Resumos
Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de um ponto de vista histórico, e discute como ele se apresenta atualmente no pensamento dos profissionais da saúde.
This paper analyses general ideas concerned about racism in a historical approach, and discusses the framework about it at present on health personnel belief as appointed on the text.
ARTIGO
Racismo no Brasil: os trabalhadores da saúde
Sérgio Koifman
Escola Nacional de Saúde Pública FIOCRUZ RJ
RESUMO
Este trabalho analisa idéias gerais sobre o racismo, de um ponto de vista histórico, e discute como ele se apresenta atualmente no pensamento dos profissionais da saúde.
ABSTRACT
This paper analyses general ideas concerned about racism in a historical approach, and discusses the framework about it at present on health personnel belief as appointed on the text.
APRESENTAÇÃO
Este trabalho, ao analisar algumas concepções sobre o preconceito racial vigentes entre os trabalhadores de saúde, apresentou, desde o seu início, um problema metodológico de relevância, qual seja, como compreender e situar para fins de discussão a questão do racismo.
Assim, a construção de nosso objetivo de estudo procurou obedecer inicialmente à necessidade de entender este fenômeno através de uma perspectiva metodológica e cientificamente coerente com os propósitos deste trabalho.
Segundo Lowe4, "toda ciência implica uma escolha e nas ciências históricas esta escolha não é produto do acaso, mas está intimamente relacionada a uma perspectiva global determinada. As visões do mundo sobre as classes sociais condicionam, então, não somente a última etapa da investigação científica social, a interpretação dos fatos, a formulação de teorias, mas também a escolha mesmo do objeto de estudo, a definição do que é essencial e do que é acessório, as perguntas que se colocam à realidade; em poucas palvaras, condicionam a problemática da investigação.
Desta maneira, será através das contradições geradas no plano da produção das riquezas e bens materiais, com seus reflexos intercambiáveis a nível supra-estrutural que procuraremos entender a historicidade do fenômeno do racismo no mundo, para então situá-lo num estudo de caso no Brasil de hoje.
RACISMO E IDEOLOGIA
Embora as referências às desigualdades étnicas remontem à Antiguidade, onde assumiam caráter de desigualdades entre formações sociais caracterizadas pelo modo de produção escravagista, o racismo como conjunto de categorias teoricamente organizadas e auto-explicativas, portanto ideologizantes, é um fenômeno relativamente recente.
É com Gobineau (1816-1882) que se conceitualiza, pela primeira vez, com seu "Ensaio sobre as Desigualdades Raciais", um corpo teórico estruturado sobre o racismo. A partir de concepções arbitrárias as diferentes raças descenderiam dos filhos de Noé (Sem, Cam e Jafet), constrói um edifício teórico sobre superioridade da raça branca para com as demais: "Nos llama la atención, sobre todo, el que la raza blanca no se nos muestre nunca en aquellos estadios primitivos en que vemos a las otras dos. La vemos ya desde el primer día (!) relativamente cultivada y dotada de los elementos originarios más importantes para llegar a desarrollar un estado de superioridad, que más tarde se desarrolla en algunas de sus ramas, creando las diferentes formas de la civiización." 1 1 GOBINEAU, JA. Ungleichheit des Menschenrassen. Berlin, 1935. Apud:Lukdcs 5p,550. . . .
"En el mundo oriental dice Gobineau sólo se libró una lucha continua de las fuerzas raciales entre el elemento ario, de una parte, y de otra, el principio negro y amarillo. Y no hace falta decir que allí donde las razas negras se limitan a combatirse unas a otras, donde las razas amarillas se mueven dentro de su propia órbita o donde luchan entre sí las mezclas raciales negras y amarillas, no hay historia posible. Estas luchas fueron esencialmente infecundas, como las fuerzas motrices étnicas que las provocaron. No crearon nada ni dejaron el menor recuerdo ... La historia sólo surge en el contacto muto entre las razas blancas".
"También dentro de esta rama de pueblos vemos que el fuego y el brillo de la épica sólo se desarrollan plenamente en las naciones que no permanecen exentas de la cotaminación con los negros".2 2 GOBINEAU, Id. ibid., p. 547. "El negro posse ... en grado muy alto aquellas dotes sensuales sin las que el arte sería inconcebible. Pero, de otra parte, la cerencia de dotes espirituales lo incapacita para el refinamiento de las artes . . Para que aquellos talentos puedan dar frutos, necesita mezclarse con una raza dotada de otro modo"
Assim, ignorando os avanços artísticos, científicos e a contribuição em vários ramos do conhecimento aportados pelas civilizações egípcia, chinesa, hindu, japonesa, árabe, asteca, maia e inca, para citar apenas alguns exemplos, o livro de Gobineau constiui, segundo Lukács5, "a primeira tentativa ambiciosa de reconstruir toda a História Universal por meio da teoria racista, reduzindo a simples problemas raciais todas as crises da história, todos os conflitos e as diferenças sociais".
Contudo, mesmo tomando em consideração o simplismo e a falsa cientificidade destas conclusões, como entender o relativo êxito da difusão das idéias de Gobineau?
