Acessibilidade / Reportar erro

Di Giovanni, Elena; Gambier, Yves (Eds.). Reception Studies and Audiovisual Translation. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2018, 353 p.

Di Giovanni, Elena; Gambier, Yves. Reception Studies and Audiovisual Translation. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2018. 353

Reception Studies and Audiovisual Translation é uma publicação recente da editora Benjamins, na coleção Translation Library, que tem como objetivo estimular a pesquisa nos estudos da tradução e interpretação. O livro, organizado por Elena Di Giovanni e Yves Gambier, fornece um panorama das interseções entre os estudos da recepção e a tradução audiovisual, chamando atenção para a complexidade do estudo do público e para os desafios provocados pelo rápido avanço das tecnologias e das novas mídias de consumo.

Os quinze capítulos que compõem a obra são divididos em quatro partes: Defining Reception Studies, Methodology in Reception Studies and Audiovisual Translation, AVT Modalities and Reception Studies e Hybrid Media and New Audiences. A primeira parte faz um balanço das pesquisas conduzidas fora do campo dos Estudos da Tradução, como o desenvolvimento dos estudos de mídia e recepção, a recepção de cinema, até chegar à evolução da pesquisa em tradução e tradução audiovisual. A segunda parte foca na metodologia em pesquisas voltadas para o público/usuário, trazendo abordagens qualitativas e quantitativas para o estudo da recepção de produtos audiovisuais traduzidos. Em seguida, são abordadas pesquisas em recepção de dublagem, legendagem, legendas para surdos e deficientes auditivos e audiodescrição. Mídia híbridas e novos tipos de público são o objeto da última parte, que lida com questões de interpretação e acessibilidade, localização de jogos, conteúdo audiovisual em dispositivos móveis e com os novos tipos de público global, considerando os avanços tecnológicos e as mudanças nos hábitos de consumo.

No capítulo “Media audiences and reception studies”, dando início à primeira parte do volume, Annette Hill descreve a evolução de paradigmas para o estudo de mídias e público. A autora discute a série nórdica Bron/Broen e o filme para televisão The Bridge como exemplos de uma abordagem multidimensional para um estudo de caso com um público transnacional. O segundo capítulo, Film, cinema and reception studies delimita os estudos da recepção no campo do cinema. Daniel Biltereyst e Philippe Meers descrevem as principais tendências nos estudos de cinema e de público. É possível notar que, ao longo da história do cinema, as diferentes correntes destes estudos têm em comum a crescente relação entre consumo de filmes e formação de identidade cultural.

Os estudos da tradução entram em cena no último capítulo da primeira parte, “Translation studies, audiovisual translation and reception”, onde Yves Gambier traça um histórico sucinto do desenvolvimento dos estudos da recepção dentro dos estudos da tradução e suas possibilidades para o futuro. Gambier aponta que hoje em dia leitores e espectadores reais são mais visíveis, devido à sua expressão direta na internet, por exemplo. Esses consumidores já não são necessariamente passivos frente ao mercado e à mídia. O autor também aborda questões de acessibilidade relacionadas a legendas intralinguais (closed captions) e audiodescrição, que serão retomadas por Di GiovanniDi Giovanni, Elena, and Gambier, Yves (Eds.). Reception Studies and Audiovisual Translation. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2018. mais à frente.

A segunda parte do livro traz discussões sobre metodologias de pesquisa na área, e um aspecto se destaca em quase todos os capítulos: os autores defendem uma “visão multifacetada” da recepção e da tradução audiovisual, e sugerem o uso de métodos qualitativos e quantitativos. Tina Tuominen sugere que “métodos diferentes podem ser úteis na tentativa de responder a perguntas de pesquisa diferentes, ou para abordar perguntas já existentes a partir de uma nova perspectiva”1 1 “Different methods can be useful in attempting to answer different researchquestions, or in approaching existing questions from a new perspective.” (87, tradução nossa). Segundo Tuominen, os estudos atuais nesta área são muito focados em ficção, e poderiam se beneficiar de uma expansão dos gêneros analisados, como documentários, programas de auditório e outros.

