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A Coalescência Revisitada: O Cálculo Presidencial no Bicameralismo * * O presente artigo é um desdobramento da monografia do primeiro autor. Nós gostaríamos de agradecer ao André Borges e aos três pareceristas anônimos da revista pelos seus comentários e sugestões. Qualquer erro remanescente é de responsabilidade exclusiva dos autores.

Coalescence Revisited: The Presidential Calculation in Bicameralism

La Coalescence Revisitée : le Calcul Présidentiel dans le Bicamérisme

La Coalescencia Revisitada: El Cálculo Presidencial en el Bicameralismo

Resumo

Os estudos sobre a repartição das pastas ministeriais no contexto do presidencialismo de coalizão têm crescido enormemente nos últimos vinte anos. No entanto, um elemento comum à quase totalidade desses estudos é a realização do cálculo da proporcionalidade entre cadeiras e ministérios somente em função da câmara baixa. Embora isso possa fazer sentido para países unicamerais, essa premissa não tem fundamentação teórica para os bicamerais. Assim, o principal objetivo desta pesquisa é inserir as câmaras altas na discussão sobre como são construídos os gabinetes presidenciais. Com base em 91 gabinetes de cinco países sul-americanos nos últimos 30 anos, os principais achados deste trabalho apontam para o fato que os presidentes também se importam com o equilíbrio induzido pelas câmaras altas. Mais ainda, mostramos que a força do Legislativo e a hierarquização do Executivo referente à própria construção do gabinete também influenciam a proporcionalidade dos gabinetes presidenciais.

gabinetes presidenciais; proporcionalidade dos gabinetes; bicameralismo; alocação de pastas ministeriais; América Latina

Abstract

Studies on the distribution of ministerial portfolios in coalitional presidentialism have grown enormously in the last 20 years. However, computing the proportionality between seats and ministries only as a function of the lower house is one element common to virtually all of these studies. While this calculation may make sense in unicameral countries, it has no theoretical foundation within bicameral ones. Thus, the main goal of this research is to bring upper chambers into the discussion on the formation of presidential cabinets. Based on 91 cabinets from 5 South American countries over the last 30 years, the main findings point out that presidents also care about the balance upper chambers induce. Furthermore, we show that the strength of the legislative branch and the hierarchy within the executive concerning cabinet formation also influence the proportionality in presidential cabinets.

presidential cabinets; cabinet proportionality; bicameralism; ministerial portfolio allocation; Latin America

Résumé

Les études sur la répartition des portefeuilles ministériels dans le cadre du présidentialisme de coalition se sont énormément développées ces vingt dernières années. Cependant, un élément commun à la quasi-totalité de ces études est le calcul de la proportionnalité entre chaires et ministères uniquement au niveau de la chambre basse. Bien que cela puisse avoir un sens pour les pays monocaméraux, cette hypothèse n’a aucun fondement théorique pour les bicaméraux. Ainsi, l’objectif principal de cette recherche est d’insérer les chambres hautes dans la discussion sur la construction des bureaux présidentiels. S’appuyant sur 91 cabinets de cinq pays d’Amérique du Sud au cours des 30 dernières années, les principales conclusions de ce travail indiquent que les présidents se soucient également de l’équilibre induit par les chambres hautes. De plus, nous montrons que la force du Législatif et la hiérarchie de l’Exécutif concernant la construction du cabinet influencent également la proportionnalité des cabinets présidentiels.

Bureaux Présidentiels; Proportionnalité des Offices; Bicamérisme; Répartition des Portefeuilles Ministériels; Amérique Latine

Resumen

Los estudios sobre la repartición de los ministerios en el contexto del presidencialismo de coalición han crecido enormemente en los últimos veinte años. Sin embargo, un elemento común a la casi totalidad de estos estudios es la realización del cálculo de la proporcionalidad entre curules y ministerios solamente en función de la cámara baja. A pesar de que eso pueda tener sentido para países unicamerales, esa premisa no tiene fundamentación teórica para los bicamerales. Así, el principal objetivo de esta investigación es incluir a las cámaras altas en la discusión sobre cómo son construidos los gabinetes presidenciales. Con base en 91 gabinetes de cinco países suramericanos en los últimos 30 años, los principales resultados de este trabajo apuntan al hecho de que los presidentes también se preocupan por el equilibrio inducido por las cámaras altas. Inclusive, mostramos que la fuerza del Legislativo y la jerarquización del Ejecutivo referente a la propria construcción del gabinete también influyeron en la proporcionalidad que tenían los gabinetes presidenciales.

gabinetes presidenciales; proporcionalidad de los gabinetes; bicameralismo; asignación de ministerios; América Latina

Introdução

Em virtude da instauração e da restauração da democracia em diversos países da África, América Latina e Leste Europeu, houve um recrudescimento dos estudos sobre o presidencialismo logo após a terceira onda de democratização ( Carey, 2005CAREY, John M. (2005), “Presidential Versus Parliamentary Government” in C. Menard e M. M. Shirley (eds.), Handbook of New Institutional Economics. Dordrecht, Springer, pp. 91-122. ). Como consequência disso, iniciou-se um expressivo debate normativo na Ciência Política sobre qual seria o melhor arranjo de governo para engendrar a estabilidade nesses países de democracia recente. Apesar de ter sido incapaz de apontar qual é o melhor sistema de governo per se , o debate não foi improdutivo, pois, como fruto dele, acadêmicos de várias regiões se dedicaram a estudar diferentes traços dos países presidencialistas. Um traço particularmente bem estudado é a análise da composição dos gabinetes presidenciais, e é neste tema que o presente artigo se insere. Mais especificamente, o nosso objeto de pesquisa é a coalescência dos gabinetes presidenciais.

Porém, antes de tratar especificamente da coalescência, faz-se necessário dissertar a respeito do que se tratam os gabinetes presidenciais. Em síntese, o gabinete presidencial é a representação do governo como conjunto formado pelo presidente e pelos ministros de Estado. Por muito tempo, a literatura considerou exclusivamente que os ministros eram nomeados e demitidos livre e diretamente pelo chefe do Executivo. Com isso, a visão predominante da Ciência Política era que os ministros prestavam conta exclusivamente ao presidente. Tal hierarquização do gabinete presidencial foi apontada inclusive como uma das distinções entre os sistemas parlamentarista e presidencialista ( Lijphart, 1992LIJPHART, Arend. (1992), Parliamentary Versus Presidential Government. New York, Oxford University Press. ; Cintra, 2007CINTRA, Antônio Octávio. (2007), “Presidencialismo e Parlamentarismo: São Importantes as Instituições?” in L. Avelar e A.O. Cintra (eds.), Sistema Político Brasileiro: Uma Introdução. São Paulo, Ed. Unesp, pp. 37-78. ). Contudo, os gabinetes presidenciais não são necessariamente hierarquizados e regidos unicamente pelas vontades do Executivo ( Araújo, Silva e Vieira, 2016ARAÚJO, Victor; SILVA, Thiago; VIEIRA, Marcelo. (2016), “Measuring Presidential Dominance over Cabinets in Presidential Systems: Constitutional Design and Power Sharing”. Brazilian Political Science Review, vol. 10, nº 2, pp. 1-23. ).

Com efeito, a realidade de os gabinetes presidenciais não serem uniformemente controlados pelo Executivo não diminui a importância de estudá-los. Isso porque não é estranho que o partido do presidente seja minoritário em países que combinam presidencialismo e multipartidarismo ( Alemán e Tsebelis, 2011ALEMÁN, Eduardo; TSEBELIS, George. (2011), “Political Parties and Government Coalitions in the Americas”. Journal of Politics in Latin America, vol. 3, nº 1, pp. 3-28. ; Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2004CHEIBUB, José Antonio; PRZEWORSKI, Adam; SAIEGH, Sebastian M. (2004), “Government Coalitions and Legislative Success Under Presidentialism and Parliamentarism”. British Journal of Political Science, vol. 34, nº 4, pp. 565-587. ). Como resultado disso, embora o governo possa decidir por governar de modo minoritário1 1 . Deve-se dizer que os sistemas presidencialistas não devem ser julgados negativamente simplesmente pelo não controle de uma maioria legislativa pelo presidente. Conforme Cheibub e Limongi (2011:39), “Se governos minoritários funcionam bem no parlamentarismo, por que presidentes cujos partidos não controlam uma maioria legislativa estariam fadados ao fracasso?” Tradução própria . , é comum que o presidente busque alocar pastas ministeriais (e a consequente participação no governo) para outros partidos como uma das principais ferramentas para construir uma base legislativa ( Amorim Neto, 1994AMORIM NETO, Octavio. (1994), “Formação de Gabinetes Ministeriais no Brasil: Coalizão versus Cooptação”. Nova Economia, vol. 4, nº 1, pp. 9-34. ; Raile, Pereira e Power, 2011RAILE, Eric D.; PEREIRA, Carlos; POWER, Timothy J. (2011), “The Executive Toolbox: Building Legislative Support in a Multiparty Presidential Regime”. Political Research Quarterly, vol. 64, nº 2, pp. 323-334. ). A busca por maiorias se justifica à medida que a sua falta pode implicar a instabilidade e a dificuldade em emplacar as políticas de interesse do governo ( Altman, 2000ALTMAN, David. (2000), “The Politics of Coalition Formation and Survival in Multiparty Presidential Democracies: The Case of Uruguay, 1989-1999”. Party Politics, vol. 6, nº 3, pp. 259-283. ).

