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DE CODENAME VILLANELLE A KILLING EVE: TRAÇANDO RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS ENTRE LITERATURA E TV

FROM CODENAME VILLANELLE TO KILLING EVE: TRACING INTERSEMIOTIC RELATIONS BETWEEN LITERATURE AND TV

Resumo

Este ensaio teve por objetivo investigar a transposição dos signos literários para os signos audiovisuais à luz da semiótica peirceana, refletindo de que modo a adaptação Killing Eve de Phoebe Waller-Bridge traduz determinados códigos presentes no thriller Codename Villanelle de Luke Jennings, procedimento que aqui foi entendido como tradução intersemiótica. A análise teve como foco a construção identitária das protagonistas, investigando de que modo e quais estratégias audiovisuais transcriam certos aspectos sensíveis da obra literária, a saber, as características psicológicas e subjetivas envolvidas na concepção das personagens.

Palavras-Chave
Adaptação; Tradução Intersemiótica; Signos Literários e Audiovisuais; Codename Villanelle

Abstract

This essay aimed to investigate the transposition of literary signs to audiovisual signs in the light of Peircean semiotics, reflecting how the adaptation Killing Eve by Phoebe Waller-Bridge translates specific codes present in the thriller Codename Villanelle by Luke Jennings, a procedure that was understood here as intersemiotic translation. The analysis focused on the identity construction of the protagonists, investigating how and what audiovisual strategies transcreate certain sensitive aspects of literary work, namely, the psychological and subjective characteristics involved in the conception of the characters.

Keywords
Adaptation; Intersemiotic Translation; Literary and Audiovisual Signs; Codename Villanelle

1. Introdução

Codename Villanelle (2018), base para a série televisiva Killing EveKilling Eve (season 1). Dir. Damon Thomas, Harry Bardbeer, Jon East. Prod. Sid Gentle Films. Reino Unido: IMG, 2018., é uma compilação de quatro romances eletrônicos publicados em sequência, sendo Codename Villanelle (2014), foco deste estudo, o primeiro. É um thriller sobre perseguição, espionagem, crime e psicopatia. Seu criador, Luke Jennings, é um escritor e jornalista britânico.

O romance se desenrola a partir da tensão entre dois polos contraditórios, situados em diferentes eixos narrativos – o universo de Oksana Vorontsova, assassina psicopata de Codinome Villanelle, e o da agente do serviço secreto de inteligência britânico, Eve Polastri. Na dimensão ficcional do enredo, o ponto de tensão se situa na expectativa de convergência entre os universos antagônicos das protagonistas. De acordo com Maria do Rosário Leitão Lupi Bello (2005)Bello, M. R. L. L. Narrativa literária e narrativa fílmica – o caso de Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005., ambas as formas artísticas intentam “suscitar a criação de um outro mundo possível” (Bello 107Bello, M. R. L. L. Narrativa literária e narrativa fílmica – o caso de Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.). A literatura o faz por meio da palavra escrita, criando imagens na mente do leitor. O sistema audiovisual utiliza a imagem em movimento: é, portanto, mais perceptual. Os elementos imateriais não podem ser localizados de modo cronológico, espacial ou tangível e, consequentemente, não podem ser facilmente representados através de cores e formas concretas. É, pois, um desafio transmitir a complexidade do mundo interior das personagens para o plano audiovisual. Em vista disso, objetivou-se aqui investigar, alguns signos verbais e audiovisuais no processo de recriação dos aspectos identitários das personagens principais do romance em sua adaptação para a TV. Considerou-se a adaptação como procedimento de tradução entre dois sistemas semióticos que operam signos específicos para produzir representações singulares.

Segundo Peirce (2010)Peirce, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010., o signo, “ou representamen, é tudo aquilo que, sob certo aspecto ou modo representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou talvez, um signo mais desenvolvido” (Peirce 46Peirce, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.). A imagem mental produzida a partir de um signo é chamada de interpretante, e o representado denomina-se seu objeto. Todo signo carrega em si o potencial de se desenvolver em outro signo. A partir disso, instaura-se o processo de tradução aqui analisado, em que um sistema de signos (TV) interpreta outro sistema de signos (literatura) e recodifica seu conteúdo, a criar uma obra nova e autônoma.

Neste estudo, foram analisadas passagens do livro e cenas da primeira temporada da série, utilizando pressupostos da semiótica peirceana. Ambas intentam contar uma história, mas o fazem utilizando métodos específicos de seu sistema semiótico, suscitando assim, diferentes formas de experimentar a narrativa.

2. Literatura e TV: traçando relações intersemióticas

A fim de compreender o processo de recriação do romance pela série televisiva, é útil refletir sobre os diálogos que se estabelecem entre as distintas formas estéticas. Na concepção triádica de Peirce, todo signo é composto desses três elementos: o objeto, o signo e o interpretante. Trata-se de uma relação que caracteriza a ação contínua e ininterrupta do signo, bem como sua incompletude, uma vez que o significado de um signo é outro signo, isto é, o significado de uma representação será sempre outra representação, em uma cadeia infinita de produção de sentidos.