Estas, assim como as dos outros pensadores das teorias racistas, a serem abordados posteriormente, devem ser analisadas à luz dos interesses que representavam na cena histórica onde foram geradas.
Para tal, parece-nos importante analisar algumas categorias desenvolvidas por Gramsci ao discutir o papel dos intelectuais na difusão de um pensamento com fins hegemônicos e organizadores de uma determinada sociedade. Segundo Gramsci, esta tarefa converte-se em uma das mais importantes na consolidação da Sociedade Civil, capaz de manter o consenso dos grupos subalternos graças ao domínio, no plano ideológico, pela classe dominante; em todas as situações em que se rompe esta ação organizativa pela qual os mesmos grupos subalternos deixam de visualizar os interesses da classe dominante como seus próprios, ocorre a necessidade da utilização de elementos coercitivos e repressores para a manutenção da situação de dominação.
Para esta tarefa de consolidação da hegemonia, "cada grupo social, ao nascer, no terreno originário da produção econômica, cria conjunta e organicamente um ou mais estratos de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não somente no campo econômico, mas também no social e no político"1. A estes intelectuais orgânicos, agentes da supra-estrutura de uma nova era das forças sociais emergentes, contrapõem-se os chamados intelectuais tradicionais," resíduos conservadores e fossilizados do grupo social superado historicamente (o que equivale a dizer que a nova situação histórica não alcançou ainda o grau de desenvolvimento necessário para ter a capacidade de criar novas supra-estruturas, e que vive ainda na envoltura carcomida da velha história"2.
Segundo Lukács5, "o início do Século XIX pauta-se, apesar da Revolução Francesa, por lutas contínuas na nobreza para tentar fazer prevalecer seus interesses, uma vez que à perda do poder político segue-se um largo período de instabilidade caracterizado pelo confronto entre a burguesia e proletariado nascente. Gobineau, enquanto intelectual tradicional, representante dos interesses da velha ordem feudal aspirando um retrocesso na História, deixa várias evidências em seu discurso sobre os verdadeiros interesses da classe que representava: "4ya hemos visto cómo todo orden social se basa en tres clases originarias, cada una de las cuales representa una variedad racial: la nobleza, imagen más o menos fiel de la raza vencedora; la burguesía, formada por bastardos, cercanos a la raza principal; y el pueblo, que vive esclavizado o, por lo menos, en situación muy humillada, integrado por una raza inferior, producida en el Sur por la mezcla con los negros y en el Norte con los finlandeses"3 3 Id., ibid, p. 543. . Mais ainda, os ideais democráticos de 1789 são envolvidos em suas afirmações racistas, tornando-se alvos a serem combatidos: "Tan pronto como circula sangre mezclada por las venas de la mayoría de los ciudadanos de un Estado, éstos se sienten movidos por la fuerza del número a proclamar como una verdad vigente para todos lo que sólo es verdad para ellos, a saber: que todos los hombres son iguales".4 4 Id., ibid, p. 543.
Embora as limitações deste trabalho não permitam um maior aprofundamento e questionamento da apologética aqui exposta, mas sim conhecê-las para compreender as raízes históricas do preconceito racial na atualidade, parece-nos adequado mencionar pensamento de Lukács5, o qual, referindo-se a Gobineau, menciona: "Ao fincar pé na desigualdade substancial dos homens, rechaça-se necessariamente a concepção mesma de humanidade, e com ela desaparece uma das mais altas conquistas da ciência nos tempos modernos: a idéia do desenvolvimento dos homens como uma unidade e através de um processo sujeito a leis". O debate oriundo desta contradição, de um lado, o conjunto de idéias igualitários e democratizantes da Revolução Francesa, de outro, o discurso elitista e marginalizador de Gobineau, irá travar-se no palco da plena afirmação das classes dominantes européias, da contenção parcial do movimento operário na Revolução de 1848 e, posteriormente, através da avassaladora conquista colonial na África e na Ásia. Os antigos impérios coloniais (Portugal, Holanda e Espanha) cedem lugar às novas potências imperialistas, emergindo neste processo o Império Inglês, a África Ocidental Francesa e seus territórios de ultramar, as colônias alemãs na Namíbia, o Congo Belga, entre outros.
Embora o conteúdo transformador de 1789 encontre eco no fortalecimento paulatino do movimento operário (fundação do primeiro Partido Operário em 1880, o Socialita Francês, da Associação Internacional de Trabalhadores, etc), a derrota da Comuna de Paris, em 1882, vem delimitar um certo refluxo do debate ideológico.
No campo das classes dominantes européias, ocorrerá um fenômeno de particular interesse para o estabelecimento de uma ideologia conservadora que justifique a conquista colonial. Trata-se do seguimento de uma corrente do pensamento idealista, conhecida como o darwinismo social.
