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Contribuições da terapia comunitária integrativa para usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): do isolamento à sociabilidade libertadora

Las contribuciones de la terapia comunitaria a los usuarios de los Centros de Atención Psicosocial (CAPS): del aislamiento a la sociabilidad libertadora

Contributions by integrative community therapy to users of Psychosocial Care Centers (CAPS) and family members: thematic oral history

Resumos

O objetivo deste estudo foi analisar as contribuições da terapia comunitária integrativa considerando as mudanças de comportamentos de usuários de um Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Trata-se de uma pesquisa compreensivo-interpretativa de abordagem qualitativa, onde se utilizou a história oral temática. O cenário da investigação foi o CAPS Caminhar, localizado na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. O material empírico foi produzido a partir de entrevistas realizadas com seis colaboradores, e o produto desse material foi discutido com base na análise temática proposta por Minayo, que subsidiou a construção de dois grandes eixos temáticos: A terapia comunitária integrativa como práxis libertadora e mudanças que fazem a diferença. As histórias dos colaboradores revelaram que ocorreram mudanças significativas nos campos pessoal, profissional e comunitário, a partir da inserção deles nas rodas de terapia comunitária integrativa, pois se verificou que tal estratégia promoveu a recuperação dos processos de socialização natural que constituem a vida humana. Ficou claro que o uso da terapia comunitária integrativa está relacionado a propostas de inclusão e reabilitação psicossocial de seus participantes.

Relações Familiares; Apoio Social; Serviços de Saúde Mental


El objetivo de este estudio fue analizar las contribuciones de la terapia comunitaria en relación con los cambios en el comportamiento de los usuarios de un Centro de Atención Psicosocial (CAPS). Se trata de un enfoque cualitativo de investigación interpretativa global, en el que se utilizó un conjunto de historias orales temáticas. El centro de la investigación fue el CAPS Caminhar, ubicado en la ciudad de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Los datos empíricos fueron obtenidos de entrevistas con seis empleados y el producto de este material se discutió sobre la base del análisis temático propuesto por Minayo, que promovió la construcción de dos grandes temas: terapia comunitaria como praxis liberadora y los cambios que marcan la diferencia. Las historias de los empleados revelaron que se produjeron cambios significativos en los ámbitos personales, profesionales y de la comunidad en la que se encuentran, además de en las sesiones de terapia comunitaria, ya que se comprobó que dicha estrategia promueve la recuperación de los procesos de socialización naturales que constituyen la vida humana. Estaba claro que el uso de las terapias comunitarias está relacionado con las propuestas para la inclusión y la rehabilitación.

Relaciones Familiares; Apoyo Social; Servicios de Salud Mental


The aim of this study was to analyze contributions by integrative community therapy to behavior changes in users of Psychosocial Care Centers (CAPS). This was a comprehensive-interpretative study with a qualitative approach, based on thematic oral history. The study site was the Caminhar Center in João Pessoa, Paraíba State, Brazil. The study material was produced with interviews conducted with six subjects and was discussed using thematic analysis as proposed by Minayo, providing the basis for two major thematic lines: integrative community therapy as a liberating praxis and changes that make the difference. The subjects' stories revealed significant changes in the personal, professional, and community fields, based on their inclusion in the integrative community therapy circles, a strategy that promoted the recovery of processes of natural socialization that constitute human life. The use of integrative community therapy was clearly related to proposals for the participants' psychosocial integration and rehabilitation.

Family Relations; Social Support; Mental Health Services


ARTIGO ARTICLE

Contribuições da terapia comunitária integrativa para usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): do isolamento à sociabilidade libertadora

Contributions by integrative community therapy to users of Psychosocial Care Centers (CAPS) and family members: thematic oral history

Las contribuciones de la terapia comunitaria a los usuarios de los Centros de Atención Psicosocial (CAPS): del aislamiento a la sociabilidad libertadora

Mariana Albernaz Pinheiro de CarvalhoI,II; Maria Djair DiasI; Francisco Arnoldo Nunes de MirandaIII; Maria de Oliveira Ferreira FilhaI

IPrograma de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil

IIFaculdade de Ciências Médicas de Campina Grande, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, Brasil

IIICentro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Lagoa Nova, Brasil

Correspondência Correspondência M. A. P. Carvalho Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba. Rua São Gonçalo 110, João Pessoa, PB 58038-330, Brasil. mary_albernaz@hotmail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar as contribuições da terapia comunitária integrativa considerando as mudanças de comportamentos de usuários de um Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Trata-se de uma pesquisa compreensivo-interpretativa de abordagem qualitativa, onde se utilizou a história oral temática. O cenário da investigação foi o CAPS Caminhar, localizado na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. O material empírico foi produzido a partir de entrevistas realizadas com seis colaboradores, e o produto desse material foi discutido com base na análise temática proposta por Minayo, que subsidiou a construção de dois grandes eixos temáticos: A terapia comunitária integrativa como práxis libertadora e mudanças que fazem a diferença. As histórias dos colaboradores revelaram que ocorreram mudanças significativas nos campos pessoal, profissional e comunitário, a partir da inserção deles nas rodas de terapia comunitária integrativa, pois se verificou que tal estratégia promoveu a recuperação dos processos de socialização natural que constituem a vida humana. Ficou claro que o uso da terapia comunitária integrativa está relacionado a propostas de inclusão e reabilitação psicossocial de seus participantes.