Como afirma Santaella, “[p]ara conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos” (Santaella 2004Santaella, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004., p. 52), os quais “são os meios pelos quais alocamos significados ao mundo das coisas e dos seres” (Lima 218Lima, Luiz Costa. “Representação social e mímesis”. Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, pp. 216-236.). Por meio dos signos se engendram as representações. Em um processo bilateral, palavra e imagem seguem sempre conectadas, e “essa aproximação parece nos dizer que o objeto estético Literatura, não importa por quais meios se materialize, segue encontrando formas livres e criativas de se realizar na consciência humana” (Alves 136Alves, Sergia A. Martins de Oliveira. “Literatura e cinema: uma conversa entre signos.”. Letras em Revista. 4.1. jan-jun (2013): 133-150.). Convergindo em suas funções narrativas, o repertório literário e as recriações audiovisuais ensejam descrever o encadeamento de experiências humanas situadas no tempo e no espaço.

Segundo Bello, a diferença fundamental entre as formas literária e audiovisual está no fato de que no cinema (ou, neste caso, na TV), a base da representação é a imagem em movimento, e na literatura, a palavra escrita. Para a autora, o leitor “sabe que a condição estabelecida é a da sugestão de um mundo possível através de signos arbitrários escritos, enquanto que ao espectador é mostrado um mundo possível através de signos icônicos audiovisuais” (Bello 78Bello, M. R. L. L. Narrativa literária e narrativa fílmica – o caso de Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.). Devido ao seu caráter prosaico, o romance apresenta construções consecutivas e finais, que marcam o efeito de continuidade e encadeamento de ações na diegese, atribuindo um ritmo prospectivo para a narrativa. A compreensão da passagem do tempo no romance se dá através da imagem mental criada pelas estratégias de sequenciação dos fatos, tais quais, o emprego de conectivos, o arranjo de palavras e a organização de orações. Na série, em que os aspectos diacrônico e sincrônico funcionam de modo contíguo, a construção do tempo conta com técnicas audiovisuais, utilizando o signo híbrido (palavra, imagem e som). “A manipulação dos cortes entre os planos na montagem final do filme é o que caracteriza o desenvolvimento da narrativa” (Almeida & Cavalheiro 102Almeida, R. C.; Cavalheiro, M. G. “O insólito em stardust: análise intermidiática”. Letras De Hoje, 55.1 (2020): 94-106. 15/12/2020. DOI: https://doi.org/10.15448/1984-7726.2020.1.33394. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/view/33394/19576.
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).

Ambos os signos – verbal e híbrido – produzem, na mente do leitor e do espectador, um interpretante. Essa representação está relacionada também ao meio pelo qual o conteúdo é transmitido. “A visada semiótica prevê que se leve em conta, no processo de tradução, a significação enquanto produto da articulação de um conteúdo com a interface sensível (expressão) que o manifesta.” (Mancini 22Mancini, Renata. “A tradução enquanto processo”. Cadernos de Tradução. 40.3 (2020): 14-33. 14/12/2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2020v40n3p14. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217579682020000300014&lng=en&nrm=iso.
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). A natureza de cada suporte influencia no processo de significação, uma vez que: “[t]odo sistema semiótico é caracterizado por qualidades e restrições próprias, e nenhum conteúdo existe independentemente do meio que o incorpora” (Diniz 33Diniz, Thais Flores Nogueira. Literatura e cinema: da semiótica à tradução cultural. Ouro Preto: UFOP, 1999.). Apesar de ambas as narrativas conceberem de modo similar suas personagens centrais, a série Killing Eve em muito se distancia do romance que a inspirou. Investigou-se, aqui, como os signos literários presentes no romance recriam uma narrativa equivalente, nova e independente. De acordo com Peirce, o signo só representa seu objeto em parte, daí advém seu caráter de incompletude, pois está em constante evolução. O representamen é incapaz de alcançar todas as qualidades e características que seu objeto possui: “[o] signo está ligado ao objeto não em virtude de todos os aspectos do objeto, porque se assim fosse, o signo seria o próprio objeto. Pois bem, ele é signo justamente porque não pode ser o objeto” (Santaella 1995Santaella, L. A teoria dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995., p. 44).