Nesse sentido, o estudo da estratégia adotada pelo presidente para montar o seu gabinete é uma das principais formas de compreender o funcionamento da relação entre o Executivo e o Legislativo. Com isso, a grosso modo, a coalescência nada mais é que um indicador que mensura a proporcionalidade entre o peso parlamentar de cada partido da coalizão na câmara baixa e a distribuição de pastas ministeriais a cada partido (Amorim Neto, 2000). É a partir desse conceito que conseguimos visualizar a disposição do chefe do Executivo em conciliar os seus interesses junto aos outros partidos com representação no Legislativo ( Amorim Neto, 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ).

Entretanto, embora seja adequada quando se trata de países unicamerais, a típica forma de se mensurar a proporcionalidade das coalizões se mostra incompleta para assinalar como foi feita a distribuição de ministérios em gabinetes presidenciais de países bicamerais. A razão para isso é que a distribuição partidária de cadeiras na câmara alta é simplesmente ignorada pela literatura no cálculo da proporcionalidade das coalizões. Consequentemente, é desprezado o fato que as câmaras altas têm forte potencial de frustrar as políticas governamentais, ainda mais em sistemas bicamerais fortes, como é o caso dos países da América Latina ( Llanos, 2003LLANOS, Mariana. (2003), “El Bicameralismo en América Latina” in J. Woischnik (ed.), Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano. Montevideo, KAS, pp. 347-378. ; Neiva, 2006NEIVA, Pedro Robson Pereira. (2006), “Os Determinantes da Existência e dos Poderes das Câmaras Altas: Federalismo ou Presidencialismo”. DADOS, vol. 49, nº 2, pp. 269-299. ).

Mas qual é o propósito de dedicar um trabalho exclusivamente para a compreensão do fenômeno da distribuição de pastas ministeriais? E por que dedicá-lo apenas para países presidencialistas e bicamerais? A princípio, a relevância de estudar a coalescência se deve ao fato de que o estudo do gerenciamento do gabinete no presidencialismo permite aprofundar o entendimento da relação entre os poderes Executivo e Legislativo. De forma mais específica, a análise do gabinete presidencial a partir da sua proporcionalidade permite entender o próprio processo de governabilidade das coalizões ( Amorim Neto, 2000AMORIM NETO, Octavio. (2000), “Gabinetes Presidenciais, Ciclos Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil”. DADOS, vol. 43, nº 3, pp. 479-519. ; Bertholini e Pereira, 2017BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. (2017), “Pagando o Preço de Governar: Custos de Gerência de Coalizão no Presidencialismo Brasileiro”. Revista de Administração Pública, vol. 51, nº 4, pp. 528-550. ; Hiroi e Renno, 2014HIROI, Taeko; RENNO, Lucio. (2014), “Dimensions of Legislative Conflict: Coalitions, Obstructionism, and Lawmaking in Multiparty Presidential Regimes”. Legislative Studies Quarterly, vol. 39, nº 3, pp. 357-386. ).

Em relação ao bicameralismo, o primeiro aspecto que realça a pertinência de estudá-lo é a sua difusão. Atualmente, 79 das 193 legislaturas reconhecidas pela União Interparlamentar são bicamerais. Em outras palavras, nessa base, cerca de 41% dos países dividem o Legislativo em duas casas. Esse mesmo padrão se mantém quando procuramos países presidencialistas que também são bicamerais: 40% dos países listados como presidencialistas também adotam o arranjo bicameral para a esfera legislativa ( IPU, 2022INTER-PARLIAMENTARY UNION. (2022), IPU Parline: Global data on national parliaments. Disponível em: < https://data.ipu.org/>. Acesso em: 07 de janeiro de 2022.
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).

Outro motivo para levarmos em consideração a segunda casa para a medida da coalescência é o seu potencial de atuação como um veto player ( Heller, 2007HELLER, William. (2007), “Divided Politics: Bicameralism, Parties, and Policy in Democratic Legislatures”. Annual Review of Political Science, vol. 10, nº 1, pp. 245-269. ; Tsebelis e Money, 1997TSEBELIS, George; MONEY, Jeannette. (1997), Bicameralism. Cambridge, Cambridge University Press. ). Isso é, as câmaras altas são atores relevantes para a mudança ou não do status quo , visto que elas têm o potencial de impedir a continuação do trâmite legislativo. Essa questão não pode ser minorada, ainda mais quando o apoio dos partidos ao governo não é uniforme entre as câmaras ( Neiva, 2011bNEIVA, Pedro Robson Pereira. (2011b), “Disciplina Partidária e Apoio ao Governo no Bicameralismo Brasileiro”. Revista de Sociologia e Política, vol. 19, n º 39, pp. 183-196. ) ou quando os partidos têm pesos regionais diferentes ( Neiva, 2011aNEIVA, Pedro Robson Pereira. (2011a), “Coesão e Disciplina Partidária no Senado Federal”. DADOS, vol. 54, nº 2, pp. 289-318. ). Desse modo, caso o chefe do Executivo busque apoio legislativo somente na câmara baixa, os seus interesses podem não lograr êxito justamente em função da atuação da câmara alta.

Por último, a escassez de trabalhos acadêmicos que relacionam a dinâmica bicameral à formação de coalizões no presidencialismo é chamativa. Em especial, esse baixo número de estudos se torna ainda mais notável quando se tem em vista que a força dos sistemas bicamerais depende, principalmente, do sistema de governo adotado pelos países, sendo as câmaras altas de países presidencialistas mais fortes do que as câmaras altas de países parlamentaristas, em geral ( Neiva, 2006NEIVA, Pedro Robson Pereira. (2006), “Os Determinantes da Existência e dos Poderes das Câmaras Altas: Federalismo ou Presidencialismo”. DADOS, vol. 49, nº 2, pp. 269-299. ). Embora os bicameralismos sejam mais fracos neste regime, é notável que, desde o começo dos anos 2000, os estudos em sistemas parlamentaristas já tenham começado a incluir o jogo bicameral como um importante fator de influência para as coalizões governamentais ( Diermeier, Eraslan e Merlo, 2007DIERMEIER, Daniel; ERASLAN, Hülya; MERLO, Antonio. (2007), “Bicameralism and Government Formation”. Quarterly Journal of Political Science, vol. 2, nº 3, pp. 227-252. ; Druckman, Martin e Thies, 2005DRUCKMAN, James N; MARTIN, Lanny W.; THIES, Michael F. (2005), “Influence without Confidence: Upper Chambers and Government Formation”. Legislative Studies Quarterly, vol. 30, nº 4, pp. 529-548. ; Druckman e Thies, 2002DRUCKMAN, James N.; THIES, Michael F. (2002), “The Importance of Concurrence: The Impact of Bicameralism on Government Formation and Duration”. American Journal of Political Science. vol. 46, nº 4, pp. 760-771. ). Em contrapartida, os estudos destinados a compreender o presidencialismo de coalizão ainda se restringem, em sua maioria, a considerar o Legislativo somente através da câmara baixa ( Albala, 2017bALBALA, Adrián. (2017b), “Bicameralism and Coalition Cabinets in Presidential Polities: A Configurational Analysis of the Coalition Formation and Duration Processes”. The British Journal of Politics and International Relations, vol. 19, nº 4, pp. 735-754. ).

À vista disso, buscando preencher essa lacuna na literatura, a pergunta de pesquisa que norteia este artigo é a seguinte: como a distribuição parlamentar em sistemas bicamerais impacta a formação dos governos? De fato, o nosso propósito é realizar um teste de teoria do clássico trabalho de Amorim Neto (2006)AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. sobre a coalescência dos gabinetes presidenciais. Em especial, além do aspecto bicameral, busca-se incluir variáveis antes negligenciadas à explicação da coalescência, como a dominância do presidente sobre a construção do próprio governo e a relevância do poder Legislativo para a própria dinâmica de produção legislativa.

