Acessibilidade / Reportar erro

Análise das propriedades mecânicas de cereais matinais com diferentes fontes de amido durante o processo de absorção de leite

Analysis of mechanical properties of breakfast cereals during process of milk absorption

Resumos

Cereais matinais são produtos extrusados, tradicionalmente consumidos com leite e o principal componente é o amido. A característica de crocância destes produtos está associada a frescor e qualidade do produto e a sua perda é uma das causas de rejeição de consumo. Mudanças indesejáveis na textura podem ocorrer quando os cereais são expostos a determinadas condições ambientais ou quando imersos em meio líquido. A estrutura física dos cereais tem uma grande influência na difusão do líquido, pois sua alta porosidade e higroscopicidade implicam em aumento da difusividade da umidade e conseqüente aumento da atividade de água, ganhando umidade rapidamente e perdendo sua textura quebradiça desejável, tornando-se amolecido. Neste trabalho, o comportamento de três cereais matinais comerciais foi analisado e os coeficientes de difusão foram determinados, além do estudo da alteração da textura destes produtos, através das propriedades mecânicas, em relação ao tempo de imersão em leite. A variação dos valores de atividade de água em equilíbrio com as amostras em relação ao tempo de imersão foram avaliadas com o intuito de quantificar o tempo crítico e a atividade de água correspondente em que os cereais matinais comerciais perdem a crocância.

cereal matinal; difusão; atividade de água; propriedades mecânicas


Breakfast cereals are products extrudate, starch-based, which traditionally are consumed with milk. The crispness of these products has been associated to the freshness and quality and their loss has been one of the causes of rejection by consumers. Undesirable textural changes may occur when these cereals are exposed to the atmospheric environment or are soaked in liquid medium. The physical structure of these cereals has a great influence in the moisture diffusion, therefore their high porosity and hygroscopic behavior imply in increase of the diffusivity of the milk and increase of the water activity, gaining moisture quickly and loosing their desirable brittle texture, becoming soggy. This behavior could be related to a transition from the glassy solid state to rubbery liquid state. In this work the behavior of three commercial breakfast cereals were analyzed, the mass diffusion coefficients were determined, besides the texture change of these products, using mechanical properties, which were related to the time of immersion in milk. The variation of water activity values, at equilibrium, of cereal samples immersed in milk was determined to quantify the critical time and the water activity value in that the commercial breakfast cereals became soggy.

breakfast cereal; diffusion; water activity; mechanical properties


Análise das propriedades mecânicas de cereais matinais com diferentes fontes de amido durante o processo de absorção de leite

Analysis of mechanical properties of breakfast cereals during process of milk absorption

Katiuchia Pereira Takeuchi; Edméia Sabadini; Rosiane Lopes da Cunha* * A quem a correspondência deve ser enviada.

Laboratório de Engenharia de Processos - Faculdade de Engenharia de Alimentos - UNICAMP - Caixa Postal 6121 - CEP: 13083-970, Campinas - SP. E-mail: rosiane@fea.unicamp.br

RESUMO

Cereais matinais são produtos extrusados, tradicionalmente consumidos com leite e o principal componente é o amido. A característica de crocância destes produtos está associada a frescor e qualidade do produto e a sua perda é uma das causas de rejeição de consumo. Mudanças indesejáveis na textura podem ocorrer quando os cereais são expostos a determinadas condições ambientais ou quando imersos em meio líquido. A estrutura física dos cereais tem uma grande influência na difusão do líquido, pois sua alta porosidade e higroscopicidade implicam em aumento da difusividade da umidade e conseqüente aumento da atividade de água, ganhando umidade rapidamente e perdendo sua textura quebradiça desejável, tornando-se amolecido. Neste trabalho, o comportamento de três cereais matinais comerciais foi analisado e os coeficientes de difusão foram determinados, além do estudo da alteração da textura destes produtos, através das propriedades mecânicas, em relação ao tempo de imersão em leite. A variação dos valores de atividade de água em equilíbrio com as amostras em relação ao tempo de imersão foram avaliadas com o intuito de quantificar o tempo crítico e a atividade de água correspondente em que os cereais matinais comerciais perdem a crocância.

Palavras-chave: cereal matinal; difusão; atividade de água; propriedades mecânicas.