De acordo com Laruccia: “todas as linguagens são caracterizadas por essa incompletude e impotência, em que o processo de representação é que precisa ser entendido para se ter consciência de linguagem” (Laruccia 47Laruccia, Mauro Maia. “Semiótica: signo, objeto e interpretante”. Augusto Guzzo Revista Acadêmica. 6. (2003): 44-52. 18/02/2020. DOI: https://doi.org/10.22287/ag.v0i6.121 Disponível em: http://www.fics.edu.br/index.php/augusto_guzzo/article/view/121/139.
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). Analisar a qualidade de uma adaptação utilizando como parâmetro a fidelidade à obra basilar seria desconsiderar a complexidade envolvida no processo de transposição intersemiótica, bem como as qualidades únicas que cada meio possui. Seria não só controverso, mas indesejado: “A grande arte cinematográfica realizada é, fundamentalmente, distinta da arte literária, e com ela só compete, em qualidade, quando dela se afasta” (Brito 161Brito, João Batista de. Literatura no cinema. São Paulo: Unimarco, 2006.). O processo de adaptação audiovisual trata-se de um fenômeno dialógico e intersemiótico.

2.1 A thriller novel

Contando com a presença de elementos tais quais a sequência de crimes e o esforço investigativo, Codename Villanelle é considerado um thriller, que dialoga com elementos clássicos da literatura policial. Esta tem como precursor o contista e teórico norte-americano Edgar Alan Poe (1809-1849). Segundo TodorovTodorov, T. “Tipologia do romance policial”. As estruturas narrativas. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970, pp. 93-104., a estrutura narrativa do romance policial divide-se em dois eixos: o crime e a apuração. O primeiro está localizado temporalmente no passado, e é a razão de ser da literatura policial, pois motiva o segundo eixo: a investigação. Neste segundo pilar, situado no presente, o detetive irá, a partir de um esforço intuitivo e intelectual, reconstruir os eventos passados, seguindo indícios para, então, solucionar o enigma e descobrir quem é culpado. Divergindo do modelo proposto por Todorov, a obra em questão – apesar de apresentar os elementos básicos que constituem um romance policial, a saber: o crime, a assassina e a detetive – não encerra o mistério principal: “Quem é a criminosa?”. Já se sabe de antemão quem ela é, como ela faz, quais são suas estratégias, suas motivações e, até mesmo, seus conflitos internos.

Codename Villanelle possui dois planos narrativos essenciais: o universo da assassina psicopata e o da investigadora. Através do discurso indireto livre, o narrador-onisciente imerge no íntimo das personagens, acessando suas emoções e vozes interiores. O enredo gira em torno das duas personagens centrais, que estão sempre na iminência, mas nunca se encontram, em uma mescla de mistério, aventura, suspense e, sobretudo, perseguição. O efeito de suspense se concentra não na resolução do mistério pelo leitor, mas na expectativa pela convergência entre os dois universos. Instaura-se um clima de anseio e apreensão que, de modo paradoxal, enseja tanto o sucesso de Eve, quanto de Villanelle.

De acordo com Hardy, o suspense só é mantido em uma narrativa quando tardar a vir respostas para a pergunta: “O que acontece a seguir?”. Assim, a técnica narrativa que consiste em “suspender” a ação em Codename Villanelle adia o desenlace que consiste no confronto direto entre as duas personagens. O suspense “é um efeito associado particularmente à história de aventura e ao misto de história de detetive e história de aventura conhecido como thriller” (Hardy 24Hardy, T. “Suspense”. A arte da ficção. Tradução de Guilherme da Silva Braga, Lodge, David. Porto Alegre: RS: L&PM EDITORES, 2010, pp. 23-26.). O romance tarda tanto a oferecer um desfecho para a história que não o faz, deixando essa tarefa para as obras subsequentes da trilogia.

2.2 A adaptação

Responsável por roteirizar e produzir a adaptação televisiva do romance, a escritora e atriz britânica Phoebe Waller-Bridge é a showrunner da primeira temporada de Killing Eve. Seu estilo criativo tem como principal característica a habilidade de transitar organicamente entre o cômico e o trágico.

Desde suas primeiras cenas, Killing Eve combina tensão com uma comicidade mordaz, explorando o drama, o sarcasmo, a insanidade e o magnetismo hipnótico presentes no universo da psicopatia feminina. O humor ácido e a essência irônica e infantilizada da assassina contrastam com suas cenas de brutalidade e violência. A investigação criminal é pano de fundo para os conflitos morais, éticos e psicológicos que se aprofundam em torno das personagens centrais. À medida que o enredo se desenrola, a narrativa focaliza o jogo obsessivo entre a psicopata e a detetive – dinâmica que na série, é elevada ao nível sexual.A trilha sonora indie/alternativa potencializa o clima enervante e chic da narrativa. Para traduzir a dimensão dual e contraditória das duas mulheres: de um lado, a fotografia colorida, com tons intensos e contrastantes de rosa e azul, e os figurinos sofisticados e extravagantes revelam o universo excitante, perigoso, fashionista e vívido de Villanalle. Do outro, a fotografia opaca, acinzentada e com tons azulados revela o universo monótono, apático e insípido de Eve Polastri.