O artigo está organizado do seguinte modo. Primeiramente, apresentamos o fundamento teórico inicial do cálculo da coalescência ao discutir a “Lei” de Gamson. Em poucas palavras, a “lei” postula que os parceiros da coalizão recebam proporcionalmente as suas recompensas de acordo com os seus recursos auferidos para o governo ( Gamson, 1961GAMSON, William A. (1961), “A Theory of Coalition Formation”. American Sociological Review, vol. 26, nº 3, pp. 373-382. ). Nesse sentido, o propósito é apontar o porquê de as cadeiras obtidas por cada partido na câmara alta também poderem ser vistas como “recursos” que os partidos aportam às coalizões. Em seguida, discute-se propriamente o que a literatura diz sobre a coalescência dos gabinetes presidenciais. Nessa seção, o foco é levantar quais são os determinantes que já foram identificados como relevantes para explicar o processo de alocação das pastas ministeriais. A quarta e quinta seções elencam as hipóteses e apresentam a metodologia, respectivamente. Por fim, a sexta é reservada para a apresentação dos resultados, e a sétima, para a conclusão.

A chamada “Lei” de Gamson

Não é incomum o fato de não haver nenhum partido majoritário em sistemas multipartidários. Isso é verdade para regimes parlamentaristas, presidencialistas e mistos. Mesmo que não se possa generalizar sobre os processos de formação de cada governo, pode-se falar que as coalizões são um arranjo de governo comum ( Müller e Strom, 2006MÜLLER, Wolfgang C.; STRØM, Kaare (eds). (2006), Coalition Governments in Western Europe. Oxford, Oxford Univ. Press. ). Como consequência disso, a divisão de espólios de governo entre os partidos da coalizão se torna um tópico relevante para a compreensão da política em diversos países. Particularmente, esse é um momento sensível do processo de formação de governo, já que é nesse instante em que são definidos quais partidos comandarão quais ministérios.

A literatura se preocupou, inicialmente, em explicar quais seriam os prêmios destinados aos partidos que acordassem participar de uma coalizão governista nos casos dos países parlamentaristas da Europa Central. Como a discussão sobre coalizões no presidencialismo só se consagrou em meados dos anos 2000, serão predominantemente abordados, primeiramente, os trabalhos relacionados ao parlamentarismo.

Normalmente, a partilha dos payoffs da coalizão segue três típicas linhas de explicação. A primeira e mais clássica delas enuncia que há um princípio de proporcionalidade na partilha das recompensas, no qual os partidos as receberiam de modo proporcional à quantidade de recursos levadas por cada um à coalizão ( Gamson, 1961GAMSON, William A. (1961), “A Theory of Coalition Formation”. American Sociological Review, vol. 26, nº 3, pp. 373-382. ). Outra explicação, todavia, indica que essa distribuição se daria em função do poder de barganha de cada partido que faz parte do governo ( Ansolabehere et al , 2005ANSOLABEHERE, Stephen et al. (2005), “Voting Weights and Formateur Advantages in the Formation of Coalition Governments”. American Journal of Political Science, vol. 49, nº 3, pp. 550-563. ; Laver e Schofield, 1990LAVER, Michael; SCHOFIELD, Norman. (1990), Multiparty Government: The Politics of Coalition in Europe. Oxford; New York, Oxford University Press. ; Schofield e Laver, 1985SCHOFIELD, Norman; LAVER, Michael. (1985), “Bargaining Theory and Portfolio Payoffs in European Coalition Governments 1945-83”. British Journal of Political Science, vol. 15, nº 2, pp. 143-164. ). Por fim, a terceira aponta que os partidos encarregados pela formação da coalizão ( formateurs) possuiriam vantagens, em relação aos demais membros, no momento da repartição das recompensas ( Baron, 1991BARON, David P. (1991), “A Spatial Bargaining Theory of Government Formation in Parliamentary Systems”. American Political Science Review, vol. 85, nº 1, pp. 137-164. ; Baron e Ferejohn, 1989BARON, David P.; FEREJOHN, John A. (1989), “Bargaining in Legislatures”. American Political Science Review, vol. 83, nº 4, pp. 1181-1206. ). A ver pela abundância de explicações, reforça-se que os payoffs das coalizões realmente são um aspecto importante para a construção dos governos.

Mas quais seriam propriamente os espólios de governo que os partidos dividiriam entre si? Gamson (1961)GAMSON, William A. (1961), “A Theory of Coalition Formation”. American Sociological Review, vol. 26, nº 3, pp. 373-382. , apesar de ter postulado o princípio da proporcionalidade, não deixou explícito quais seriam essas recompensas. A devida metrificação dos conceitos usados por Gamson (recursos e recompensas) somente foi feita por Browne e Franklin (1973)BROWNE, Eric C.; FRANKLIN, Mark N. (1973), “Aspects of Coalition Payoffs in European Parliamentary Democracies”. American Political Science Review, vol. 67, nº 2, pp. 453-469. . Os autores estabeleceram que as “recompensas” seriam as pastas ministeriais do governo, ao passo que os “recursos” seriam as cadeiras asseguradas por cada partido na câmara baixa. Não deixa de ser simbólico que, desde esse primeiro momento, a câmara alta já não era considerada como um possível fator de influência para os governos. Como a coalescência se fundamenta na proporcionalidade, voltemos as atenções especificamente ao princípio postulado por Gamson.

A Proporcionalidade na Distribuição das Recompensas das Coalizões

Além de não ter explicitado quais seriam as recompensas e os recursos auferidos pelos partidos pela participação da coalizão, Gamson se restringiu a esboçar seu princípio no campo teórico. Desse modo, para além da instrumentalização prática do que seria cada um desses princípios, coube a Browne e Franklin (1973)BROWNE, Eric C.; FRANKLIN, Mark N. (1973), “Aspects of Coalition Payoffs in European Parliamentary Democracies”. American Political Science Review, vol. 67, nº 2, pp. 453-469. a tarefa empírica de testar a teoria enunciada por Gamson. O resultado dos autores foi que, se consideradas as cadeiras da câmara baixa como os recursos de cada partido, a partilha dos ministérios, com algumas ressalvas, seria relativamente proporcional aos pesos dos partidos na câmara baixa.

Esse foi somente um dos primeiros trabalhos com suporte empírico em favor do princípio de proporcionalidade postulado por Gamson, o qual já perdura por mais de 50 anos (Laver, Marchi e Mutlu, 2008). Com efeito, a força dessa relação se mostrou tamanha que Laver e Schofield (1990)LAVER, Michael; SCHOFIELD, Norman. (1990), Multiparty Government: The Politics of Coalition in Europe. Oxford; New York, Oxford University Press. a designaram como uma das mais fortes nas ciências sociais. Mais ainda, alguns autores, como Morelli (1999)MORELLI, Massimo. (1999), “Demand Competition and Policy Compromise in Legislative Bargaining”. American Political Science Review, vol. 93, nº 4, pp. 809-820. , passaram a denominá-la inclusive como a “Lei” de Gamson.

Contudo, embora os resultados empíricos realmente sejam impressionantes, essa alcunha de “lei” é, no mínimo, complicada ( Indridason, 2015INDRIDASON, Indridi. H. (2015), “Live for Today, Hope for Tomorrow? Rethinking Gamson’s Law”. Working Paper, Department of Political Science, University of California-Riverside, pp. 1-34. ), uma vez que essa relação se dá nas ciências sociais, onde, diferentemente das ciências exatas, os objetos de estudo dificilmente são monocausais ( Weber, 1992WEBER, Max. (1992), Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo, Cortez Editora. ). Ou seja, é raro que uma variável dependente seja explicada por uma única independente. Sem embargo, isso não impede que existam leis na Ciência Política. Porém, tendo em vista que leis são (e devem ser) exposições perfeitas e completamente precisas da realidade concreta, a consideração de uma proposição como “lei” exige extrema cautela.

Embora se possa argumentar que as leis teóricas nas ciências sociais não precisem ser tão rigorosas quanto às leis propostas pelas ciências “duras”, contrastes empíricos contínuos com a empiria não podem ser minimizados meramente por se tratar de uma proposição no campo sócio-político. Assim, por mais que seja uma das relações mais fortes nas ciências sociais, a “Lei” de Gamson apresenta erros constantes na apresentação empírica da distribuição dos ministérios entre os partidos da coalizão e, portanto, não deve ser referenciada como tal. Esses erros são os fatos de (i) os partidos pequenos da coalizão receberem maiores recompensas do que o previsto e (ii) os maiores partidos da coalizão obterem menores recompensas que o previsto em diversos países, violando, então, o pressuposto de proporcionalidade ( Bäck, Meier e Persson, 2009BÄCK, Hanna; MEIER, Henk Erik; PERSSON, Thomas. (2009),”Party Size and Portfolio Payoffs: The Proportional Allocation of Ministerial Posts in Coalition Governments”. The Journal of Legislative Studies, vol. 15, nº 1, pp. 10-34. ; Browne e Franklin, 1973BROWNE, Eric C.; FRANKLIN, Mark N. (1973), “Aspects of Coalition Payoffs in European Parliamentary Democracies”. American Political Science Review, vol. 67, nº 2, pp. 453-469. ; Indridason, 2015INDRIDASON, Indridi. H. (2015), “Live for Today, Hope for Tomorrow? Rethinking Gamson’s Law”. Working Paper, Department of Political Science, University of California-Riverside, pp. 1-34. ; Morelli, 1999MORELLI, Massimo. (1999), “Demand Competition and Policy Compromise in Legislative Bargaining”. American Political Science Review, vol. 93, nº 4, pp. 809-820. ; Schofield e Laver, 1985SCHOFIELD, Norman; LAVER, Michael. (1985), “Bargaining Theory and Portfolio Payoffs in European Coalition Governments 1945-83”. British Journal of Political Science, vol. 15, nº 2, pp. 143-164. ).