SUMMARY

Breakfast cereals are products extrudate, starch-based, which traditionally are consumed with milk. The crispness of these products has been associated to the freshness and quality and their loss has been one of the causes of rejection by consumers. Undesirable textural changes may occur when these cereals are exposed to the atmospheric environment or are soaked in liquid medium. The physical structure of these cereals has a great influence in the moisture diffusion, therefore their high porosity and hygroscopic behavior imply in increase of the diffusivity of the milk and increase of the water activity, gaining moisture quickly and loosing their desirable brittle texture, becoming soggy. This behavior could be related to a transition from the glassy solid state to rubbery liquid state. In this work the behavior of three commercial breakfast cereals were analyzed, the mass diffusion coefficients were determined, besides the texture change of these products, using mechanical properties, which were related to the time of immersion in milk. The variation of water activity values, at equilibrium, of cereal samples immersed in milk was determined to quantify the critical time and the water activity value in that the commercial breakfast cereals became soggy.

Keywords: breakfast cereal; diffusion; water activity; mechanical properties.

1 - INTRODUÇÃO

O consumo de cereais matinais tem aumentado muito nos últimos anos devido à necessidade de se obter produtos de preparo rápido, tendo em vista a falta de tempo da vida moderna. Os cereais matinais são produtos extrusados de alto teor de proteína, carboidratos e fibras, podendo ser enriquecidos com vitaminas e sais minerais aumentando seu valor nutritivo. O processo de extrusão para cereais matinais envolve ingredientes, que sob a influência de calor, umidade, pressão e cisalhamento são transformados em uma massa viscoelástica que emerge do extrusor. A queda súbita de pressão permite a vaporização de água e conseqüentemente a expansão da massa de cereal [31]. O produto intumescido tem uma estrutura celular, principalmente formada por bolsões de ar envoltos por paredes de amido gelatinizado, o que contribui para sua textura quebradiça.

Os cereais matinais são tradicionalmente consumidos após imersão em leite, aumentando assim a umidade no seu interior, o que causa a perda da textura crocante [18, 19]. Entre os fatores de aceitabilidade, a textura aparece como um fator extremamente importante em alimentos do tipo crocante e extrusado. A característica de crocância está associada a frescor e qualidade do produto [32] e a sua perda, caracterizada pelo amolecimento é uma das causas de rejeição de consumo [29, 30, 31]. Inúmeras metodologias instrumentais e sensoriais têm sido utilizadas para descrever e definir as propriedades de textura de produtos a base de cereais [3, 11, 13, 16, 20, 33, 35]. Métodos experimentais para medir a textura em alimentos, baseados em ensaios mecânicos, avaliam a resistência do alimento a uma força ou deformação aplicadas no produto [15].

A estrutura física dos cereais tem uma grande influência na difusão do líquido, pois sua alta porosidade implica em elevada difusividade da umidade e conseqüente rápido aumento da atividade de água. Dessa maneira, elevados valores de coeficiente de difusão implicariam em perda mais rápida de crocância durante o consumo de cereais matinais.

Assim, este trabalho teve como objetivo determinar os coeficientes de difusão em cereais matinais comerciais e estudar a alteração da textura destes produtos, através das propriedades mecânicas, durante o tempo de imersão em leite. A variação da atividade de água em equilíbrio com as amostras em relação ao tempo de imersão foi medida, com o intuito de quantificar a atividade de água de consumo de cereais matinais comerciais, de maneira que ainda estivessem crocantes.

2 - MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Material

O líquido utilizado para imersão dos cereais matinais foi leite integral comercial. Três cereais com diferentes geometrias e fontes de amido, denominados A (amido de milho, formato esférico), B (amido de arroz, formato esférico) e C (amido de trigo, formato de placa plana), que apresentavam chocolate na sua composição, foram analisados. Todos os produtos foram adquiridos no mercado local.

2.2 - Métodos

2.2.1 - Processo de imersão

Os cereais foram completamente imersos em proporção de 1:10, com 10g de amostra para 100g de leite integral, durante 1 hora. A temperatura de realização dos ensaios foi de 25ºC. As amostras foram retiradas em diferentes tempos de imersão no leite integral para as análises de umidade, atividade de água e propriedades mecânicas.

2.2.2 - Análise de umidade

A umidade das amostras foi determinada por método gravimétrico, em triplicata, após serem mantidas em estufa a vácuo a 70ºC por 24 horas.