3. A tradução intersemiótica

Para Roman Jakobson, o significado de um signo linguístico é a sua tradução por outro signo, e há três possibilidades de se traduzi-lo: a tradução intralingual, que diz respeito a traduzir em outros signos, porém dentro da mesma língua; a tradução interlingual, que se trata de interpretar os signos verbais através de uma língua diferente; e, por fim, a tradução intersemiótica, que nas palavras do autor, “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais” (Jakobson 64Jakobson, R. Linguística e comunicação. Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.).

O linguista russo supera a noção tradicional da tradução como mera transferência, sendo, “o precursor a se atentar para o ato da tradução como recodificação, ou seja, não transportamos de uma língua para outra, e sim recodificamos a mensagem que deverá ser transmitida” (Amorim 17Amorim, Marcel Alvaro de. “Da tradução intersemiótica à teoria da adaptação intercultural: estado da arte e perspectivas futuras.”. Itinerários. 36. (2013): 15-33.). Julio Plaza acredita que os processos de tradução intersemiótica são ainda mais complexos:

Quando se fala em ‘adaptação’ (aqui vista sob a possibilidade de inserção prismática de uma tradução intersemiótica) de um romance para o cinema, não se procede somente de uma mera substituição da linguagem verbal para uma linguagem absolutamente não verbal, mas de uma interpretação/inferência dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais. Nesse viés reivindicamos uma ampliação das possibilidades e procedimentos, fazendo referência à tradução intersemiótica mencionada por Roman Jakobson, isto é, a tradução que consiste na ‘transmutação’ de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura.

(Plaza 71Plaza, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2001.)

Para Plaza, a tradução intersemiótica é um processo que envolve “transmutações intersígnicas” (Plaza 67Plaza, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2001.), no qual a estrutura de chegada, com suas qualidades e particularidades, funciona como interpretante dos signos que absorve.

Neste estudo, considerou-se a adaptação como procedimento de tradução intersemiótica, que admite a multiplicidade e especificidade de linguagens semióticas, bem como as possibilidades dialógicas que se estabelecem entre elas. Segundo HutcheonHutcheon, L. A theory of adaptation. London; New York: Routledge, 2006., a adaptação pode ser compreendida a partir de um processo de transcodificação, no qual um texto fonte é apropriado para que seja reinterpretado e recriado. Quanto ao resultado, Diniz afirma que “surge uma estrutura totalmente nova. E o texto tem de ser visto como uma obra autônoma que não pode ser adequadamente compreendida e julgada, se tomada apenas como uma transformação da outra” (Diniz 32Diniz, Thais Flores Nogueira. Literatura e cinema: da semiótica à tradução cultural. Ouro Preto: UFOP, 1999.). Não obstante, a obra adaptada mantém uma conexão com a obra de origem, pois, uma vez que a representa, opera como seu interpretante. Nesse sentido, a obra literária e a série televisiva funcionam como signos icônicos uma da outra. O signo icônico, de acordo com Peirce, é aquele que opera pela semelhança e similaridade com seu objeto, criando na mente o sentimento de analogia.

Para Diniz, a tradução intersemiótica consistiria na busca por equivalências entre os sistemas semióticos implicados no processo tradutório. “Isso quer dizer que um elemento x que ocupa um determinado lugar num determinado sistema de signos [...] seria substituído, na tradução, por um outro elemento x que exerça a mesma função, porém no outro sistema de signos” (Diniz 32Diniz, Thais Flores Nogueira. Literatura e cinema: da semiótica à tradução cultural. Ouro Preto: UFOP, 1999.). Todavia, como afirma Fisher-Lichte, a equivalência não se trata de assegurar uma conexão ou igualdade de sentido entre os textos, mas diz respeito ao resultado de um processo hermenêutico no qual a leitura de um se relaciona à leitura do outro, aludindo aos sentidos que ambos acionam. Traduzir é, pois, transformar.

Tendo isso em vista, objetivou-se aqui analisar os signos verbais e audiovisuais implicados no processo de tradução intersemiótica, a considerar as cenas como signos tradutores pertinentes na concepção identitária das personagens.

4. De Codename Villanelle a Killing Eve

Lançado em 2018, o romance Codename Villanelle conta a história de Oksana Vorontsova, uma assassina internacional de codinome Villanelle, que é contratada por uma organização criminosa chamada twelve. Seu estilo de vida sofisticado, extravagante e luxurioso contrapõe o estilo de vida trivial e comedido de Eve Polastri, uma ex-agente do MI5, designada pelo serviço secreto de inteligência para encontrar Villanelle.

Situadas em diferentes planos narrativos, as personagens avançam gradativamente em direção ao embate, movimento por meio do qual se cria a tensão. Dispondo de um narrador onisciente, a narrativa se dá no sentido de fornecer tanto os detalhes das execuções dos crimes quanto a linha de raciocínio utilizada para desvendá-los. Apesar de o thriller apresentar um enredo com ações objetivas – que facilmente poderiam ser transpostas para as telas – para recriá-lo no plano audiovisual, a principal referência utilizada foi a identidade das personagens, também razão pela qual foi esse o foco desta análise.

