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RESENHAS REVIEWS

Seqüenciaram o genoma humano... E agora? Lygia da Veiga Pereira. São Paulo: Editora Moderna, SP, 2001, 111pp. (Coleção Polêmica).

Ana Luzia Lauria Filgueiras

Laboratório de Zoonoses Bacterianas.

Instituto Oswaldo Cruz. Fundação Oswaldo Cruz

analu@ioc.fiocruz.br

A principal preocupação da autora do livro consiste em traduzir, de uma maneira simples, o "cientifiquês" para o português, dando oportunidade para que o leitor, independente de sua formação cultural, possa, de fato, compreender, acompanhar e participar desta nova revolução na história da humanidade – "a revolução genética", com o seqüenciamento do genoma humano e suas repercussões.

O livro foi dividido em três partes: Conhecimento (capítulos 1 e 2), Poder (capítulos 3 e 4) e Responsabilidade (capítulo 5), trilogia sempre presente na nossa história a cada aquisição de novos conhecimentos.

No capítulo 1, Lygia nos fornece a base teórica necessária ao entendimento do que é o genoma humano, definindo, através de comparações com o nosso dia-a-dia, os conceitos de genes, alelos, mutações, DNA, cromossomas, proteínas, e como tudo isso funciona em nossas células. A autora explica de forma didática o que vem a ser hereditariedade, a diversidade genética e a influência do meio ambiente no desenvolvimento ou não de inúmeras características genéticas.

No capítulo 2, o famoso Projeto Genoma Humano tem seus objetivos, estratégias e resultados explanados, através de exemplos simples, levando o leitor a compreender o genoma humano, suas particularidades e a importância de ser determinada a função dos genes. Ainda neste capítulo, com bastante perspicácia, a autora busca nos esclarecer os diferentes experimentos laboratoriais e nos situa em relação ao Projeto Genoma Humano no Brasil.

O capítulo 3 nos mostra o impacto do conhecimento do genoma nas doenças genéticas: ficção ou realidade? E ainda, como utilizar os novos conhecimentos do genoma humano para melhorar a qualidade de vida de todos nós? Diferentemente de outros estudiosos que escrevem assuntos científicos, Lygia mantém durante toda a narrativa uma linguagem clara, recheada de explicações e exemplos de fácil entendimento.

No capítulo 4, o leitor é induzido a pensar sobre as doenças multifatoriais (aquelas causadas por mutações de vários genes), na medicina genética preventiva e sobre o câncer, além de poder diferenciar uma doença genética de uma hereditária. Sempre de um modo bastante didático, é analisado o impacto do conhecimento do genoma na vida de todos nós.

Na parte final do livro, a autora busca polemizar o fato de "um novo conhecimento científico nos dar novos poderes" que, quando utilizados de forma responsável, normalmente servem "para o bem". Caso contrário, se utilizados sem serem ponderadas suas conseqüências, podem acabar causando o "mal". Assim, Lygia enfatiza que devemos usar com responsabilidade os novos poderes adquiridos com o conhecimento do genoma humano. Sendo fundamental habilitar toda a população para que ela possa participar dos debates envolvendo as mais variadas questões que estão surgindo com o conhecimento de nossos genes.

Como se vê, o livro nos esclarece o que é o genoma humano; o que é o Projeto Genoma Humano; qual será o impacto dessas novas descobertas para a humanidade; quais serão os avanços científicos e quais serão os perigos éticos/sociais do uso desse novo conhecimento.

É provável que o leitor, após ler este livro, se interesse e seja capaz de compreender as notícias da mídia que divulgam as descobertas da genética humana e o impacto que essas descobertas terão em sua vida.

Genetics and public health in the 21st century. Muin J. Khoury Wylie Bruke e Elizabeth J. Thompson (eds.) Oxford University Press, Nova York, 2000, 639 pp.