2.2.3 - Composição centesimal das amostras

O teor de lipídios totais foi realizado de acordo com o método de BLIGH & DYER [7]. A determinação do teor de proteína das amostras foi feita pelo método de Kjeldhal, utilizando-se o fator de conversão de 6,25 [2]. O teor de açúcares totais e redutores foi determinado utilizando o método de Lane-Eynon, citado por RANGANNA [25]. A composição dos cereais foi determinada em triplicata e os valores se encontram na Tabela 1:

2.2.4 - Porosidade e densidade dos cereais matinais

• Picnometria a hélio

Os valores de densidade do sólido das amostras (Tabela 2) foram determinados com o método de expansão a gás hélio, utilizando o equipamento AccuPyc 1330 (v. 2.02 - 2399, Micromeritics Instrument Corp., USA). A massa de amostra utilizada foi de 1 a 1,5 g; a taxa de equilíbrio foi de 0,005psig/min, considerada como a taxa máxima de variação de pressão durante as análises e o volume de expansão de 9,186cm3. As medidas foram realizadas a temperatura de 25ºC.

• Porosimetria por intrusão de mercúrio

Os valores de densidade da partícula e porosidade para cada cereal matinal, apresentadas na Tabela 2, foram obtidos pela técnica de porosimetria por intrusão de mercúrio, utilizando o equipamento AutoPore III (Micromeritics Instrument Corp., USA). A massa de amostras utilizadas nas análises variou de 0,4 a 1,2g, conforme as dimensões das amostras. As pressões de preenchimento de mercúrio para os cereais matinais A, B e C foram, respectivamente, 0,97; 1,00 e 1,02psia. Estas pressões foram escolhidas de forma a evitar o rompimento da estrutura dos poros das amostras. As análises foram realizadas em temperatura de 25ºC.

A porosidade da partícula (epartícula) foi calculada a partir da Equação 1, durante a imersão em leite integral.

onde: rpartícula é a densidade da partícula, considerando os espaços vazios do seu interior (volume dos poros fechados) e rsólido é a densidade do sólido, considerando apenas a massa do sólido e o seu volume, ou seja, desconsidera-se os espaços vazios do interior da amostra.

2.2.5 - Atividade de água

As amostras foram coletadas em diferentes tempos de imersão em leite integral e acondicionadas em cápsulas herméticas, mantidas na temperatura de 5ºC por 24h. O período de tempo foi suficiente para que as amostras entrassem em equilíbrio antes de serem analisadas. O armazenamento sob refrigeração foi necessário para evitar a degradação do material. A determinação da atividade de água das amostras foi realizada em higrômetro Aqualab CX - 2T (Decagon Devices Inc., USA) após equilíbrio das amostras a 25ºC. As medidas foram realizadas em triplicata.

2.2.6 - Propriedades mecânicas

As propriedades mecânicas foram obtidas através de um texturômetro universal TA XT2i Texture Analyser (Stable Microsystems, Surrey, UK) com célula de carga de 25kg. Nestes ensaios foi utilizada geometria cilíndrica de acrílico de 2cm de diâmetro e velocidade de compressão de 0,8mm/s, até atingir 50% da altura inicial da amostra. A geometria foi lubrificada com óleo de silicone para evitar atrito com a amostra. As amostras foram analisadas em quintuplicata.

Os parâmetros associados à textura, força e deformação na ruptura foram obtidos a partir do pico máximo da curva força - altura.

2.3 - Tratamento dos dados

2.3.1 - Coeficientes de difusão mássica (Deff)

A sorção de água tem sido descrita na literatura por modelos assumindo que o processo é controlado pela transferência de massa por difusão. A difusão em estado transiente pode ser representada pela segunda Lei de Fick (Equação 2):

A solução da Equação 2 para placa plana e esfera é dada pelas Equações 3 e 4, respectivamente [9]:

Considerando as seguintes condições:

Inicial:

m=m0,0<x<L0, t=0 (placa plana)0<r<R0, t=0 (esfera)

Contorno:

m= m¥,x=L0, t> 0 (placa plana)r=R0, t> 0 (esfera)

onde mt é o ganho de umidade no tempo t, m0 é o conteúdo de umidade inicial, m¥ é o ganho de umidade no equilíbrio, Deff o coeficiente de difusão efetivo, L0 é a meia espessura da placa plana e R0 é o raio da esfera.

As Equações 3 e 4 foram empregadas para a obtenção dos coeficientes de difusão dos cereais, utilizando geometria esférica para os cereais A e B e de placa plana para o cereal C.