Relações Familiares; Apoio Social; Serviços de Saúde Mental

ABSTRACT

The aim of this study was to analyze contributions by integrative community therapy to behavior changes in users of Psychosocial Care Centers (CAPS). This was a comprehensive-interpretative study with a qualitative approach, based on thematic oral history. The study site was the Caminhar Center in João Pessoa, Paraíba State, Brazil. The study material was produced with interviews conducted with six subjects and was discussed using thematic analysis as proposed by Minayo, providing the basis for two major thematic lines: integrative community therapy as a liberating praxis and changes that make the difference. The subjects' stories revealed significant changes in the personal, professional, and community fields, based on their inclusion in the integrative community therapy circles, a strategy that promoted the recovery of processes of natural socialization that constitute human life. The use of integrative community therapy was clearly related to proposals for the participants' psychosocial integration and rehabilitation.

Family Relations; Social Support; Mental Health Services

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue analizar las contribuciones de la terapia comunitaria en relación con los cambios en el comportamiento de los usuarios de un Centro de Atención Psicosocial (CAPS). Se trata de un enfoque cualitativo de investigación interpretativa global, en el que se utilizó un conjunto de historias orales temáticas. El centro de la investigación fue el CAPS Caminhar, ubicado en la ciudad de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Los datos empíricos fueron obtenidos de entrevistas con seis empleados y el producto de este material se discutió sobre la base del análisis temático propuesto por Minayo, que promovió la construcción de dos grandes temas: terapia comunitaria como praxis liberadora y los cambios que marcan la diferencia. Las historias de los empleados revelaron que se produjeron cambios significativos en los ámbitos personales, profesionales y de la comunidad en la que se encuentran, además de en las sesiones de terapia comunitaria, ya que se comprobó que dicha estrategia promueve la recuperación de los procesos de socialización naturales que constituyen la vida humana. Estaba claro que el uso de las terapias comunitarias está relacionado con las propuestas para la inclusión y la rehabilitación.

Relaciones Familiares; Apoyo Social; Servicios de Salud Mental

Introdução

No Brasil, o manejo da saúde mental constitui um tema complexo, permeado por desafios e conquistas que ocorreram ao longo de décadas impulsionados por movimentos de crítica à instituição psiquiátrica e ao tratamento dispensado às pessoas em sofrimento psíquico.

Tais movimentos contribuíram sobremaneira para a criação do cenário que hoje se apresenta, por meio de lutas que pudessem transpor o olhar destinado à doença mental, olhar este que cristalizava o caráter hospitalocêntrico como modo de "filtrar" pessoas consideradas "impuras" que pudessem contaminar ou oferecer riscos à sociedade, excluindo-as de seu convívio social.

Nesse sentido, a carência de programas e ações voltadas para esse público evocava na sociedade uma sede de mudanças que pudessem estimular reflexões acerca dessa problemática.

Dessa maneira, surge a necessidade de se criar propostas capazes de reestruturar a atenção orientada para as pessoas em adoecimento psíquico com vistas a integrá-las em seu convívio de maneira saudável e positiva, na intenção de que o cuidado voltado a esses indivíduos possa contemplá-los numa perspectiva de reinserção pessoal, social e familiar.

Entende-se por reinserção social todo e qualquer empenho que objetive incorporar um ser humano na comunidade família e sociedade, partindo-se da premissa que a sociedade (re)inclui aqueles indivíduos que ela também exclui, através de estratégias nas quais esses "excluídos" tenham oportunidades de expressão e posicionamento, isto é, não como meros "objetos de assistência", mas enquanto sujeitos partícipes 1.

Com as mudanças no modelo de assistência preconizado pelo SUS, ganha destaque a atenção no campo da saúde mental por tratar-se de um segmento que tem sido desafiado na contemporaneidade face à maior vulnerabilidade a que a sociedade atual vem se expondo, seja em suas questões culturais, familiares ou afetivas, ou seja, o "homem moderno" vem se tornando cada vez mais frágil e escravo de conflitos gerados por macro determinantes sociais, contribuindo para tornar pessoas e comunidades suscetíveis aos transtornos mentais.

Compreende-se que a maioria desses transtornos é de natureza prevenível e que merecem ser encarados como prioridade política com vistas a reduzir o impacto social que tal problemática pode trazer à vida dessas pessoas, justificando a importância de se criar estratégias institucionais capazes de incorporar ações de inclusão e participação social 2.

Para que o paradigma da atenção psicossocial se efetive com resolutividade, faz-se necessário criar dispositivos diferenciados capazes de inovar no plano terapêutico oferecido a seus usuários, dispondo de características plurais, contemplando aspectos latentes e "esquecidos" da vida dessas pessoas.

Uma das iniciativas mais relevantes que já existiu trata-se dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que constituem uma estratégia inteligente de lidar não apenas com pessoas em adoecimento mental, incluindo em suas ações a participação e colaboração dos familiares, amigos e cuidadores dos usuários que os frequentam como atores integrantes do processo.

A criação desses dispositivos transpõe os limites estabelecidos para o manejo clínico dos transtornos psíquicos, pois incorpora em sua práxis ferramentas de construção e participação coletiva voltadas para reinserir o usuário na sociedade ao passo que garante acesso resolutivo e menos excludente, facilitando a superação dos desafios que passam a tornar-se corriqueiros na vida das pessoas com transtornos mentais.

Para tanto, é fundamental que as práticas e projetos fomentados nos CAPS demonstrem interfaces que contemplem os aspectos subjetivos e particulares a cada indivíduo de forma a compreendê-lo no contexto onde se insere 3.