Em “Triangulation of online and off-line measures of processing and reception in AVT”, Kruger e Doherty apontam que a área pode se beneficiar dessa interdisciplinaridade, usando estudos qualitativos para avaliar as atitudes do público, sem deixar de lado os instrumentos quantitativos usuais, como questionários e rastreamento ocular. Dando continuidade a essa ideia, em Discourse analysis, pragmatics, multimodal analysis, Roberto A. Valdeón discute como a interação com a linguística e os métodos de análise do discurso, pragmática e análise multimodal podem interagir com a tradução audiovisual e sua recepção.

Serenella Zanotti, em “Historical approaches to AVT reception”, traz para a discussão os estudos históricos sobre o público de cinema e o papel da tradução audiovisual na formação da experiência deste público. A autora aponta que muito do que tem sido escrito sobre recepção do público é “filtrado pelas lentes da indústria americana do cinema”, o que levaria a uma má interpretação da popularidade dos filmes americanos nos seus mercados alvo. A evolução dos modos de exibição do cinema, como explica Zanotti, passa pela abordagem direta ao espectador até a sua absorção em uma narrativa, que o transforma na entidade coletiva “público”.

Um caso curioso durante a transição do cinema mudo para o sonoro se deu na França, onde menos de metade das salas de cinema havia sido preparada para receber filmes sonoros. Uma das estratégias adotadas pelas distribuidoras de Hollywood era exibir o filme com o som original, com pausas para explicar ao público, em francês, o que estava acontecendo. A hostilidade do público a esse tipo de solução levou à eventual distribuição de versões em mais de um idioma.

A primeira metade de Reception Studies and Audiovisual Translation define os conceitos e métodos necessários para a compreensão dos capítulos seguintes, que abordam contextos específicos da tradução audiovisual. Elena Di Giovanni dá início à terceira parte com o capítulo “Dubbing, perception and reception”, onde apresenta um histórico de pesquisas sobre dublagem conduzidas nos últimos quinze anos, assim como a possibilidade de expandir os “estudos descritivos e contrastivos para incluir a recepção do público”. A legendagem interlingual é abordada no capítulo seguinte, “Reception studies in audiovisual translation – interlingual subtitling”, por Kristijan Nikolic. Partindo do fato de que o inglês é a língua fonte mais distribuída internacionalmente em traduções audiovisuais, Nikolic apresenta estudos sobre o aprendizado de línguas estrangeiras por meio de legendas.

Os dois capítulos seguintes são dedicados à legendagem para surdos e deficientes auditivos (open captions e closed captions) e à audiodescrição. Em “Reception studies in live and pre-recorded subtitles for the deaf and hard of hearing”, Pablo Romero-Fresco traça um panorama histórico da legendagem para surdos e deficientes auditivos. Nesse caso, tanto os estudos de recepção quanto a prática na área se desenvolveram lado a lado, pois, desde o início, as pesquisas sobre os hábitos e preferências dos usuários contribuíram para o aperfeiçoamento das legendas. De modo similar, em “Audio description and reception-centred research”, Di Giovanni aponta que a pesquisa em audiodescrição, apesar de muito recente, também se desenvolveu levando em consideração o usuário final. Neste capítulo, fechando a terceira parte, a autora define o conceito de audiodescrição tanto na academia quanto nas associações profissionais, e apresenta a história da prática e da pesquisa na área. Diferentemente dos outros estudos em recepção e tradução audiovisual mencionados acima, a pesquisa em audiodescrição utiliza, preferencialmente, métodos qualitativos. Di Giovanni observa que, pelo fato da pesquisa em audiodescrição ser muito ligada à sua prática, ela pode ser definida como pesquisa-ação.