2.3.2 - Propriedades mecânicas

A partir da curva força-altura, a deformação na ruptura foi calculada de acordo com a Equação 5:

onde H0 [m] é a altura inicial da amostra e H (t) é a altura em um tempo t.

2.3.3 - Ponto crítico da perda de crocância

O comportamento mecânico de vários alimentos sólidos e de biomaterias, por volta de sua transição vítrea, é caracterizado por uma relação sigmoidal entre as propriedades mecânicas e temperatura, umidade ou atividade de água. Matematicamente, a relação pode ser descrita pela Equação 6 [21, 22, 23, 24] para uma dada temperatura:

onde Y(aw) é a propriedade mecânica, Y0 é a magnitude da propriedade quando o produto está crocante ou seco, aw é a atividade de água, awc é o nível de atividade de água no ponto de inflexão (ponto crítico) e b é um parâmetro de ajuste.

A determinação da atividade de água na qual as amostras iniciam a transição de crocante para amolecido foi realizada através do ajuste não-linear da Equação 6 aos dados experimentais, utilizando o software STATISTICA (Statsoft v. 5.0).

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 - Cinética de ganho de umidade

Os cereais matinais imersos em leite integral apresentaram uma alta taxa de ganho de umidade, como pode ser observado na Figura 1.


Os três cereais absorveram a umidade rapidamente em um pequeno intervalo de tempo, de forma não-linear até alcançarem a umidade de equilíbrio, como pode ser observado na Figura 1. Os cereais B e C atingiram a umidade de equilíbrio em tempos inferiores a 1800s, enquanto que o cereal A levou mais de 3000s.

No detalhe da Figura 1 podem ser observados os diferentes comportamentos de cinética de ganho de umidade no intervalo de 0 a 300s, que é o tempo médio aproximado de consumo de cereais matinais. O cereal matinal B apresentou a mais alta taxa de absorção de leite integral que os cereais A e C. Já o cereal C apresentou pouca diferença de comportamento em relação ao cereal A, ou seja, alcançou o equilíbrio em menor tempo e com um teor de umidade menor. A maior taxa de ganho de umidade do cereal B, provavelmente está relacionada a sua alta porosidade e também às diferenças entre os materiais empregados na sua produção.

3.2 - Coeficiente de difusividade mássica (Deff)

Na determinação do coeficiente de difusividade mássica considerou-se que a geometria dos cereais A e B era esférica e a do cereal C similar a uma placa plana. As Equações 3 e 4 foram utilizadas para a determinação do valor do coeficiente de difusividade mássica, cujos valores são apresentados na Tabela 3. Os valores do ganho de umidade no equilíbrio (m¥) e inicial (m0 - cereal matinal seco), ambos em base seca, foram utilizados para o ajuste não-linear das equações citadas anteriormente. O valor de difusividade efetiva do cereal B foi maior que o do cereal C, cerca de 1,8 vezes e maior que o valor do A cerca de 3 vezes. O cereal matinal B, que possui a maior porosidade, apresentou o maior valor de difusividade mássica, confirmando o observado na Figura 1. No entanto, o cereal C apresentou maior coeficiente de difusividade que o A, mesmo apresentando valor de porosidade menor que o de A, 5,35 e 18,93%, respectivamente para os cereais matinais C e A. Estes resultados mostram que não somente a porosidade é responsável pelo processo de difusão, mas também a composição dos cereais. Além disso, as condições do processo de extrusão podem influenciar as características da matriz do produto e assim, afetar o processo de difusão. O processamento em altas tensões de cisalhamento e baixo teor de umidade resulta em um cereal que facilmente absorve leite, devido a grande extensão de dextrinização do amido [17].

A origem dos amidos utilizados na produção dos cereais pode ser um importante fator nas diferenças observadas entre os coeficientes de difusão obtidos, dado que estes possuem diferentes teores de amilose e amilopectina. É interessante observar que TÜTÜNCÜ & LABUZA [34] relataram o valor do coeficiente de difusão de 2,37 x 10-9 m2/s ao estudar a difusão de água em flocos de milho. Este valor é similar ao observado para o cereal A, cuja fonte de amido também é o milho.