A partir das conclusões obtidas por Darwin no campo das ciências biológicas, particularmente aquelas referentes à luta pela sobrevivência e a seleção natural das espécies mais aptas e resistentes, mas também através dos avanços na química e na física, estes pensadores passam a aplicá-los de forma mecânica à compreensão dos fatos sociais contemporâneos: "La mayor o menor afinidad mutua de los elementos o su repugnancia a ciertas combinaciones son fenómenos causalmente idénticos, y no simplemente parecidos, a las pasiones en la vida social, al amor y al odio"5 5 Ratzenhofer, G, Die soziologische Erkenntnis, 189%, Apud. Lukács 5 p. 556. . Assim, na qualidade de verdadeiros intelectuais orgânicos das classes dominantes, estes pensadores irão adaptar e modernizar o arcabouço teórico utilizado pela reação feudal, da qual Gobineau foi um exemplo, aos novos tempos. Nas palavras de Gramsci2, "cada novo organismo histórico,(tipo de sociedade) cria uma nova supra-estrutura cujos representantes especializados e porta-vozes (os intelectuais) somente podem ser concebidos como novos intelectuais surgidos da nova situação e não como continuação da intelectualidade precedente".
Gumplowicz, (1838-1909) que, segundo Lukács5, é o expoente desta corrente na língua alemã, escreveu: "Pues del mismo modo que nunca pueden perderse las fuerzas que obran en el resto de la naturaleza, cuya suma se trueca tal vez en otras que obran bajo distinto signo, pero sin que por ello disminuya, así también ocurre en el campo del proceso natural de la sociedad. La suma de las fuerzas sociales que obran dentro de los ámbitos de la humanidad desde los tiempos más remotos, probablemente no disminuye nunca. En épocas pasadas, esas fuerzas se manifestaban en las innumerables guerras entre las hordas y en las rivalidades entre las tribus; actualmente, con el desarrollo del proceso social en diferentes campos, con el progreso de las amalgamas sociales y los avances de la cultura, aquellas fuerzas no se pierden sino que se manifiestan bajo otras formas. La suma de las mutuas explotaciones llevadas a cabo en cada comunidad social dada, tal vez no se reduzca nunca, aunque se efectúen, a veces, bajo otras formas. Así, vemos que en Europa se libran hoy, en cuanto al número, menos guerras que en siglos anteriores, pero la magnitud y la importancia de cada una de ellas (por ejemplo, las de la guerra franco-alemana, las de la guerra ruso-turca o las de la ruso-japonesa) contrarrestan el número de las guerras del pasado".6 6 Gumplowicz, L. Der Rassenkampf. Innsbruck, 1928. Apud. Lukács 5 p. 557.
Com o desenvolvimento desta teoria, a postura racista está a um passo subjacente, com a única diferença que, enquanto com Gobineau ela servia aos interesses da ordem feudal, aqui, ecoam as vozes do capitalismo vitorioso: "Es falso hablar de la evolución del género humano . . ., pues lo que se desarrolla son las distintas razas"7 7 Waltmann, L. Politische, Anthropologie. Eisenach Leipzig, 1903. Apud Lukács 5 p. 563. tendo "la modesta esperanza ... de poder conservar y salvaguardar la sana y noble existencia de la raza actual por medio de medidas higiénicas y políticas encaminadas a protegerla".8 8 Id., ibid., p. 563.
Diz ainda Gumplowicz, em relação ao igualitarismo: ". . Lo que de un modo efectivo y permanente gobierna de un modo supremo el mundo son otras teorías y otros principios completamente distintos, más a tono con la naturaleza elemental del hombre. No son las doctrinas de Buda, ni las palabras de Cristo, ni los principios de la Revolución francesa las que resuenan por sobre el estrépito de las luchas de los pueblos; el grito que aquí se escucha es este otro: Aquí los arios, aqui los semitas, aquí los mongoles, aquí los europeos, aquí los asiáticos, aquí los blancos, aquí la gente de color, aquí los cristinaos, aquí los musulmanes, aquí los germanos, aquí los latinos, aquí los eslavos! y así sucesivamente, en mil variaciones distintas. Bajo estos gritos de batalla se hace la historia, se derrama a torrentes la sangre de los hombres, para que se cumpla una ley natural histórico-universal que todavía estamos muy lejos de haber llegado a conocer".9 9 Gumplowicz, L. Die soziologis-che Staatsidee, Graaz, 1902. Apud Lukács 5, p, 559.
Desta maneira, o darwinismo social, trazendo consigo a respeitabilidade de sua metodologia pseudocientífíca (basta recordar a teoria de Lombroso sobre a caracterização antropológica da criminalidade), analisando os fatos sociais como "coisas" na melhor tradição positivista, gera em seu bojo a luta pela existência entre as raças, respaldando a expansão colonial e a própria desigualdade entre os grupos sociais, particularmente o proletariado: O Estado, "como la ordenación de la desigualdad" es "la única organización posible entre los hombres".10 10 Id., ibid., p. 560.
Embora existam outros teóricos do racismo de importância, parece-nos que, para os efeitos deste trabalho, caracterizam-se os aspectos fundamentais deste fenômeno, segundo Lukács, quais sejam:
a) o racismo é um fenômeno historicamente determinado, e, enquanto tal, a serviço das posições das classes dominantes, em distintos momentos.
b) esta "postura de classe" advém da sua ruptura com o conceito de humanidade, concebida como o progresso advindo dos esforços de várias gerações, ao longo do tempo, em diferentes formações sociais.
c) mais que um conjunto de conclusões obtidas mediante uma metodologia de investigação, ele apresenta várias premonições elitistas a priori sobre as desigualdades entre os homens, valendo-se, para isto, de conceitos pseudocientíficos, ou não.