Como se não bastassem esses desvios empíricos, a “Lei” de Gamson também apresenta outro grave problema: a falta de uma sustentação teórica. Na verdade, Gamson depreendeu que os partidos dividiriam as recompensas de maneira proporcional a partir de uma hipótese instintiva, ao invés de construir um modelo formal ou desenvolver uma argumentação teórica para isso ( Falcó-Gimeno e Indridason, 2013FALCÓ-GIMENO, Albert; INDRIDASON, Indridi. H. (2013), “Uncertainty, Complexity, and Gamson’s Law: Comparing Coalition Formation in Western Europe”. West European Politics, vol. 36, nº 1, pp. 221-247. ). Sem dúvidas, essa ausência de suporte teórico é outro fator que corrobora com os questionamentos ao status de “lei” do princípio de proporcionalidade proposto por Gamson.

A literatura sobre a alocação de ministérios entre os partidos da coalizão se deparou, então, com um quebra-cabeça: embora o efeito causal da “Lei” de Gamson já tivesse sido demonstrado empiricamente (mesmo com alguns desvios constantes), o mecanismo causal que explicasse o porquê da alocação proporcional entre os membros da coalizão estava ausente. Mais do que isso, a falta de explicação teórica contrastava com outras explicações do mesmo fenômeno, como, por exemplo, a defesa de Baron e Ferejohn (1989)BARON, David P.; FEREJOHN, John A. (1989), “Bargaining in Legislatures”. American Political Science Review, vol. 83, nº 4, pp. 1181-1206. da recompensa desproporcional aos formateurs das coalizões na repartição dos ministérios.

Na busca de resolver essa questão na literatura sobre a alocação dos portfólios ministeriais, foi levantada uma série de argumentos para a explicação teórica da partilha equilibrada das pastas entre os partidos da coalizão. Como exemplo disso, Browne e Rice (1979) sustentam que, embora não seja racional, a proporcionalidade na partilha dos payoffs seria uma convenção social, na qual os membros da coalizão concordariam que esse seria o método mais correto e justo para a repartição das recompensas. De forma complementar, Falcó-Gimenó e Indridason (2013)FALCÓ-GIMENO, Albert; INDRIDASON, Indridi. H. (2013), “Uncertainty, Complexity, and Gamson’s Law: Comparing Coalition Formation in Western Europe”. West European Politics, vol. 36, nº 1, pp. 221-247. argumentam que a proporcionalidade ocorre em função dos contextos de complexidade e incerteza durante o processo de formação dos governos, sendo essa a solução preferível aos partidos para a alocação das pastas.

De qualquer forma, mesmo que possua suas imperfeições, o princípio de Gamson ainda é a principal referência quando se trata da discussão sobre a divisão ministerial entre os partidos da coalizão. A magnitude desse princípio aumenta à medida que surgem novos estudos empíricos que o reforçam. Como forma de demonstrar isso, cabe destacar que os primeiros estudos sobre “quem recebe o quê das coalizões” se contentaram em verificar a relação entre recursos e recompensas à vista de um critério puramente quantitativo das pastas ministeriais. Entretanto, paralelamente, outras pesquisas já apontavam para a relevância da dimensão ideológica para o processo de formação das coalizões ( Axelrod, 1970AXELROD, Robert. (1970), Conflict of Interest. Chicago, Markha. ; Sened, 1996SENED, Itai. (1996), “A Model of Coalition Formation: Theory and Evidence”. The Journal of Politics, vol. 58, nº 2, pp. 350-372. ; Strom, 1990STROM, Kaare. (1990), Minority Government and Majority Rule. Cambridge, Cambridge University Press. ). Ora, se os partidos têm preferências em relação até mesmo a qual partido se aliar, é de esperar que os partidos também tenham sua predileção diante da lista de ministérios disponíveis. E, de fato, verificou-se que a proporcionalidade se mantém mesmo perante a consideração da importância qualitativa dos ministérios ( Bucur, 2018BUCUR, Cristina. (2018), “Cabinet Payoffs in Coalition Governments: A Time-Varying Measure of Portfolio Importance”. Party Politics, vol. 24, nº 2, pp. 154-167. ; Ecker, Meyer e Müller, 2015ECKER, Alejandro; MEYER, Thomas M.; MÜLLER, Wolfgang. C. (2015), “The Distribution of Individual Cabinet Positions in Coalition Governments: A Sequential Approach”. European Journal of Political Research, vol. 54, nº 4, pp. 802-818. ; Warwick e Druckman, 2001WARWICK, Paul V; DRUCKMAN, James N. (2001), “Portfolio Salience and the Proportionality of Payoffs in Coalition Governments”. British Journal of Political Science, vol. 31, nº 4, pp. 627-649. ; 2006WARWICK, Paul V. (2006), “The Portfolio Allocation Paradox: An Investigation into the Nature of a Very Strong but Puzzling Relationship”. European Journal of Political Research, vol. 45, nº 4, pp. 635-665. ). Enfim, não é por menos que a relação de Gamson é a proposição que fundamenta os estudos sobre a coalescência.

Ainda assim, apesar de todo o avanço da literatura sobre a alocação de ministérios nas coalizões, não é incorreto questionar a “Lei” de Gamson. De tal modo, mesmo que seja seguida por grande parte da literatura, também não é errado inquirir sobre a forma de operacionalização dos conceitos de Gamson feita por Browne e Franklin (1973)BROWNE, Eric C.; FRANKLIN, Mark N. (1973), “Aspects of Coalition Payoffs in European Parliamentary Democracies”. American Political Science Review, vol. 67, nº 2, pp. 453-469. .

Recompensas

Como visto, usualmente a literatura trata as pastas ministeriais como recompensas aos partidos pela participação no gabinete. Porém, qual a razão para isso? Inicialmente, justificou-se a importância dos ministérios através da motivação office-seeking dos partidos políticos2 2 . Ressalta-se que grande parte da literatura sobre coalizões trata os partidos políticos como blocos unitários. Ou seja, é desconsiderada a existência de diferenças intrapartidárias. Com isso, tem-se que a motivação dos partidos seria a mesma motivação dos seus membros. Assim, os políticos visariam igualmente estar no poder. Convém mencionar que somente uma nova geração de estudos sobre coalizões passou a contestar enfaticamente essa premissa de homogeneidade interna dos partidos ( Albala, 2018 ). . Em poucas palavras, a premissa que os partidos são office-seeking prevê que a principal meta desses é possuir algum grau de poder no governo (prestígio, cargo, etc.). A partir desse pressuposto, não há motivos do porquê um partido se recusaria a participar do gabinete da coalizão, e assim, sendo feita a oferta, os partidos não hesitariam em aceitar o comando de um ministério, já que isso satisfaria a sua ganância pelo poder ( Shepsle, 2010SHEPSLE, Kenneth A. (2010), Analyzing Politics: Rationality, Behavior and Institutions. New York, W. W. Norton. ).

Contudo, os partidos não se interessam exclusivamente por pertencerem ou não ao governo. As motivações programáticas também existem. Tanto que Axelrod (1970)AXELROD, Robert. (1970), Conflict of Interest. Chicago, Markha. e De Swaan (1973)DE SWAAN, Abram. (1973), Coalition Theories and Cabinet Formations. Amsterdam, Elsevier. atentaram para a importância da questão ideológica mesmo no início das discussões sobre a composição partidária das coalizões. Dessa forma, mais do que somente office-seeking , os partidos políticos também atuam à vista do policy-seeking . No entanto, deve-se ter cuidado para não generalizar sobre quais são as motivações prima facie dos partidos em geral, uma vez que os objetivos variam para cada organização partidária. De forma complementar, também se faz necessário destacar que as motivações primárias dos partidos não são, de forma alguma, excludentes entre si. Em outras palavras, realçar que determinados partidos buscam executar as suas políticas públicas preferidas não implica dizer que inexistem partidos interessados unicamente em ocupar um cargo no governo. É importante ter em mente que existe, inclusive, a possibilidade de sobreposição dos objetivos ( Budge e Laver, 1986BUDGE, Ian; LAVER, Michael. (1986), “Office Seeking and Policy Pursuit in Coalition Theory”. Legislative Studies Quarterly, vol. 11, nº 4, pp. 485-506. ; Strom, 1990STROM, Kaare. (1990), Minority Government and Majority Rule. Cambridge, Cambridge University Press. ).