Os CAPS, ao oferecerem um leque de atividades voltadas para os usuários e seus familiares, garantem o atendimento, o tratamento e o acompanhamento com vistas à inclusão social e ao resgate da cidadania. A diversificação de programas é essencial para realizar o acolhimento dos usuários de forma integral, e com ofertas variadas e diversificadas de possibilidades, reduz-se consideravelmente a tentativa de selecionar as atividades 4.

Em um estudo realizado recentemente 5 constatou-se a importância do aparato terapêutico disposto nos CAPS, por meio de atividades de ensino, oficinas de alfabetização, trabalhos manuais (tricô, crochê, pintura em tecido, desenho em pintura e bordados), grupos de conversas, entre outras atividades grupais. O estudo constatou que a inserção dos portadores de transtorno psíquico na escola mostra-se efetiva como uma das estratégias em favor da transformação assistencial atual, uma vez que os usuários dos serviços passam a ser encarados como indivíduos que têm potencialidades e capacidades para uma vida autônoma, restabelecendo sua saúde mediante a (re)inclusão social.

A assistência em saúde mental vem, portanto, se orientando para o redimensionamento de seus serviços e ações do âmbito institucional para o psicossocial, comunitário e regionalizado, seja buscando garantir a inclusão e reinserção social das pessoas em sofrimento psíquico, seja trabalhando no fortalecimento da autoestima e da autonomia desses sujeitos enquanto protagonistas de uma sociedade inclusiva.

Isto posto, um exemplo de prática que vem se fortalecendo e se expandindo progressivamente nesses espaços, trata-se da terapia comunitária integrativa que consiste em uma ferramenta de construção de redes sociais solidárias criada em 1987 no Município de Fortaleza, Ceará, pelo psiquiatra e antropólogo professor doutor Adalberto de Paula Barreto, constituindo-se como uma alternativa para se trabalhar com grupos distintos e característicos de maneira dinâmica, participativa e reflexiva que oportuniza um espaço aberto para exposição de problemas e inquietações que repercutirão no diálogo em favor da busca de soluções para os conflitos emanados.

A terapia comunitária integrativa além de oferecer um espaço aberto para a troca de experiências favorece e fortalece a criação de vínculos e o resgate da autonomia dos indivíduos por facilitar a transformação de carências em competências que os tornarão capazes de ressignificar momentos de dores e perdas a partir da sabedoria ali adquirida 6.

No ano de 2008 a terapia comunitária integrativa foi alvo de discussões por parte do Ministério da Saúde que aprovou na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial, realizada em 2010 a terapia comunitária integrativa enquanto estratégia incorporada às práticas integrativas e complementares inserida na atenção primária em saúde 7.

Naquele contexto, os moldes e as propostas da terapia comunitária integrativa, desenvolvidos inicialmente no Estado do Ceará (estado considerado o precursor da terapia comunitária integrativa), passou a se difundir de forma progressiva para outros estados brasileiros, tendo sido oficialmente incorporada, no ano de 2008, pelo Ministério da Saúde como uma estratégia de promoção da saúde e de prevenção do adoecimento, para os serviços da rede primária, sobretudo, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) 8.

Pode-se dizer que essa abordagem se constitui numa metodologia facilitadora da autonomia, haja vista potencializar os recursos individuais e coletivos, na medida em que se apropria das qualidades e forças existentes em potência nas relações sociais. Pretende ser desta maneira um instrumento de construção de redes de apoio social. É considerada uma estratégia de apoio social ao passo em que as pessoas tendem a adoecer menos ao saberem que contam com suporte emocional contínuo, uma vez que se reúnem, socializam seus problemas, são valorizados em suas particularidades, e contam com a sensibilização do grupo 9.

A terapia comunitária integrativa como ferramenta de cuidado está fundamentada em cinco pilares norteadores: Pensamento Sistêmico, Pragmática da Comunicação de Watzlawick, Antropologia Cultural, Pedagogia de Paulo Freire e Resiliência 6.

O Pensamento Sistêmico destaca a questão de que as crises e os problemas individuais só serão solucionados se compreendidos como inseridos em um contexto maior, que contemple o biológico, o psicológico e a sociedade.

A Pragmática da Comunicação de Watzlawick enfatiza a comunicação como sendo o elemento que une os indivíduos socialmente e que todo comportamento é determinado por uma comunicação, podendo esta se dar de forma verbal e não verbal, extrapolando as palavras ou simplesmente os sinais emitidos.

A Antropologia Cultural chama atenção para as diferentes culturas existentes, sendo um elemento de referência fundamental na identidade individual e coletiva. E é a partir dessa referência que os indivíduos se encontram, se aceitam e assumem sua identidade.

A Pedagogia de Paulo Freire, enquanto eixo norteador da terapia comunitária integrativa, parte do princípio de que todas as pessoas têm conteúdos e experiências a trocar, aprendendo e ensinando em sinergia constante. Essa ideia trabalha na perspectiva de que a educação funciona como uma prática libertadora, utilizando-se da opressão e da fragilidade dos indivíduos para estimular a reflexão, o comprometimento e o interesse na luta por sua libertação e na práxis que pressupõe a ação e a reflexão das pessoas afim de que possam intervir no mundo, modificando-o 10.

Desse modo, compreendendo a força da terapia comunitária integrativa, o desenvolvimento desse estudo foi norteado por algumas questões norteadoras: Que mudanças ocorreram no comportamento de usuários do CAPS a partir da inserção dos mesmos nas rodas de terapia comunitária integrativa, considerando o livre arbítrio desses sujeitos para fazerem parte dessa abordagem terapêutica oferecida pelo serviço? O que usuários do CAPS aprenderam nas rodas de terapia comunitária integrativa que passaram a utilizar como estratégia para lidar com as situações estressantes presentes em seu dia-a-dia?