O teor de amilose [5] para o arroz, trigo e milho são 18, 26 e 28%, respectivamente. MILLER [17] relatou que uma grande quantidade de amilose no amido fornece um produto mais denso e duro e mais resistente à absorção do leite. Os resultados obtidos neste trabalho mostraram que o cereal a base de amido de milho (Cereal A), que possui o maior teor de amilose entre os analisados, apresentou maior resistência à absorção de leite, mostrando menor coeficiente de difusão mássica. O cereal a base de amido de arroz (Cereal B), que possui o menor teor de amilose, portanto uma menor resistência à difusão, apresentou o maior valor de coeficiente de difusão. Este fato mostra que o processo de difusão de leite em cereais pode estar principalmente relacionado ao teor de amilose, que influencia a resistência da matriz do cereal em relação ao processo de difusão.

3.3 - Atividade de água

Os cereais matinais, antes da imersão em leite integral são crocantes e possuem baixos valores de atividade de água, de forma que a água presente não atua como plasticizante da matriz de carboidratos. Durante a imersão em leite ocorre absorção da água presente, levando a um aumento da atividade de água do cereal (Figura 2) dando início ao processo de amolecimento do cereal. Os dados experimentais foram ajustados por uma equação exponencial (Equação 7) de maneira que fosse possível avaliar o comportamento cinético da atividade de água.

onde a é a atividade de água (aw) no equilíbrio; 1/d é a velocidade de aumento de aw (s-1); c é o tempo referência de aw e b é um parâmetro de ajuste.


Os parâmetros de ajuste da Equação 7 aos dados experimentais estão apresentados na Tabela 4.

O cereal que possui a maior taxa de aumento da atividade de água é o B, seguido do C e A. Isso mostra que o valor de atividade de água em B aumenta mais rapidamente em B que em C e A, de maneira similar à tendência observada para o coeficiente de difusão mássica.

Os valores do parâmetro de ajuste a, que representa a atividade de água no equilíbrio, mostraram similaridade com os resultados de umidade de equilíbrio obtidos, entretanto, o cereal B mostrou maior valor de atividade de água em equilíbrio que o cereal A. Tal fato pode ser atribuído à diferente capacidade de adsorção dos cereais produzidos a partir de distintas fontes de amido.

3.4 - Propriedades mecânicas e a perda de crocância de cereais matinais

A Figura 3 mostra curvas da força - deformação de Hencky para os cereais matinais A, B e C, quando estes encontravam-se crocantes e após a imersão em leite, a qual promoveu a plasticização da matriz de amido/proteína.


Para faixas de atividades de água baixas, o produto encontra-se crocante e a curva força-deformação apresenta diversos picos até a ruptura efetiva do alimento [36]. Em materiais com estrutura porosa e quebradiça, como cereais matinais "secos", a força oscila muito durante a quebra da parede e a desintegração da estrutura. A forma da célula é ligeiramente alterada sob baixas deformações, mas quando o alimento é submetido a altas deformações, as paredes celulares entram em colapso ocasionando fratura. Em determinado nível de deformação, quando os espaços intracelulares são preenchidos pelos fragmentos da amostra, a resistência mecânica da estrutura aumenta drasticamente. Nesse estágio, o material não é predominantemente celular e sua deformação assemelha-se a de um sólido incompressível. A partir de uma determinada atividade de água, a dureza diminui e as curvas tornam-se cada vez mais suaves. É importante observar que a realização de ensaios em quintuplicatas visa a diminuição de erros de medida, visto que os materiais utilizados na análise apresentam estruturas porosas heterogêneas e o processo de ruptura das células ocorre de maneira irregular.

Detalhadas relações entre a crocância de cereais matinais e a atividade de água foram relatadas por Sauvageot & Blond [27], sendo que esta relação tem a forma sigmoidal e é analisada em termos de três regiões (Figura 4), cada uma descrita por uma linha reta. Estas regiões representam aproximadamente as características dos parâmetros de textura de cereais antes, durante e depois de sua plasticização. A mudança da textura do produto de crocante para amolecido deve-se ao efeito plasticizante da água e pode estar relacionada à ocorrência da transição vítrea [1, 30].


As Figuras 5 e 6 mostram o comportamento da força e deformação de Hencky na ruptura, respectivamente, em relação ao aumento da atividade de água devido à imersão dos cereais matinais no leite integral. Nestas figuras observa-se também o comportamento do produto em relação à ação plasticizante da água e conseqüente perda da crocância, com a diminuição da força e deformação na ruptura. Este fato também foi observado em estudos realizados sobre a influência da atividade de água nas propriedades mecânicas de alguns produtos derivados de cereais. O aumento da atividade de água promove uma aparente diminuição da rigidez e do ponto de quebra, devido ao efeito de plasticização da água [6, 12, 26, 29, 30].



