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Rendimentos do abate e composição da carne de ema (Rhea americana)

Slaughtering yield and composition of great rhea meat (Rhea americana)

Resumos

O objetivo deste trabalho foi estudar o desempenho zootécnico da ema (Rhea americana), rendimentos do abate, composição química e análise sensorial da carne. Onze animais foram submetidos a um sistema de confinamento, recebendo ração balanceada à vontade e com acesso a um piquete. Antes do abate as emas permaneceram em jejum hídrico por 12 h, foram pesadas e submetidas ao processamento: insensibilização, sangria, depenagem manual, esfola e evisceração. As emas apresentaram peso vivo médio, no momento do abate, de 19,393 kg, desempenho médio de 529,82 de consumo de ração/dia, 53,20 g de ganho de peso/dia e 9,44 de conversão alimentar. Em relação ao peso de carcaça, mostraram rendimento médio de 63,33% de carne, 5,09% de gordura e 22% de ossos. A composição centesimal média da carne de ema foi de 22,81% de proteína, 1,59% de lipídios, 1,62% de cinzas e de 74,72% de umidade. O conteúdo de colágeno variou de 0,94% a 1,12% e o teor de colesterol foi de 65,44 mg por 100 g de carne. Pela análise sensorial, verificou-se que a carne de ema processada foi bem aceita pelos provadores. Assim, admite-se que a carne de ema pode ser consumida como fonte de proteína animal com baixo teor de lipídios.

ratita; índices zootécnicos; qualidade da carne; análise sensorial


The aim of this project is to study the zootechnical performance of rhea (Rhea americana), including slaughtering yields, chemical composition and sensorial analysis of its meat. Eleven birds were kept under confinement and each had a balanced ration on demand and access to run. Before slaughtering, the rhea were not allowed to drink water for 12 h, they were weighed and underwent the following: stunning, bleeding, manual feather plucking, skinning, and evisceration. The average rhea weight at the time of slaughtering was 19.393 kg, their average performance for food intake 529.82 g ration/day, weight gain of 53.20 g/day, and 9.44 food conversion. Relative to the carcass weight, the average meat yield was 63.33%, whereby 5.09% was fat and 22% bones. The average percentage composition obtained for the rhea meat was 22.81% protein, 1.59% lipids, 1.62% ash, and 74.72% humidity. The colagen content varied from 0.94 to 1.12% and the cholesterol content measured was 65.44 mg per 100 g of meat. According to the sensorial analysis, the processed meat was well accepted by the tasters. Therefore, we conclude that the rhea meat can be consumed as a source of animal protein.

ratite; zootechnical indexes; meat quality; sensorial analysis


Rendimentos do abate e composição da carne de ema (Rhea americana)

Slaughtering yield and composition of great rhea meat (Rhea americana)

Amanda Vieira Pereira* * A quem a correspondência deve ser enviada ; Pedro Fernando Romanelli; Andréia Borges Scriboni; Flávia Pinheiro Orlandini

Engenharia e Tecnologia de Alimentos (UNESP), Campus de São José do Rio Preto, Rua Cristóvão Colombo, 2265, Jardim Nazareth, CEP 15054-000, São José do Rio Preto (SP), E-mails: pereiramanda@terra.com.br, romaneli@eta.ibilce.unesp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi estudar o desempenho zootécnico da ema (Rhea americana), rendimentos do abate, composição química e análise sensorial da carne. Onze animais foram submetidos a um sistema de confinamento, recebendo ração balanceada à vontade e com acesso a um piquete. Antes do abate as emas permaneceram em jejum hídrico por 12 h, foram pesadas e submetidas ao processamento: insensibilização, sangria, depenagem manual, esfola e evisceração. As emas apresentaram peso vivo médio, no momento do abate, de 19,393 kg, desempenho médio de 529,82 de consumo de ração/dia, 53,20 g de ganho de peso/dia e 9,44 de conversão alimentar. Em relação ao peso de carcaça, mostraram rendimento médio de 63,33% de carne, 5,09% de gordura e 22% de ossos. A composição centesimal média da carne de ema foi de 22,81% de proteína, 1,59% de lipídios, 1,62% de cinzas e de 74,72% de umidade. O conteúdo de colágeno variou de 0,94% a 1,12% e o teor de colesterol foi de 65,44 mg por 100 g de carne. Pela análise sensorial, verificou-se que a carne de ema processada foi bem aceita pelos provadores. Assim, admite-se que a carne de ema pode ser consumida como fonte de proteína animal com baixo teor de lipídios.

