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TRADUZINDO E ANOTANDO O CAP. XII DE EXPLORATION OF THE VALLEY OF THE AMAZON, DE LARDNER ARTHUR GIBBON

TRANSLATING AND ANNOTATING THE CHAP. XII OF EXPLORATION OF THE VALLEY OF THE AMAZON, BY LARDNER ARTHUR GIBBON

Resumo

Este trabalho apresenta de forma sintetizada algumas considerações referentes ao processo de tradução, análise e comentário do capítulo XII do segundo volume do livro Exploration of the Valley of The Amazon, escrito pelo tenente da Marinha dos Estados Unidos da América Lardner Arthur Gibbon, entre 1851 e 1852. Também são introduzidos e contextualizados os cenários histórico e político para a Amazônia daquele período, a fim de que se possa compreender com mais precisão as condições de possiblidade para que as viagens, os relatos compilados e opiniões do expedicionário tenham se dado como hoje o sabemos. Ao final da tradução do capítulo rico em detalhes sobre a descida da Bolívia para o Brasil (especialmente pelo Rio Madeira), elaboramos 18 notas, nas quais buscamos compreender aspectos da vida econômica, social e política da população da região. Consultamos o texto original em diferentes edições, para apresentar um texto em inglês e em português o mais preciso possível, dando especial atenção às unidades de medida da época utilizadas. Esperamos que a edição bilíngue deste capítulo contribua para um maior conhecimento do negligenciado segundo volume deste livro excepcional e de grande valor para a história da Amazônia brasileira.

Palavras-chave
Amazônia; Lardner Arthur Gibbon; Tradução; Literatura de Viagem; Rio Madeira

Abstract

This work summarizes some considerations related to the process of translation, analysis and commentary on chapter XII of the second volume of the book Exploration of the Valley of The Amazon, written by United States Navy Lieutenant Lardner Arthur Gibbon Arthur, between 1851 and 1852. The historical and political scenarios for the Amazon of that period are also presented and contextualized, to be able to understand more closely the conditions of possibility for the journeys, the compiled reports and opinions of the expeditionary to have taken place as they are known today. At the end of the translation of the chapter, rich in details about the descent from Bolivia to Brazil (especially along the Madeira River), we made 18 notes, in which we sought to cover economic, social and political life aspects of the population in region. We consulted the original text in different editions, in order to present a text in English and in Portuguese as accurate as possible, paying special attention to the units of measurement used at the time. We hope that the bilingual edition of this chapter will contribute to a greater knowledge of the neglected second volume of this exceptional book and of great value for the history of the Brazilian Amazon.

Keywords
Amazon; Lardner Arthur Gibbon; Translation; Travel Literature; Madeira River

Introdução

Para o presente trabalho, escolhemos para tradução e análise o Capítulo XII do segundo volume do livro Exploration of the Valley of the Amazon [Exploração do Vale do Amazonas], publicado em dois volumes, em 1853. O Volume 1 foi assinado por William Lewis Herndon - do qual já tivemos a oportunidade de traduzir o capítulo XIV (Santos, Medeiros & Costa, 2022aSantos, Tatiana de Lima P.; Medeiros, Samuel Luzeiro Lucena de & Costa, Walter Carlos. “Exploração do Vale do Amazonas (1853), de William Lewis Herndon”. Cadernos de Tradução, 42(esp.1), p. 212-268, 2022a. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e91662
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, 2022bSantos, Tatiana de Lima P.; Medeiros, Samuel Luzeiro Lucena de & Costa, Walter Carlos. “Traduzindo e anotando o cap. XIV de Exploration of the valley of The Amazon, de William Lewis Herndon”. Cadernos de Tradução, 42(esp.1), p. 197-211, 2022b. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e90709
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)1 1 Trabalhos de tradução e artigo, comentados e publicados nesta mesma revista científica na edição Traduzindo a Amazônia II (Guerini, Torres & Fernandes, 2022). , e o Volume 2 foi assinado por Lardner Arthur Gibbon, que aqui utilizamos. Ambos eram tenentes da Marinha estadunidense e tinham recebido a missão de visitar a Amazônia peruana e brasileira.

O referido capítulo apresenta apontamentos sobre a descida pelos cursos d’água que ligam a Bolívia e o Brasil, dando especial destaque à “placa” do Madeira, como chama o seu autor, e a dinâmica local frente ao cenário das cercanias e região, sendo considerado texto essencial para o entendimento do contexto específico da época, no que tange às relações fronteiriças étnicas e político-administrativas. No entanto, até hoje, o texto é pouco conhecido e utilizado pelos pesquisadores da temática amazônica, somado ao fato de estar disponível no segundo volume da obra, difícil de ser encontrado, se comparado ao primeiro. Antes de falarmos sobre a viagem dos autores, cabe um esboço das configurações dos campos científico e político da época.

