do sistema seja encarado como um ser humano, principalmente depois que ele deixar de ser adolescente. Precisamos encarar este fato, e só conseguiremos fazê-lo caindo na real, quando a sociedade perceber que alguma coisa de produtiva está sendo feita para os adolescentes, para eles deixarem de ser infratores. Nós precisamos mais do que recuperar o adolescente, precisamos mostrar à sociedade que ele está recuperado, ou então ele estará condenado a não ser ressocializado para o resto da vida. Ele não terá outra opção a não ser entrar na marginalidade. É preciso encarar o hoje com os olhos voltados para o amanhã. Será que quando esses adolescentes fizerem 18 anos eles terão o respeito que nós queremos dar a eles se não lhes impusermos limites hoje? Precisamos refletir sobre isso porque todo o processo socioeducativo se encerra no dia em que o adolescente faz 18 ou, no máximo 21 anos. Temos que pensar no que vamos fazer com o adolescente hoje para que ele se torne um homem amanhã. As pessoas costumam dizer muitas coisas sobre o Estatuto, que a geração do Estatuto está com 8 anos de idade. Daqui a 10 anos estará com 18, e então poderemos fazer uma avaliação. Porém, o que estamos fazendo com aqueles que estão nascendo hoje? O que fazemos para aqueles que vão fazer 18 anos amanhã?

Como Va Excia. percebe as tendências em relação ao ECA nos diferentes setores da sociedade brasileira? Há predominância de alguma delas?

Como me alonguei um pouco na resposta anterior, serei breve. Há, de fato, várias tendências, mas é preciso primeiro conhecer a tendência do ECA. Creio que a maioria das pessoas que critica o ECA não teve oportunidade de conhecê-lo por inteiro. A decantada tese de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei fora de nossa realidade está sucumbindo na medida em que as pessoas vão vendo que é possível implementá-lo na prática. É preciso dar ao ECA uma chance de dizer a que veio. Por isso a tendência predominante é aquela que sustenta ser acertado o caminho adotado pelo ECA, o qual precisa apenas de alguns ajustes, reforma de alguns artigos, que está sendo feita aos poucos. É preciso lembrar que o ECA está fincado na doutrina da proteção integral, que vem prevalecendo no mundo moderno, com apoio da ONU e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, restando superadas as antigas doutrinas do Direito Penal e da situação irregular. Portanto, a criança e o adolescente recebe a proteção legal independentemente de seu estado, sua condição social ou financeira, eles são sujeitos de direitos e deveres também.

Va Excia. considera que as medidas socioeducativas no ECA estão sendo adequadamente aplicadas? Quais os maiores obstáculos ao seu cumprimento?

Infelizmente não. Há medidas que nunca saíram do papel. Não há instituições adequadas para o tratamento do infrator drogadito, nem tampouco o doente mental ou fronteiriço. Ambos se misturam com os outros que não têm essa patologia. Além disso, é preciso mudar a lei e a mentalidade dos técnicos para ser obrigatório o tratamento ao viciado em drogas, independentemente de sua vontade, pois esta só aparece quando já se está num estágio elevado e às vezes irreversível do vício. Há obstáculos de diversas outras ordens: além de inexistirem instituições adequadas, há um número muito reduzido de vagas. A discussão está muito centrada na internação (medida extrema de privação de liberdade), onde são bastante conhecidos os problemas do Instituto Padre Severino, da Escola João Luiz Alves, etc. Mas não há alternativas à internação: não se tem instituições suficientes (CRIAM's) para a medida de semi-liberdade. A liberdade assistida é um engodo, não há sequer um dia de atividades pedagógicas. Há muitos problemas de ordem econômico-financeiro, mas há muitos problemas de administração e gerenciamento. Temos que administrar melhor. Eu gostaria que dessem ao Juiz, mas o Juiz só julga e manda executar. Quem executa é o Estado, o Poder Executivo. Se tivesse a condição de administrar internamente as unidades socioeducativas (como ocorre em alguns países, como EUA, Peru e Itália) eu teria algumas sugestões e algumas mudanças a fazer que talvez dessem resultados. Hoje das quatorze medidas socioeducativas, mais da metade não são executadas nem de maneira razoável.

Como se tem procedido em relação à reinserção social e familiar do adolescente, após a desinstitucionalização do mesmo?