A questão é que o controle das pastas ministeriais adquire um novo valor à vista da relevância da questão ideológica para os partidos. Para além do prestígio de simplesmente estar no cargo, a coordenação de um ministério se mostra importante porque permite o acesso à toda jurisdição de uma área de política pública. O seu controle possibilita não somente a patronagem política e econômica, mas também a implementação das políticas públicas próximas às preferências do partido no ofício (Laver e Shepsle, 1996; Moury, 2011MOURY, Catherine. (2011), “Coalition Agreement and Party Mandate: How Coalition Agreements Constrain the Ministers”. Party Politics, vol. 17, nº 3, pp. 385-404. ).

Cabe ressaltar, porém, que os ministérios não são o único modo de recompensar os partidos pela participação na coalizão. A aprovação dos próprios projetos de lei dos membros da coalizão também se configura como sidepayments pela participação no gabinete ( Magar e Moraes, 2012MAGAR, Eric; MORAES, Juan Andrés. (2012), “Factions with Clout: Presidential Cabinet Coalition and Policy in the Uruguayan Parliament”. Party Politics, vol. 18, nº 3, pp. 427-451. ). Ademais, não se deve esquecer que cada sistema político tem suas particularidades. No Brasil, por exemplo, a execução de emendas parlamentares na Lei Orçamentária Anual é um típico instrumento do chefe do Executivo para reafirmar o vínculo com os membros dos partidos da coalizão no Congresso ( Bertholini e Pereira, 2017BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. (2017), “Pagando o Preço de Governar: Custos de Gerência de Coalizão no Presidencialismo Brasileiro”. Revista de Administração Pública, vol. 51, nº 4, pp. 528-550. ; Chaisty, Cheeseman e Power, 2014CHAISTY, Paul; CHEESEMAN, Nic; POWER, Timothy J. (2014), “Rethinking the ‘Presidentialism Debate’: Conceptualizing Coalitional Politics in Cross-Regional Perspective”. Democratization, vol. 21, nº 1, pp. 72-94. ; Pereira e Mueller, 2003PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo. (2003), “Partidos Fracos na Arena Eleitoral e Partidos Fortes na Arena Legislativa: A Conexão Eleitoral no Brasil”. DADOS [online], vol. 46, nº 4, pp. 735-771. ).

Contudo, embora não seja a única, deve-se entender que os ministérios ainda são a principal recompensa aos partidos que compõem o gabinete. Isso porque a formação de coalizões governamentais pressupõe a realização de compromissos concretos entre os diferentes partidos acerca das políticas governamentais. Portanto, um governo de coalizão é aquele que reparte as pastas ministeriais entre os diferentes partidos constituintes da coalizão ( Couto, Soares e Livramento, 2021COUTO, Lucas; SOARES, Andéliton; LIVRAMENTO, Bernardo. (2021), Presidencialismo de Coalizão: Conceito e Aplicação”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 34, pp. 1-39. ). É somente a partir dessa partilha que se tem um comprometimento crível entre os partidos e, consequentemente, a formação do gabinete, no qual se troca o controle de ministérios pelo apoio no Legislativo. Dessa forma, as demais recompensas pela participação do partido na coalizão são complementares à repartição dos ministérios.

A questão é que, na realidade, os partidos não são totalmente homogêneos e, por vezes, somente a alocação de ministérios não garante por si só a governabilidade da coalizão. De todo modo, os ministérios são definidos como as recompensas dos partidos porque são condições necessária e suficiente para os governos de coalizão. Com isso, nesse tocante, não existem motivos para discordarmos da literatura prévia. Portanto, adiante, metodologicamente, os ministérios serão tratados como os payoffs pela participação nos gabinetes presidenciais.

Recursos

A literatura hegemônica na área destaca que, em troca dos ministérios, os partidos oferecem as cadeiras da câmara baixa como recursos disponíveis para a coalizão. Mesmo que haja concordância com essa postulação, existe uma ferrenha discussão entre os acadêmicos sobre como mensurar os recursos disponibilizados por cada partido.

O principal modo de fazer isso é por meio da porcentagem de cadeiras legislativas asseguradas por cada partido em relação ao total das cadeiras da coalizão ( Browne e Franklin, 1973BROWNE, Eric C.; FRANKLIN, Mark N. (1973), “Aspects of Coalition Payoffs in European Parliamentary Democracies”. American Political Science Review, vol. 67, nº 2, pp. 453-469. ; Druckman e Warwick, 2005DRUCKMAN, James N; WARWICK, Paul V. (2005), “The Missing Piece: Measuring Portfolio Salience in Western European Parliamentary Democracies”. European Journal of Political Research, vol. 44, nº 1, pp. 17-42. ; Morelli, 1999MORELLI, Massimo. (1999), “Demand Competition and Policy Compromise in Legislative Bargaining”. American Political Science Review, vol. 93, nº 4, pp. 809-820. ; Warwick e Druckman, 2001WARWICK, Paul V; DRUCKMAN, James N. (2001), “Portfolio Salience and the Proportionality of Payoffs in Coalition Governments”. British Journal of Political Science, vol. 31, nº 4, pp. 627-649. ). Contudo, também existem aqueles que defendem que a mensuração da contribuição de cada partido à coalizão deva ser feita através dos pesos legislativos ( voting weights ) de cada um ( Ansolabehere et al , 2005ANSOLABEHERE, Stephen et al. (2005), “Voting Weights and Formateur Advantages in the Formation of Coalition Governments”. American Journal of Political Science, vol. 49, nº 3, pp. 550-563. ).

O primeiro argumento de Ansolabehere e colegas para a mudança de operacionalização dos recursos partidários ao gabinete é que os modelos teóricos sobre a alocação ministerial expressam seus prognósticos a partir dos pesos legislativos de cada partido ( Ansolabehere et al, 2005ANSOLABEHERE, Stephen et al. (2005), “Voting Weights and Formateur Advantages in the Formation of Coalition Governments”. American Journal of Political Science, vol. 49, nº 3, pp. 550-563.: 551). De mais a mais, alega-se que o uso da porcentagem de cadeiras mascara o fato de que os partidos podem possuir maior poder de barganha do que o indicado pelo seu número de cadeiras ( Ansolabehere et al , 2005ANSOLABEHERE, Stephen et al. (2005), “Voting Weights and Formateur Advantages in the Formation of Coalition Governments”. American Journal of Political Science, vol. 49, nº 3, pp. 550-563.: 554-555). A conclusão dos autores, a partir do uso dos pesos legislativos de cada partido, contraria a relação proposta de Gamson, indicando que os partidos que formam a coalizão recebem mais recompensas do que oferecem recursos à coalizão. Na verdade, como se constatou um privilégio aos formateurs da coalizão, os achados de Ansolabehere e colegas se aproximam mais do modelo teórico de divisão de ministérios proposto por Baron e Ferejohn (1989)BARON, David P.; FEREJOHN, John A. (1989), “Bargaining in Legislatures”. American Political Science Review, vol. 83, nº 4, pp. 1181-1206. do que do próprio princípio de Gamson.

No entanto, deve ser comentado que esses resultados são, no mínimo, problemáticos. Primeiramente, a conversão de cadeiras legislativas em pesos legislativos não é perfeita. Os próprios autores fazem a ressalva de que essa transformação superestima os pesos legislativos dos maiores partidos. Algo que é passível de críticas, uma vez que os formateurs da coalizão costumam ser, justamente, os maiores partidos da coalizão ( Ansolabehere et al , 2005ANSOLABEHERE, Stephen et al. (2005), “Voting Weights and Formateur Advantages in the Formation of Coalition Governments”. American Journal of Political Science, vol. 49, nº 3, pp. 550-563.: 555-559; Warwick, 1996WARWICK, Paul V. (1996), “Coalition Government Membership in West European Parliamentary Democracies”. British Journal of Political Science, vol. 26, nº 4, pp. 471-499. ). Ademais, quando colocados ambos como variáveis explanatórias de um mesmo modelo, a porcentagem de cadeiras dos partidos possui um maior fator explicativo do que os pesos legislativos para a distribuição dos prêmios entre os membros da coalizão (Warwick e Druckman, 2006).

