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Violência e estilos de masculinidade: violência, cultura e poder

RESENHAS REVIEWS

Elaine Ferreira do Nascimento

IFF/Fiocruz

Violência e estilos de masculinidade. Violência, Cultura e Poder. Fátima Regina Cecchetto. Editora FGV, Rio de Janeiro, 2004, 245p.

Fátima Regina Cecchetto é mestre em ciências sociais pela Uerj e doutora em saúde coletiva pelo IMS. Seu livro, originalmente uma tese de doutorado pela Uerj, busca compreender, no contexto das masculinidades juvenis e de jovens adultos vigentes, a questão da produção das violências como forma de sociabilidade em espaços de lazer de um determinado segmento da população carioca.

O universo da pesquisa é constituído por galeras funk, gangues de lutadores de jiu-jítsu e freqüentadores de bailes charme. O estudo se debruça sobre a violência nos espaços de lazer de jovens e jovens adultos moradores de favelas, subúrbios e bairros da Zona Sul. Este se constitui em uma comparação entre as práticas no lazer dos bailes funk e charme e no contexto esportivo do jiu-jítsu.

A autora recusa estereótipos que associam diretamente violência, masculinidade e pobreza ou o paradigma da sociobiologia, que não dá conta de explicar as múltiplas questões e manifestações da violência e das masculinidades. Para tal, a organização do livro se divide em sete capítulos, que buscam dar contorno aos diversos significados e pluralidades dos estilos sobre masculinidades contemporâneas

No capítulo 1 a autora apresenta uma revisão da literatura acerca dos estudos sobre a masculinidade numa perspectiva norte-americana a partir de men's studies, ancorada, no entanto, nos estudos de gênero do Brasil como campo disciplinar e eixo estruturador. Este capítulo faz um balanço da produção sobre masculinidades que inicia na década de 1970, tendo uma considerável ampliação nos anos 80; aborda a questão do papel masculino socialmente construído, a crise da masculinidade como reflexo das transformações socioeconômicas e geopolíticas globais, passando pelo novo modelo de masculinidades, aqui com forte influência da psicanálise, sociologia e antropologia; a discussão das masculinidades hegemônicas e subordinadas com recorte étnico/raça e de classe. E por fim a necessidade de produção de outras palavras sobre gênero/masculinidades.

No capítulo 2 a autora trata da questão do corpo, vinculado à temática da identidade, da sociabilidade, da violência e das relações entre os sexos (p. 73), ou seja, do processo de construção social das masculinidades. Para tal argumento, Fátima Cecchetto discutirá as formas de competição masculina, músculo como atributo de culto pelo masculino, violência associada à virilidade e o culto ao corpo, a hipervalorização deste como veículo de status e de poder, mas que também revela símbolos e significados de pertencimento, estilos e de afirmação.

No capítulo 3, a autora problematiza a emoção, o esporte e o lazer, articulando-os com a violência. Como os sujeitos de sua pesquisa se aproximam ou interagem ou mesmo se distanciam desse fenômeno, ou seja, como se dá a teoria do processo civilizador que focaliza o controle e o descontrole das emoções nessas configurações. A autora articulou com a perspectiva da abordagem antropológica das emoções como uma "prática social discursiva".

Os capítulos 4 e 5 apresentam o cotidiano do universo dos bailes funk e as academias de jiu-jítsu como lazer, esporte e estilo de vida, no qual há um processo de sociabilidade e práticas que são produzidas, reproduzidas e reiteradas nesses espaços de lazer e da busca voluntária pelo risco. Ambos apresentam um contexto de violência. O uso de drogas para fins específicos nos dois grupos: em relação aos freqüentadores de bailes funk para estimular e potencializar o etos da disposição guerreira, do forte, do poderoso, do que pode tudo; em relação aos lutadores de jiu-jítsu o uso de drogas associado ao exercício físico pesado para modelar o corpo, criar músculos e também para torná-los fortes, poderosos, invencíveis, ou seja, igualmente para estimular e potencializar o etos da disposição guerreira. Aqui também há um diálogo com as teorias antropológicas e sociológicas contemporâneas.

O capítulo 6 se constitui em uma apresentação metodológica de aproximação com o campo, aqui das academias de lutadores de jiu-jítsu, revelando o conflituoso e árduo processo sofrido pela autora em se apropriar deste campo para coletar os dados, as dificuldades/obstáculos, os preconceitos de gênero, a necessidade das aulas quase que obrigatórias para se aproximar de uma condição de "nativa". Além de problematizar este espaço como produtor de símbolos e significados de pertencimento, códigos de honra e estilos sobre masculinidades.

O capítulo 7 revela o cotidiano dos bailes charme, que, como a autora intitula "elegância, criatividade e suavidade", valoriza um estilo de moda; o vestuário é de elegância e lembra um pouco uma parte do passado brasileiro, pois existe uma tradição de se vestir quase que na modalidade esporte fino, ou seja, negro, bonito e cheiroso, que dança devagarzinho, utiliza o salão para dançar e conquistar mulheres, sem qualquer relação com a violência explícita. Aqui o comportamento pacífico revela outras possibilidades de construção da identidade masculina.

Este livro, como a própria Cecchetto salienta, é uma contribuição valiosa à discussão sobre o fenômeno da violência carioca, além da pluralidade das identidades masculinas, ao mesmo tempo em que vai problematizando e expondo singularidades, diferenças e especificidades que a violência, ou o seu discurso, apresenta nas experiências de três grupos sociais: das galeras de jovens negros dos bailes funk em várias partes da cidade; das gangues de brancos e não brancos de lutadores de jiu-jítsu da zona sul; e dos grupos charmeiros de jovens negros dos subúrbios. Seus signos, símbolos e práticas constituem e diversificam os territórios da cidade pelos quais circulam e tentam ou conseguem controlar. E ao pesquisar estes três segmentos, algumas questões podem ser pensadas; não há correlação direta entre violência, masculinidade, etnia/raça e pobreza.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2005
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