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Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: da academia para a sociedade

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: da academia para a sociedade

Pedro Curi Hallal

Universidade Federal de Pelotas. prchallal@gmail.com

O artigo de Malta e colaboradores1 descreve os principais resultados da primeira Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). O simples fato de possibilitar uma análise da prevalência de diversos indicadores de saúde para uma amostra representativa de escolares de todas as capitais brasileiras já transforma a PeNSE numa iniciativa histórica. No entanto, a perspectiva de a PeNSE ser repetida a cada dois anos, transformando-se em um sistema de vigilância, aumenta ainda mais a sua importância.

A parceria entre o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) merece os parabéns pela iniciativa e pelo sucesso alcançado. Nesse texto, porém, procura-se destacar o fato de que tanto o inquérito quanto o sistema de vigilância são apenas um passo, existindo ainda um longo caminho a ser trilhado. Ênfase especial é dada à necessidade de que o conhecimento científico produzido supere os muros acadêmicos e chegue à sociedade, por meio de informações em linguagem adaptada à realidade cultural do povo brasileiro, mas preferencialmente por meio de políticas públicas de promoção da saúde, especialmente na escola.

A divulgação dos resultados da PeNSE deve ser planejada estrategicamente. Nesse sentido, a publicação desse suplemento possibilita à comunidade científica ter acesso aos resultados do primeiro inquérito. No entanto, outras formas de divulgação são igualmente prioritárias. Os resultados da PeNSE devem chegar a todas as escolas brasileiras, numa linguagem simples, adaptada à realidade do público-alvo. A criação de folhetos educativos deve ter a mesma prioridade dada a esse suplemento; é fundamental que o Ministério da Saúde, por meio de sua equipe técnica e seus consultores, prepare materiais de qualidade para serem divulgados na mídia e entregues à população. Professores, pais e alunos devem ter acesso aos resultados da pesquisa e, principalmente, ao que pode ser feito para se lidar com os problemas detectados.

Mais importante do que a divulgação dos resultados, no entanto, é a necessidade da criação de políticas públicas que priorizem os principais problemas detectados pela PeNSE. Menos da metade dos adolescentes estudados realiza uma hora por dia de atividade física. Um quarto deles admitiu já ter experimentado cigarro, o que sugere que o real percentual deva ser ainda maior2. Mais de 70% já experimentaram álcool, sendo que 27% consomem álcool atualmente. Além disso, 8,7% admitiram ter usado drogas ilícitas, o que novamente sugere que o percentual real seja ainda maior. As prevalências elevadas de consumo de refrigerantes e guloseimas também estão longe do ideal. Enfim, enfrentar esses problemas de saúde pública é uma prioridade urgente.

Para isso, a promoção da saúde precisa urgentemente ser repensada. A abordagem de fatores de risco, prevenção de doenças e responsabilização individual pelas escolhas comportamentais tem se mostrado inócua para realmente promover a saúde da população. O despejo de informações sobre os malefícios do tabagismo, obesidade e sedentarismo não tem sido suficiente para modificar o comportamento no âmbito populacional. Em adolescentes, tal excesso de informações pode até ter efeito contrário, visto que a rebeldia típica da fase pode estimular a opção pelo que é considerado "errado".

Felizmente, há muito a ser feito para auxiliar na solução desses problemas. Programas de promoção da saúde no ambiente escolar já mostraram que é possível mudar o quadro detectado3,4. A escola não pode continuar se dando o luxo de ignorar o tema saúde; a educação física escolar deve ser promovida e valorizada. Para isso, os profissionais da área precisam assumir seu papel como únicos profissionais da área da saúde presentes na escola rotineiramente. A promoção da saúde na escola deve ser feita de maneira conjunta; estimular a atividade física sem estimular a alimentação saudável, por exemplo, é um desperdício de tempo e recursos. É fundamental que a promoção da saúde na escola leve em consideração também os macrodeterminantes do processo saúde-doença (aspectos políticos, condição socioeconômica, ambiente, relações familiares etc.) e não apenas os determinantes proximais do comportamento individual. Por fim, deve-se lembrar que promover saúde é muito mais do que prevenir doença.

  • 1. Malta DC, Sardinha LM, Mendes I, Barreto S, Giatti L, Rugani I, Moura L, Dias AJR, Crespo C. Vigilância de fatores de risco e proteção de doenças crônicas e não transmissíveis em adolescentes no Brasil, 2009. Cien Saude Colet 2010; 15(Supl.2):3009-3019.
  • 2. Malcon MC, Menezes AM, Assunção MC, Neutzling MB, Hallal PC. Agreement between self-reported smoking and cotinine concentration in adolescents: a validation study in Brazil. J Adolesc Health 2008; 43(3):226-230.
  • 3. Hoehner CM, Soares J, Parra Perez D, Ribeiro IC, Joshu CE, Pratt M, Legetic BD, Malta DC, Matsudo VR, Ramos LR, Simões EJ, Brownson RC. Physical activity interventions in Latin America: a systematic review. Am J Prev Med 2008; 34(3):224-233.
  • 4. Barros MV, Nahas MV, Hallal PC, Farias Júnior JC, Florindo AA, Honda de Barros SS. Effectiveness of a school-based intervention on physical activity for high school students in Brazil: the Saude na Boa Project. J Phys Act Health 2009; 6(2):163-169.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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