Na obra literária, há informações sobre o passado de Villanelle que não estão presentes na série, além de detalhes das motivações e sentimentos da personagem. Esses elementos possibilitam ao leitor a compreensão e até mesmo a empatia com as atitudes da assassina. Como afirma Bello, “a literatura é mais apta à construção do universo interior do indivíduo, tendo mais dificuldade em reproduzir as propriedades do mundo sensível” (Bello 104Bello, M. R. L. L. Narrativa literária e narrativa fílmica – o caso de Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.). Jennings reconstitui a trajetória de vida de Oksana, percorrendo detalhes de sua infância, família, seu treinamento e o motivo que a leva a escolher seu codinome, aprofundando-se em sua mente para abordar o universo da psicopatia. Ela é descrita como uma mulher insensível e com grande habilidade para a simulação:

Villanelle assiste atentamente, percebe como o olhar da garota se suaviza, como a vibração de seus cílios diminui, como seu sorriso se transforma em uma tímida separação dos lábios. Repassando a sequência em sua mente como uma frase em uma língua estrangeira, Villanelle guarda para uso futuro. Ao longo de seus vinte e seis anos de vida, ela adquiriu um vasto repertório de tais expressões. Afeto, simpatia, aflição, culpa, susto, tristeza... Villanelle, na realidade, nunca experimentou essas emoções, mas é capaz de simular todas elas1 1 Nossa tradução para: “Villanelle watches closely, notes how the girl’s gaze softens, how the flutter of her eyelashes slows, how her smile turns to a shy parting of the lips. Turning the sequence over in her mind like a phrase in a foreign language, Villanelle files it away for future use. Over the course of her twenty-six-year lifespan she has acquired a vast repertoire of such expressions. Tenderness, sympathy, distress, guilt, shock, sadness...Villanelle has never actually experienced any such emotions, but she can simulate them all”.

(Jennings 44Jennings, Luke. Codename Villanelle. U.S.A: Hachette Book Group, 2018.).

A primeira cena da série é ambientada em Vienna. Abre com o plano geral da fachada de um café. Em um movimento panorâmico vertical, Villanelle é focalizada de perfil. Está tomando sorvete, e o enquadramento alterna entre os planos médio e americano, de modo que é possível visualizar melhor o ambiente. A meia iluminação, o silêncio e o esvaziamento transmitem um clima enfadonho. Villanelle está de frente para uma menina, que também toma sorvete. A câmera intercala imagens das duas, em primeiro plano. Elas se olham. A garota tem uma expressão de hesitação e insegurança. Villanelle abre um sorriso excêntrico, que deixa transparecer uma tênue, porém sólida, hostilidade. A garota não sorri de volta e desvia o olhar. Villanelle fecha a expressão. Imediatamente depois, a garota está sorrindo para um funcionário atrás do balcão, que sorri de volta para ela com naturalidade. Villanelle volta seu olhar para ele. A câmera o enquadra em primeiríssimo plano, a sugerir que ela o observa atentamente. Então, reproduzindo o semblante do homem, sorri afetuosamente e, dessa vez, é correspondida pela garotinha. Villanelle levanta, paga, caminha para a saída e, ao passar, dá um tapa na taça da menininha, entornando nela o sorvete. A menina arqueja assustada e Villanelle deixa o local, com um sorriso de satisfação no rosto.

A cena prende a atenção do espectador, provocando uma quebra de expectativa no final e consegue, com grande maestria – em poucos minutos e sem nenhum diálogo – representar a personalidade ácida e os traços de piscopatia da personagem, revelando sua incapacidade de ser empática e reagir com espontaneidade às emoções humanas e, em contrapartida, sua habilidade em dissimulá-las.

No thriller, Eve é retratada como uma mulher comum: “se parece com alguém que acredita haver coisas mais importantes do que ser considerada bonita2 2 Nossa tradução para: “She looks like someone for whom there are more important things than being thought pretty”. ” (Jennings 50Jennings, Luke. Codename Villanelle. U.S.A: Hachette Book Group, 2018.). É o extremo oposto de Villanelle, que possui um senso de moda aguçado e uma beleza quase que inacessível. Na série, o contraste entre as duas personagens é bem demarcado também através do figurino: tons pastéis e cinzas para Eve; para Villanelle, roupas de alta costura, de cores fortes e extravagantes.