O efeito crítico da umidade pode ser associado ao mecanismo de plasticização consistindo em um aumento no volume livre, devido à adição de moléculas de baixo peso molecular (água), resultando em uma maior mobilidade e aumento da flexibilidade das macromoléculas [10, 28]. A plasticização causa um decréscimo da temperatura de transição vítrea, que pode ficar abaixo da temperatura ambiente, promovendo um decréscimo da rigidez do produto hidratado [14].

PELEG [22] demonstrou que o modelo sigmoidal proposto pela Equação 6 ajustou muito bem aos dados obtidos para relacionar a perda de crocância e a atividade de água. Esta equação foi ajustada aos valores experimentais de força na ruptura em relação à atividade de água para determinar a atividade de água crítica, ou seja, o valor no qual ocorre a transição entre a textura crocante e a amolecida ou plasticizada.

A Figura 5 mostra o comportamento da força aplicada aos cereais matinais em diferentes valores de atividade de água. O cereal A apresentou uma ampla faixa de atividade de água na qual este ainda se encontrava crocante, pois somente após a atividade de água atingir o valor crítico de 0,976 (Tabela 5) é que ocorreu a transição para o estado borrachoso. Já o cereal C apresentou uma menor faixa de atividade de água na qual este se encontrava mais crocante que o cereal A e o processo de transição para o estado borrachoso deu-se em um valor de atividade de água de 0,966 (Tabela 5). O cereal B já se encontrava no processo de transição da crocância para o amolecimento, indicando que o efeito de plasticização da água iniciou-se em valores de atividade de água menores e o valor crítico de atividade de água foi de 0,924 (Tabela 5).

A deformação na ruptura (eH) relaciona-se com o quanto um material pode variar a altura sem ser rompido, ou seja, quanto maior a deformação na ruptura, menos quebradiço é o material. Para os cereais matinais A e B, a deformação diminuiu com o aumento da atividade de água, como mostrado na Figura 6. Já no C (amido de trigo), a deformação aumentou com o aumento da atividade de água devido à perda da fragilidade e capacidade de absorver energia mecânica, dando a falsa indicação de que o material está ficando rígido com o aumento de atividade de água. Com um aumento maior da atividade de água, a deformação na ruptura decresceu como para os demais cereais. Este fenômeno também foi observado por BRAGA & CUNHA [4], em torradas de pão, também em uma estreita faixa de atividade de água (0,529 a 0,648). Este comportamento tem sido relatado como a antiplasticização mecânica pela água, e é característica de produtos a base de amido. Provavelmente, a compressão do produto em altas deformações/forças na presença de moléculas de água leva ao preenchimento dos espaços celulares, o que diminui efetivamente o volume livre do sistema [8] e, assim, observa-se um endurecimento da matriz do produto.

A partir do valor de atividade de água crítica, determinado a partir da Equação 6, foi calculado o tempo em que o cereal passa pela transição da fase vítrea para a plasticizada, ou seja, o tempo necessário para a perda de crocância (Tabela 5). Assim, os cereais matinais se manterão crocantes durante a imersão em leite até o tempo apresentado na Tabela 5, a partir do qual os cereais iniciam a sua plasticização e tornam-se amolecidos.

O cereal B apresentou o menor tempo crítico (Tabela 5), ou seja, torna-se plasticizado antes que os cereais A e C, o que está relacionado ao fato de que este cereal apresentou o maior coeficiente de difusividade mássica (Tabela 3). Já o cereal A, apresentou o maior tempo crítico (Tabela 5) e foi o que apresentou o menor coeficiente de difusividade (Tabela 3). Isto mostra que a quantidade de água absorvida está associada ao tempo em que o material se mantém crocante, sendo que o ganho de umidade depende da capacidade de absorção de cada cereal e o tempo crítico, além de ser função do comportamento cinético de absorção de umidade, também depende da resistência da matriz do cereal ao processo de plasticização da água. Considerando 300s como o tempo médio de consumo de cereais matinais, os resultados apresentados mostram que somente o cereal B seria consumido no estado plasticizado, enquanto que os demais manteriam a crocância durante todo o processo de consumo.