Na verdade, pouco ou nada tem sido feito neste campo. O problema é grave e já tivemos oportunidade de nos referirmos à ele numa das respostas anteriores. Pensamos que a solução não está e nem pode estar no âmbito do Poder Judiciário, mas, timidamente, já estamos criando algumas alternativas no âmbito deste Juízo, através de alguns projetos desenvolvidos pelo BECA (Banco de Empregos, Cursos de Acompanhamentos), através do Encontro de Pais. O BECA tem como objetivo favorecer a entrada do adolescente no mercado de trabalho e/ou curso profissionalizante, como uma das etapas do processo de auto-valorização e de participação plena da cidadania. Foi elaborado dentro das especificações jurídico-trabalhistas, visando os direitos e deveres de proteção ao adolescente. Mantém convênios com SENAI, SENAC, SENAR, CEI, entre outros. O Encontro de Pais acontece obedecendo ao espírito do ECA, que prevê nos artigos 101 e 129, o encaminhamento dos pais a cursos ou programas de orientação. Enquanto os adolescentes cumprem as medidas socioeducativas, seus pais participam de palestras com especialistas sobre diversos temas - adolescência, sexualidade, substâncias entorpecentes, direitos e deveres de pais e filhos - e trocam experiências, falando de suas dificuldades e ouvindo outros pais que passam pela mesma situação. O que dita a escolha do palestrante não é somente seu conhecimento técnico, mas também sua capacidade de traduzí-lo em uma linguagem acessível, promovendo uma inter-relação grupal. Esses encontros são realizados às terças-feiras, das 14 às 16h, no auditório da 2a V.l.J.. O grupo tem como objetivos principais informar e orientar os responsáveis, despertando a reflexão sobre temas pertinentes ao seu cotidiano, visando minimizar as dificuldades em lidar com as situações apresentadas e com seus filhos. Também utilizamos a técnica de apoio, não só durante o horário do grupo, mas atendendo a esses pais em questões individuais, fazendo os devidos esclarecimentos e encaminhamentos. Os responsáveis têm colaborado bastante durante o processo grupal e a troca de vivências tem enriquecido os temas.

Diante de várias críticas já efetuadas em relação ao atual modelo de atendimento ao adolescente infrator, que alternativas Va Excia. propõe como política mais eficaz?

Na verdade, a política mais eficaz é o cumprimento da lei, o que até hoje não foi feito de forma integral. É o trabalho ordenado, conjunto e integralizado, pelo menos operacionalmente. No âmbito de criação de programas, é preciso saber primeiro qual a necessidade social, qual a demanda e os destinatários. A questão é que as pessoas centrais querem agir sozinhas e acabam realizando coisas, gastando dinheiro desnecessariamente. Veja, por exemplo, a idéia de se colocar as crianças de rua na escola. Ótima idéia, mas que escolas? Não há vagas, não há pessoal treinado. Não se sabe quantas são essas crianças. Outra é criar Instituições para infratores. Excelente idéia, mas que Instituições? Quais infratores? Se você age sem planejar, está planejando falhar...

Qual é a experiência de Va Excia., enquanto Juiz da Comarca do Rio de Janeiro, em relação à aplicação de medidas socioeducativas inovadoras? Na opinião de Va Exa em que essas medidas têm contribuído para evitar a reincidência de delitos de adolescentes ?

Na verdade não há medidas socioeducativas inovadoras. O que ocorre é o seguinte: como não se consegue implementar todas as medidas previstas em lei, quando algum Estado, algum Juiz ou alguma Instituição consegue por em prática uma medida que antes estava só no papel, ela passa a ser novidade. Há que se registrar aqui o esforço dos servidores desta 2a V.I.J. na aplicação integral do Estatuto da Criança e do Adolescente. A política socioeducativa, destinada aos adolescentes infratores, não pode ser confundida e nem basear-se nos mesmos princípios da política protetiva, aplicada às crianças e adolescentes que necessitam de uma medida específica de proteção e de certa forma, às crianças infratoras (arts. 101 e 105 da Lei 8069/9O). Entretanto, isso não quer dizer que se deva aplicar a todas as crianças e adolescentes, infratores ou não, o mesmo remédio. O esforço feito se destina a aplicar as medidas protetivas às crianças infratoras e socioeducativas aos adolescentes, o mais cedo possível, ou seja, a tempo de evitar a reiteração da prática infracional. Tal esforço é acompanhado, passo a passo, pela necessidade cada vez mais intensa de diversificação. Uma maior margem de opção de medidas é o nosso constante desafio, pois na maioria dos casos o sucesso só é obtido mediante uma sucessória reeducação individualizada. Destarte, para evitar que a medida socioeducativa seja ineficaz ou funcione como a compressão sobre bolas de borracha, que voltam imediatamente à sua esferidade, desde que cessada aquela, apesar da competência ou atribuição primária do poder executivo, a 2a V.I.J., através de convênios e parcerias diversas, tem procurado propiciar aos destinatários das medidas, diversos meios para a sócio-educação ou ressocialização. Destacamos nesta oportunidade os cursos que estão sendo promovidos pelo BECA destinados a, em três etapas (socialização, profissionalização e colocação no mercado de trabalho) fazer com que o adolescente se afaste do meio que o levou a prática infracional. Também se menciona o curso de pais, referido nesta edição e as sucessivas palestras realizadas por diversos setores deste Juízo (VIP, Fiscalização, etc.) nas instituições onde são executadas medidas socioeducativas, a implementação de diversas medidas que se confundem com as chamadas penas alternativas (prestação de serviços à comunidade) e a intensificação de convênios, inclusive para inserção de adolescente em práticas esportivas e programas de família, dão sinais de que medidas extremas (internação e semi-liberdade) não são as únicas aplicadas pela 2aV.I.J., aliás, elas são as que registram o menor percentual de incidência, se comparadas no conjunto com as demais. Assim é que, se não há sinais evidentes da "pedra dura cavada", revelando uma mudança radical no sistema socioeducativo, não se tem como negar o resultado parcial obtido pelo esforço de cada gota, de cada funcionário e de parcela da sociedade e do Estado, que têm se mostrado sensíveis à questão social diversificada, que envolve a prática de atos infracionais e a execução das medidas legais previstas. A continuar assim, em franco processo de evolução e se dando uma chance para o aperfeiçoamento da atuação da 2a V.I.J. neste campo, com certeza, em breve espaço de tempo será possível notar, a olhos vistos, o acerto do dito popular "água mole em pedra dura ..."