Na série, a obsessão é uma via de mão dupla, e Villanelle também acaba perigosamente fixada pela mulher que a investiga. O vestuário da personagem é suavizado quando ela se encontra em situação de proximidade com Eve. A mudança no figurino aponta para uma fissura nas defesas da assassina, que é causada pela influência da agente. Ao longo da série, nota-se como Eve e Villanelle evoluem uma em direção à outra, influenciando-se mutuamente. No romance, Eve demonstra profundo interesse pela mente de assassinas profissionais:

Ela é fascinada pela noção de uma mulher para quem o assassinato não é algo excepcional. Alguém que poderia levantar de manhã, fazer café, escolher o que vestir, e em seguida sair e matar um total estranho a sangue frio. Você tinha que ser algum tipo de aberração psicopata para fazer isso? Você tinha que nascer assim? Ou qualquer mulher programada corretamente poderia ser transformada em uma assassina profissional?3 3 Nossa tradução para: “She is fascinated by the notion of a woman for whom killing is unexceptional. Someone who could get up in the morning, make coffee, choose what to wear, and then go out and cold-bloodedly put a total stranger to death. Did you have to be some kind of anomalous, psychopathic freak to do that? Did you have to be born that way? Or could any woman, correctly programmed, be turned into a Professional executioner?”

(Jennings 53-54Jennings, Luke. Codename Villanelle. U.S.A: Hachette Book Group, 2018.).

O narrador revela que Eve tem consciência desse seu deslumbramento, desse lado “que é completamente absorvido pela mulher que está caçando, e o mundo sombrio e refratado no qual ela existe4 4 Nossa tradução para: “The side of her that is utterly absorbed by the woman she is hunting, and the dark, refracted world in which she exists.” ” (Jennings 136). Em uma cena do primeiro episódio, Eve está em sua casa. Investigava o assassinato de um político russo envolvido com tráfico sexual. Ele foi surpreendido na saída de um restaurante, e morto com um pequeno corte em sua artéria femoral. Eve acredita que o crime foi cometido por uma mulher. A câmera acompanha fotos espalhadas pela mesa, alguns livros – dentre os quais se destaca o título: “Quando as mulheres matam5 5 Nossa tradução para: “When Women Kill” ” – e a tela do notebook, onde se vê uma imagem anatômica da artéria femoral. Em seguida, é focalizada a perna de Eve. Ela perfura a coxa com uma faca e observa o sangue escorrer. Quando seu marido entra, abaixa e limpa a perna. Niko a chama para jantar e ela pergunta como ele a mataria. Ele devolve a pergunta. Eve responde prontamente: “Eu te paralisaria com saxitoxina e te sufocaria durante o seu sono, cortaria você nos menores pedaços que eu conseguisse, te ferveria e te colocaria em um liquidificador, te levaria para o trabalho em um cantil, jogaria na privada de um restaurante e daria descarga” (“Nice Face”- Killing Eve). Niko exclama: “Realmente pensou nisso!” (“Nice Face” – Killing Eve). Os signos visuais enquadrados pela câmera no cenário, tais quais as fotos e o título do livro, sugerem a fixação que Eve tem pelo universo de assassinas. A transposição intersemiótica concretizada na série revela, tanto no desenrolar das ações quanto no diálogo entre as personagens, o empenho da agente em compreender o funcionamento desse universo, pelo qual é fascinada.

O narrador descreve como Villanelle se sente superior e essencial quando mata alguém, sensação que compara ao prazer sexual: “Villanelle sente a tão esperada oscilação de energia. O sentimento de invencibilidade que o sexo promete, mas somente um assassinato bem-sucedido verdadeiramente proporciona6 6 Nossa tradução para: “Villanelle feels the longed-for power-surge. The feeling of invincibility that the sex promises, but only a successful killing truly confers”. ” (Jennings 93). Essa satisfação descrita no romance é traduzida visualmente na própria fisionomia da personagem, conjuntamente com o enquadramento e a trilha sonora. Em uma cena do episódio um, após assassinar um alvo, o rosto de Villanelle é enquadrado em primeiro plano, revelando a forte emoção em sua expressão: as sobrancelhas arqueadas, os olhos úmidos, a sugestão de sorriso nos lábios entreabertos e a sutil alteração na respiração. Bello aponta a importância do rosto: “Grande parte do poder do cinema tem que ver com a poderosa sugestão de significado que o rosto humano transmite por si só” (Bello 100Bello, M. R. L. L. Narrativa literária e narrativa fílmica – o caso de Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.). A força expressiva do rosto, como signo consagrado nesse sistema semiótico, é capaz de exteriorizar a subjetividade descrita no romance.