Dado que não se discorda de que as coalizões buscam assegurar maiorias no Legislativo para garantir a aprovação das suas pautas e a estabilidade dos seus governos ( Altman, 2000ALTMAN, David. (2000), “The Politics of Coalition Formation and Survival in Multiparty Presidential Democracies: The Case of Uruguay, 1989-1999”. Party Politics, vol. 6, nº 3, pp. 259-283. ; Hiroi e Rennó, 2014HIROI, Taeko; RENNO, Lucio. (2014), “Dimensions of Legislative Conflict: Coalitions, Obstructionism, and Lawmaking in Multiparty Presidential Regimes”. Legislative Studies Quarterly, vol. 39, nº 3, pp. 357-386. ), seguiremos a literatura no tocante à mensuração das recompensas dos partidos por meio da porcentagem de assentos de cada membro da coalizão em relação ao total do gabinete.

Porém, como mencionado anteriormente, há um grave problema na típica postulação sobre os payoffs dos partidos membros da coalizão: a completa negligência da distribuição partidária nas câmaras altas. De forma mais dura, a pura e simples análise das câmaras baixas, em detrimento das câmaras altas, consiste na banalização da análise política. Em sistemas bicamerais fortes, a câmara alta representa mais um jogador com poder de veto no sistema político ( Tsebelis e Money, 1997TSEBELIS, George; MONEY, Jeannette. (1997), Bicameralism. Cambridge, Cambridge University Press. ). Ou seja, a sua desconsideração pode levar à frustração da formulação das políticas de interesse do gabinete.

Inicialmente, a justificativa para a não inclusão das câmaras altas nos estudos empenhados em compreender as coalizões no parlamentarismo foi que, em muitos sistemas, somente a câmara baixa teria a competência de desfazer governos através da aprovação de moções de não confiança. O problema é que essa visão desconsidera o fato de que as câmaras altas não precisam necessariamente ter a competência formal de desfazer governos para que elas sejam politicamente relevantes.

Essencialmente, a desconsideração das câmaras altas se baseia na ideia de que os partidos no governo só se importam com o fato de estarem em seus cargos ( Druckman e Thies, 2002DRUCKMAN, James N.; THIES, Michael F. (2002), “The Importance of Concurrence: The Impact of Bicameralism on Government Formation and Duration”. American Journal of Political Science. vol. 46, nº 4, pp. 760-771. ). Entretanto, como visto anteriormente, o office-seeking pode até ser uma das motivações dos políticos, mas certamente não é a única. Ao se considerar que os partidos também se importam em emplacar suas políticas públicas, mesmo que seja só para agradar os eleitores e, assim, permanecer no cargo, a busca por uma maioria nas câmaras altas pela coalizão governamental se mostra tão importante quanto a busca nas câmaras baixas.

O pior é que a grande parte dos estudos presidencialistas sobre coalizões apenas replicou o modo como esse arranjo é estudado no parlamentarismo. Ou seja, mesmo sem explicações academicamente plausíveis, a dinâmica bicameral tem sido omitida até nos estudos sobre coalizões no presidencialismo ( Albala, 2017bALBALA, Adrián. (2017b), “Bicameralism and Coalition Cabinets in Presidential Polities: A Configurational Analysis of the Coalition Formation and Duration Processes”. The British Journal of Politics and International Relations, vol. 19, nº 4, pp. 735-754. ). Assim, ao reduzir a compreensão do Legislativo somente às atividades das câmaras baixas, parcela considerável da literatura sofre com um típico problema de viés de seleção em favor dessas casas.

Em contrapartida, estudos iniciais já apontaram que o bicameralismo gera repercussões para as coalizões governamentais no que tange ao seu processo de formação, duração e governabilidade tanto para os países parlamentaristas ( Diermeier, Eraslan e Merlo, 2007DIERMEIER, Daniel; ERASLAN, Hülya; MERLO, Antonio. (2007), “Bicameralism and Government Formation”. Quarterly Journal of Political Science, vol. 2, nº 3, pp. 227-252. ; Druckman e Thies, 2002DRUCKMAN, James N.; THIES, Michael F. (2002), “The Importance of Concurrence: The Impact of Bicameralism on Government Formation and Duration”. American Journal of Political Science. vol. 46, nº 4, pp. 760-771. ; Eppner e Ganghof, 2017EPPNER, Sebastian; GANGHOF, Steffen. (2017), “Institutional Veto Players and Cabinet Formation: The Veto Control Hypothesis Reconsidered”. European Journal of Political Research, vol. 56, nº 1, pp 169-186. ; Fortunato, König e Proksch, 2013FORTUNATO, David; KÖNIG, Thomas; PROKSCH, Sven-Oliver. (2013), “Government Agenda-Setting and Bicameral Conflict Resolution”. Political Research Quarterly, vol. 66, nº 4, pp. 938-951. ; Gianetti, Pedrazzani e Pinto, 2020GIANNETTI, Daniela; PEDRAZZANI, Andrea; PINTO, Luca. (2020), “Bicameralism and Government Formation: Does Bicameral Incongruence Affect Bargaining Delays?” European Political Science Review, vol. 12, nº 4, pp. 469-484. ) quanto para os países presidencialistas ( Albala, 2017aALBALA, Adrián. (2017a), “Coalition Presidentialism in Bicameral Congresses: How does the Control of a Bicameral Majority Affect Coalition Survival?”. Brazilian Political Science Review, vol. 11, nº 2, pp. 1-27. ; 2017bALBALA, Adrián. (2017b), “Bicameralism and Coalition Cabinets in Presidential Polities: A Configurational Analysis of the Coalition Formation and Duration Processes”. The British Journal of Politics and International Relations, vol. 19, nº 4, pp. 735-754. ; Araújo, 2014ARAÚJO, Paulo. (2014), “Bicameralismo e Poder Executivo no Brasil: Revisão de Projetos Presidenciais entre 1989-2010”. Opinião Pública, vol. 20, nº 1, pp. 67-95. ; Freudenreich, 2016FREUDENREICH, Johannes. (2016), “The Formation of Cabinet Coalitions in Presidential Systems”. Latin American Politics and Society, vol. 58, nº 4, pp. 80-102. ).

Porém, até o momento, são escassas as pesquisas destinadas a compreender a distribuição de espólios governamentais nos governos de coalizão sob uma ótica bicameral. Em uma rara pesquisa, viu-se que, em sistemas bicamerais simétricos, os partidos políticos com maior peso na câmara alta são favorecidos no processo de alocação ministerial ( Kubo, 2016KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145.: 138-142). Mais ainda, os regimes parlamentaristas com câmaras altas fortes apresentam maiores níveis de desproporcionalidade entre pastas e cadeiras no Congresso em comparação com os países unicamerais e os países com câmaras altas fracas ( Kubo, 2016KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145.: 133-137). Esses resultados se mostram particularmente relevantes à medida que sustentam a argumentação teórica de que uma câmara alta forte cria um duplo canal de delegação entre o gabinete e o Legislativo, tornando a governança mais complicada. Além da contestação empírica da relação proposta de Gamson, uma consequência disso é o questionamento teórico da noção de que os recursos dos partidos à coalizão serem somente as cadeiras das câmaras baixas. De fato, o estudo de Kubo (2016)KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145. nos serve como norte e um primeiro indicativo de que a construção dos gabinetes em sistemas bicamerais é mais complexa do que aparenta.

A coalescência dos gabinetes presidenciais de coalizão

Posto o princípio gamsoniano de repartição de ministérios entre os partidos da coalizão, do que se trata, então, a coalescência dos gabinetes presidenciais? Basicamente, a coalescência é o grau de proporção entre pastas ministeriais designadas para cada membro do gabinete, tendo em vista as cadeiras de cada um na câmara baixa. Em outras palavras, a coalescência é somente um novo termo para a verificação da relação proposta por Gamson, mas, dessa vez, aplicada aos regimes presidencialistas. O seu resultado é uma variável contínua que varia de 0 (desproporção total) a 1 (proporção perfeita entre ministérios e assentos dos partidos do gabinete).