Abertura dos portos no Amazonas e as expedições científicas do século XIX

A Amazônia foi uma das regiões mais importantes para o desenvolvimento dos métodos de pesquisa dos naturalistas durante todo o século XIX. As dezenas de missões científicas, organizadas por viajantes das mais diversas nacionalidades, que se seguiram desde os primeiros anos dos oitocentos, tiveram a frequência intensificada com a abertura dos portos do antigo Estado do Brasil às nações amigas pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1808 (Lima, 2012Lima, Carla Oliveira de. “A Amazônia nos caminhos da História Natural”. In: Silva, Márcia Regina Barros da & Haddad, Thomás A. S. (Org.). Anais do 13º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. São Paulo: Sociedade Brasileira de História da Ciência, 2012.). Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil e o fim do pacto colonial com a nação ibérica, foi iniciado o processo de integração político-econômica da Amazônia, representada prioritariamente pelos principais núcleos coloniais, a saber, a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará (Belém) e a Vila da Barra do Rio Negro (Manaus).

As primeiras décadas do século XIX também foram marcadas pelos movimentos de independência dos países hispano-americanos e expansão naval, que relaxaram ou retiraram restrições diplomáticas, fazendo com que viajantes e exploradores adentrassem as terras sul-americanas com mais facilidade. Além disso, instituições científicas estrangeiras, com destaque para os jardins botânicos e museus acadêmicos, fizeram com que os naturalistas recebessem maior incentivo para explorar territórios “exóticos” e coletar coleções a serem enviadas a seus países.

Por outro lado, as potências da época pressionam os países hispânicos amazônicos e o Brasil a abrirem o Amazonas à navegação internacional. Segundo João Meirelles Filho:

Washington e Londres, por diversas vezes, pressionarão o Rio de Janeiro para a abertura do Amazonas à navegação, afinal este era a via não apenas para o Brasil do norte como para Bolívia, Peru e Colômbia.

Em 1835, os oficiais da Marinha inglesa William SmithSmith, Geoffrey Sutton. The Navy Before Darwinism: Science, Exploration, and Diplomacy in Antebellum America. American Quarterly, 28(1), p. 41-55, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2712476
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, Frederick Lowe e John Murray navegam o Amazonas desde o Peru e produzem um relatório para pressionar o Império brasileiro. A obra será referência para o oficial da Marinha norte-americana Matthew Fontaine Maury. Os Estados Unidos vivem um período de expansão e florescimento sem precedentes. É a época de ouro das descobertas e explorações de novos territórios. A Marinha norte-americana decide, então, avaliar o potencial da Amazônia. Maury vê na abertura do Amazonas a possibilidade de vender escravos do sul dos Estados Unidos para a região [...]

(Meirelles Filho, 2009Meirelles Filho, João. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira 1500-1930. São Paulo: Metalivros, 2009., p. 2).

Quando o Imperador Pedro II do Brasil (“Dom Pedro II”, “o Magnânimo”) foi coroado em 1841, não apenas as missões estrangeiras tiveram espaço para estabelecerem verdadeiros corredores para o trânsito de pesquisadores, mas também as instituições culturais e científicas brasileiras, que receberam amplo incentivo do poder público. O próprio imperador, um erudito e membro de diversas academias e instituições científicas, escreveu em seu diário nos idos de 1862: “nasci para consagrar-me às letras e às ciências” (Carvalho, 2007Carvalho, José Murilo de. D. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.). Daí até o final do Segundo Reinado, diversas expedições internacionais e nacionais foram financiadas, englobando desde a Antropologia/Arqueologia até as Artes.

Para a então Comarca do Alto Amazonas, ainda em vias de recuperação dos impactos da revolta popular conhecida como Cabanagem, ocorrida entre 1835 e 1840, que se fizera intensa no território da Província do Grão-Pará, grupos conservadores reprimiram ainda mais aqueles que tinham sua mão de obra largamente explorada, enquanto mantinham o interesse em transformar as “pequenas aldeias” em locais de “civilização” e prestígio. Assim, quando os viajantes estrangeiros de passagem pelo Rio Amazonas decidiam fazer parada para recuperar as energias antes de seguir viagem, os membros da elite local os recebiam com prazer, oferecendo todas as regalias possíveis para uma estadia “digna” a pessoas também vistas como dignas de tal.