Palavras-chave: ratita, índices zootécnicos, qualidade da carne, análise sensorial.

SUMMARY

The aim of this project is to study the zootechnical performance of rhea (Rhea americana), including slaughtering yields, chemical composition and sensorial analysis of its meat. Eleven birds were kept under confinement and each had a balanced ration on demand and access to run. Before slaughtering, the rhea were not allowed to drink water for 12 h, they were weighed and underwent the following: stunning, bleeding, manual feather plucking, skinning, and evisceration. The average rhea weight at the time of slaughtering was 19.393 kg, their average performance for food intake 529.82 g ration/day, weight gain of 53.20 g/day, and 9.44 food conversion. Relative to the carcass weight, the average meat yield was 63.33%, whereby 5.09% was fat and 22% bones. The average percentage composition obtained for the rhea meat was 22.81% protein, 1.59% lipids, 1.62% ash, and 74.72% humidity. The colagen content varied from 0.94 to 1.12% and the cholesterol content measured was 65.44 mg per 100 g of meat. According to the sensorial analysis, the processed meat was well accepted by the tasters. Therefore, we conclude that the rhea meat can be consumed as a source of animal protein.

Keywords: ratite, zootechnical indexes, meat quality, sensorial analysis.

1 - INTRODUÇÃO

As Ratitas são aves corredoras que apresentam características anatômicas e fisiológicas que as diferenciam das aves carinatas (aves que voam), ou seja, são incapazes de voar, não possuem musculatura no peito para vôo e nem quilha sobre o osso esterno [25]. Dentre as ratitas, as espécies mais exploradas comercialmente são o Avestruz, o Emu e a Ema comum (Rhea americana) [7].

A Ordem Rheiformes (emas) apresenta distribuição geográfica restrita ao continente sul-americano, e as maiores populações naturais concentram-se no Brasil, nos Estados de Mato Grosso e Goiás, sendo um habitante típico dos campos e serrados [15].

À medida que a indústria de Ratitas, especialmente do avestruz, expande-se por todo o mundo, os problemas tornam-se aparentes, ou seja, alto custo de investimento com infra-estrutura, rebanho, alimentação e sistema de trabalho intensivo. Convém destacar que os avestruzes são aves exóticas, exigindo elevado custo com quarentena, documentação e transporte. No Brasil, a Ema é uma ave nativa, os custos com a formação do plantel são menores, por não dependerem de importação, porém, o pequeno número de produtores de matrizes dificulta o início da criação [7].

Em passado recente, o mercado mais favorável era o comércio de reprodutores, mas, nos últimos tempos, a indústria está atingindo um patamar em que o aumento da disponibilidade de aves resultou em um decréscimo no preço destes animais, criando um mercado para o abate, necessário para o amadurecimento da indústria. Atualmente, os principais produtos da indústria da ema são a carne, o couro e as plumas [26]. Mas, para a ema ser considerada um animal economicamente viável, é preciso caracterizar os rendimentos de seus produtos, como carne magra, gordura e ossos [22].

A caracterização do rendimento de abate é muito importante por fornecer subsídios para um melhor aproveitamento tecnológico da espécie e de seus subprodutos. De modo geral, no que diz respeito à relação carne x osso x gordura, a composição da carcaça depende de características genéticas, da idade, da raça, da alimentação e do manejo, bem como das condições ambientais [17].