Uma vez explicadas estas considerações, torna-se manifesto que a análise do discurso sobre a temática do racismo na atualidade, objeto final deste trabalho, não será considerada como uma exposição autônoma e fortuita de alguns indivíduos. Pelo contrário, procurar-se-á estabelecer os nexos que a relacionam com toda uma postura ideológica estruturada, cujas raízes históricas foram mencionadas.
METODOLOGIA
Em exame de seleção a Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública, foi apresentado como questão de dissertação um texto escolhido da imprensa3 a respeito da situação atual da mortalidade infantil nos países escandinavos. Nesta publicação, aquelas taxas são comparadas com as de outros países, sendo abordados possíveis fatores explicativos para os reduzidos índices encontrados no Norte da Europa.
Como parâmetros de interpretação, foram apresentadas as seguintes perguntas:
1) Qual (is) o (s) principal (is) fator (es) associado (s) à diminuição da taxa de mortalidade infantil (TMI) nos países nórdicos?
2) Qual a importância dos gastos em saúde para diminuir a TMI?
3) Qual é a sua opinião sobre a situação no Brasil?
4) De que maneira os aspectos raciais parecem influenciar a TMI?
Participaram desta avaliação 185 profissionais de nível superior (tabela 1), correspondendo este trabalho á análise das respostas apresentadas à pergunta número quatro "De que maneira os aspectos raciais parecem influenciar a TMI?"
RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Dos 185 candidatos que prestaram o exame de seleção, apenas 22 (12%) negaram enfaticamente qualquer influência entre fatores raciais e as variações da mortalidade infantil.
Em relação aos aspectos raciais isolados, nada indica que eles possam influir positiva ou negativamente nas TMI.
Se existem fatores que influenciam a TMI, são falta de verbas do governo, falta de educação sanitária, precariedade de recursos, mas não os aspectos raciais.
Os aspectos raciais não influenciam as taxas, Países que hoje apresentam a TMI baixa tiveram épocas no passado em que seus índices eram iguais ou quase iguais aos países que hoje têm esta taxa alta.
Não importa se a raça é branca, negra ou amarela, o que importa é o padrão de vida de um povo.
Não me parece que haja um elo de ligaçao na TMI, entre as diferentes raças, mas sim um problema sócio-econômico-cultural.
Acredito que, qualquer que sejam os componentes genéticos que determinam a coloração de pele, a textura dos cabelos de determinados grupos, uma coisa estes grupos ditos "raciais" possuem em comum: são da raça humana. E como tal estão todos da mesma forma condicionados a políticas econômicas, culturais e sociais de suas etnias. Seja de que raça for constituído um país, se os seus habitantes tiverem uma situação sócio-econômica boa, se eles tiverem uma boa alimentação, boa habitação e educação, higiene, assistência médica eficiente, automaticamente a TMI será baixa.
As crianças nórdicas não vivem mais por serem nórdicas e sim porque seu país é desenvolvido socialmente.
Se levarmos em conta os aspectos puramente sociais, não há nenhuma ligação.
Não vejo como os aspectos raciais possam influenciar a TMI.
Os aspectos raciais me parecem falsos problemas, pois como já vimos, os fatores que influem na TMI estão ligados às condições básicas de vida dos seres humanos e não às raças.
Às vezes, este rechaço veio acompanhado de uma sólida argumentação de caráter histórico sobre os determinantes político-econômicos das diferenças encontradas.
À primeira vista, pela matéria apresentada, parece correta a teoria da raça ariana superior e da existência das sub-raças mestiça e negra. Porém, a validade desta tese já foi há muito derrubada . . . O foco de análise foi deslocado para o nível de desenvolvimento econômico-social e político que, na realidade é o fator que influencia, praticamente, determinando a TMI. A teoria racista era, e ainda é, na verdade, uma artimanha ideológica das grandes potências para legitimar sua dominação e assim tentar, também pela via ideológica, manter indefinidamente a situação de subdesenvolvimento da América Latina, África e parte da Ásia. Concretamente, a raça não vai influenciar na morte ou não de uma criança, mas sim a situação sócio-econômica e política da qual essa criança faz parte.
Um dado de constante presença é aquele referente aos sujeitos do racismo; embora o texto mencionasse os países escandinavos, a grande maioria dos candidatos orientou espontaneamente suas respostas para um grupo determinado, a população negra do Brasil.