Nesse sentido, o presente estudo objetivou analisar as contribuições da terapia comunitária integrativa considerando as mudanças de comportamentos, as estratégias aprendidas e a importância que ela representa na vida de usuários de um CAPS.

Método

Buscando compreender as contribuições da terapia comunitária integrativa na vida de usuários no contexto do CAPS, escolheu-se para este estudo a abordagem qualitativa pelo interesse em compreender aspectos relacionados às experiências de vida e seus significados frente à dimensão subjetiva dos colaboradores.

Buscando valorizar aspectos qualitativos, o percurso metodológico foi orientado pelo método da história oral sob o enfoque de Meihy, mais especificamente a história oral temática.

A história oral consiste em um processo dinâmico que envolve a utilização de narrativas transformadas do oral para o escrito, norteando processos sociais ao favorecer investigações no âmbito da memória cultural e individual. Nessa perspectiva, surge a necessidade de se estabelecer uma relação dialógica que requer a existência de pelo menos duas pessoas para compor o diálogo. Porém não consiste em uma conversa, mas em um encontro programado e destinado, sobretudo, à gravação 11.

A justificativa pela escolha da modalidade história oral temática se deu frente à possibilidade de elucidar histórias e fenômenos marcantes para os entrevistados aqui definidos como colaboradores, por entender que o trabalho da entrevista é algo que demanda dois lados pessoais e humanos integrados; e à existência de um tema específico delimitado previamente.

A história oral se inicia com a elaboração de um projeto, instrumento norteador que ajuda a planejar o trabalho de pesquisa, o delineamento da proposta a ser desenvolvida, sua fundamentação teórica e justificativa, a entrevista em colaboração e a passagem do código oral para o escrito. Do projeto devem emergir perguntas como de quem, como e por que, e a partir disto, deve-se levar em conta fatores como a relevância social da pesquisa, a exequibilidade na abrangência das entrevistas, local e tempo, o diálogo com a comunidade que gerou as entrevistas e a responsabilidade na finalização e devolução do trabalho 11.

O desenvolvimento do projeto por sua vez prevê uma comunidade de destino que são pessoas que partilham uma identidade; uma colônia, como um grupo menor inserido na comunidade mais ampla e marcado por relações de gênero, classe, gerações, entre outras; e as redes, uma subdivisão formada pelas pessoas que serão entrevistadas, por critérios de pertencimento ou diferenças de discursos 12. Desta maneira, a comunidade de destino foi constituída pelos frequentadores do CAPS que participavam da terapia comunitária integrativa.

Identificada a comunidade de destino, definiu-se a colônia e a formação da rede. A colônia é definida de acordo com elementos gerais que caracterizam a cultura do grupo a ser estudado, em consonância com a proposta da investigação. A rede compõe a subdivisão da colônia com vistas a definir critérios decisivos sobre quem entrevistar e quem não entrevistar 11.

Deste modo, a rede foi composta por seis usuários do CAPS que participavam das rodas de terapia comunitária integrativa assiduamente há pelo menos quatro meses e que apresentavam histórias de superação, de apoio e mudanças comportamentais e relacionais facilitadas pela terapia comunitária integrativa e que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.

A pesquisa de campo foi desenvolvida no CAPS Caminhar, classificado com CAPS III, situado no bairro Cidade Universitária, no Município de João Pessoa, Paraíba.

Para a construção do corpus documental dessa investigação, foram seguidos diferentes passos a começar pela pré-entrevista, seguida da entrevista e da pós-entrevista. A pré-entrevista corresponde à etapa de preparação para o encontro com o entrevistado. É nessa fase que se processa o primeiro contato do pesquisador com o colaborador da pesquisa, quando são forneci-das informações a respeito da existência do trabalho e da sua possível participação, esclarecendo os objetivos da pesquisa a fim de situá-lo na natureza do estudo 12.

A fase da pré-entrevista iniciou-se com a participação nas rodas de terapia comunitária integrativa, como estratégia de pesquisa para criar um espaço de pertencimento e diálogo. A participação nas rodas de TCI se deu ao longo de seis meses de imersão (fevereiro a julho de 2012) onde houve a participação ativa nos encontros com os usuários que ocorriam nas segundas-feiras, totalizando aproximadamente 22 rodas de terapia comunitária integrativa.

Em seguida, após familiarização com as experiências da terapia comunitária integrativa, prosseguiu-se com a escolha da rede objetivando a realização das entrevistas propriamente ditas. Nesse momento realizou-se o convite aos possíveis colaboradores, explicando os objetivos do estudo esclarecendo-os acerca de seus direitos, inclusive o de não aceitar e desistir de participar quando julgarem conveniente.

Previamente às entrevistas, foi apresentado aos colaboradores o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) conforme Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, onde se coletou suas assinaturas autorizando a participação no estudo, explicando-os ainda sobre a utilização de um guia composto por perguntas de corte e a apresentação da carta de cessão enquanto documento final de legitimação do material. Os participantes foram informados quanto à possibilidade de anonimato para suas entrevistas, de modo a tratá-los por nomes fictícios. No entanto, todos optaram por demonstrar com satisfação a sua verdadeira identidade civil, permitindo inclusive serem fotografados.

