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QUANDO DO GRITO SE FAZ POESIA: TRADUÇÃO D’OS CRIMES DE PUTUMAYO

WHEN POETRY IS MADE FROM THE SCREAM: A TRANSLATION OF OS CRIMES DE PUTUMAYO

Resumo

Breve biografia do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), sua relação com os indigenas visitados e a ambivalência dessas relações amigáveis e de confiança, imprescindíveis a pesquisa etnológica de Koch-Grünberg, para poder enriquecer as coleções etnográficas dos museus na Alemanha.

Palavras-chave
Tradução; Putumayo; Genocídio de Indígenas; Economia da Borracha

Abstract

A brief biography of the German ethnologist Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), his relationship with the indigenous people he visited and the ambivalence of these friendly and trusting relationships, indispensable to Koch-Grünberg‘s ethnological research in order to enrich the ethnographic collections of museums in Germany.

Keywords
Translation; Putumayo; Indigenous Genocide; Rubber Economy

O livro El Proceso de Putumayo y sus secretos inauditos vem à público no ano de 1915, em primeira edição, sendo posteriormente lançado em 2004 pelo CETA (Centro de Estudos Teológicos da Amazônia), de Iquitos (Peru), a partir do projeto editorial Monumenta Amazônica, que tem o objetivo de pesquisar e editar/reeditar fontes históricas do vale amazônico desde o século XVI até princípios do século XX. O autor da obra é o juiz do processo de Putumayo Carlos A. Valcárcel, que imprime em suas páginas mais que a visão do jurista envolto com centenas de páginas, dada a complexidade do evento, diria que se destaca principalmente a visão do humanista, no alvorecer do século XX, que intenta utilizar-se das prerrogativas legais e da ciência a fim de imputar autênticos genocidas responsáveis pelos crimes hediondos, e que reiteradamente e conscientemente buscavam permanecer em um tempo de desmandos e atrocidades nos confins da floresta amazônica, entre os rios Putumayo e Caquetá, na tríplice fronteira da Colômbia, do Peru e do Brasil, por ocasião da explosão da economia gomífera no trânsito entre os séculos XIX e XX.

Figura 1
Capas do Livro, nas edições de 2004 e de 1915

Vale lembrar que este livro é fruto direto dos autos processuais conduzidos por Valcárcel, e que resultaram em uma publicação de 522 páginas na edição que utilizamos para a tradução (Edição de 2004), totalizando 12 capítulos, além do Prólogo e da Conclusão, sendo precedido de um estudo introdutório sócio-histórico e cultural de Alberto Chirif. O capítulo que utilizamos foi o primeiro – “Os crimes de Putumayo” (p.111-120) –, em que são relatados os crimes em conformidade com os autores, especificando-se os castigos impelidos contra os indígenas por gerentes e empregados da empresa de exploração de borracha “Larrañaga, Arana e Companhia”, que possuía arrendamentos de terras concedidos pelo governo peruano de então para a coleta e beneficiamento primário do caucho. Também transparece nitidamente nas palavras deste capítulo o caráter truculento e sociopata dos criminosos que açoitaram, balearam, esfaquearam e queimaram vivos indígenas, que eram explorados em trabalho escravo na coleta de goma de borracha a serem entregues nos barracões da empresa.

Nas palavras iniciais do autor-juiz, ele nos garante que não irá “fazer um relato adornado com galas da poesia sobre os crimes de Putumayo”, por sua incapacidade para tanto, bem como pela finalidade da escritura jurídica, sendo inapropriada a linguagem de teor poético. Mas certamente sua descrição e narrativa, destacadas pelas adjetivações bem marcadas para os exploradores – flageladores, verdugos, monstros, gente bêbada – e para os indígenas – vítimas, desgraçados indígenas, infelizes índios – demonstra que a indignação do autor, mesmo a despeito de sua imparcialidade de juiz, tem o efeito de pintar com as cores do grito e da dor um quadro que remete o leitor ao poético efeito da natureza humana, entre a civilidade e a barbárie. E de chofre coloca o tradutor em uma condição de ir além da mera transliteração de palavras e frases, num desafio de impingir, na língua de chegada, essa condição ocultada pela pena de um autor vigilante de seu papel profissional, daí segurar ao máximo as adjetivações, mas que por outro lado nos brinda com momentos em que seu lirismo pulula:

O que passou em Putumayo é algo estupendo, algo que seria inacreditável se o processo com esse laconismo, com essa simplicidade de estilo dos processos judiciais, com esse conjunto de provas incontestáveis que oferece não produzisse em nosso espírito a convicção triste, penosa, que são certos nos crimes de Putumayo. Convicção penosa não porque esses crimes foram realizados no Peru ou porque esses crimes foram encobertos por alguns funcionários repugnantes daquele país, mas pelos tormentos inauditos que milhares de seres humanos sofreram, pela representação da imensa dor das vítimas e a sensação de mal estar indescritível que produz o espetáculo das grandes injustiças.

Mesmo que se trate de um capítulo inicial, com pouco a apresentar da recorrência dessa escritura do entre-lugar da literatura e da ciência, é evidente certa parcialidade do autor, que devota seu olhar para o positivismo da era finissecular e anunciadora de um tempo em que o humanismo e o positivismo poderiam ser a ponta de lança para a conformação de uma sociedade e humanidade mais vigilante às injustiças sociais e atos criminosos e genocidas, que se avizinhavam também com a 1ª grande guerra. E tudo porque, mesmo com o advento da modernidade humanística e da modernização das cidades, ainda persistiam práticas e valores colonizadores, que impingiam ao nativo ameríndio características meramente animalescas, e por isso poderia ser explorado até à morte, o que era de certa forma apoiado pelo Estado nacional, nas atitudes das instituições, desde as instâncias superiores de governos e do judiciário até os agentes públicos da base, como fiscais e funcionário diversos. Como não se indignar com esse cenário, ainda mais quando, na condição de guardião da lei, nosso autor-juiz depara-se com um evento estupendo e incrível, mas que deveria ser relatado com o laconismo e simplicidade de estilo dos processos judiciais? Este é o desafio do tradutor que veremos a seguir, não sem antes nos atermos às condições socio-históricas que deram à luz os crimes de Putumayo.

Das heranças coloniais

Desde princípios de 1907 passaram a circular na cidade de Iquitos, Departamento de Loreto, na Amazônia peruana, relatos de atrocidades cometidas por empregados e capatazes da companhia cauchera de Julio Arana contra indígenas recrutados para a coleta da goma de borracha, na região entre os rios Putumayo e Caquetá, em especial na localidade de La Chorrera, às margens do curso d’água Igaraparaná, afluente do Putumayo. A Casa Arana era acusada de escravidão, tratamento cruel dos indígenas e assassinato destes com o único objetivo de reduzir custos e aumentar os lucros. Mas somente a partir de denúncia de Saldaña Roca, morador de Iquitos, e com a publicação de matérias em jornais desta cidade e da capital do país, Lima, em agosto de 1907 é que teve inicio o processo judicial, mesmo que antes dessa data dois funcionários do governo peruano tenham se deslocado até a região, mas “nada” constataram de criminoso ou ilegal. Assim começa um périplo processual que, passado os tempos, não surtiu efetivamente nenhum efeito legal, moral ou político.

Isto porque desde a denúncia de Roca, na Corte em Iquitos, somente em agosto de 1910 o fiscal da Corte Supremo do Peru, Salvador Cavero, deu continuidade ao processo, que “dormiu” durante quatro anos nas mesas e gavetas em Iquitos, por complacência e corrupção dos servidores daquela instância local. Mas a retomada só foi possível em razão da publicação de carta de Enrique Deschamps, junto a Sociedad Libre de Estudios Americanistas, de Barcelona, em junho daquele ano, detalhando os horrores do tratamento dispensado aos indígenas naquela região. A partir daí forma-se uma comissão para averiguar os fatos in loco, em princípio comandada pelo juiz substituto Rómulo Paredes, uma vez que Carlos Valcárcel, por questões de saúde, teve que se ausentar da comarca até abril de 1911. Com o retorno de Paredes da viagem de averiguação ao Putumayo e com a presença de Valcárcel, formou-se o processo com vastas provas testemunhais, materiais coletados em campo e documentos, resultando em julho daquele ano na ordem de prisão do gerente da Peruvian Amazon Company, Pablo Zumaeta, e demais representantes da companhia de Julio Arana, em Iquitos.