Os aspectos raciais influenciam a TMI apenas no que toca à marginalização decorrente da condição sócio-econômica de determinados grupos raciais, como é o caso do negro entre nós. Ainda marginalizado desde a sua libertação, no difícil acesso aos meios que favoreceriam suas melhores condições de vida ensino, com conseqüente melhor optidão e especialização para o trabalho, e portanto, melhor remuneração, por exemplo). Ocupam geralmente cargos de mão-de-obra não especializada, vivem de biscates, ou atualmente, constituem grande parte do contingente de desempregados. Suas condições de vida, portanto (habitação, saneamento, alimentação, acesso aos serviços de saúde, etc) são precárias, bem como as de suas famílias e filhos, caindo no problema anterior, a fome e suas conseqüências: desnutrição e as doenças dela decorrentes, com altas taxas de mortalidade infantil
Os negros, trazidos da África para serem escravos, não tinham direito e só foram adquirir alguns depois da "Lei Áurea". A partir de então, iniciaram um processo de entrosamento numa sociedade da qual não faziam parte. Iniciaram em desvantagem, não podendo se organizar como cidadãos numa sociedade ainda racista, apesar da mudança ocorrida. Durante muito tempo, continuaram à margem da sociedade, e ainda continuam assim como se vê pela grande população de negros e mestiços nas favelas.
O aspecto racial em si não tem nenhuma influência na TMI. O fato é que a população negra por exemplo, é a que vive na maior miséria, sendo obviamente, por este motivo, a mais atingida.
No Brasil o negro ainda é influenciado pela sua situação histórica, mesmo que a nossa Constituição reze a não-discriminação racial
A formação histórica do Brasil sempre nos levou a ver o negro e o indígena como seres próprios para trabalhos braçais, logo inferiores ao branco. Não foi dada a estes dois grupos étnicos a oportunidade de desenvolverem suas capacidades intelectuais, o que sempre os levou para uma camada social inferior.
Além do Brasil, o país mais identificado com práticas racistas pelos candidatos foram os Estados Unidos, sendo a África do Sul mencionada uma única vez.
A raça em si não é fator de mortalidade infantil, mas os preconceitos que possam existir com relação a qualquer uma delas. . . Em certas partes, como, por exemplo, a África do Sul, é conhecido o problema do negro pelo apartheid.
Geralmente, como acontece nos EUA, os negros são os que possuem rendas menores. Por isto, moram em lugares afastados dos grandes centros, em situações precárias de saúde, educação, alimentação e moradia, fazendo com que a TMI seja maior nessas áreas de concentração.
Os aspectos raciais influenciam na TMI, pois, nos EUA, onde há o racismo, os negros são as pessoas de baixa renda, gerando com isto falta de saneamento ou saneamento inadequado, habitações inadequadas, baixa no poder aquisitivo, insuficiente assistência médica.
Se a raça negra nos Estados Unidos, por exemplo, é a que vive em maiores condições de miséria, logicamente entre eles será maior a TMI.
Do conjunto de candidatos, 18 (10%) não responderam especificamente a esta pergunta, omitindo qualquer comentário a respeito. Tal percentual pode estar refletindo as dificuldades da discussão do tema, sendo um possível indicador dos obstáculos em abordar a questão do racismo em nossa sociedade.
O grupo restante de 175 candidatos (78%) caracteriza-se por um denominador comum, qual seja a ausência em suas respostas da negação sobre qualquer influência de fatores raciais na mortalidade infantil, ainda que os matizes assumidos por esta postura sejam variados.
Um grupo numericamente elevado de respostas encontra na variável sócio-econômica o elemento explicativo primordial dos diferenciais de mortalidade infantil, sem apresentar contudo um claro posicionamento sobre a questão colocada dos fatores raciais.
No Brasil, se formos separar a TMI por raça, ela será bem maior na raça negra; o mesmo se repete nos EUA; nos países nórdicos, se formos fazer esta separação, talvez encontremos um número bastante significativo do grupo de emigrantes do Sul da Europa (Portugal, Espanha e região da Sicília).
Portanto, ao se analisarem as teses de mortalidade infantil, o problema é muito mais econômico-social do que puramente genético.
O grupo restante de respostas caracteriza-se por diferentes níveis de expressão do pensamento racista, em abordagens que procuram consubstanciar uma racionalidade a qual justifique a postura expressa. Em outras palavras, buscam também obter uma cientificidade para a análise realizada.
O primeiro grupo pode ser identificado pela visão antropológica da questão, identificando na cultura e na educação os elementos primordiais das diferenças encontradas; é importante observar que, da mesma forma que Gobineau, estes não tratam de diferenças culturais historicamente construídas entre grupos étnicos, mas sim distinções inerentes ao conceito da raça.
Existem algumas raças que perpetuam através dos séculos, costumes alimentares e religiosos que muitas das vezes é quase impossível ministrar-se noções de higiene, sendo difícil a instalação de Programas Nacionais de Educação.
Os aspectos raciais parecem influenciar a TMI devido à educação de cada raça.