Empreendendo a longa jornada por ordem de seus superiores, os tenentes Herndon e Gibbon visitaram diversos lugares na porção sul das Américas. Este último participou da expedição como assistente do primeiro, com meia dúzia de ajudantes, e seguiu caminho separadamente até a região oeste e sudoeste da Amazônia, bem como aos tributários bolivianos do Amazonas, escrevendo seu relatório, que constituiria o segundo volume da obra. Aqui abordaremos abordar a trajetória do autor do segundo volume, o tenente Gibbon.

Gibbon: sua vida, viagens e passagem pela Amazônia

Lardner Arthur Gibbon nasceu em 13 de agosto de 1820, em Philadelphia County, Pennsylvania. Primeiro filho do casal John Heysham Gibbon e Catherine Lardner Gibbon, entrou para a Marinha em 1834, aos 14 anos. Em 1837, foi promovido a aspirante e, em seguida, serviu três anos na esquadra estadunidense do Pacífico. A partir de 1843, serviu por três anos na esquadra estadunidense no Brasil. Em 1846, retornou aos Estados Unidos e recebeu ordens para trabalhar no Observatório Naval em Washington. Seis meses depois, com o início da Guerra Mexicano–Americana, serviu por um período provisório no navio USS Tuspan. Em novembro de 1848, Gibbon voltou ao Observatório Naval. Em 1851, já tenente, Gibbon recebeu ordens do Departamento da Marinha atribuindo-lhe serviço especial na América do Sul, sob o comando do Tenente Herndon, seu colega no Observatório Naval (Cf. Klare, 1998Klare, Normand E. “Naval Explorer Captures Amazon”. Naval History Magazine, 12(1), 1998. Disponível em: https://www.usni.org/magazines/naval-history-magazine/1998/february/naval-explorer-captures-amazon. Acesso em: 20 ago. 2023.
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).

Quando fez a viagem em 1851, ele era casado com Alice P. Shepard. Em 1861, se tornou Capitão de Artilharia, servindo como Oficial de Ordenanças no Departamento de Ordenanças dos Estados Confederados. Depois, viria a servir como encarregado das baterias costeiras de Mobile, Alabama. Antes disso, porém esteve em missão em diversos lugares, como Pacífico, Atlântico e Mediterrâneo (para onde foi no final da década de 1850), e ficou encarregado de orientar as frotas em atividades militares.

Para João Meirelles Filho, foi o acima citado Matthew Fontaine Maury o responsável pela missão da Marinha estado-unidense, que acabaria convocando os tenentes Herndon e Gibbon.

O principal colaborador, e mentor da viagem, é Maury. Na verdade, Maury utilizará os relatórios de Herndon para defender teses no Congresso norte-americano [...]. Outro personagem importante é Lardner Gibbon, que o segue na primeira parte da viagem nos Andes. Além de breve diário, Gibbon contribui com desenhos. São dele as litografias que acompanham a publicação [...]

(Meirelles Filho, 2009Meirelles Filho, João. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira 1500-1930. São Paulo: Metalivros, 2009., p. 3).

A jornada de Gibbon pela Amazônia esteve diretamente relacionada à pessoa de Herndon. Este último havia sido designado comandante do navio Vandalia, integrante do esquadrão do Pacífico. Em agosto de 1850, ancorado com o referido esquadrão em Valparaíso, Chile, teria recebido uma comunicação do Superintendente do Observatório Nacional, na qual estava expressa a ordem para que realizasse uma “exploração” no Vale do Amazonas. Para dividir a tarefa com ele, foi-lhe autorizado escolher um tenente para auxiliá-lo, sendo designado Lardner Arthur Gibbon. Segundo o que diz no capítulo introdutório de seu volume, Herndon logo recebeu ajuda de outros militares, como o Comandante das Forças Navais Inglesas no Pacífico, Almirante Hornby, que disponibilizou sua biblioteca para consulta. O mesmo fizeram membros de outras Marinhas; Bridges, botânico inglês que descera o Rio Madeira levando o primeiro espécime de vitória-régia para a Inglaterra. Bridges lhe fez uma descrição completa do sudoeste amazônico, que serviria logo mais para guiar Gibbon até a cabeceira dos rios daquela região; do General José Ballivián Segurola, então ex-Presidente da Bolívia exilado no Chile, que lhe ofereceu um mapa da Bolívia e arredores; entre outras ajudas essenciais na viagem.

Figura 1
Retrato do Tenente Lardner Arthur Gibbon, em 1857.

