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Debate sobre o artigo de Regina Cele de A. Bodstein

Debate on the paper by Regina Cele de A. Bodstein

DEBATE DEBATE

Everardo Duarte Nunes

Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas,

Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

Debate sobre o artigo de Regina Cele de A. Bodstein Debate on the paper by Regina Cele de A. Bodstein

A leitura deste artigo coloca-nos frente a algumas questões que se tornaram chaves para se avaliar a trajetória do homem e de sua condição neste final de século. Busca-se compreender o ser e ser moderno na dimensão do espaço (público ou privado?) e na dimensão de sua realização – o processo que o individualiza ao se projetar como cidadão.

Acredito que o texto de Regina Bodstein consiga, com rara felicidade, dar conta de uma complexa problemática. Ele traz ao leitor um conjunto de idéias que, estando centralizadas nos pontos acima assinalados, não se esgotam em si mesmas, mas fornecem elementos para se repensar a sociedade e a forma de analisá-la.

De forma correta, a meu ver, e como os clássicos da sociologia já haviam assumido, a autora toma como balizamento de sua explanação que as tentativas de compreender as situações sociais derivam daquele momento especial quando elas afloram como questão social – expressão de uma dupla revolução: a industrial e a francesa. Como é assinalado no texto, somente no final do século XVIII é que a questão social será colocada no centro do debate político, quando aos direitos assegurados irá se contrapor uma sociedade "dilacerada pelo espetáculo da miséria e da degradação social". Não se trata de recuperar a história desse período, digamos, a partir da Revolução Francesa (1789), e, sim, como tão bem sintetizado por Hobsbawm, quando nos lembra que "as palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos" e cita que algumas delas foram inventadas ou ganharam seus significados modernos de 1789 a 1848. Realmente, são palavras como 'indústria', 'industrial', 'fábrica', 'classe média', 'classe trabalhadora', 'capitalismo', 'socialismo', 'nacionalidade', 'cientista', 'jornalismo', 'ideologia', 'greve', 'pauperismo', que nos situam num contexto sócio-econômico-político que se transformava rapidamente. Lembrei-me desta passagem, pois o próprio Marshall, em 1949, em sua célebre conferência que se tornaria um clássico das ciências sociais – "Cidadania e Classe Social" –, dizia que para tratar esses conceitos necessitava-se fazer a "escavação do subsolo da história passada". Bodstein não se preocupou em recuperar a história, mas ela é para a autora o solo de onde emerge uma competente análise teórico-conceitual. Esta, na melhor tradição do próprio Marshall, quando apontava o problema da igualdade social como associado ao da cidadania. Não se pode deixar de acrescentar que, ao dimensionar a 'questão social', Bodstein irá tratá-la de forma ampliada, pois a sua apreensão só é possível quando se enfrenta o conjunto formado pelos dualismos do púbilco/privado, da liberdade/igualdade e da cidadania/trabalho. Penso que este encaminhamento é que lhe possibilitou acercar-se do que denomina 'aspecto conflitivo' dos direitos de cidadania, dimensionando-a de uma maneira não abordada por Marshall.

Inúmeros destaques poderiam ser feitos deste trabalho, e dentre eles os relacionados ao debate com a argumentação liberal clássica e a marxista, quando se coloca a questão democracia/individualismo versus concepção dos direitos do homem. Do ponto de vista da elaboração teórica e da práxis política, parece-me ser este um ponto nuclear do texto de Bodstein. Detendo-me na questão teórica, esta pode ser equacionada na articulação da dimensão macro e microssocial. Nesse sentido, não se trata de reduzir os agentes e autores sociais a instrumentos de forças externas oriundas das estruturas ou dos processos sociais.

Sem dúvida, o texto apresenta aspectos que não se encerram na análise proposta, mas recupera pontos indiscutíveis perante a situação concreta da desigualdade/iniqüidade dos tempos atuais. Ao final do artigo, a citação de Touraine, que fala da 'exigência da liberdade' e da não-transformação do homem "em instrumento, em objeto, ou em um absoluto estranho", não nos assegura que seja fácil consegui-las, mas aponta para essa necessidade inalienável do ser humano em todos os tempos.

PS. – Em 1967, quando Phillip C. Schmitter escreveu a introdução à edição brasileira do livro de Marshall, dizia que "o Brasil está em plena crise de cidadania". Quase três décadas após, conquistas foram alcançadas em termos de direitos políticos e sociais, mas muito resta ainda a ser feito, em especial quando se pensa nos chamados direitos da 'terceira geração'.

HOBBSBAWN, E. J., 1979. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

MARSHALL, T. H., 1967. Cidadania, Classe e Status, Rio de Janeiro: Zahar Editores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Abr 1997
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