Os aspectos raciais parecem estar ligados mais a fatores sócio-econômicos, em um país onde a própria cultura favoreceu a dominação da raça branca sobre outras raças. Cada raça possui seu processo cultural. A cultura de um povo rege suas atitudes. Determinadas raças tiveram seus processos de aculturamento anterior a outras, por isto, se concentram em um nível social mais elevado. Este nível social leva a maior preocupação com fatores ligados à saúde e isto leva esta determinada raça a ter mais recursos para a saúde. Com atenção especial para a infância, as TMI reduzem-se cada vez mais, e esta redução é o espelho da socialização evolutiva de uma raça. Cada grupo étnico traz consigo uma cultura, certos padrões de vida, certa forma de organização social. Tanto os fatores biológicos ou seja, os fatores de hereditariedade que carregam consigo , como os sociais, têm influência na maneira como estes grupos, de uma maneira geral, reagem a certos estímulos. Portanto, o fator raça não é o principal componente, mas é um fator que deve ser considerado.
Através, por exemplo, dos costumes que são passados para as futuras gerações.
Quanto mais desenvolvida uma raça, melhores as condições de vida, portanto maiores as chances de sobrevivência infantil, menor a TMI. Dois dos fatores mais importantes para a diminuição da TMI são a educação e a informação.
Acredito que os aspectos raciais influenciem na TMI devido à educação de base, isto é, através do conhecimento sócio-cultural.
Influenciam em vários aspectos como por exemplo: hábitos culturais, religião, hábitos alimentares, sociais, etc. De acordo com cada cultura, ter-se-á um padrão de saúde característico.
Têm uma certa importância os fatores raciais, mas não têm importância efetiva, maciça. Existe maior importância nos valores culturais, tomando-se que por racial vemos mais o aspecto genético.
Têm alguma influência, nosso povo é miscigenação de portugueses, índios e negros, e, mais tarde, outros povos, Índio se tratava com as ervas, através de seus curandeiros, os negros, com sua crendice, influenciaram muito. Até hoje, várias pessoas deixam de ir ao médico para se tratar em centro espírita e tomar ervas, etc.
Quando estão ligados à baixa condição de vida, tabus, crendices e preconceitos.
Outro conjunto quantitativamente importante de respostas concentra nas leis de Mendel a solução para suas perguntas, reforçando a postura de "objetividade científica" em suas afirmações, numa surpreendente identidade com os darwinistas sociais.
Os aspectos raciais podem influenciar na TMI, e explicações para este fato buscaremos inicialmente na genética, onde sabemos estão os segredos da reprodução humana, vistas no seu lado físico e químico, e as gerações raciais, pelos seus próprios hábitos alimentares e capacidade de viver em seu "nicho ecológico", adquirem maior ou menor capacidade de adaptação ambiental, constituição ou mesmo defesas frente aos agentes agressores do indivíduo. Portanto, raças diferentes, com hábitos, alimentação, educação, constituições, sociabilidade diferentes, portavam-se frente à saúde de modo diferente, logo com TMI também diferenciadas.
... O que acontece é que todos os fatores juntos levam um povo, ou uma raça, a melhorar seu padrão de vida e, desta forma, as gerações vindas de gerações "apuradas" serão melhores. E isso acontece com todo o reino animal e vegetal.
No meu modo de ver, os aspectos raciais parecem influenciar a TMI no sentido de que uma raça que tem atenção médica de qualidade, uma melhor educação da futura mãe, um bem-estar econômico social, tudo isso e mais algumas coisas se transmitiriam lentamente e geneticamente, e, após um bom tempo, seria cada vez melhor a saúde dos nascidos. Seria interessante, apenas a título de elocubração, implantar essas benfeitorias sociais em outros povos para se ter dados mais concretos e definitivos se realmente é uma questão de raça. Mesmo em uma sociedade mista como aquela em que vivemos, as diferentes raças apresentam determinadas influências na TMI. Tais influências podem ser causadas pela variação genética que possuem.
O aspecto racial envolve hereditariedade. À medida em que um povo tem seu padrão de vida elevado, isto influenciará a qualidade de saúde de seus descendentes. E, com respeito a esse aspecto, o Brasil tem importantes motivos para preocupação, com referência aos filhos do Nordeste. A seca que perdura há quase uma década e que provoca um nível de vida precário e muitas vezes subhumano na população daquela região certamente trará conseqüências negativas aos seus descendentes.
Na determinação do estado saúde-doença tem-se que levar em consideração os fatores internos e externos. O fator interno compreende o genótipo e tem uma carga de vital importância . . O aspecto cultural de um povo, através da atenção de saúde a gerações e gerações no seu desenvolvimento, prevenindo a perpetuação desses fatores internos, contribui inevitavelmente na redução dessa mortalidade.
As pessoas que vivem num meio carente, sujeitas às doenças, sem conscientização sobre métodos sanitários, e sem chances e oportunidades de se livrarem disso, têm probabilidade cada vez maior de transmitirem essas carências hereditariamente.
Acredito que, na origem, as raças possuem características diferentes, umas até são mais resistentes, outras são mais inteligentes, outras são mais trabalhadoras .
Os aspectos raciais influenciam na TMI, talvez pelos antepassados de cada raça, suas crenças, condições sócio-econômicas.
Quando se procura estabelecer parâmetro entre características raciais e TMI, é preciso, antes de qualquer consideração, destacar o contexto no qual será feita a análise. Quanto aos países nórdicos, é preciso mencionar o fato de que os mesmos possuem uma homogeneidade racial, ligada ao processo de formação histórica .