Em muitos lugares, a criação comercial de ema está concentrada na produção de carne, direcionada para um mercado consciente sobre qualidade e saúde. Pelo seu perfil quantitativo de lipídios, a carne de ema (Pterocnemia pennata) mostra valor calórico menor do que as carnes de bovino, frango e suíno. Tendo em vista sua cor vermelha característica, elevado teor protéico e uma boa aceitação pelo consumidor, a carne de ema tende a ser uma nova opção de consumo; além de apresentar um rendimento em carne mais elevado que o de bovinos [11].

Apesar da potencialidade econômica e do fornecimento de matérias-primas que a criação de Ratitas em escala comercial pode produzir (penas, couro, carne, gordura), poucos trabalhos tem sido relatados a respeito de criações, com sucesso, em condições de cativeiro [9].

Trata-se, portanto, de um projeto pioneiro no Brasil, envolvendo a ema (Rhea americana), espécie nativa da América do Sul, que visa tornar conhecido o seu valor comercial e como alimento, quando criada em cativeiro; divulgar a qualidade e características dos seus produtos, em especial a carne. E assim, indiretamente, contribuir para a preservação da espécie e, pelos índices zootécnicos observados na criação, informar e orientar futuros produtores.

Pelo exposto e pela escassez de informações na literatura, este trabalho teve o propósito de estudar o desempenho zootécnico da ema (Rhea americana) e rendimentos de abate; e, na carne, avaliaram-se a composição química e aceitação da carne processada (defumada e refogada).

2 - MATERIAL E MÉTODOS

Os experimentos foram realizados na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Dep. de Engenharia e Tecnologia de Alimentos. Foram utilizados 11 animais de ambos os sexos da espécie Rhea americana. As aves foram cedidas pelo Parque Ecológico Dr. Antônio T. Vianna e alojadas nas dependências da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) – Centro Norte –, onde permaneceram em um piquete (23,00 x 47,00 m) semicoberto, com estrutura em alvenaria e telhas de cimento amianto, contendo área de sombreamento produzido por tela tipo sombrite. Este piquete estava cercado por tela tipo mangueirão e as aves tinham fácil acesso a bebedouros e comedouros do tipo calha.

Os animais foram submetidos a um sistema de confinamento dos seis aos doze meses de idade, recebendo ração comercial balanceada à vontade (Nutriavestruz® Crescimento da Purina: 18% PB, 3,50% EE), e com acesso a um piquete composto por três tipos de forrageiras: Panicum maximum Jacq. Var. Trichoglume cv. Petrie ("green panic") maior população presente, Digitaria horizontalis Willd. (capim colchão) e Eleusine indica (L.) Gaertn (capim pé-de-galinha).

As onze emas, com 12 meses de idade, previamente identificadas (brincos numerados), foram divididas aleatoriamente em quatro lotes. No entanto, denominamos "lote" o grupo de emas escolhido, ao acaso, no dia anterior ao abate. Pois, durante todo o experimento (último abate) as aves permaneceram juntas no mesmo piquete.

O abate foi realizado no período de um mês, e a cada semana foi abatido um lote. A formação de lotes foi necessária para viabilizar as etapas de trabalho no dia do abate experimental e nas posteriores análises laboratoriais. Visto que o laboratório de carne e derivados da UNESP, onde foram realizados os abates, não possuía estrutura operacional suficiente para o abate das 11 emas.

O desempenho zootécnico das emas foi avaliado a partir dos dados de consumo de ração, peso vivo, ganho de peso e conversão alimentar.

Antes do abate, as aves foram submetidas a um jejum hídrico de 12 h, pesadas e em seguida processadas conforme os procedimentos normais de abate: atordoamento elétrico, sangria, depenagem manual, esfola e evisceração.

Para o cálculo de rendimentos, durante o abate, procederam-se à separação e à pesagem dos componentes corporais (sangue, plumas, cabeça, asas, patas, couro, gordura aparente e vísceras comestíveis - coração, moela, fígado), para posterior avaliação percentual em razão do peso vivo* e de carcaça** de cada ave.