De forma introdutória, um primeiro traço dos gabinetes presidenciais que vale menção é que o seu grau de proporcionalidade é menor em comparação aos gabinetes parlamentaristas ( Altman, 2000ALTMAN, David. (2000), “The Politics of Coalition Formation and Survival in Multiparty Presidential Democracies: The Case of Uruguay, 1989-1999”. Party Politics, vol. 6, nº 3, pp. 259-283. ; Indridason, 2015INDRIDASON, Indridi. H. (2015), “Live for Today, Hope for Tomorrow? Rethinking Gamson’s Law”. Working Paper, Department of Political Science, University of California-Riverside, pp. 1-34. ). À primeira vista, isso não é tão impressionante, já que existe maior prevalência de ministros independentes no presidencialismo do que no parlamentarismo ( Amorim Neto, 1998AMORIM NETO, Octavio. (1998), “Cabinet Formation in Presidential Regimes: An Analysis of 10 Latin American Countries”. Paper presentado en la Conferencia anual de la Latin American Studies Association (LASA). Chicago. ). De todo modo, mais recentemente, a literatura tem destacado como os níveis de proporcionalidade não são tão uniformes entre os diferentes gabinetes presidenciais como anteriormente antevisto pela teoria ( Silva, 2019SILVA, Thiago. (2019), Coalitional Dynamics in Presidential Systems. Tese (Doutorado em Ciência Política), Texas A&M University, Texas. ).

Além disso, outro fator interessante é que a questão da proporcionalidade entre cadeiras e ministérios tem um significado a mais em sistemas presidencialistas em comparação aos parlamentaristas. A coalescência não indica somente como se dá a barganha interpartidária no contexto de um presidencialismo multipartidário, mas também como o presidente pretende implementar suas políticas de interesse e como ele ou ela se mostra interessado em negociar com o Legislativo durante o seu governo ( Amorim Neto, 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ).

Amorim Neto (2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440.: 416-417) argumenta que os presidentes, em geral, têm duas estratégias para executar as políticas públicas: o envio de propostas próprias para o processo legislativo ordinário e a adoção de decretos presidenciais para implementar os seus projetos de modo imediato3 3 . Exemplos de decretos presidenciais são os Decretos de Necesidad y Urgencia (DNUs), na Argentina, e as Medidas Provisórias (MPs), no Brasil. Em ambos os países, os decretos-lei sofrem de restrição temática e necessitam, obrigatoriamente, da aprovação do Legislativo para continuar em vigor. Esses mecanismos servem fundamentalmente para impedir o uso disruptivo dos decretos presidenciais. No Brasil, por exemplo, antes de haver restrição temática, o governo Collor recorreu a uma MP para promover sua política econômica e bloquear os saques de contas poupança dos bancos estatais. De todo modo, os DNUs e as MPs representam apenas dois exemplos de decretos presidenciais, existindo uma ampla variedade entre o tamanho dos poderes concedidos aos presidentes ( Shugart e Carey, 1992 ). .

A primeira diferença entre as duas ferramentas é que o envio de projetos ao Legislativo demora mais que a adoção dos decretos para vigorar como lei. Outra diferença notável é que a escolha por iniciar projetos através do Legislativo implica a necessidade de uma negociação mais densa entre o Executivo e Legislativo, visto que, de outra forma, o projeto não seria aprovado, ou, pelo menos, não seria aprovado de acordo com os interesses do governo4 4 . No entanto, a afirmação que a simples emissão de decretos presidenciais torna desnecessária a negociação entre o presidente e os partidos políticos trata-se de uma falsa oposição em relação ao envio dos projetos para análise do Legislativo. Na verdade, os próprios decretos emitidos pelo presidente podem ser contestados na esfera do Legislativo. O ponto é que o uso desses decretos demanda menos negociação com o Legislativo do que a opção por mandar a proposta diretamente para o trâmite legislativo ordinário. . Assim, o presidente utiliza seus decretos presidenciais quando deseja ter seus projetos com eficácia imediata de lei, sem que seja necessário abrir negociações profundas com o Legislativo. De modo paralelo, quando a questão temporal não é urgente e o Executivo dispõe de amplo apoio no Legislativo, o presidente pode desfrutar da tramitação habitual dos projetos de lei.

Em decorrência disso, tem-se que a composição do gabinete sinaliza como os presidentes pensam em executar as suas políticas de governo. Um gabinete com baixa coalescência sugere que o chefe do Executivo está mais propenso a utilizar seus poderes de decreto, ao mesmo tempo que não planeja negociar intensamente com o Legislativo. Em contrapartida, um gabinete com alta coalescência (isso é, alta proporção na alocação entre cadeiras e ministérios aos componentes da coalizão) indica exatamente o oposto: presidentes dispostos a iniciar legislação via o processo legislativo normal e, por conseguinte, a se relacionar em maior medida com o Legislativo ( Amorim Neto, 1998AMORIM NETO, Octavio. (1998), “Cabinet Formation in Presidential Regimes: An Analysis of 10 Latin American Countries”. Paper presentado en la Conferencia anual de la Latin American Studies Association (LASA). Chicago. ; 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ).

A partir de uma análise estatística de diferentes gabinetes presidenciais nas Américas, os resultados de Amorim Neto (2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440.: 431) apontam que a coalescência dos gabinetes presidenciais é tanto maior quanto maior (a) a porcentagem de cadeiras asseguradas pelo próprio partido presidencial na primeira casa, (b) o poder de decreto presidencial e (c) o tempo restante até a próxima eleição presidencial. Por outro lado, a coalescência se mostra menor (d) à medida que os presidentes combinam fortes poderes de decreto com posições ideológicas extremadas e (e) quanto maior for a maioria necessária para derrubar o veto presidencial em relação a algum projeto de lei.

Dentre esses achados, é de se notar, primeiramente, que o poder de decreto presidencial tenha vindo com o sinal errado no modelo estatístico proposto por Amorim Neto, uma vez que, na teoria, quanto mais forte fosse o decreto, menores seriam os incentivos do presidente para construir um gabinete coalescente ( Silva, 2019SILVA, Thiago. (2019), Coalitional Dynamics in Presidential Systems. Tese (Doutorado em Ciência Política), Texas A&M University, Texas. ).

Por um raciocínio semelhante, poderíamos imaginar que o Executivo estaria menos propenso a construir um gabinete proporcional à medida que seu contingente legislativo aumentasse. Ora, se o Executivo tivesse controle de, por exemplo, 70% de ambas as casas, não haveria motivos para engajar em negociações interpartidárias. Porém, esse não é o caso, já que não é o raro que o partido presidencial não alcance o status majoritário por si só em sistemas presidenciais multipartidários ( Alemán e Tsebelis, 2011ALEMÁN, Eduardo; TSEBELIS, George. (2011), “Political Parties and Government Coalitions in the Americas”. Journal of Politics in Latin America, vol. 3, nº 1, pp. 3-28. ; Chaisty, Cheeseman e Power, 2014CHAISTY, Paul; CHEESEMAN, Nic; POWER, Timothy J. (2014), “Rethinking the ‘Presidentialism Debate’: Conceptualizing Coalitional Politics in Cross-Regional Perspective”. Democratization, vol. 21, nº 1, pp. 72-94. ; Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2004CHEIBUB, José Antonio; PRZEWORSKI, Adam; SAIEGH, Sebastian M. (2004), “Government Coalitions and Legislative Success Under Presidentialism and Parliamentarism”. British Journal of Political Science, vol. 34, nº 4, pp. 565-587. ). Ou seja, como o contingente legislativo presidencial não costuma ser grande o suficiente para tornar as negociações interpartidárias desnecessárias, o presidente continua dependendo dos outros partidos caso deseje implementar suas políticas através do envio das propostas diretamente ao Legislativo. Assim, o processo ocorre em duas etapas: o Executivo procura abranger a sua base legislativa caso o status majoritário não tenha sido alcançado e, assim, constrói um gabinete proporcional para aprovar seus projetos na própria esfera do Legislativo, de modo que o gabinete seja mais proporcional à medida que o contingente legislativo aumente ( Amorim Neto, 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ).

A par disso, também é notável a influência do ciclo eleitoral sobre a coalescência, mostrando que, a fim de evitar a deriva dos partidos da coalizão, os presidentes buscam distribuir os ministérios de acordo com um critério cada vez mais proporcional quanto mais próximo do fim do mandato presidencial. Vale destacar que, com a aproximação das eleições, é normal que muitos partidos tentem se desvincular da imagem do governo para não levar o ônus eleitoral de ter feito parte do mesmo ( Altman, 2000ALTMAN, David. (2000), “The Politics of Coalition Formation and Survival in Multiparty Presidential Democracies: The Case of Uruguay, 1989-1999”. Party Politics, vol. 6, nº 3, pp. 259-283. ; Garrido, 2003GARRIDO, Antonio. (2003), “Gobiernos y Estrategias de Coalición en Democracias Presidenciales: El caso de América Latina”. Política y Sociedad, vol. 40, nº 2, pp. 41-62. ).