Prossegue a busca de fatores explicativos que, apesar de incongruentes, são apresentados como verdades absolutas do conhecimento de todos, no melhor estilo de Gumplowicz:
Praticamente não há uma influência racial, há, isso sim, determinadas raças suscetíveis a certas doenças. Temos como exemplo: Preto-Tuberculose; Amarelo-Hanseníase; Vermelha-Doenças Venéreas.
Essa questão depende do tipo de comunidade formada. Nós sabemos que a raça negra é mais susceptível a certas infecções que a branca.
Há fatores biológico-sociais que influenciam a TMI. Há fatores genéticos e congênitos que expõem uma população a um maior risco (suscetibilidade). Aliado a estes, temos os fatores sócio-culturais, a etnia, as crenças, o fatalismo entre nascer/morrer, os aspectos educacionais. Frisemos que o conceito de doença é mutável e peculiar a cada raça, a cada classe.
Os aspectos raciais influenciam a TMI porque cada raça tem sua cultura e seu modo típico de viver. . E, levando-se em conta que certas raças são mais propensas a adquirir certas doenças, é de grande importância conhecermos os aspectos raciais de uma comunidade para, a partir daí, trabalharmos nas deficiências e necessidades.
Determinadas raças têm menos imunidade que outras a algumas doenças, podendo levar a um aumento de índice de mortalidade.
Podemos aceitar, é claro, os fatores mórbidos mais característicos a cada raça, aqueles que incidem com mais freqüência em cada uma delas.
Atendo-nos às características genético-ambientais das populações, verificamos diferenças nas diversas raças quanto à suscetibilidade maior ou menor às doenças, conseqüentemente variações específicas nos índices de sobrevivência e longevidade.
Os aspectos raciais influem de uma maneira biológica onde, por exemplo, a raça negra tem menos predisposição para certos tipos de doenças.
Através de fatores genéticos que podem estar associados a este ou aquele tipo racial, determinando maior ou menor capacidade dos indivíduos ou a superação de condições adversas do meio ambiente.
Na mesma linha de pensamento, outros fatores causais, tais como os geográficos e "históricos" também são tomados em consideração:
Os aspectos raciais parecem influenciar na TMI devido à qualidade do clima que dificulta o aparecimento de doenças infecto-contagiosas.
Em toda a nossa história, sempre vemos que um povo é submisso a outro, por isso a distiinção racial, a meu ver, é um fator de subdesenvolvimento social
Os aspectos raciais influenciam a TMI através das doenças hereditárias ligadas à raça ou a regiões do mundo .
Os aspectos raciais influenciam na TMI, na medida em que os povos são mais organizados, conscientes e determinados na política de saúde.
Finalmente, o conjutno de respostas em que o discurso racista surge de forma cristalina, despojado de qualquer veleidades na sua manifestação.
As famílias de baixa renda são, na sua maioria, pessoas mulatas, negras, etc. Vivem em confronto com a realidade econômica do país.
Os aspectos raciais parecem influenciar no setor saúde pelos seus costumes. . O nível sócio-econômico é diferente nas diversas raças: os amarelos têm um poder aquisitivo maior, a raça negra já não o tem em seus países e, aqui no Brasil, também é assim, a raça negra é mais marginalizada, mais inculta, mais sem educação, e isto não é culpa do governo ou da sociedade, é culpa da própria raça que é comodista, não menos inteligente, o que torna baixo o seu Q. I. .
Existem as raças mais favorecidas ou que tiveram mais êxito. Estas não sofreram tanto o problema como a negra, por exemplo. Quem ocupa regiões do submundo, vivendo à margem do normal? São eles mesmos, ao menos aqui no Rio de Janeiro.
O fator de importância também, nestes países (nórdicos), é a ausência de misturas raciais, uma sociedade homogênea, sem problemas de discriminação racial e outros fatores que dificultam a integração social, facilitando uma organização da sociedade no sentido de melhor aproveitamento de seus recursos.
Na medida em que, desde os primordios, houve uma separação nítida da população em puros (brancos) e impuros (negros, amarelos, híbridos). Às raças marginalizadas, foram dadas menores chances de projeção social, cultural e econômica; isto significa que as raças "impuras"se tornaram as mais pobres, e reforça, inclusive, o conceito de que realmente a saúde anda de braços dados com o desenvolvimento econômico.
Determinadas raças sofrem o preconceito, assim como a negra, a mais marcada, talvez . . . Então, uma vez que não lhes são dadas oportunidades de melhoria de vida, e não conhecem a parte profilática, por exemplo, o pré-nupcial e o pré-natal que têm como objetivo a eugenia, os filhos das mulheres desta raça, em sua maioria, nascem desprovidos de condições para sobreviverem. Deixando o preconceito à parte, têm raças que provêm de descendentes com uma resistência física .
CONCLUSÃO
A leitura e análise sistemática do conjunto de respostas aqui apresentadas, conduz à reflexão sobre algumas constatações.