Herndon deixou o Chile em 26 de janeiro de 1851, chegando a Lima no sexto dia do mês seguinte. Gibbon, por sua vez, permanecera em suas incumbências particulares. Eles se separam na cidade peruana de Tarma em 20 de junho de 1851. A jornada seria finalizada após mais de 7 mil quilômetros, que resultou num verdadeiro compêndio entusiasta acerca da Etnologia e História Natural da região. Foi um verdadeiro sucesso, sendo aprovado e publicado pela Marinha dos Estados Unidos entre 1853-1854, sendo feitas 10 mil cópias adicionais a pedido do Senado.

Ernesto A. Ruiz nota que a missão de Herndon e Gibbon tinha outros objetivos além dos científicos:

As expedições de Herndon e Gibbon (1851-1852) ao rio Amazonas e a de T.J. Page ao Rio da Prata em 1853, não se limitaram exclusivamente a recolher informações cientificas. Estas empresas exploratórias tiveram também por objetivo estudar as possibilidades econômicas das regiões visitadas e, no caso de alguma delas estar fechada para o comércio internacional, como foi o caso do rio Amazonas e Paraguai, influenciar os governos desses países a abrir essas áreas a capital e a colonização norte-americana

(Ruiz, 1986Ruiz, Ernesto A. Expedições científicas, descobrimentos geográficos e expansão política: os Estados Unidos e América Latina no século XIX. Geosul; Universidade Federal de Santa Catarina, vol. I, n. 2, 1986., p. 83).

Ruiz nota igualmente que Matthew Fontaine Maury foi o idealizador da missão:

A Expedição de Herndon e Gibbon à região Amazônica só pode ser explicada a partir das teorias geopolíticas de Maury, as quais ele expôs em diferentes livros e panfletos publicados nas duas décadas anteriores à Guerra Civil. Maury foi o mais prestigioso hidrógrafo da Marinha dos Estados Unidos. [...]

Maury também pensou que os destinos dos estados escravistas estavam intimamente ligados ao futuro da região amazônica. Não só a população escrava crescia mais rapidamente que a população branca, mas também que o Sul não poderia emancipar seus escravos sem destruir seu capital. Nos Estados Unidos, o território disponível para ser cultivado pelo trabalho escravo era limitado. Portanto, o excedente de população negra poderia ser canalizado para o Brasil. Maury concluiu que a região amazônica podia transformar-se em uma “válvula de segurança” para a estabilidade política dos Estados Unidos e um seguro contra um possível conflito racial

(Ruiz, 1986Ruiz, Ernesto A. Expedições científicas, descobrimentos geográficos e expansão política: os Estados Unidos e América Latina no século XIX. Geosul; Universidade Federal de Santa Catarina, vol. I, n. 2, 1986., p. 86).

Maury mobilizou sua ampla rede de contatos nos círculos e conseguiu que a missão fosse de Herndon e Gibbon fosse aprovada:

A expedição foi oficialmente autorizada pelo Secretário da Marinha William A. Graham, em outubro de 1850, que designou ao tenente William Lewis Herndon, cunhado de Maury, como líder da expedição. Herndon recebeu dois tipos de instruções. As instruções oficiais de Graham, que foram cautelosas e circunspectas e se limitaram a ordenar a Herndon a explorar o rio Amazonas desde seu nascimento até sua desembocadura e, as instruções privadas de Maury, onde estava explícito que o objetivo principal de sua expedição era preparar o caminho para a colonização norte-americana da região amazônica e possivelmente sua incorporação política aos Estados Unidos

(Ruiz, 1986Ruiz, Ernesto A. Expedições científicas, descobrimentos geográficos e expansão política: os Estados Unidos e América Latina no século XIX. Geosul; Universidade Federal de Santa Catarina, vol. I, n. 2, 1986., p. 86).

Ainda segundo Ruiz, os planos colonialistas de Maury fracassaram, por uma série de razões:

Quando em fevereiro de 1853 foram publicados, por ordem do Congresso, os resultados da expedição, era óbvio que os dados recolhidos por Herndon e Gibbon não corresponderam às expectativas de Maury, principalmente porque Herndon, apesar de recomendar a colonização da região, sugeriu que muitos anos e um grande número de colonizadores seriam necessários para transformar a região amazônica em um projeto econômico viável

(Ruiz, 1986Ruiz, Ernesto A. Expedições científicas, descobrimentos geográficos e expansão política: os Estados Unidos e América Latina no século XIX. Geosul; Universidade Federal de Santa Catarina, vol. I, n. 2, 1986., p. 87).