No primeiro capítulo da quarta e última parte do livro, “Media interpreting: From user expectations to audience comprehension”, Franz Pöchhacker critica o “caráter incerto” da interpretação dentro dos estudos da tradução audiovisual; segundo o autor, isso é visível até mesmo na decisão dos editores de classificá-la como uma modalidade híbrida. Depois de um breve panorama histórico da prática de diferentes tipos de interpretação, Pöchhacker identifica duas linhas de pesquisa na área: expectativas dos usuários e avaliação do conteúdo audiovisual interpretado e estudos sobre acessibilidade para espectadores surdos.

Os capítulos seguintes, “Reception studies and game localisation: Taking stock” e “On the reception of mobile content: New challenges in audiovisual translation research”, tratam de avanços recentes nas mídias audiovisuais. De acordo com Carme Mangiron, apesar de a localização de jogos ter tido início ao final dos anos 1970 e de a pesquisa na área estar bem estabelecida nos Estudos da Tradução, ainda não existem muitos estudos de recepção nesta área. A autora sugere algumas questões que podem ser úteis para melhorar as estratégias de localização, como investigar a recepção de jogadores que falam a mesma língua em diferentes culturas, a recepção de um mesmo jogo traduzido profissionalmente e traduzido por fãs, e o desenvolvimento de jogos mais acessíveis. No caso dos conteúdos audiovisuais móveis, Alberto Fernandéz-Costales cita o fato de o consumo em massa desse tipo de mídia ser ainda muito recente e a complexidade de se investigar novos tipos de público global como algumas das razões para os estudos de recepção na área serem tão escassos, senão completamente ausentes. Fernandéz-Costales identifica alguns fatores importantes que podem guiar futuras pesquisas na área, como a natureza híbrida do texto audiovisual móvel – multimodal, multicanal, multiplataforma – e a emergência de novas necessidades para o público, como a necessidade de estar sempre online e de consumir o conteúdo assim que ele é disponibilizado.

Esta última questão é retomada no último capítulo, “New audiences, international distribution, and translation”, onde David Orrego-Carmona discute como o modo de o público interagir com o conteúdo audiovisual mudou ao longo das últimas três décadas. Fatores como o empoderamento do consumidor, que se torna proativo a ponto de fazer parte, até certo ponto, da produção do conteúdo, influenciam também o modo como a indústria de entretenimento tem que se adequar a fenômenos como a pirataria e as legendas feitas por fãs (fansubbing).

As contribuições selecionadas pelos editores trazem reflexões importantes tanto para modalidades de tradução audiovisual em que já existe uma certa tradição de integração com os estudos de recepção quanto para aquelas em que estes estudos ainda são escassos. Reception Studies and Audiovisual Translation funciona como uma introdução histórica e como um estímulo para novas pesquisas na área, apontando questões atuais que merecem uma investigação mais intensa. Quanto à metodologia utilizada, os autores são praticamente unânimes ao sugerir uma abordagem multi e interdisciplinar para a pesquisa em tradução audiovisual e recepção, fazendo uso de métodos quantitativos e qualitativos de forma integrada.

No entanto, uma das características da pesquisa em tradução audiovisual e recepção, mencionada por vários destes autores, é a dificuldade em generalizar uma amostra de público para a pesquisa, dados os contextos nacionais e culturais específicos, o caráter essencialmente privado do consumo de alguns tipos de mídia, como a televisão e os conteúdos para smartphones, entre outros fatores. No fim das contas, essa é também mais uma razão para que futuras pesquisas busquem abordar o problema com uma metodologia integrada, facilitando o trabalho com diferentes tipos de público e suas necessidades.

  • 1
    “Different methods can be useful in attempting to answer different researchquestions, or in approaching existing questions from a new perspective.”

Referências

  • Di Giovanni, Elena, and Gambier, Yves (Eds.). Reception Studies and Audiovisual Translation Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2019
  • Aceito
    28 Jun 2019
Universidade Federal de Santa Catarina Campus da Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Comunicação e Expressão/Prédio B/Sala 301 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: suporte.cadernostraducao@contato.ufsc.br