O rendimento de carcaça foi calculado a partir do peso da carcaça quente dos animais, dividindo-se o peso da carcaça x 100 pelo peso vivo. O rendimento das partes em relação ao peso vivo foi obtido pela fórmula: (peso parte x 100)/peso vivo; e o rendimento das partes em relação ao peso da carcaça por: (peso parte x 100)/peso carcaça. Após a realização da desossa e pesagem das partes constituintes da carcaça (pescoço, tronco, coxas e sobrecoxas), realizou-se também a separação e quantificação dos tecidos componentes (músculos, ossos e gordura aparente) para o cálculo percentual da composição dessas carcaças.

As amostras de carne foram compostas pela mistura dos músculos Iliotibialis lateralis (situados na sobrecoxa) de todas as emas de cada lote, ou seja, cada amostra correspondeu a um lote de abate. Para todas as etapas do trabalho, as amostras trituradas e homogeneizadas, foram separadas em sacos plásticos e armazenadas sob congelamento para os estudos posteriores.

A composição química das amostras de carne foi calculada após as análises, em triplicatas, de proteína pelo método semimicro de Kjeldahl [5] multiplicado pelo fator 6,25, de lipídio por extração a frio [4], umidade por secagem em estufa a 105 °C até peso constante [5], de cinzas por incineração em mufla a 550 °C [5], de colágeno pelo método de KOLAR [10] e de colesterol por cromatografia gasosa [14].

Para o processamento da carne, nas formas defumada e refogada, utilizaram-se diferentes músculos da sobrecoxa da ema (Rhea americana). No preparo da carne defumada, os músculos inteiros foram deixados imersos (+16 h) em solução contendo 2% de sal, 1% de condimento sabor fumaça, 1% de sal de cura, 0,25% de antioxidante e 0,25% de emulsificante (em relação ao peso da carne). Após o contato, a carne foi levada, em assadeiras cobertas com papel laminado, ao forno convencional em temperatura alta, por um período de 1 h e 20 min. Posteriormente, a carne ficou no defumador por 4 horas, com fumaça de serragem de cerejeira. Na análise sensorial, os músculos defumados foram cortados em cubos (2 x 2 cm).

No processamento da carne refogada, os músculos foram picados em cubos (de 2 x 2 cm), adicionados de 2% de sal (em relação ao peso de carne) e divididos em porções (+ 400 g). Cada porção foi refogada em panela de alumínio convencional com 20 mL de óleo de soja, durante 15 min em fogo alto, sob constante agitação para a uniformização dos cubos de carne cozidos.

A avaliação sensorial dos produtos processados foi realizada pelo teste de aceitação, empregando-se escala numérica de zero a dez, em que 0 correspondia a péssimo e 10 a excelente [1, 13], pois entendemos que a escala Hedônica Estruturada (desgostei muitíssimo a gostei muitíssimo) é muito subjetiva e dificultaria a avaliação, já que os provadores não foram treinados.

Realizou-se um teste de aceitação da carne de Ema, avaliando-se a aparência, textura e sabor dessa carne; e ainda foi avaliada a freqüência de consumo do produto (diária, semanal, mensal e ocasionalmente), sem considerar seu custo. Para isso, foi utilizado um grupo de provadores, formado por 56 pessoas não treinadas, com idade variando entre 15 e 55 anos, dos quais 67% eram do sexo feminino e 63% estavam na faixa etária de 15 a 25 anos.

Os dados de peso vivo, ganho de peso, conversão alimentar, rendimentos do abate e análise sensorial foram submetidos à análise estatística de variância e comparados pelo Teste de Tukey, a partir de um delineamento inteiramente casualizado.

Em relação aos dados de consumo de ração e composição química da carne, não foi possível à aplicação da análise estatística, uma vez que, nos moldes em que foi desenvolvido o projeto, faltaram parâmetros para a análise de variância. Para esses dados, teve-se controle somente por lote de abate e não por animais.