Depois da missão que o consagraria como expedicionário e historiador natural, Gibbon seguiu sua carreira militar. Servia no Mediterrânio (Livorno) quando teve pintado o seu único retrato conhecido (Figura 1). Em 25 de janeiro de 1854, Gibbon escreveu ao Secretário da Marinha, em Washington, dizendo que de um “aspirante aprovado” do Observatório Nacional, como ele, havia sido designado “para iniciar uma exploração de terras e rios distantes, entre estranhos e pessoas diversas, não se espera que forneça um relatório polido de observações feitas sob muitas desvantagens” (Gibbon, 1853Gibbon, Lardner Arthur. Exploration of the Valley of the Amazon, made under direction of the Navy Department, by WM. Lewis Herndon and Lardner Gibbon, Lieutenants United States Navy. Part II, by Lieut. Gibbon. Washington: Robert Armstrong Public Printer, 1853., p. XI). De acordo com ele, as condições difíceis e extremas da viagem o forçaram a omitir “inevitavelmente” descrições mais detalhadas em questões científicas que fugiam de sua formação. Ainda assim, todavia, forneceu-nos um panorama muito completo das condições de vida e convívio com a natureza (ao modo da mentalidade de sua época) das regiões que visitou.

Chegou da Bolívia à região do Alto Madeira em finais de setembro de 1852, destacando as dificuldades da descida e locomoção pelas quedas da cachoeira de Ribeirão no dia 23. No dia seguinte, descreveu a violência de outros cursos d’água, como das corredeiras de “Periquitos” e “Araras”. Em 26 mencionou a passagem pela queda de Pedreneira, passando pela chamada de Paredão. Nos dias seguintes, em meio às descrições físicas das águas e do relevo, aparecem os registros de grupos étnicos que compuseram a viagem, entre eles os Caripuna, Jacaré, Mura, entre outros; como também os “negros”, importantes para a conclusão da viagem. Em finais de outubro, chegaram à boca do Madeira, que deságua no grande Amazonas. Desta jornada, apresentamos algumas ilustrações do próprio autor:

Figura 2
Descendo a cachoeira de Ribeirão, Rio Madeira. Litogravura de Gibbon em 1852, como as subsequentes
Figura 3
Matuá e seu irmão Manu, meninos Caripuna e sua canoa de casca de árvore, 1852
Figura 4
Atravessando a boca do Rio Madeira

Considerações Finais

Tendo apresentado brevemente o percurso do autor e os impactos de seu trabalho para os anais históricos da Amazônia, passamos à descrição das diferentes etapas de tradução, comentário e estudo do capítulo objeto de atenção neste trabalho. Devido à riqueza de detalhes do capítulo sobre a antiga Manaus, optamos por realizar uma tradução anotada em trechos que mais necessitavam de complemento: são 18 notas, abrangendo diferentes aspectos da vida econômica, social e política da população da região “explorada”. Fizemos também um amplo cotejo do original em várias edições, de modo a apresentar um texto em inglês e em português o mais preciso possível, sobretudo em relação ao vocabulário específico da região na época. Esperamos que a edição bilíngue deste capítulo contribua para um maior conhecimento deste livro excepcional e de grande valor para a história da Amazônia brasileira.

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    Trabalhos de tradução e artigo, comentados e publicados nesta mesma revista científica na edição Traduzindo a Amazônia II (Guerini, Torres & Fernandes, 2022Guerini, Andréia; Torres, Marie Helene Catherine & Fernandes, José Guilherme. “Traduzindo a Amazônia II”. Cadernos de Tradução, 42(esp.1), 2022. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e91851
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    ).

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro à pesquisa. À equipe do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (CAPES/PROCAD) no âmbito Amazônia e instituições envolvidas no projeto aprovado para o sexênio 2018-2023: UEA, UFPA e UFSC. Ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Arqueológicas da Bacia Amazônica (NIPAAM), pelos recursos humanos e documentais.

Referências

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  • Santos, Tatiana de Lima P.; Medeiros, Samuel Luzeiro Lucena de & Costa, Walter Carlos. “Traduzindo e anotando o cap. XIV de Exploration of the valley of The Amazon, de William Lewis Herndon”. Cadernos de Tradução, 42(esp.1), p. 197-211, 2022b. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2022.e90709
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  • Smith, Geoffrey Sutton. The Navy Before Darwinism: Science, Exploration, and Diplomacy in Antebellum America. American Quarterly, 28(1), p. 41-55, 1976. DOI: https://doi.org/10.2307/2712476
    » https://doi.org/10.2307/2712476

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2023
  • Aceito
    28 Set 2023
  • Publicado
    Out 2023
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