Selecionou-se então o colaborador para realizar a entrevista considerada a ponto zero, sendo este representado pelo usuário que frequentava os encontros de terapia comunitária integrativa há mais tempo – aproximadamente cinco anos – e o mais antigo conhecedor daquela estratégia no CAPS. Posteriormente, a rede foi sendo construída a partir das indicações feitas por este colaborador. As entrevistas foram registradas por meio de anotações no caderno de campo e de um gravador eletrônico.

Dando seguimento às etapas do estudo, tem-se a pós-entrevista. Momento este definido como a etapa que se segue à realização das entrevistas. Serve para manter a continuidade do processo, estabelecendo o contato do pesquisador com o entrevistado, depois de concluída a entrevista. Nesse momento, os colaboradores receberam esclarecimentos pertinentes ao tratamento e destinação de suas contribuições 12.

Produzido o corpus documental dessa investigação deu-se início à etapa de análise e interpretação dos achados. Finalizadas as fases de contato com os colaboradores para a conclusão das entrevistas, o material oral foi trabalhado detalhadamente para que se construísse o corpus documental de acordo com as fases preconizadas pela história oral: a transcrição, fase de transformação da gravação oral para o escrito, a textualização, definição de palavras-chave para mostrar a incidência das ênfases dadas em determinados momentos, representando o tom vital das narrativas, a transcriação, com o desfecho do texto, a sua versão final, e a conferência, momento em que, depois de todo trabalhado, o texto é entregue aos colaboradores para que seja ratificada ou não a sua conformidade, conferindo confiabilidade ao material e à pesquisa em si 12.

Para a discussão do material empírico, utilizou-se a análise temática que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, ou seja, qualitativamente falando, a presença de determinados temas denota os valores de referência e os modelos de comportamento presentes no discurso 13, conduzindo a construção de dois grandes eixos temáticos – "a terapia comunitária integrativa como práxis libertadora" e "mudanças que fazem a diferença" –; direcionando a apreciação e a análise do cor-pus documental.

Inicialmente identificou-se o tom vital presente nas entrevistas de cada colaborador, ou seja, as ideias de maior significância paralelamente à linha condutora da pesquisa. Com base nesse enfoque, foi construído e elencado o eixo temático com base no que se propunha o estudo, na tentativa de melhor conduzir o confronto entre o referencial teórico proposto.

Este estudo atendeu aos requisitos propostos pela Resolução nº 196/96. A pesquisa iniciou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba (CCS/UFPB) a partir do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 01143012.8.0000.5188 e os colaboradores terem aceitado participar voluntariamente e assinar o TCLE. Ao final foi apresentada aos colaboradores a carta de cessão, constituindo um documento que faz alusão à concordância dos colaboradores ao produto final das entrevistas e seu uso para publicações de cunho científico.

Resultados e discussão

A terapia comunitária integrativa como práxis libertadora

A pedagogia libertadora de Paulo Freire e a terapia comunitária integrativa carregam em suas essências aspectos que convergem para princípios comuns que se relacionam significativamente uns com os outros: a autonomia do sujeito, a horizontalidade do saber, a educação como prática libertadora e a incompletude do ser humano. Deste modo, tanto as ideias de Paulo Freire, como as nuances trabalhadas na terapia comunitária integrativa destacam que as pessoas são dotadas de recursos pessoais, sociais e culturais úteis que direcionam os indivíduos para o encontro de soluções frente aos problemas experimentados cotidianamente 14.

A autonomia enquanto característica comum na terapia comunitária integrativa e na pedagogia freiriana aponta para a ideia de que todas as pessoas possuem poderes reais e/ou potenciais capazes de subsidiar transformações em suas próprias vidas, ou seja, os sujeitos detêm uma força que os impulsiona para a descoberta, estimulando-os a serem responsáveis por adotarem posturas de pró-atividade e assumirem o gerenciamento de suas experiências.

"Com a terapia comunitária integrativa melhorei de forma espetacular! Ela contribui porque despertou em mim a vontade de lutar por meus direitos, a compreender melhor o outro e a conviver melhor com as pessoas" (Allan).

"A terapia comunitária integrativa me transformou em outra pessoa!" (Maria José).

Nos tons vitais acima, verifica-se que a terapia comunitária integrativa descortinou o mundo desses sujeitos ao desabrochar forças e trazer nitidez para suas vidas na perspectiva de uma conscientização que estimula o ouvir, o refletir e o agir. Com as entrevistas visualizou-se que os participantes da terapia comunitária integrativa passaram a apropriar-se de sua realidade, refletindo sobre ela, desconstruindo concepções acerca de suas vidas e desenvolvendo capacidades de desprendimento e discernimento que criaram e transformaram circunstâncias desafiadoras e severas.

Na terapia comunitária integrativa compre-endem-se em meio a uma horizontalidade do saber que todas as pessoas são aprendizes inacabados, construtores de saberes e de visões de mundo que não se sobressaem umas às outras, mas que contribuem igualmente, e na terapia comunitária integrativa os participantes ao se encontrarem no mesmo patamar de igualdade são fundamentalmente importantes em um processo de escuta e de aprendizagem, de modo que as pessoas aprendem e refletem a partir das histórias ali trazidas e em sinergia, também ensinam ao compartilharem suas histórias de vida 15.

Nesse sentido, o diálogo é uma necessidade existencial. É o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, onde a reflexão e a ação orientam-se para o mundo que é preciso transformar e humanizar. É necessário amor, humildade, criticidade e esperança 7. Frente a isso, a terapia comunitária integrativa se lança no contexto de seus participantes, impulsionando-os a tomarem posse de sua realidade, transformando-a a partir de ações conscientes que transcendam a vitimização, mas que reconheçam e estimulem processos de descobertas e reinvenções edificadas coletivamente.

