A riqueza socioambiental da Amazônia, Brasil, esconde uma grande fragilidade, que foi exposta ao mundo na seca extrema de 2023 quando os rios se esgotaram, o solo arenoso e pobre ficou exposto, os animais morreram na água morna, a fome se instalou e o céu se tornou fumaça. A acelerada transformação ambiental e social desse bioma está intrinsecamente relacionada à demanda por terras para produção de commodities agrícolas que, junto à exploração ilegal de madeira e as atividades de mineração, têm causado conflitos sangrentos, perdas de biodiversidade, contaminação ambiental e risco de emergência de novas doenças 1,2. Os sistemas tradicionais de produção, incluindo atividades agroextrativistas e pecuária de pequena escala, persistem na região, mas estão em risco. Esses setores, embora carentes de incentivos econômicos em comparação ao agronegócio, continuam sendo cruciais para uma parte substancial da população e também para a preservação da floresta e seus serviços ecossistêmicos. Modelos de desenvolvimento para a Amazônia vêm sendo debatidos, porém as métricas e indicadores disponíveis tendem a favorecer as estratégias hegemônicas e invizibilizar soluções que já existem e evoluíram na região 3. Uma consequência tem sido a inadequação das políticas públicas para atender as necessidades das populações tradicionais e as novas necessidades que surgem no espaço transformado.
Este Suplemento descreve os resultados teóricos, metodológicos e analíticos do Projeto Trajetórias, desenvolvido numa perspectiva de Ciência de Síntese de Conhecimento. A proposta de um Centro de Síntese é promover um ambiente interdisciplinar que favoreça a integração de teorias, métodos e dados em diferentes escalas espaciais ou temporais, visando contrapor a especialização científica. Quando bem sucedida, a síntese reúne tópicos, especialidades ou disciplinas de maneiras inovadoras, abrindo novas esferas de investigação e inovando no enfrentamento de desafios socioambientais 4.
Dentro do ambiente criativo e favorável proporcionado pelo primeiro Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose, iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico − CNPq), reuniram-se pesquisadores de várias instituições de pesquisa brasileiras para se pensar as seguintes perguntas norteadoras: Como diferentes trajetórias socioambientais estão relacionadas à saúde humana e ambiental no bioma Amazônico? Em que cenários a saúde humana e a saúde ambiental são amplificadas simultaneamente pelas mesmas políticas públicas? Em que cenários políticas públicas são necessárias para reduzir os custos para o meio ambiente e/ou para as comunidades locais decorrentes de mudanças de uso da terra?
As discussões teóricas iniciais, sintetizadas em Codeço et al. 5, buscam ver o ambiente e a saúde a partir do conceito de trajetória tecnoprodutiva, que é a classificação da economia rural Amazônica proposta pelo professor e economista Francisco Costa 6. Diferentes trajetórias tecnoprodutivas definem relações específicas entre produção e natureza, emergentes de lógicas, conhecimentos e tecnologias de produção que incorporam ou não um contexto ecológico em seus processos. Por sua vez, essas relações com a natureza estão associadas a paisagens epidemiológicas distintas. Neste Suplemento, o leitor encontra um depoimento do professor Costa sobre as origens da teoria das trajetórias tecnoprodutivas rurais da Amazônia, que serviu de fundamento para a produção de uma base de dados para os municípios da Amazônia Legal que relaciona as trajetórias tecnoprodutivas com indicadores ambientais de uso e transformação da paisagem, indicadores epidemiológicos que medem doenças sensíveis ao clima e indicadores sócioeconômicos adaptados para a realidade rural e urbana da Amazônia 7. Os artigos deste Suplemento aprofundam as análises desses indicadores em diferentes frentes e olhares, reunindo o conhecimento de pesquisadores com experiência em saúde, ambiente, economia e sociedade para gerar uma narrativa mais integrada e consistente, visando explicar/modificar os cenários que afetam os ecossistemas e a saúde na Amazônia.
Referências bibliográficas
- 1 Castro MC, Baeza A, Codeço CT, Cucunubá ZM, Dal'Asta AP, De Leo GA, et al. Development, environmental degradation, and disease spread in the Brazilian Amazon. PLoS Biol 2019; 17:e3000526.
- 2 Oviedo AFP, Senra EB. Modificando a trajetória de degradação do garimpo em Terras Indígenas. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00111223.
- 3 Rodrigues DL, Silva DN. Pobreza na Amazônia brasileira e os desafios para o desenvolvimento. Cad Saúde Pública 2023; 39:e00100223.
- 4 Hackett EJ, Leahey E, Parker JN, Rafols I, Hampton SE, Corte U, et al. Do synthesis centers synthesize? A semantic analysis of topical diversity in research. Res Policy 2021; 50:104069.
- 5 Codeço CT, Dal'Asta AP, Rorato AC, Lana RM, Neves TC, Andreazzi CS, et al. Epidemiology, biodiversity, and technological trajectories in the Brazilian Amazon: from malaria to COVID-19. Front Public Health 2021; 9:647754.
- 6 Costa FA. Structural diversity and change in rural Amazonia: a comparative assessment of the technological trajectories based on agricultural censuses (1995, 2006 and 2017). Nova Economia 2021; 31:415-53.
- 7 Rorato AC, Dal'Asta AP, Lana RM, Santos RBN, Escada MIS, Vogt CM, et al. Trajetorias: a dataset of environmental, epidemiological, and economic indicators for the Brazilian Amazon. Sci Data 2023; 10:65.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
15 Dez 2023 -
Aceito
03 Jan 2024