Em diversas passagens da obra literária, Villanelle é descrita como alguém que se percebe diferente das outras pessoas. Sua incapacidade de sentir culpa e sua impenetrabilidade a fazem sentir-se superior, especialmente em seu trabalho. Portanto, não demonstra interesse em saber quem são os mandantes e as motivações dos crimes que comete:

Que autoridade decretou as sentenças de morte que ela executou, ela não sabia [...] e, na verdade, ela realmente não se importava. O que importava para Villanelle era que ela havia sido escolhida. [...] Eles reconheceram seu talento, a procuraram e a levaram do lugar mais baixo do mundo para o mais alto, onde ela pertencia. Uma predadora, um instrumento da evolução, alguém dessa elite para quem nenhuma lei moral se aplicava. Dentro dela, esse entendimento floresceu como uma grande rosa sombria, preenchendo todas as cavidades de seu ser7 7 Nossa tradução para: “What authority imposed the sentences of death that she executed, she didn’t know [...] and in truth, she didn’t really care. What matter to Villanelle was that she had been chosen. [...] They had recognised her talent, sought her out, and taken her from the lowest place in the world to the highest, where she belonged. A predator, an instrument of evolution, one of that elite to whom no moral law applied. Inside her, this knowledge bloomed like a great dark rose, filling every cavity of her being.” .

(Jennings 32Jennings, Luke. Codename Villanelle. U.S.A: Hachette Book Group, 2018.)

Em cena do segundo episódio, Villanelle persegue um alvo, o atinge com um tiro e ele vai ao chão. Desesperado ele questiona: “Por que está fazendo isso comigo?” (“I’ll Deal With Him Later” – Killing Eve) a assassina dá de ombros, esboça uma expressão de desinteresse e responde com tranquilidade: “não tenho absolutamente nenhuma ideia” (“I’ll Deal With Him Later” – Killing Eve), e dispara a arma duas vezes. No momento em que executa o assassinato, Villanelle é enquadrada em um plano contra-plongée, isto é, a câmera enfoca a personagem na cena de baixo para cima. Na linguagem cinematográfica, o objetivo desse tipo de enquadramento é enaltecer a personagem que está em foco na cena, colocando-a acima do espectador. Por meio dessa técnica, cria-se em torno dela uma sensação de grandiosidade, signo audiovisual que traduz para a tela a característica subjetiva de Villanelle descrita no romance. O enquadramento, a trilha sonora melancólica e até mesmo o olhar presunçoso da personagem ao encarar o corpo no chão funcionam como interpretantes dos signos literários. Villanelle é retratada, em inúmeros trechos do romance, como uma pessoa capaz de agir sem medo e hesitação, sem emoções humanas: “Ela não sentia nenhuma das coisas que eles sentiam. Onde os outros experimentariam dor ou pânico, ela conhecia apenas um frio desapego”8 8 Nossa tradução para: “She felt none of the things they felt. Where others would experience pain or horror, she knew only a frozen dispassion”. (Jennings 24Jennings, Luke. Codename Villanelle. U.S.A: Hachette Book Group, 2018.). No segundo episódio, Villanelle está sendo testada psicologicamente pela organização para a qual trabalha. Ela usa um espalhafatoso vestido de tule cor de rosa, que contrasta com o sofá azul no qual está sentada. O figurino reflete a postura debochada que ela tem frente à tensão do momento, ecoando sua essência narcisista e teatral, de modo que a fotografia colorida da cena contrapõe a seriedade dos eventos que nela se desenrolam. Um homem mostra, então, imagens de violência e pergunta o que ela vê: um homem sendo enforcado. Villanelle observa e responde: “Ótimas pernas” (“I’ll Deal With Him Later” – Killing Eve). Na sequência, ele mostra a foto de um cachorro pendurado, aparentemente em situação de maus tratos. Nesse momento, a respiração de Villanelle fica ofegante e seu olhar compenetrado. Ela pede desculpas e, instaurado o clima de tensão, desmancha a expressão e começa a rir, zombando da reação do homem. Essa cena, além de ilustrar muito bem a insensibilidade da personagem, descrita com frequência na obra, traduz mais uma vez a sua habilidade para a dissimulação, e evidencia engenhosamente a conciliação do cômico com o trágico, característica do estilo criativo da showrunner.

É importante reforçar que as atrizes que protagonizam a série: Sandra Oh (Eve Polastri) e Jodie Comer (Villanelle) são, por si só, signos que representam as personagens literárias. Seus tons de voz, traços físicos e linguagens corporais funcionam também como códigos interpretantes das características subjetivas das personagens descritas na obra literária. Em ambas as obras, encontramos figuras femininas complexas, com múltiplos níveis de força e inteligência, e que, de certa maneira, fogem aos estereótipos de gênero, ocupando posições de poder que geralmente são representadas pelo sexo oposto. A dinâmica obsessiva entre detetive e investigado, tão comum na ficção policial, é construída agora em torno de mulheres, em um thriller psicológico inovador. Ademais, as obras tratam a liberdade sexual e a prática sexual entre mulheres de forma desmitificada.

Nesta análise, o esforço se deu no sentido de identificar algumas das estratégias audiovisuais que transcriam certos aspectos sensíveis da obra literária, observando, sobretudo, de que forma a série traduz as propriedades mentais presentes no thriller para construir, de modo equivalente, personagens fortes e profundas.