O que se seguiu, no entanto, foi prova mais do que inconteste do racismo estrutural presente nas instituições de Estado, particularmente em países que sofreram a colonização, posto que o ranço racista sobrevive nos valores e nas práticas hodiernas. O poder econômico e moral de Arana se sobrepôs ao instituto da modernidade social e estatal, quando se utilizou a burocracia de estado para retardar demasiadamente os trâmites para o aprisionamento e julgamento dos imputados, posto que o próprio agente fiscal local da Corte loretana interpôs 255 processos, ou seja, um contra cada acusado, fosse empregado ou gerente, tornando impossível o bom andamento processual pela explosão de processos a serem resolvidos. Paralelamente, a Corte de Iquitos suspendeu a ordem de prisão dos diretores da companhia, por haverem encoberto os delitos e terem sido cúmplices, o que havia sido comprovado pelos juízes do caso. Ademais, o próprio Valcárcel foi penalizado pela Corte de Iquitos por haver se ausentado após a emissão das ordens de prisão, acusado de abandono de cargo, mesmo que estivesse em licença autorizada pelo governo peruano. Certamente, Valcárcel sabia dos interesses e cooptações de Arana em relação ao poder local, mas optaram pelo caminho mais difícil, que foi enfrentá-lo pela via legítima e legal da instituição democrática e do estado moderno, mesmo que lhe custasse a própria carreira de juiz, que após esse caso a abandonou, não sem antes publicar, desde o Panamá, em 1915, o seu testemunho do processo.

É bom que se diga que as justificativas apresentadas pelos violadores dos direitos humanos no seio da floresta implicavam na defesa do bem-estar da sociedade e na utilidade pública da exploração do caucho, mesmo que para isso houvesse a mortandade indiscriminada das populações locais, intensamente exploradas até à exaustão do recurso natural e das forças físicas dos trabalhadores: tão somente são justificativas demagógicas que fortalecem interesses próprios sob o manto do bem comum. É bom que se diga que este recurso natural já era explorado pelos indígenas há muito, só que a demanda pela borracha cresceu acentuadamente com o incremento da indústria automotiva nos Estados Unidos e na Europa, com graves consequências aos ameríndios, como é o caso de Putumayo:

La «fiebre del caucho», como se denominó al período de mayor demanda y comercialización del caucho en Europa y Estados Unidos en el siglo XIX, tuvo graves consecuencias económicas y sociales en el Amazonas y en los países que lo contienen. El rápido incremento de su explotación, junto con la discriminación social hacia los indígenas disparó la colonización de la zona y acabó en un horrible genocidio, el conocido como «escándalo del Putumayo»

(Bonet, 2016Bonet, Elena Soler. Caucho y genocidio: “Los indios del Putumayo”, de Roger Casement. Barcelona: Facultat de Traducció i d’Interpretació, Universitat Autònoma de Barcelona, 2016., p. 6).

Aliado ao capitalismo selvagem, que tem seus efeitos diretos na Amazônia, havia desde muito, como herança colonial, o etnocentrismo dos exploradores, que viam o indígena como selvagens. Desde a colonização, primeiramente através dos religiosos ocupados com a catequização e aproveitamento da mão de obra nas reduções cristãs, e depois, no século XIX, com o discurso positivista da teoria da evolução, a pecha de inferiores somente cresceu, posto que o evolucionismo social “no intenta sólo una explicación fría y objetiva de la historia de la humanidad, sino que implica también una tomada de posición subjetiva frente a ella, según la cual los viajeros y sus congéneres occidentales ocupaban el lugar privilegiado en la escala” (Chirif, 2004Chirif, Alberto. Introducción. In: VALCÁRCEL, Carlos A. El proceso de Putumayo y sus secretos inauditos. Iquitos: CETA, 2004., p. 29). Dessa feita, seria aceitável que os indígenas fossem tratados como animais selvagens a serem domesticados para o bem da civilização, agora baseado no trabalho para o progresso social, mesmo que nessa condição não houvesse nenhum remorso ou pudor para maltratá-los até à morte, se necessário o fosse, o que é reiterado nas palavras de uma testemunha, no decorrer do processo judicial, que declarou que o encarregado da seção de coleta de caucho “Último Retiro”, Alfred Montt, “mató a los indios Bique y Torena, flagelándolos y poniéndolos en cepo por varios días sin darles de comer” (Valcárcel, 2004Valcárcel, Carlos A. El proceso de Putumayo y sus secretos inauditos. Iquitos: CETA, 2004., p.132).