A educação enquanto estratégia promotora da liberdade opõe-se à existência de sujeitos isolados e desconectados do mundo, além do mundo enquanto contexto que subsiste afastado da pessoa humana. Nesse sentido, o que se torna autêntico é a relação estabelecida entre homens e mundo. Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa 16.

"Com a terapia comunitária criei coragem para trabalhar e estudar que antes eu não tinha, passava o dia todo dentro de casa [...] e sinto que agora estou podendo!" (Maria José).

"[...] depois da terapia comunitária é que voltei a estudar [...] agora me senti estimulado [...] voltei pra escola e estou gostando muito" (Ivanildo).

Na terapia comunitária integrativa, busca-se o retorno do indivíduo a si mesmo. E esse regresso da pessoa a si mesmo, essa desalienação, acontece em parte, pela pedagogia emancipatória de Paulo Freire, que devolve aos sujeitos para o seu lugar na sociedade, reestabelecendo sua autonomia e sua autoestima. Usuários e familiares passam a se trabalhar por meio de um reencontro consigo mesmo, que é estimulado nas rodas de terapia comunitária integrativa, como componente da rede social 14.

Essa desalienação é viabilizada pela devolução da pessoa a si mesma, independentemente das circunstâncias que lhe afligem e o inquietam. Tais colocações são reiteradas pelas atitudes, pelos comportamentos, pela conscientização de si e do poder de cada um que passa a eclodir quando a pessoa se integra à terapia comunitária integrativa.

Enquanto os homens passam a refletir sobre si e sobre o mundo, ampliam seu território perceptivo e direcionam seus alvos a focos até então ignorados, de tal modo que ao longo de todo esse processo vão identificando sentidos e refletindo acerca deles. Nessa perspectiva, o que antes já se mostrava presente com objetividade, mas que não era considerado em sua essência maior ou até mesmo negligenciado, passa a estar em evidência, representando um desafio a ser considerado e superado. A partir de então, o evidenciado torna-se importante, transformando-se em um centro de ação e conhecimento humano.

Como na terapia comunitária integrativa os fatos são vistos em cadeia, semelhantes a um processo, os participantes se vêm inseridos num contexto de dissensos que indubitavelmente compõe a vida. Dessa maneira, o importante na terapia comunitária integrativa é que ela desperta as pessoas para se enxergarem num ambiente de relações que estimula a auto e heteroanálise a partir das vivências inerentes a cada indivíduo. Nessa perspectiva, as pessoas se reconhecem enquanto responsáveis por compor o ambiente no qual vivem e lutam, ou seja, podem construir relações vivenciais e olhares de mundo que tiranizam e afligem, mas que também empoderam e libertam 14.

A perspectiva libertadora que a terapia comunitária integrativa compactua com a prática educativa freiriana remete à ideia de que as pessoas se tornam livres não pelo simples fato de agregarem conhecimentos científicos, mas por apropriarem-se e aceitarem gradativamente suas histórias de vida, seus valores e suas experiências. Conhecer tais elementos contribui sobremaneira para a aceitação da condição de sujeito partícipe que assume o comando de sua própria vida e não de culpabilização frente à figura de alguém superior ou dominador. Essa nova leitura, esse processo de construção ilimitado e dinâmico, opõe-se a acomodação que oprime e segrega, mas avança no sentido de um posicionamento que inclui e liberta continuamente 14.

E é nesse ciclo que a terapia comunitária integrativa se fortalece, contornando as circunstâncias que foram e poderiam ser ainda mais negativas para as pessoas, fazendo emergir uma nova consciência, ou seja, uma consciência que oportuniza descobertas, transformações e libertação consolidadas na práxis libertadora de Paulo Freire. Corroboram essas ideias as seguintes falas:

"Esse grupo da terapia comunitária abriu minha cabeça pra enxergar as coisas além do que eu via" (Rosiane).

"A terapia comunitária faz de tudo, parece que ela me chamou [...] parece que abriu meu coração e acabou com a minha 'cegueira' [risos]!" (Maria Emília).

Constata-se, portanto, que a terapia comunitária integrativa despertou seus participantes para um processo de libertação, um poder de escolhas e decisões sobre o próprio destino, encorajando-as e estimulando-as a tomarem posse e compreenderem as configurações sociais e suas (in)coerências de maneira a modificá-las deliberadamente.

Mudanças que fazem a diferença

A iniciativa de desenvolver a terapia comunitária integrativa como um instrumento voltado para usuários do CAPS, visa oferecer oportunidades de redimensionar o sofrimento desses sujeitos e contribuir para efetuar mudanças com vistas à sociabilidade e ao alívio da sobrecarga experimentada pela realidade do sofrimento psíquico e que carecem de práticas efetivas capazes de operar benefícios na vida dessas pessoas, conforme se identifica nas falas dos seguintes usuários:

"A terapia comunitária me ajudou porque era difícil demais eu sair de casa [...] e agora saio, converso com as pessoas, com os amigos e com minha família. Antes eu era 'trancada'. Agora não!" (Josineide).

"Depois da terapia comunitária percebi que melhorei muito [...] porque antes eu não queria nem viver! E agora não. Fico dentro de casa, faço minhas coisinhas, procuro ir ao colégio direitinho à noite. Estou completamente mudada!" (Maria José).