Maria Cecília de Souza Minayo

Editora científica da Revista Ciência e Saúde Coletiva

revscol@netra.castelo.fiocruz.br

As novas descobertas no campo da biologia e mormente na área da genética são, hoje, objeto de polêmicas acirradas tanto no mundo da vida quanto em várias áreas do conhecimento. A maioria dos problemas políticos, éticos e de aplicação envolvidos diz respeito a mudanças e intervenções nos processos vitais em geral, a dificuldades de previsão das conseqüências dessas intervenções para o conjunto dos seres vivos atingidos por elas; e ao acesso social referente a potenciais benefícios das novas descobertas.

Este livro vem cumprir a importante função de aprofundar algumas questões colocadas acima, apresentando estudos sobre as relações entre o avanço no campo da biologia, sobretudo da genética e sua aplicação prática na área da saúde pública. É interessante observar que seu objetivo coincide com a proposta deste número temático de Ciência & Saúde Coletiva, fazendo crer que a discussão nele contida e que compõe este volume da revista se tornará recorrente neste início de século.

Não é sem sentido o fato de o livro nomear no seu título o século 21, como o novo tempo de mudança de pauta na discussão que envolve todos os atores da área da saúde. Esta obra tem a pretensão de contribuir para isso compilando informações e investigações destinadas a estudantes, pesquisadores e profissionais dos serviços das mais diferentes áreas que compõem o amplo campo da saúde. Na medida que a nova biologia impacta a teoria e a prática do setor, as transformações precisam ser levadas em conta por epidemiologistas, bioestatísticos, clínicos, políticos e gestores, pesquisadores em serviços, em ciências humanas, em direito sanitário, em bioética, em economia da saúde e nos vários segmentos das ciências biomédicas.

O livro apresenta uma orientação bastante didática, dividindo-se em seis partes. Na primeira são analisados os parâmetros de aproximação das duas áreas: uma visão geral das possibilidades de integração entre genética e saúde pública e sugestões de caminhos para que isso ocorra a favor da sociedade; uma visão histórica das relações entre ambas e as perspectivas e oportunidades profícuas dessa relação; as potencialidades de desenvolvimento do projeto genoma na prevenção de enfermidades; as demandas por políticas públicas que favoreçam incorporação das descobertas da genética no campo da saúde pública; e, por fim, os desafios da multidisciplinaridade necessária à integração das áreas e no campo de formação profissional.

Na segunda parte, o livro traz uma contribuição específica sobre a avaliação de problemas de saúde. Os textos partem de uma definição de um ramo do conhecimento em pleno desenvolvimento, a epidemiologia molecular, conceituada como a ciência que focaliza a contribuição do potencial genético e os fatores de risco ambientais, identificados nos níveis bioquímicos e moleculares para a etiologia, a distribuição e a prevenção de doenças nas populações. Os textos enfatizam a aplicabilidade dessa ciência para diagnóstico, vigilância e prevenção de defeitos congênitos, de doenças genéticas, como por exemplo, a hemofilia. Analisam a predisposição ao câncer; a susceptibilidade a doenças infecciosas, como tuberculosos, malária e HIV. E, por fim, há um artigo específico em que os autores tratam do uso da informação genética voltada para a segurança no trabalho em saúde, seja no que se refere aos cuidados necessários na atenção aos enfermos seja em pesquisa, abordando o monitoramento biológico, o uso de marcadores de exposição e regulações de boas práticas.

Na terceira parte, dois textos tratam respectivamente da avaliação de qualidade dos testes genéticos, discutindo várias estratégias para garantir segurança e efetividade dos procedimentos: os autores se referem à qualidade dos laboratórios, à qualidade das práticas profissionais, à necessidade de promover a competência na formação que é dada aos estudantes e na educação continuada dos profissionais. É ressaltada também, a importância dos controles interno e externo dos processos de investigação e de ações, de forma que sejam garantidos por avaliações permanentes.