Das escolhas tradutórias

A tradução, à primeira vista, leva-nos ao exercício de um sentido estrito, que é, frequentemente, uma relação e correspondência direta entre palavras, mesmo que procedam de culturas e troncos linguísticos distintos. Neste caso, o tradutor busca a fidelidade textual como a necessária condição para que o trabalho do tradutor se realize, mas isso pode implicar no reconhecimento de que a tradução é impossível em decorrência de que inexiste a correspondência plena entre as línguas, seja do ponto de vista morfossintático, seja quanto à semântica: línguas são seres vivos, visto que seres vivos e dinâmicos à utilizam e a (re)constroem diariamente. Por isso, “filosoficamente” falando, minha opção nesta tradução foi mais de um exercício de “traição”, pois reconhecendo que a tradução é possível também reconheço que a “boa tradução só pode visar uma equivalência presumida, não fundada em numa identidade de sentido demonstrável. Uma equivalência sem identidade” (Ricoeur, 2012Ricoeur, Paul. Sobre a tradução. Tradução de Patrícia Lavelle. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p.47). Daí que a tradução é um desejo, o desejo do tradutor em ser legível para o leitor, mas a partir dos objetos de desejo do primeiro, que podem não ser os mesmos do segundo, e por isso cada nova tradução do original, a depender da língua de chegada, é parte de uma cadeia de apropriações (o grande objeto da tradução), em vista de que o desejo é deslizante.

Portanto, nossa consideração neste trabalho é a tradução em sentido lato, sendo aprioristicamente a apreensão e interpretação do conjunto textual, ainda mais quando se trata de tradução entre línguas tão próximas, como o espanhol e o português, seja pela herança ibérica, seja por serem do tronco latino. Essa condição pode nos pregar surpresas relativas à polissemia vocabular, posto que tirar a palavra de seu uso e contexto implicam em imprecisão quase certa. Em nosso caso, menos perigoso seria considerar a frase, porque sendo um texto amplamente tendente à objetividade - lembremos que é a tradução de um processo judicial - seu autor não se escusa de tratá-lo, por vezes, com a subjetividade e emotividade próprias do discurso da indignação e da polêmica: a frase, lembremos, é a unidade do discurso, e se assim queremos considerar que os gritos dos excluídos, dos indígenas açoitados e mortos, sejam ouvidos em seu teor quase poético de gutural expressão de horror somente poderemos assim o tê-lo pela ênfase discursiva em alguns momentos da tradução, quando Valcárcel se mostra “o humano coração”. Exemplo disso é o excerto: “engañados éstos con la promesa que les hizo Bucelli de darles mercaderías, marchaban en número de setecientos cargados de caucho, como bestias, desde sus naciones a dicha casa”. As duas designações dos indígenas postas pelo juiz no processo, relativas a quando chegaram a La Chorrera, são significativas do discurso parcial e passional do magistrado em relação às vítimas, reforçando assim as características destas: “enganados” e “bestas (de carga)”.

Portanto, para eu alcançasse a equivalência que fosse identificação com o discurso de Valcárcel houve a necessidade de encontrar em meu texto de chegada o ajuste necessário à configuração dos criminosos: por isso, ao recorrente uso do termo “verdugo”, que semanticamente é pouco utlizado na língua portuguesa “brasileira”, referi-me aos criminosos de Putumayo como “algozes” ou “carrascos”, termos que têm bem mais o impacto de malfeitores que vão além de cometerem um crime bárbaro, são sociopatas e genocidas. Resulta disso que conforme a necessidade de “impactar” o leitor receptor, com referências de sua língua e cultura, minha opção de tradução veio ao encontro de Ricoeur, que afirma que o tradutor pode “não somente dizer a mesma coisa de outro modo, mas dizer outra coisa além do que é” (idem, p.54). Outro exemplo desta condição é quando existe a substituição da frase “Larrañaga celebra (...)”, em espanhol, pela tradução em português “Larrañaga festeja”, quando Valcárcel se refere ao festejo do aniversário de sua cunhada: isto porque “celebrar” em nossa cultura brasileira é mais frequente em uma celebração religiosa, o que de forma alguma seria condizente com a situação de barbárie em que se passou o evento, por isso optei por “festejar”, pois festa tem um teor mais profano e cabível à beberagem e descontrole. Pelas mesmas razões, mas com a finalidade de um sentido oposto, mantive o termo “orgia” a que se refere o autor quando trata das farras e beberagens dos criminosos de Putumayo, pois, por mais que no Brasil este termo se refira a um bacanal, a uma desordem de teor sexual, o que não fica evidente na patuscada dos carrasco, eu quis manter um sentido de promiscuidade na relação entre patrões e empregados da companhia.

