Acessibilidade / Reportar erro

Mais evidências contra Terapia de Reposição Hormonal na menopausa

EDITORIAL

Mais evidências contra terapia de reposição hormonal na menopausa

Em 2002, a Terapia de Reposição Hormonal (TRH) para mulheres na menopausa ganhou realce na mídia, face aos resultados do estudo Women's Health Iniciative (JAMA 2002; 288:321-33). As estimativas indicavam aumento do risco de doença cardiovascular e de câncer de mama entre as usuárias de estrógenos com progestágenos. Em 2004, a última parte do estudo foi encerrada: o uso de estrógenos associava-se a aumento do risco de derrame cerebral (BMJ News 2004; 328:540). Outros estudos trouxeram mais restrições: aumento de casos de demência, principalmente a doença de Alzheimer, e diagnóstico tardio de câncer coloretal entre as usuárias. Especialistas concluíram que os danos associados ao uso de TRH superavam os benefícios.

Mas, desde a década de 1990, já suspeitava-se que os alegados benefícios da TRH seriam decorrentes de distorções nos estudos observacionais. Neles, não se poderia controlar completamente a presença de outros fatores protetores. Assim, a proteção observada não seria relacionada à medicação, mas fruto de viés de seleção. Apesar das evidências, os órgãos governamentais e as instituições acadêmicas nacionais permanecem silentes sobre o assunto, tornando mais difícil a tarefa dos clínicos de tomar decisões terapêuticas. As dificuldades existem mesmo para aqueles com formação sólida em epidemiologia e em farmacologia; os demais ficam a mercê das informações enviesadas fornecidas pelos fabricantes de medicamentos.

Segundo Sackett (CMAJ 2002; 167:363-4), dada a freqüência com que o tratamento é prescrito, centenas de milhares de mulheres saudáveis têm sido prejudicadas. Ao se perguntar quem foram os vilões dessa história, ele responde: "eu culpo diretamente os especialistas médicos que, para auferir lucros privados (provenientes dos seus compromissos com a indústria), ou numa equivocada tentativa de fazer o bem, advogam medidas 'preventivas' que nunca foram validadas em ensaios randomizados rigorosos".

Entretanto, é preciso assinalar a imensa pressão dos fabricantes para preservar seus ganhos. Nos Estados Unidos, em 2000, a combinação estrógeno + progestágeno foi a segunda medicação mais receitada; em 2001, a venda de produtos rendeu US$ 2 bilhões. Não é por acaso que a Wyeth Ayerst, diante da exigência de realização de ensaios randomizados para testar a alegada proteção cardiovascular, dizia serem eles inviáveis. A agressividade do comportamento dos fabricantes explica-se pelo contexto internacional. Há desregulamentação, há predomino da idéia de estado mínimo e de liberalismo nas relações econômicas. Como contrapartida, a sociedade precisa se organizar para substituir o estado omisso, multiplicando os agentes capazes de denunciar as irregularidades cometidas em nome de interesses econômicos.

Os aspectos mencionados acima transcendem o plano das idéias, pois estão ancorados em evidências científicas.

Mas há uma luta ideológica surda, que se trava toda vez que algum estudo aponta riscos, ou ausência de benefícios, relacionados aos medicamentos.

Nessa luta, é preciso nos posicionarmos. O Food and Drug Administration - agência norte-americana de regulamentação - já o fez. Lá, a terapia de reposição hormonal é recomendada apenas para alívio dos sintomas vasomotores, nas menores doses possíveis, e após pesar riscos e benefícios.

Suely Rozenfeld

Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Out 2004
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br