A terapia comunitária integrativa proporciona uma mudança de atitude quando cria um espaço de diálogo que não existia na vida de seus participantes, um mundo comum de argumentação sobremaneira particular. E quer existam ou não, lá fora, espaços a serem compartilhados, a terapia comunitária integrativa oferece oportunidades para que as pessoas façam parte de um espaço público e esse mecanismo demonstra que elas são dotadas de direitos, ao vivenciarem manifestações de aprendizado e inclusão social que são comuns a todos os membros das rodas 17.

O termo "direito" aqui abordado remete ao fato de que o momento experimentado nas rodas de terapia comunitária integrativa tem como condição sine qua non a igualdade de qualquer pessoa que partilha seu sofrimento, e isso faz com que a pessoa que muitas vezes também sofria sozinha, nesse instante de partilha pertença a um mesmo patamar comunitário, ou seja, uma mesma esfera da comunidade já reconhecida, já descoberta. E é nesse sentido que a terapia comunitária integrativa conduz mudanças na vida de seus participantes a partir do desenvolvimento do ser político e da busca da cidadania 17.

Identificar transformações na vida dos participantes das rodas de terapia comunitária integrativa tem uma considerável importância, possibilitando afirmar que a terapia comunitária integrativa, enquanto tecnologia de cuidado vem contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas a partir do encorajamento e sociabilidade fornecidos para que eles se tornem protagonistas de suas próprias vidas 18. Nesse sentido, os colaboradores revelam:

"Hoje faço bijuterias para vender e vendo também lingeries e cosméticos de revistas. Depois da terapia comunitária criei mais coragem pra enfrentar o preconceito das pessoas [...] fiz até um curso de beleza [...] e antes eu não fazia nada" (Maria José).

"Depois que comecei a participar da terapia comunitária, as pessoas me colocaram para ser diretora da associação Caminhando, porque dizem que eu sou muito preparada [...]" (Janete).

Usuários reconhecem o espaço da terapia comunitária integrativa como um universo utilizado para socializar os sentimentos do cotidiano e o intercâmbio de experiências. Por meio das falas, sinalizam melhorias no estilo de vida e modificações em seus hábitos que contribuíram para a sociabilidade e para novas leituras acerca do lidar com o adoecimento mental em sua convivência social e familiar.

Entende-se que a terapia comunitária integrativa promove a recuperação dos processos de socialização natural que constituem a vida humana, nesse sentido, buscam-se a desalienação e o refazer do ser em si para si. Isso acontece na convivência com outros indivíduos, convivência essa que auxilia no reconhecimento dos outros como cooperadores. O sujeito passa a se reconhecer como um semelhante-diferente, ou seja, como uma pessoa que possui inúmeras diferenças, mas que simultaneamente é um ser semelhante a outro na medida em que vivencia situações parecidas, embora diferentes quando visualizadas em contextos distintos. Esse movimento de resgatar a identidade na sua semelhança-diferença reinventa a identidade grupal em um novo alicerce 14.

Nos discursos, os colaboradores revelam que ocorreram mudanças pessoais e que isso contribuiu para promover melhoras no processo terapêutico, visto que na terapia comunitária integrativa as pessoas são encorajadas a refletir acerca do seu verdadeiro "eu" de modo a ressignificarem seus sofrimentos, potencializando o resgate da cidadania e da autonomia, e em se tratando de indivíduos em sofrimento mental, a terapia comunitária trabalha também a conscientização para o tratamento. Os colaboradores durante as rodas de terapia comunitária integrativa têm a oportunidade de refletir sobre suas vidas, propiciando mudanças em seus cotidianos, de acordo com as falas abaixo:

"Passei seis anos sem tomar meus medicamentos, e faz quatro anos que entrei na terapia comunitária e não parei mais e nem quero parar! Junto com a terapia comunitária, os remédios têm me ajudado e nunca mais entrei em crise [...]" (Ivanildo).

"Durante a terapia percebo que fico menos agressiva. A terapia comunitária tem me ajudado muito a diminuir essa agressividade. Estou mais equilibrada e mais controlada" (Janete).

"Antes eu era 'trancada', agora não!" (Josineide).

Verifica-se nas falas e, sobretudo no tom vital de Josineide, que a terapia comunitária integrativa amplia o olhar de seus participantes e os motiva para novas posturas e novas formas de conduzir suas vidas, auxiliando-os na busca de respostas para suas necessidades subjetivas e remetendo-os a outras compreensões acerca do seu modo de viver e lidar com o adoecimento mental.

"Eu era muito calado [...] em casa não dava atenção à minha mãe [...] hoje eu já dou mais carinho a ela e a toda minha família, sem falar das amizades que fiz na terapia comunitária e antes não tinha nenhuma" (Ivanildo).

"Depois que comecei a participar da terapia comunitária mudei muito. Hoje faço trabalho em casa, lavo louça, varro, arrumo [...] e antes não fazia nada, não ajudava minha mãe e agora tenho mais iniciativas" (Josineide).

Esse processo de busca de autonomia se inicia no momento em que o significado do problema começa a ser compreendido e o sofrimento passa a ser visto sob novo ângulo, graças à abordagem utilizada na terapia comunitária integrativa. Se de um lado, no modelo biomédico o binômio saúde/doença caminha para a subordinação ao esquema biológico dos profissionais e das terapêuticas tradicionais, do outro, por ocasião das rodas, as principais nuances que impulsionam o crescimento é o saber ouvir e a partilha da dor que orienta para a sabedoria e para a maturidade relacional que conduz à responsabilização, à inclusão social e ao gerenciamento de sua própria vida.