4 - CONCLUSÕES

A análise da variação da força na ruptura dos cereais matinais após imersão em leite integral através da Equação de Fermi possibilitou a determinação dos valores críticos de atividade de água para a transição da textura crocante para a amolecida ou plasticizada. Com estes valores, foram determinados os tempos críticos, nos quais os cereais matinais perdem a sua crocância. Desta forma, o cereal que possui um maior tempo crítico foi o A, seguido do C e o de menor tempo crítico foi o B. Este comportamento foi associado à capacidade de difusão do leite no cereal, pois o cereal matinal que apresentou o maior coeficiente de difusividade mássica foi o B seguido do C e A. Este comportamento foi diretamente correlacionado à porosidade da partícula e teor de amilose, que afetaram tanto os processos de difusão de umidade quanto o de plasticização da matriz dos cereais matinais pela umidade absorvida.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6 - AGRADECIMENTOS

Ao apoio financeiro da CAPES e CNPq. À Mariana Uenojo, Kátia S. Nakazato e Fernanda S. P. Nogueira pela colaboração na realização dos ensaios.

Recebido para publicação em 21/05/2003. Aceito para publicação em 26/11/2004 (001134).

  • [1] ABLETT, S.; ATTENBURROW, G.G.; LILLFORD, P.J. The significance of water in the baking process. In: Chemistry and physics of baking: material, process and products (Eds. J. M. V. Blanshard, P. J. Frazier e T. Galliars), London: Royal Society of Chemistry, p. 30-41, 1986.
  • [2] ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS. Official Methods of analysis, Washington, Chapter 32, p. 12, 1995.
  • [3] BARRETT, A.H.; ROSENBERG, S.; ROSS, E.W. Fracture intensity distributions during compression of puffed corn meal extrudates: method for quantifying fracturability. Journal of Food Science, v. 59, n. 3, p. 617-620, 1994.
  • [4] BRAGA, A.L.M.; CUNHA, R,L. Plasticization and antiplasticization by small molecules in brittle cellular food: TMDSC and mechanical properties. International Journal of Food Properties, v. 7, n. 1, p. 105-119, 2003.
  • [5] BELITZ, H.D.; GROSCH, W. Química de los alimentos. Zaragoza: Acribia, 813 p., 1988.
  • [6] BHANDARI, B.R.; HOWES, T. Implication of glass transition for the drying and stability of dried foods. Journal of Food Engineering, v. 40, p. 71-79, 1999.
  • [7] BLIGH, E.G.; DYER, W.J. A rapid method of total lipid extraction and purification. Canadian Journal of Biochemistry and Physiology, v. 37, p. 911-917, 1959.
  • [8] CHANG, Y.P.; CHEAD, P.B.; SEOW, C.C. Plasticizating-antiplasticizating effects of water on physical properties of tapioca starch films in the glassy state. Journal of Food Science, v. 65, n. 3, p. 445-451, 2000.
  • [9] CRANCK, J. The Mathematics of Diffusion, 2nd edition, Oxford University Press, Oxford, 1975.
  • [10] FERRY, J.D. Viscoelastic properties of polymers, New York: John Wiley & Sons, 1980.
  • [11] GEORGET, D.M.R.; PARKER, R.; SMITH, A.C. Assessment of pin deformation test for measurement of mechanical properties of breakfast cereal flakes. Journal of Texture Studies, v. 26, p. 161-174, 1995.
  • [12] HARRIS, M.; PELEG, M. Patterns of textural changes in brittle cellular foods caused by moisture sorption. Cereal Chemistry, v. 73, p. 225-231, 1996.
  • [13] HECKE, E.V.; ALLAF, K.; BOUVIER, J.M. Texture and structure of crispy-puffed food products I: Mechanical properties in bending. Journal of Texture Studies, v. 26, p. 11-25, 1995.
  • [14] HUTCHINSON, R.J.; MANTLE, S. A.; SMITH, A.C. The effect of moisture content in the mechanical properties of extruded food foams. Journal of Materials Science, v. 24, p. 3249-3253, 1989.
  • [15] KOHYAMA, K.; NISHI M.; SUZUKI T. Measurement texture of crakers with a multiple-point sheet sensor. Journal of Food Science, v. 62, n. 5, p. 922-925, 1997.