Contraditoriamente, o discurso de Valcárcel nos surpreende para um juiz tão envolto em questões de ordem humanística, quando ao tratar os negros estadunidenses como possuidores de instintos bestiais, para justificar a morte destes pelos brancos, pois os afrodescendentes violariam dogmas políticos, a liberdade individual e o direito à honra, faz nítida diferenciação destes e dos indígenas, estes em uma construção discursiva bem mais cordata, quando reiteradas vezes os classifica como inofensivos, indivíduos benfeitores e vítimas, para lembrar de alguns adjetivos. Ao que parece, resta a convicção de que não de todo a modernidade das instituições, sejam científicas ou judiciais, estava instalada, visto subsistir o ranço dualista entre civilizados e selvagens, dessa feita sendo os selvagens subdivididos entre o mau e o bom selvagem: não à toa Valcárcel utiliza a adjetivação de civilizado aos brancos e de selvagens aos indígenas, como a exemplo da nota de rodapé 7:

Quase todos os crimes cometidos por indígenas da região do Amazonas, indígenas conhecidos como selvagens, contra indivíduos civilizados, e dos que tive conhecimento em razão de minha intervenção como juiz, foram homicídios cometidos em razão dos civilizados haverem arrebatado forçosamente as mulheres dos indígenas, que são monogâmicos

(segundo testemunho do engenheiro Robuchon)

Tal como seu texto, Valcárcel encontra-se no entre-lugar em sua carreira jurídica e em suas convicções étnicas e civilizatórias, o que concorreu plenamente para que seu destino e a produção do livro, que de uma forma ou de outra lançou luz ao genocídio e consequentemente ao tratamento bárbaro do eurocentrismo, uma vez que os autênticos selvagens foram os brancos, como afirma o autor: “Para a Justiça já não havia dúvida que a infernal festa, em que Rafael Larrañaga comemorou, em 24 de setembro de 1903, o aniversário de sua cunhada, estava plenamente provada e os indivíduos que tomaram parte nela são os que com mais frequência chamavam aos indígenas de Putumayo de selvagens!”.

Mas tudo isso só poderia ser possível passado o tempo e com uma nova ordem epistemológica lançada, que demonstrasse que o relativismo e a inclusão cultural deveriam se sobrepor ao evolucionismo excludente e sanguinário. E com essa perspectiva a tradução acompanhasse o que DerridaDerrida, Jacques. Torres de Babel. Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. apontou:

A tradução esposa o original quando os dois fragmentos ajuntados, tão diferentes quanto possível, se completam para formar uma língua maior, no curso de uma sobrevida que modifica todos os dois. Pois a língua materna do tradutor, nós constatamos, altera-se aí igualmente. Pelo menos tal é a minha interpretação – minha tradução, minha “tarefa do tradutor”.

(2006, p. 50).

Referências

  • Bonet, Elena Soler. Caucho y genocidio: “Los indios del Putumayo”, de Roger Casement Barcelona: Facultat de Traducció i d’Interpretació, Universitat Autònoma de Barcelona, 2016.
  • Chirif, Alberto. Introducción. In: VALCÁRCEL, Carlos A. El proceso de Putumayo y sus secretos inauditos Iquitos: CETA, 2004.
  • Derrida, Jacques. Torres de Babel Tradução de Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
  • Ricoeur, Paul. Sobre a tradução Tradução de Patrícia Lavelle. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012.
  • Valcárcel, Carlos A. El proceso de Putumayo y sus secretos inauditos Iquitos: CETA, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
  • Publicado
    Nov 2022
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