A primeira consiste em revelar que, a despeito de qualquer juízo de valor, um grande número de trabalhadores do setor saúde expressa hoje os valores considerados como científicos há pelo menos um século, na sociedade em geral e na atenção à saúde, marcadamente racistas. O pensamento médico, estando vinculado aos setores dominantes numa formação social com tais características, era, ele mesmo, palco da elaboração e fortalecimento deste discurso:
Sórdidas escravas, devassas de organização, contaminadas pelos vícios sifilíticos bobáticos, etc, são as encarregadas da saúde e futuro das infelizes crianças, que, com o leite, bebem peçonha que há de envenenar a vida, augurando-lhes um futuro de moléstias e dores. 11 11 O ópulo, o onanismo e a prostituição. Tese à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1845 6.
Pela amamentação láctea podem ser transmitidas certas disposições hereditárias que terão mais tarde de manifestar os seus funestos efeitos sobre a economia dos pequenos entes. 12 12 Memória sobre a amamentação e as amas de leite. Anais da Medicina Brasileira, 1889-70 6.
Não se infira que pretendamos nem de leve sequer abolir o castigo dos pretos, antes os aprovamos, mas aplicados com moderação e dentro da esfera das leis da humanidade. 13 13 Ensaio sobre a Higiene da Escravatura. Tese à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1849 6.
Observa-se, assim, a grande identidade do discurso apresentado na atualidade e o senso comum, entendido como o conjunto de "caracteres difusos e dispersos de um pensamento genérico de certa época" surgindo como "amálgama de diversas ideologias tradicionais e da ideologia da classe dirigente7".
Em outras palavras, a ser representativa a amostra de idéias aqui analisadas, temos hoje no país um grupo expressivo de técnicos de saúde difundindo um pensamento racista anacrônico, mas profundamente organizado. Na medida em que este incorpore diferentes fatores descritivos para explicar as diferenças sociais (de natureza cultural, geográfica, biológica, etc), tenta viabilizar sua aceitação e, desta maneira, a própria manutenção das relações sociais existentes.
A segunda constatação diz respeito aos resultados do sistema educacional vigente na área de saúde, bem como suas implicações; ao equipararem seres humanos a ervilhas, ou ao incluí-los enquanto meros componentes passivos da natureza, os vários exemplos aqui citados permitem visualizar a falência do processo de formação científica daqueles que detêm papéis socialmente delegados quanto a sua elaboração e difusão. Mais que isto, reforça o papel representado hoje pela Universidade, na medida em que esta passa a fornecer um instrumental teórico, o qual tenta reapresentar o senso comum através de nova vestimenta, a Ciência, ou o que se acredita ela represente.
Desta maneira, observa-se a organicidade conferida pelo pensamento racista na área da saúde a um dado projeto de hegemonia: através da utilização de uma conceituação respaldada ou não cientificamente, tenta tornar-se compreensível e aceitável o processo de dominação das classes subalternas.
À guisa de encerramento, as questões aqui apresentadas indicam que as discussões sobre o Direito à Cidadania, apontado como passo fundamental para a redemocratização do país na VIII Conferência Nacional de Saúde, não podem continuar proteladas. Numa sociedade em que a discriminação encontrou formas próprias, mascaradas e, portanto, aceitáveis para sua existência, não haverá democratização do setor saúde nem da sociedade como um todo, enquanto persistam cidadãos de segunda classe, em que os mecanismos ideológicos que consubstanciam o racismo prossigam profundamente enraizados, sem serem questionados.
Entre outros fatores, a unificação do Setor Saúde e a Reforma Sanitária dependem também deste debate, pois as barreiras à sua execução não encontram-se, apenas, nos setores conservadores e privatizantes do país, mas também encrustadas em nosso próprio meio, através da ideologia de nossos quadros técnicos. Abrir o debate hoje contra o racismo é lutar também pela elevação de qualidade da atenção, a universalização do cuidado e pela igualdade de acesso, enfim, pela Reforma Sanitária.
Recebido para publicação em 01.09.86
- 1. GRAMSCI, A. Los intelectuales y la organización de la cultura. Buenos Aires, Nueva Visión, 1972. p. 9.
- 2. GRAMSCI, A. El materialismo histórico y la filosofia de Benedeto Croce. Buenos Aires, Nueva Visión, 1971. p. 157-8.
-
3JORNAL DO BRASIL, 12 de março de 1984.
-
4LOWI, M. Objetividad y punto de vista de clase en las ciencias sociales. In: ______. Sobre el método. México, Grijalbo, 1974. p. 18.
- 5. LUKÁCS, G. El darwinismo social, el racismo y el facismo. In:______. El asalto a la razón. México, Grijalbo, 1968. p. 538-64.
- 6. MACHADO, R.; LOUREIRO, A.; LUZ, R. & MURICY, K. O negro no pensamento médico. In: ______. Danação da norma; medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1978, p. 353-72.
- 7. PORTELLI, H. Gramsci y el bloque histórico. 3. ed. México, Siglo Veintiuno, 1973. p. 21-2.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Abr 2006 -
Data do Fascículo
Set 1986
Histórico
-
Recebido
01 Set 1986