Qual é o procedimento processual que se estabelece na Vara, desde que o adolescente chega até a sua saída (quem o recebe? para onde ele é encaminhado? em que prazos estas etapas são cumpridas?). Há modificações que Va Excia. esteja sugerindo ou adotando para agilizar esse processo?

O procedimento processual para apuração do ato infracional atribuído ao adolescente, pensamos, é unificado e universalizado pela Lei 8069/90 (ECA). Assim, em todos os Juizados deste País, em todas as unidades da Federação (Estados), há que se observar o rito estabelecido a partir do art. 172 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, o adolescente é apreendido em flagrante, encaminhado para a Repartição Policial especializada para crianças e adolescentes (se houver - aqui no Rio de Janeiro temos a D.P.C.A, não havendo, para Delegacia Policial comum), onde após a lavratura do Auto de Apreensão em Flagrante ou Boletim de Ocorrência, se analisará a situação pessoal do infrator. A autoridade policial pode entregá-lo aos pais ou responsável ou mantê-lo apreendido. Após, será apresentado ao representante do Ministério Público (pela autoridade policial ou pelos pais ou responsável, dependendo do caso), que, após ouví-lo, poderá solicitar ao Juiz o arquivamento do caso, conceder a remissão, que é uma espécie de transação (que será homologada pelo Juiz) ou oferecer uma Representação, instaurando o processo judicial contra o infrator. Recebida pelo Juiz a Representação, será designada uma audiência de apresentação, onde o adolescente e seus pais serão inquiridos. Depois, se necessário, será designada outra audiência (em continuação), onde serão ouvidas as testemunhas do Ministério Público e da Defesa e prolatada sentença, aplicando ou não uma medida socioeducativa. A 2a Vara da Infância e da Juventude, buscando acelerar os julgamentos dos adolescentes envolvidos na prática de atos infracionais, coordena o plantão interinstitucional, integrado pelo Ministério Público, Defensoria Pública, Secretaria de Estado e de Justiça e Interior (através do DEGASE) e Secretaria de Estado de Segurança Pública (através da D.P.C.A.), o que possibilita a popularmente conhecida JUSTICA SEM DEMORA. A iniciativa permite o julgamento quase imediato de, em média, 70 adolescentes por semana, pois na maioria dos casos, já há sentença na primeira audiência (audiência de apresentação), que é realizada após o oferecimento da representação ou da promoção de arquivamento ou remissão. Registre-se por relevante, que são realizadas no total, aproximadamente 150 julgamentos por semana na 2a V.I.J., incluindo-se os casos que escapam da incidência do Plantão Interinstitucional. É conveniente ressaltar que o Cartório, após a separação dos casos onde há execução de medidas - a cargo do DEMESE - ainda mantém o expressivo contingente de aproximadamente seis mil processos em andamento, devendo ser registrado, também, que existem três mil mandados de busca e apreensão de adolescentes expedidos em decorrência de descumprimento de medidas socioeducativas. A média mensal de entrada de adolescente, portanto, de tombamento de processo, que era de pouco mais de 270 em 1996, passou para 460 em 1997 e em 1998, já está em 520. Daí a importância do esforço da 2a V.I.J. no sentido de ampliar e aprimorar suas atividades, não só para reduzir os exorbitantes números, mas também para realizar eficientes trabalhos em prol da ressocialização das crianças e adolescentes infratores.

Agradecemos a gentileza dos Juízes Dr. Luiz Carlos Figueiredo e do Dr. Guaraci de Campos Vianna que prontamente aceitaram o convite para participarem destas entrevistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    1999
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