  • [16] MACHADO, M.F.; OLIVEIRA, F.A.R.; GEKAS, V.; SINGH, P. Kinetics of moisture uptake and soluble-solids loss by puffed breakfast cereals immersed in water. International Journal of Food Science and Technology, v. 33, p. 225-237, 1998.
  • [17] MILLER, R.C. Breakfast cereal extrusion technology. In: The Technology of Extrusion Cooking (edited by N. D. Frame), p. 73-109, New York: Blackie Academic E Professional, 1994.
  • [18] NELSON, K.A.; LABUZA, T.P. Glass transition theory and the texture of cereal foods. In: The Glassy State in Foods (edited by J.M.V. Blanshard & P.J. Lillford). p.513-517. Loughborough, UK: Nottingham University Press, 1993.
  • [19] NICHOLLS, R.J.; APPELQUIST, J.A.M.; DAVIES, A.P.; INGMAN, S.J.; LILLFORD, P.J. Glass transition and the fracture behavior of gluten and starches within glassy state. Journal of Cereal Science, v.21, p. 25-36, 1995.
  • [20] NIXON, R.; PELEG, M. Effect of sample volume on the compressive force-deformation curves of corn flakes tested in bulk. Journal of Texture Studies, v. 26, p.59-69, 1995.
  • [21] PELEG, M. An empirical model for the description of moisture sorption curves. Journal of Food Science, v. 53, p. 1216-1219, 1988.
  • [22] PELEG, M. A model of mechanical changes in biomaterials at and around their glass transition. Biotechnology Progress, v. 10, p. 385-388, 1994a.
  • [23] PELEG, M. On modeling changes in food and biosolids at and around their glass transition temperature. CRC Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 34, p. 95-108, 1994b.
  • [24] PELEG, M. A mathematical model of crunchiness/crispness in breakfast cereals. Journal of Texture Studies, v. 25, p. 403-410, 1994c.
  • [25] RANGANNA, S. Manual of Analysis of Fruit and Vegetable Products. Central Food Technological Research Institute Mysore, Ed. Tata McGraw-Hill Publishing Company Limited, p. 9-13, 1977.
  • [26] ROOS, Y.H. Water activity and physical state effects on amorphous food stability. Journal of Food Processing and Preservation, v. 16, p. 433-447, 1993.
  • [27] SAUVAGEOT, F.; BLOND, G. Effect of water activity on crispness of breakfast cereals. Journal of Texture Studies, v. 22, p. 423-442, 1991.
  • [28] SEARS, J.K.; DARBY, J.R. mechanism of plasticizer action. In: The Technology of Plasticizer, New York: Wiley Intersciences Publisher, 1982.
  • [29] SLADE, L.; LEVINE, H. Beyond water activity: Recent advances based on an alternative approach to the assessment of food quality and safety. CRC Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 30, p.115-360, 1991.
  • [30] SLADE, L.; LEVINE, H. The glassy state phenomenon in food molecules. In: The Glassy State in Foods (edited by J.M.V. Blanshard & P.J. Lillford). p. 35-102, Loughborough, UK: Nottingham University Press, 1993.
  • [31] STRAHM, B. Fundamentals of Polymer Science as an Applied Extrusion Tool. Cereal Foods World, v. 43. n. 8, p. 621-625, 1998.
  • [32] SZCZESNIAK, A.S.; KHAN, E.L. Consumer awareness of and attitudes to food texture. I: Adults. Journal of Texture Studies, v. 2, p. 280-295, 1971.
  • [33] SZCZESNIAK, A.S. The meaning of textural characteristics - crispness. Journal of Texture Studies, v. 19, p. 51-59, 1988.
  • [34] TÜTÜNCÜ, M.A., LABUZA, T.P. Effect of geometry on the effective moisture transfer diffusion coefficient. Journal of Food Engineering, v. 30, p. 433-447, 1996.
  • [35] VICKERS, Z.M. Instrumental measures of crispness and their correlation with sensory assessment. Journal of Texture Studies, v. 19, p. 1-14, 1988.
  • [36] WOLLNY, M.; PELEG, M.A model of moisture-induced plasticization of crunchy snacks based on Fermi's distribution function. Journal of Food Science, v. 64, p. 467-473, 1994.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      26 Nov 2004
    • Recebido
      21 Maio 2003
    Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos Av. Brasil, 2880, Caixa Postal 271, 13001-970 Campinas SP - Brazil, Tel.: +55 19 3241.5793, Tel./Fax.: +55 19 3241.0527 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbcta.org.br