A quarta parte do livro aborda especificamente práticas de desenvolvimento, implementação e avaliação de intervenções genéticas em populações: nos Estados Unidos, na Holanda e em vários países em desenvolvimento. Os textos se referem à efetividade de processos preventivos baseados em informações genéticas tanto do ponto de vista clínico como de saúde pública, e a maioria focaliza screening de recém-nascidos (relativamente a fenilcetonúria, a fibrose cística), e a possibilidade de prevenção de outras enfermidades que aparecem freqüentemente em adultos como hemocromatose e aterosclerose.

Na quinta parte da obra, os autores se debruçam sobre questões de bioética, de legislação e relativas aos processos sociais. Nesse capítulo são a responsabilidade social e a responsabilização dos investigadores, profissionais dos serviços e dos gestores públicos, que entram em pauta. Os autores discutem a importância dos avanços e as dificuldades de responder adequadamente à infinidade de questões que a nova biologia levanta. Grande ênfase é dada aos gaps existentes em relação às informações suficientemente esclarecedoras, aos testes de confiabilidade dos processos, aos manuais de boas práticas, aos consentimentos informados relativos a determinados procedimentos, à privacidade de dados, às condições de possibilidades de acesso e aos riscos sociais reais e potenciais.

O sexto e último capítulo aprofunda especificamente os processos mediadores da educação e da comunicação, focalizando as contribuições das descobertas genéticas para o bem-estar dos indivíduos; seus direitos de livre escolha e proteção no caso do uso de qualquer tecnologia genética; e a busca de estratégias que não aumentem os estigmas sociais dos portadores de enfermidades passíveis de intervenção genética. No caso da educação, os autores diferenciam as necessidades de informações básicas para estudantes e profissionais da saúde pública, da sofisticação necessária aos geneticistas. Mas chamam a atenção para a importância de incorporar o que denominam "educação genética" ao currículo das escolas de saúde pública. O livro termina com uma ampla reflexão sobre os "consumidores" das pesquisas e dos testes genéticos, sempre alertando para as possibilidades do mau uso, por parte dos profissionais, das informações genéticas que recolhem, o que leva a ressaltar a importância das políticas voltadas para a regulação das práticas.

Para finalizar, eu diria que Genetic and public health é um livro de fundamentos e por isso é essencial. Certamente tem as limitações do processo social, científico e cultural no qual é lançado, e no qual, inclusive, muitas questões levantadas serão brevemente respondidas seja internamente pela biologia seja pela própria sociedade, cada vez mais atenta aos benefícios e aos riscos que o avanço técnico-científico pode trazer. Mas certamente, quem leu La Santé Parfaite, de Lucien Sfez, livro lançado na metade dos anos 90 e que apresenta uma visão meio apocalíptica sobre os avanços da genética, constata que muita coisa já caminhou. De um lado, vejo nesta obra uma desmitificação de que a genética viria substituir a saúde pública e, em conseqüência, as intervenções políticas que criam as condições para que a população seja saudável: mito que também alimentou a chamada revolução bacteriana. De outro, é possível compartilhar, com os autores, a crença nas imensas possibilidades de incorporação dos avanços da biologia na ampla área da saúde, a favor da qualidade de vida, na medida que as descobertas forem apropriadas devidamente e com responsabilidade na formação dos profissionais do setor, nas discussões e regulações exigidas pela sociedade. Espero, sobretudo, que uma gestão pública responsável construída no debate sobre os diferentes interesses possa defender os consumidores, os cidadãos e todos nós, pobres mortais, da voracidade das empresas que se propõem a fazer da vida um objeto de lucros e valorização negociada em bolsas de valores. Este livro evidencia que há muito mais questões a serem compreendidas e discutidas que simplesmente a expressão do pavor irracional diante dos avanços do conhecimento genético e que o encantamento ingênuo com os poderes da tecnociência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2002
  • Data do Fascículo
    2002
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