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período de 6 a 12 meses de idade, as emas apresentaram um desempenho médio de 529,82 g de consumo de ração/dia, 53,20 g de ganho de peso/dia, 9,44 de conversão alimentar, com um peso vivo no momento do abate variando de 17,395 a 21,580 kg (Tabela 1). SALES et al. [22], estudando os rendimentos de carcaça das espécies Rhea americana e Pterocnemia pennata, relataram que as aves apresentaram peso vivo médio, aos 12 meses, de 24,330 e 25,100 kg, respectivamente. Essa diferença do peso vivo, em relação ao nosso trabalho, poderia estar relacionada com os locais de origem dessas emas (Províncias La Pampa e Províncias do Rio Negro, Argentina), como também pela composição da dieta recebida (alfafa e milho). No entanto, no citado trabalho, não foi realizado estudo zootécnico contendo parâmetros equivalentes aos deste estudo.

As ratitas são aves em fase de domesticação e, portanto, sofrem grandes variações nas performances produtivas, reprodutivas e comportamentais. O número de publicações disponíveis sobre o avestruz, por exemplo, é muito escasso, e a situação é ainda pior em relação às emas. As divulgações existentes são incompletas, o que dificulta aplicações comparativas diretas com este trabalho.

A composição da carcaça, em relação a músculo, ossos e gordura, exerce importante influência do ponto de vista comercial, pois a qualidade é medida em relação ao rendimento de carcaça, em relação com o peso do animal vivo [17].

TOLEDO & TAVARES [26] afirmam que uma ema adulta (Rhea americana) (não citam a idade), criada em cativeiro, pesa em torno de 40 kg e produz de 10 a 13 kg de carne, o que representa um rendimento total de 25% a 32,5% em relação ao peso vivo. Dados estes muito contraditórios em relação à literatura e aos resultados encontrados neste estudo, no qual o peso vivo das emas, ao redor de um ano de idade, variou de 17,395 a 21,580 kg, apresentando um rendimento de carne em relação ao peso vivo de 40,49% a 42,33% (Tabela 2). Acredita-se que essas diferenças entre os rendimentos dos dois trabalhos possam ser explicadas pela diferença de idade dos animais, considerando que as aves utilizadas pelos autores citados podem ser mais velhas, o que afeta negativamente os rendimentos, principalmente o rendimento de carne.

SALES et al. [22], avaliando os rendimentos de carcaça e de seus componentes em duas espécies de ema (Rhea americana e Pterocnemia pennata), relataram que as emas, recebendo alimentação à base de alfafa e milho, foram abatidas aos 12 meses de idade pesando em torno de 24,330 a 25,10 kg e apresentaram rendimento médio de carne, em relação ao peso vivo, de 38,80%, o que se aproxima mais dos dados do presente estudo.

Na literatura, não se encontra um padrão de composição corporal da carcaça de ema. Os relatos de descrição das carcaças são muito imprecisos e variados, principalmente em relação ao pescoço, pois alguns o incluem como componente da carcaça. Assim, nesta pesquisa, estabeleceu-se como carcaça, o conjunto das partes pescoço, tronco, coxas e sobrecoxas.

No estudo da composição corporal, verificou-se que a carcaça representou de 64,57% a 66,46% do peso vivo das emas nos quatro lotes (Tabela 2). SALES et al. [22], apesar de ter trabalhado com animais relativamente mais pesados, obteve rendimento de carcaça inferior (59,64 - 63,13% do peso vivo). No entanto, BARROS et al. [3], avaliando os componentes corporais da Rhea americana, apresentou 59,61% de rendimento médio de carcaça de animais com peso vivo em torno de 21,39 kg. Pode-se observar que os relatos da literatura são bem diversificados; mas, ainda assim, verifica-se que um melhor rendimento de carcaça não está vinculado a um maior peso vivo de abate.