5. Considerações finais

Ao observar o que têm a dizer os cineastas sobre a adaptação fílmica de textos literários, MilanezMilanez, Janaína Guedes. “A adaptação fílmica como procedimento de tradução intersemiótica: o caso Budapeste”. Anuário de Literatura. 18.1 (2013): 178-189. 07/03/2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7917.2013v18n1p178. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/literatura/article/view/2175-7917.2013v18n1p178/24730.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/lit...
nos chama atenção para a importância da narratividade no processo de tradução. Segundo os profissionais, as obras mais fáceis de traduzir são aquelas que possuem tramas definidas, a saber: começo, meio e fim. Aspectos tais quais, ações se desenrolando no tempo, favorecem a possibilidade narrativa no meio audiovisual, visto que a temporalidade e a sequencialidade dos eventos viabilizam a percepção visual de um acontecimento com todas as suas propriedades materiais, isto é, espaço, sons, cores, formas. Em contrapartida, o meio audiovisual apresenta maior dificuldade quando se trata de representar questões subjetivas. Tendo isso em mente, intentou-se, com esta análise, evidenciar de que forma a série televisiva Killing Eve de Phoebe Waller-Bridge recriou as personagens principais do thriller de Luke Jennings, Codename Villanelle, examinando os códigos específicos de cada sistema semiótico implicados no processo de adaptação, que aqui foi entendido enquanto um procedimento de tradução intersemiótica.

Com o subsídio da semiótica peirceana, foi possível compreender que literatura e TV funcionam como sistemas semióticos distintos e que, portanto, operam diferentes códigos da linguagem. Nesse sentido, concebe-se a tradução intersemiótica como mediadora de significados. Ela possibilita que os signos presentes em um determinado sistema semiótico possam ser reinterpretados pelos códigos de um novo sistema semiótico, recriando, desse modo, uma obra inédita e completamente autônoma. Por serem distintos meios de representar, esses sistemas pressupõem diferentes formas de recepção. Enquanto Codename Villanelle conta com os signos da linguagem verbal e possui uma recepção de natureza mais imaginativa, Killing Eve opera os códigos da linguagem audiovisual, promovendo uma experiência mais sensível.

Para traduzir para as telas as características psicológicas de Eve e Villanelle, sem retratar as histórias objetivas de seus passados (presentes no romance) e sem cair na literalidade de uma narração que evocasse as vozes interiores das personagens, Killing Eve utilizou os códigos do próprio meio semiótico em que se realiza – isto é, os códigos visuais, sonoros, gestuais e expressivos do meio audiovisual – no qual a câmera, os recursos de filmagem, iluminação, foco, cortes, edição, roteiro e a própria atuação das intérpretes foram responsáveis pela construção da identidade das personagens. Cada signo tem a capacidade infinita de gerar novos signos, numa cadeia perpétua de significação. O intercâmbio entre as formas literária e audiovisual é extremamente enriquecedor, pois expande as possibilidades narrativas de representar as experiências humanas e com isso, cria novas formas de experimentar o mundo.

  • 1
    Nossa tradução para: Villanelle watches closely, notes how the girl’s gaze softens, how the flutter of her eyelashes slows, how her smile turns to a shy parting of the lips. Turning the sequence over in her mind like a phrase in a foreign language, Villanelle files it away for future use. Over the course of her twenty-six-year lifespan she has acquired a vast repertoire of such expressions. Tenderness, sympathy, distress, guilt, shock, sadness...Villanelle has never actually experienced any such emotions, but she can simulate them all”.
  • 2
    Nossa tradução para: “She looks like someone for whom there are more important things than being thought pretty”.
  • 3
    Nossa tradução para: “She is fascinated by the notion of a woman for whom killing is unexceptional. Someone who could get up in the morning, make coffee, choose what to wear, and then go out and cold-bloodedly put a total stranger to death. Did you have to be some kind of anomalous, psychopathic freak to do that? Did you have to be born that way? Or could any woman, correctly programmed, be turned into a Professional executioner?”
  • 4
    Nossa tradução para: “The side of her that is utterly absorbed by the woman she is hunting, and the dark, refracted world in which she exists.”
  • 5
    Nossa tradução para: “When Women Kill”
  • 6
    Nossa tradução para: “Villanelle feels the longed-for power-surge. The feeling of invincibility that the sex promises, but only a successful killing truly confers”.
  • 7
    Nossa tradução para: “What authority imposed the sentences of death that she executed, she didn’t know [...] and in truth, she didn’t really care. What matter to Villanelle was that she had been chosen. [...] They had recognised her talent, sought her out, and taken her from the lowest place in the world to the highest, where she belonged. A predator, an instrument of evolution, one of that elite to whom no moral law applied. Inside her, this knowledge bloomed like a great dark rose, filling every cavity of her being.”
  • 8
    Nossa tradução para: “She felt none of the things they felt. Where others would experience pain or horror, she knew only a frozen dispassion”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2020
  • Aceito
    12 Mar 2021
  • Publicado
    Maio 2021
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