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DEBATEDORES DISCUSSANTS

Previne-se o suicídio cuidando e amparando a vida na velhice

Preventing suicide by caring for and sustaining life in old age

No estudo do suicídio de pessoas idosas chamou-nos atenção, de forma contundente, o fato de que o tempo de vida, representado na ampulheta do tempo com sua areia escorrendo seja um marcador altamente complexo. A possibilidade de virar ou não a ampulheta, preenchendo-a ou esvaziando-a, renovando a vida ou antecipando a morte aponta para o que a gerontóloga Ligia Py e o filósofo Jose Francisco Oliveira chamaram em seu texto de dor, sofrimento, solidão, desespero e estado de desamparo. Estes dois debatedores, a partir de um enfoque fenomenológico e existencialista sublinharam as vivências de perda que fragilizam os recursos internos, com tensões que deixam a pessoa idosa mais vulnerável, a ponto de se perceber num fundo de um poço, sem caminho de volta. A esse respeito, devemos destacar que o problema existencial decorre de um acúmulo progressivo ou incisivo de fatores estressores que ao longo do tempo foram ameaçando gravemente o equilíbrio interno e social de algumas pessoas e que exigiram delas muito esforço e empenho no sentido de superar e vencer os obstáculos impostos pela vida. Nesse sentido, eles funcionaram como fatores de alto risco.

Do decorrer da existência, no entanto, algumas dessas pessoas continuaram percebendo que a vida passou a desafiá-las (orgânica, psíquica, social e economicamente) de modo ainda mais cruel ou devastador e, paradoxalmente, se sentiam mais frágeis e vulneráveis para se recompor ou reencontrar dentro de si ânimo e força que outrora tiveram frente às dificuldades. Assim, nas tempestades da vida, muitas intensas e sem dar trégua, há quem com o avançar da idade se perceba muito frágil, com pouca tolerância à dor ou ao sofrimento, cansado e exaurido, tenha ou não apoio familiar ou de amigos, e acaba optando por interromper a própria existência. Ora, o impacto cumulativo de fatores estressores (tais como doenças, deficiências, crises pessoais, sociais ou econômicas), foi observado por nós em muitos casos de suicídio, produzindo uma falência no sistema de defesa interior, levando-nos a concluir que uma prevenção eficaz do suicídio deve identificar o sofrimento da pessoa idosa bem antes de ele assumir proporções avassaladoras.

A pessoa idosa precisa ser vista, compreendida e assistida de modo global, com o reconhecimento de suas inúmeras necessidades e o entendimento de que ela poderá viver uma queda progressiva de suas funções corporais, cognitivas, e socioeconômicas, a qual pode estar associada a uma ou mais doenças, a limites físicos, sensoriais, mentais ou a perdas de poder e de influência no âmbito familiar e sociocultural. Tais mudanças que geralmente acabam por aumentar a dependência do idoso e por diminuir sua autonomia podem provocar uma adaptação bem sucedida.

A pessoa que cultivou um mundo interior enriquecido pelas reflexões da vida tende a ter uma vivência exitosa da última etapa do ciclo existencial, sobretudo se possui uma família e um grupo social próximo que lhe traga continência e amparo. Nesse sentido, concordamos com Marília Berzins e Helena Watanabe quando dizem que o suicídio é um ato que pertence à vida, na medida em que ele problematiza a relação da pessoa que se mata com a sociedade. Como um gesto deliberado, tido como "não natural" e nem "esperado", o suicídio - dizem essas debatedoras - opera como uma forma de comunicação, na medida em que torna público o desespero que antes era anônimo e invisível. Enfaticamente, essas autoras acrescentam: "a pessoa idosa que se suicida quebra a dinâmica do silêncio sobre seus sofrimentos e invade o espaço público".

Como vimos no artigo debate, o gesto final é eloquente, choca e produz reflexões na família e na sociedade. Entretanto, muitas vezes a ideação suicida costuma ser comunicada e antecipada, comentada ou anunciada em frases soltas, dispersas ou contundentes. Porém, apesar dos avisos de intenção de morrer, essas falas muitas vezes não são interpretadas como pedido de ajuda, por familiares, amigos ou profissionais e tendem a ser desqualificadas ou ignoradas. Deve-se, portanto, considerar que o idoso, especialmente o homem, quando decide pela morte, pode ser rápido na execução do plano e incisivo na escolha de um meio letal. Por isso, há urgência em se identificar os sinais e riscos de suicídio e se propor medidas preventivas ao cuidado e à preservação da vida.

Por fim, encontramos pontos de convergência com o pensamento de Blanca Werlang, que também tem contribuído para qualificar e difundir a estratégia da autópsia psicológica para o estudo do suicídio em nosso país. Esta autora assinala as dificuldades que se encontram para se predizer que indivíduos são potencialmente suicidas e para se antecipar o gesto daqueles que partirão para o ato autodestrutivo. Essa dificuldade reside no fato inconteste de que, em última instância, a morte autoinfligida constitui um ato humano e de deliberação do sujeito.

Apesar do reconhecimento das dificuldades preditivas, a análise dos 51 casos aqui apresentada aponta a existência de sinais inequívocos de que os idosos planejavam tirar a própria vida. Por isso, a maioria dos autores que estudam o fenômeno é unânime em dizer que é possível prevenir o ato final, pois já são suficientemente reconhecidos os principais fatores de risco. Portanto, cabe aos familiares, aos profissionais e aos gestores da saúde e de assistência social desenvolver meios e recursos para minimizar o sofrimento de pessoas idosas, divulgar os fatores de risco e os protetores e desenvolver estratégias para se enfrentar as dificuldades, as patologias e os limites do envelhecimento. Fortalecer as defesas psíquicas, os elos sociais e ter programas de atenção ampliada e específica são ações fundamentais para que os idosos tenham um final de vida saudável e socialmente digno.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2012
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