Na Tabela 3, estão apresentados os percentuais dos segmentos que compõem as carcaças das emas (pescoço, tronco, coxas e sobrecoxas). Pode-se observar que a sobrecoxa representa a maior parte do peso da carcaça, apresentando também a maior relação carne/osso (7,83 a 9,33) dos componentes, em que o tronco apresentou uma relação que variou de 0,57 a 0,94 e a coxa de 2,72 a 3,38.

Neste estudo, os tecidos que constituem as carcaças, como músculos, gordura e ossos, representaram de 61,28% a 64,91%, de 3,90% a 6,20% e de 20,76% a 22,68% da carcaça dos animais, respectivamente (Tabela 2). Resultados que estão bem próximos aos obtidos por SALES et al. [22], com rendimento médio de carne magra em torno de 64%, 10,80% de gordura e 21,90% de ossos, em relação ao peso de carcaça.

POLLOK et al. [19], quando estudou a composição corporal e rendimentos de carcaças de avestruzes adultas (12 meses), alimentadas com ração comercial de 60 a 90 dias antes do abate, obteve um rendimento médio de 65% de carne magra, 7,60% de gordura e 21,50% de ossos. Pode-se observar que as ratitas, ema e avestruz, apresentam rendimentos muito semelhantes em relação aos componentes corporais.

Avaliando o rendimento dos diferentes músculos que compõem a carcaça da ema, SALES et al. [22] mostraram que o músculo Iliotibialis lateralis corresponde a 4,53% do peso vivo do animal e a 7,47% do peso de carcaça, enquanto na Tabela 2 do presente estudo, observa-se que o mesmo músculo pode apresentar um rendimento de 3,88% a 4,66% do peso vivo, e de 5,96% a 7,22% do peso de carcaça da ema.

A composição centesimal encontrada, quando se analisou a mistura dos músculos Iliotibialis lateralis das carcaças de cada lote, variou de 22,53% a 23,17% de proteína, de 1,33% a 2,06% de lipídios, de 1,45% a 1,85% de cinzas e de 74,56% a 74,84% de umidade. Resultados estes que se assemelham aos apresentados na Tabela de Composição de Alimentos do Uruguai, citada por BARROS et al. [3], como 22,10% de proteína, 2,0% de lipídios, 1,20% de cinzas e 74,0% de umidade, mas os autores não caracterizam os animais utilizados para a elaboração da Tabela.

De acordo com PARDI et al. [17], o músculo magro das diferentes espécies tem uma composição relativamente constante no que diz respeito ao seu conteúdo em termos de proteína, gordura, sais minerais e água.

Comparando a composição química da carne de ema com a de avestruz, verifica-se uma proximidade muito grande entre as proporções de nutrientes, o que pode ser observado no trabalho de AZNAR et al. [2], no qual foi apresentada uma composição química em torno de 74,0% de umidade, 21,25% de proteína, 1,47% de lipídios e 1,50% de cinzas, quando avaliaram parâmetros de qualidade de três categorias comerciais de carne de avestruz, procedentes de estabelecimentos comerciais, e que correspondem a diferentes regiões anatômicas (m. Iliofibularis, Gastrocnemius e região tíbia-metatarsiana).

SALES et al. [24], avaliando o conteúdo lipídico de diferentes músculos da perna de ema das duas espécies (Rhea americana e Pterocnemia pennata), abatidas aos 12 meses de idade e alimentadas com dieta à base de alfafa e milho, observaram que os músculos e as espécies não influenciaram na característica analisada, apresentando uma quantidade média de gordura que variou de 1,17 a 1,29 g/100 g.

Entretanto, GIROLAMI et al. [8], analisando também o conteúdo lipídico de três tipos de músculos (Iliofubularis, Gastrocnemius e Iliotibialis) de avestruzes, abatidas ao redor dos 12-14 meses de idade, que receberam ração peletizada composta de alfafa e milho, observaram que o conteúdo de lipídios foi estatisticamente diferente nos músculos analisados, tendo o m. Iliotibialis apresentado o maior teor de lipídios (2,26%). Essa variação no teor de lipídios também é observada dentro de um mesmo músculo, como pode ser verificado na Tabela 4 do presente estudo; em que o conteúdo de lipídios variou de 1,33% a 2,06%, no músculo Iliotibialis lateralis da carcaça de ema.