"[...] Depois que comecei a participar da terapia comunitária percebi que melhorei muito [...] antes eu andava de rua em rua, tomava muito remédio pra dormir, não queria nem viver! E agora não! Hoje sou outra pessoa!" (Maria José).

"Melhorei de forma espetacular!" (Allan).

Os tons vitais acima reforçam claramente que a participação desses usuários na terapia comunitária integrativa é determinante para suas vidas, pois eles se sentem estimulados e responsáveis por buscarem alternativas existenciais eficazes e capazes de desconstruir concepções acerca do adoecimento mental, incentivando-os ainda a perseverarem com sabedoria diante dos obstáculos encontrados.

A terapia comunitária integrativa constitui-se como um contexto de interação, um local onde a subjetividade e a opinião de cada membro da roda são respeitadas. As falas ali pronunciadas representam uma ação política ao passo em que dá vez e voz às pessoas que partilham suas experiências. Nesse sentido, propõe-se um intercâmbio entre diferentes atores, de modo a suscitar transformações. E esse processo de troca é o que verdadeiramente inclui e valoriza socialmente as pessoas enquanto sujeitos potencialmente importantes para si e para os outros, encorajando-os para a sociabilidade e para o enfrentamento dos desafios experimentados 17.

"[...] Antes da terapia comunitária eu não tinha envolvimento com ninguém. Tinha medo até do ônibus que passava perto de mim [...] e agora enfrento meus medos [...]" (Josué).

"[...] Eu não tinha nenhum amigo, não queria saber de ninguém. Hoje não! Depois da terapia comunitária passei a conversar e agora já tenho muitas amizades [...]" (Ivanildo).

Verifica-se, portanto, que os participantes citam significativamente os benefícios da terapia comunitária integrativa enquanto instrumento facilitador de mudanças. A terapia comunitária integrativa pode trazer clareza às situações, ser uma ocasião para desabafar emoções e sentimentos e que, ao oportunizar a fala, faz com que as pessoas sintam-se melhores e mais capacitadas para enfrentarem os desafios de lidar com o sofrimento psíquico e seus desdobramentos sociais.

Conclusão

O material empírico trabalhado permitiu reconhecer efetivamente a importância da terapia comunitária integrativa no contexto de usuários do CAPS, visto que a partir dessa tecnologia de cuidado, essas pessoas adotaram novos comportamentos e novas posturas de lidar com o sofrimento mental que têm contribuído sobremaneira para sua condição de saúde, atitudes essas que são extensivas inclusive ao ambiente familiar.

Os usuários do CAPS que participavam da terapia comunitária integrativa mostraram-se enquanto pessoas que têm buscado reorganizar suas vidas, seja através do trabalho, do emprego, do espaço familiar, de amizades ou qualquer outra estratégia que os inclua no convívio social e os engrandeça como cidadãos capazes, reforçando a terapia comunitária integrativa enquanto dispositivo de inclusão.

Ressalte-se, no entanto, que alguns desafios foram encontrados no decorrer desta investigação, principalmente no que se refere à escolha dos colaboradores, porquanto quase todos apresentavam histórico de transformações qualitativas em suas vidas após o envolvimento e a participação nas rodas de terapia comunitária integrativa. Entretanto, após eleito o colaborador que contribuiu com a entrevista designada como a ponto zero, a rede de colaboradores originou-se naturalmente.

Outro aspecto curioso, não identificado como um fator limitante para o estudo, mas de considerável importância, foi o fato de que vários participantes da terapia comunitária integrativa manifestaram interesse em também contribuir com suas experiências pessoais a partir de sua inserção nas rodas, apesar de não perfazerem os critérios de inclusão determinados, uma vez que os colaboradores compartilhavam, com satisfação e honradez, a experiência das entrevistas. Contudo, tais fatos apenas reafirmam a expressividade da terapia comunitária integrativa na vida de seus participantes, sustentando-a como proposta terapêutica na atenção à saúde mental.

Nessa perspectiva, o estudo evidenciou que a terapia comunitária integrativa é uma criação multidimensional complexa, que promove a interação entre seus participantes, através da fala, não como gemido ou artifício para lamentações, mas como um grito que ecoa positivamente em todas as esferas de vida do indivíduo.

Com base nesse enfoque, percebeu-se, durante a execução deste trabalho, o quanto é importante dar seguimento à terapia comunitária integrativa e fortalecê-la, efetivamente, não apenas no CAPS em estudo, mas em distintas realidades institucionais, visto o impacto positivo trazido por essa tecnologia de cuidado para a vida de pessoas que clamam por um espaço de acolhida, de valorização de experiências e de atenção, para atuar como peça-chave no processo de promoção da saúde mental e prevenção do adoecimento psíquico.

Colaboradores

M. A. P. Carvalho coletou o material empírico, participou da análise e interpretação dos dados, além da concepção do manuscrito. M. D. Dias orientou a análise metodológica e contribuiu na organização do material empírico e redação do manuscrito. F. A. N. Miranda revisou o manuscrito globalmente e contribuiu com a configuração final do mesmo por meio de sugestões e acréscimos científicos. M. O. Ferreira Filha orientou a análise e cada etapa inerente à confecção e redação do manuscrito.

Recebido em 06/Jan/2013

Versão final reapresentada em 23/Abr/2013

Aprovado em 29/Abr/2013

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  • Correspondência

    M. A. P. Carvalho
    Programa de Pós-graduação em Enfermagem,
    Universidade Federal da Paraíba.
    Rua São Gonçalo 110, João Pessoa, PB 58038-330, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Jan 2013
    • Aceito
      29 Abr 2013
    • Revisado
      23 Abr 2013
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