FORREST et al. [6] relataram que o lipídio é o componente mais variável na composição da carne, pois seu acúmulo depende da espécie, sexo, idade, dieta e até mesmo do clima, e ainda a quantidade de lipídio depende do corte de carne, da quantidade de gordura intra ou intermuscular.

Na carne das sobrecoxas analisadas (m. Iliotibialis lateralis), no presente estudo, foi encontrado um conteúdo de 0,94% a 1,12% de colágeno. Valores que são maiores em relação aos resultados encontrados por PALEARI et al. [16], que estudaram as características físico-químicas da carne da coxa de avestruz e relataram um conteúdo médio de 0,16% de colágeno nos músculos analisados (m. Flexor cruris e m. Iliofibularis). Nos dois casos, foi utilizada a mesma metodologia de análise, mas devem ser levadas em conta as variações de concentração do tecido conjuntivo dos músculos das distintas regiões corporais, além do fato de serem espécies diferentes [6].

Nos músculos Psoas major e Longissimus dorsi de bovino, considerados macios, foram encontradas concentrações de 1,22% a 1,46% de colágeno, respectivamente [18]. O conteúdo total de colágeno também variou de 0,4% a 3,5%, entre as diferentes espécies de crustáceos analisadas por MIZUTA et al. [12].

Pelo exposto, pode-se observar que existe uma grande variação no conteúdo de colágeno nos músculos, e entre as espécies, ficando a carne de ema entre aquelas que apresentam um teor relativamente baixo de colágeno (valor médio de 1,00).

Os valores baixos de colágeno e o alto teor de proteína da carne de avestruz, por exemplo, proporcionam uma maior digestibilidade em relação à carne bovina. Além de que, o baixo conteúdo de colágeno contribui para uma maior maciez da carne, o que é muito apreciado pelos consumidores [16].

O músculo Iliotibialis lateralis analisado nessa pesquisa apresentou conteúdo de colesterol que variou de 63,09 a 66,89 mg/100 g de amostra. No entanto, esses valores são mais elevados em relação aos encontrados por SALES et al. [24], quando avaliaram a influência de duas espécies de emas (Rhea americana e Pterocnemia pennata) e de cinco diferentes músculos (Iliofibularis, Iliotibialis lateralis, Femorotibialis medius, Iliotibialis cranialis e Gastrocnemius pars externa) no conteúdo de colesterol. Neste estudo, os autores relataram que as espécies e os músculos analisados não influenciaram no conteúdo de colesterol, sendo que encontraram um teor médio de 55 e 59 mg de colesterol/100 g de carne para a Rhea americana e a Pterocnemia pennata, respectivamente.

Entretanto, SALES [23] mostra que ocorre uma variação no conteúdo de colesterol entre os diferentes músculos da coxa de avestruz (56,61 a 71,12 mg/100 g carne), sendo que entre outros, o músculo Iliotibialis lateralis apresentou um teor de 59,99 mg de colesterol/100 g de carne. Apesar de se tratarem de espécies diferentes, o teor de colesterol apresentado, encontra-se próximo ao encontrado no m. Iliotibialis lateralis da carcaça de ema do presente estudo.

SALES et al. [21], analisando o conteúdo lipídico e de colesterol nas carnes de avestruz, de frango e bovina, mostraram que, apesar da carne de avestruz possuir o menor teor de lipídios (0,90%), o conteúdo de colesterol não diferiu muito entre as espécies (57 mg/100 g carne avestruz; 59 mg/g carne bovina; 57 mg/100 g carne frango). Segundo o autor, essa afirmação é contundente, devido ao fato de que a quantidade de colesterol não reduz com a diminuição da concentração lipídica. A partir disso, admite-se que apesar da carne de avestruz ser magra (baixo teor de gordura) não está livre de colesterol.

O conteúdo de colesterol na carne de avestruz é similar ao encontrado na carne de outras espécies, pois o colesterol é um componente essencial da membrana celular das fibras musculares [19].

O nível de colesterol sangüíneo humano é dependente não só do teor de colesterol encontrado nos alimentos, mas também na quantidade de gordura (lipídios) e do tipo de ácido graxo que compõe essa gordura. Alimentos ricos em gorduras saturadas podem também elevar a taxa de colesterol, porque o fígado as transforma em colesterol. Uma alimentação muito rica em gorduras saturadas faz com que o colesterol excedente se deposite nas paredes das artérias. Portanto, o fator decisivo na alimentação é a gordura total e, principalmente, a gordura saturada.

O baixo conteúdo de gordura intramuscular, na carne de ema e avestruz, é uma grande vantagem para divulgação como um produto saudável, em relação às doenças cardíacas que são consideradas um grande problema de saúde pública.

Na avaliação da análise sensorial, tomou-se como base uma escala de pontos que variou de 0 a 10 e admitiu-se a nota 7,0 como nota mínima para a aceitação dos provadores. Pelas médias obtidas, pode-se concluir que as carnes de ema defumada e refogada foram bem aceitas pelos consumidores, uma vez que receberam nota 7,97 e 7,51, respectivamente.

Apesar da diferença não ser significativa, a nota para aparência ficou abaixo de 7,0 para a carne refogada. No entanto, parece que nenhum atributo contribuiu de forma significativa para a nota global das amostras do presente estudo, já que a avaliação média de todos os parâmetros, para as duas amostras, foi semelhante (Tabela 5).

RODBOTEN et al. [20], analisando o perfil sensorial de carnes de 15 espécies diferentes de animais, relataram que a carne de avestruz está entre as que apresentam coloração mais escura. De acordo com os autores, o atributo "cor da carne" é o fator que mais influencia no julgamento, seguido de odor, sabor e textura.

Quanto ao potencial de consumo da carne de ema processada, foi possível observar, no presente estudo, que 46% dos provadores consumiriam semanalmente a carne de ema e 34% ocasionalmente. O que é considerado um bom resultado, visto que é uma carne exótica e pouco conhecida pelo consumidor.

Portanto, a carne de ema defumada e refogada pode ser considerada forma alternativa viável para consumo.

4 - CONCLUSÃO

A ema (Rhea americana) apresenta um rendimento bastante satisfatório em relação aos produtos de interesse econômico, como a carne (40,5%).

Em função da composição centesimal, admite-se que a carne de ema pode ser consumida como fonte de proteína animal (22,81%), com baixo teor de lipídios (1,59%). Além de apresentar baixo conteúdo de colágeno, o que proporciona uma carne muito macia e teor de colesterol semelhante à carne de outras espécies. Podendo, portanto, ser divulgado como um produto saudável, em relação às doenças cardíacas que são consideradas um grande problema de saúde.

Sendo a literatura científica muito escassa nessa área, observa-se a necessidade de outros estudos sobre os índices zootécnicos de criação comercial da Ema, caracterização da carne e avaliação do processo de abate, o qual pode influenciar na qualidade da carne.

5 - AGRADECIMENTOS

Ao Parque Ecológico Dr. Antônio T. Viana, de São Carlos, pela doação dos animais; ao IBAMA por permitir a realização da pesquisa; ao Pólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios (APTA) – Centro Norte de S. J. do Rio Preto, por ceder a área necessária à realização do projeto; à Empresa Purina pelo fornecimento da ração experimental; e à FAPESP pela concessão da bolsa de Mestrado e financiamento da pesquisa.

6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 15/9/2005. Aceito para publicação em 6/7/2006 (001610)

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  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      06 Jul 2006
    • Recebido
      15 Set 2005
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