Como último ponto desses resultados, vale ressaltar que Amorim Neto não achou correspondência estatística significativa alguma entre os períodos de crise econômica (seja inflação, seja recessão) e os graus de coalescência dos gabinetes. Esse resultado é interessante porque, teoricamente, os períodos de crise pedem respostas imediatas do governo ( Martínez-Gallardo, 2014MARTÍNEZ-GALLARDO, Cecilia. (2014), “Designing Cabinets: Presidential Politics and Ministerial Instability”. Journal of Politics in Latin America, vol. 6, nº 2, pp. 3-38. ). Desse modo, o raciocínio lógico nos indica que o presidente passaria a executar suas políticas através de decretos presidenciais, uma vez que essa estratégia economizaria tempo ao não precisar percorrer por todo o trâmite legislativo para a solução econômica do Executivo valer como uma lei. Como consequência disso, não seria lógica a construção de gabinetes presidenciais coalescentes, já que o Executivo estaria governando por meio de decretos. Apesar dessa fundamentação teórica, empiricamente, não se constatou a existência de uma relação entre crises e estratégias presidenciais para compor os seus respectivos gabinetes.

Embora tenha sido extremamente relevante, o trabalho conduzido por Amorim Neto tem suas imperfeições. A primeira delas é a adoção da premissa teórica de completa dominância do Executivo no momento de construir o gabinete. Os países presidencialistas não são homogêneos no tocante à quantidade de poder que os presidentes dispõem para construir o seu governo ( Araújo, Silva e Vieira, 2016ARAÚJO, Victor; SILVA, Thiago; VIEIRA, Marcelo. (2016), “Measuring Presidential Dominance over Cabinets in Presidential Systems: Constitutional Design and Power Sharing”. Brazilian Political Science Review, vol. 10, nº 2, pp. 1-23. ). Em outras palavras, nem todos os presidentes são livres para montar o gabinete à sua maneira. Com isso, o esperado é que os regimes que apresentem maior grau de descentralização no processo de montagem dos gabinetes possuam maiores índices de coalescência, visto que a composição ministerial, nesses países, não depende somente das vontades dos presidentes.

Além disso, outro aspecto que careceu de tratamento foi a própria capacidade dos parlamentares em influenciar o processo legislativo. Estudos recentes apontaram que os presidentes se mostram mais dispostos a incluir partidos na coalizão quanto maior o poder do Legislativo em alterar as policies ( Alemán e Tsebelis, 2011ALEMÁN, Eduardo; TSEBELIS, George. (2011), “Political Parties and Government Coalitions in the Americas”. Journal of Politics in Latin America, vol. 3, nº 1, pp. 3-28. ), ao mesmo tempo que os partidos políticos possuem menores incentivos para participar do gabinete quanto maior a sua capacidade de influenciar o processo de produção de leis sem a necessidade de estarem incluídos no governo (Araújo, Freitas e Vieira, 2018).

A partir disso, tem-se que a construção do gabinete não ocorre somente em função das vontades do presidente, mas também conforme as preferências dos demais partidos. Isso é, não adianta o interesse do presidente em incluir determinado partido na coalizão se o próprio não se mostra disposto a ser parte do governo. Assim, já que os partidos tendem a não se integrar com o governo quanto maiores as suas oportunidades de influenciar a agenda legislativa, ao passo que o Executivo se mostra mais interessado justamente quanto mais forte o Legislativo, é de se esperar, então, que os presidentes construam gabinetes mais coalescentes com o propósito de convencê-los a participar da coalizão.

Por fim, seguindo o nosso principal argumento, o principal equívoco cometido por Amorim Neto foi a completa desconsideração da importância das câmaras altas para o processo de formação dos governos. Entretanto, deve-se mencionar que esse não é um erro cometido única e exclusivamente pelo autor. A negligência do aspecto bicameral é, na verdade, uma tendência na literatura. Como exemplo, nos próprios estudos destinados à distribuição dos ministérios entre os membros dos gabinetes no parlamentarismo, somente Kubo (2016)KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145. se preocupou em incluir as câmaras altas na análise da proporcionalidade.

O interessante é que, em sua grande maioria, as casas excluídas das análises são justamente as câmaras altas. É claro que a ênfase de um estudo em somente uma das casas não é errada por si só, porém, faz-se necessária a devida explicação metodológica do porquê não empreender uma análise conjunta das duas câmaras. O ponto é que quase nunca se tem essa justificativa, e esse é um típico problema da literatura acerca da proporcionalidade e da coalescência dos respectivos gabinetes parlamentaristas e presidenciais.

Hipóteses

Nossas hipóteses iniciais, portanto, se baseiam justamente no argumento de que as câmaras baixas não são as únicas relevantes para o cálculo da formação dos governos no presidencialismo5 5 . Como a diferença entre os graus de simetria entre as casas legislativas de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai não é substantiva ( Heller e Branduse, 2014 ; Neiva, 2006 ), assim como Kubo (2016) , partimos da premissa que o desenho de pesquisa controla para os possíveis efeitos da força dos sistemas bicamerais. . Em outras palavras, espera-se que a distribuição partidária das câmaras altas também seja considerada para o cálculo da coalescência. Assim, as hipóteses a seguir são construídas de modo a explicar o padrão encontrado das coalescências dos gabinetes presidenciais quando o cálculo é realizado para ambas as casas.

As primeiras hipóteses tratam do impacto do tamanho do partido presidencial em ambas as casas sobre a proporcionalidade. Embora tenha sido calculada anteriormente tendo somente as primeiras casas como base, Amorim Neto (2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440.: 431) encontrou que o tamanho do partido do presidente nas câmaras baixas é diretamente proporcional e estatisticamente significante em relação à coalescência dos gabinetes. Como não há motivos para que haja uma mudança de padrão quando realizado o cálculo com base na distribuição partidária das câmaras altas, espera-se que:

H1a: Quanto maior a porcentagem de cadeiras controladas pelo partido presidencial nas câmaras altas, maior será a coalescência dos gabinetes presidenciais.

De modo a testar os achados de Amorim Neto, também se pressupõe, paralelamente, que:

H1b: Quanto maior a porcentagem de cadeiras controladas pelo partido presidencial nas câmaras baixas, maior será a coalescência dos gabinetes presidenciais.

Todas as demais hipóteses são elaboradas de forma que impactem tanto a coalescência baseada nas câmaras baixas quanto a coalescência centrada no jogo partidário das câmaras altas. Nesse sentido, a próxima hipótese diz respeito aos poderes dos presidentes, uma vez que os poderes presidenciais variam de caso a caso e têm relação com a construção dos governos. O ponto é que, quanto mais fortes são os presidentes, menores seriam os seus incentivos para a formação de um gabinete proporcional, dado que ele ou ela seria capaz de mudar o status quo sem necessitar de um forte diálogo com o Legislativo. Portanto:

H2: Quanto mais fortes os poderes presidenciais, menor a coalescência dos gabinetes presidenciais .

Embora não tenha sido verificada por Amorim Neto, a força da legislatura também deve ser considerada como um importante fator de explicação para o estudo da coalescência, já que, teoricamente, é possível supor que os presidentes se mostrem mais dispostos a dialogar com Legislativos fortes do que com os fracos. Apesar de ainda não ter sido estudada com relação à coalescência, o dinamismo do Legislativo já foi apreciado em outros estudos no tocante às coalizões ( Alemán e Tsebelis, 2011ALEMÁN, Eduardo; TSEBELIS, George. (2011), “Political Parties and Government Coalitions in the Americas”. Journal of Politics in Latin America, vol. 3, nº 1, pp. 3-28. ; Araújo, Freitas e Vieira, 2018). Como o interesse desse projeto se encontra no estudo da coalescência, o foco das hipóteses deve refletir os possíveis interesses do Executivo ao montar os seus gabinetes. Desse modo, espera-se que:

H3: Quanto maior a relevância do Poder Legislativo para a própria dinâmica de produção legislativa, maior será a coalescência dos gabinetes presidenciais .

A penúltima hipótese diz respeito ao grau de dominância do presidente sobre a montagem do gabinete. Como visto, os presidentes não possuem a mesma liberdade e a mesma prerrogativa na construção dos seus respectivos governos ( Araújo, Silva e Vieira, 2016ARAÚJO, Victor; SILVA, Thiago; VIEIRA, Marcelo. (2016), “Measuring Presidential Dominance over Cabinets in Presidential Systems: Constitutional Design and Power Sharing”. Brazilian Political Science Review, vol. 10, nº 2, pp. 1-23. ). A ideia é que, quanto menor a hierarquização dos gabinetes pelo chefe do Executivo, maior negociação deve ser feita com os outros atores políticos, já que a composição ministerial não dependeria somente do bel-prazer presidencial. Com isso, esperamos que:

H4: Quanto menor a dominância do presidente sobre a construção do governo, maior será a coalescência dos gabinetes presidenciais .

Por fim, a última hipótese remete ao ciclo eleitoral. O próprio Amorim Neto (2006)AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. indicou que a coalescência dos gabinetes diminui à medida que as próximas eleições presidenciais se avizinham. Assim:

H5: A coalescência dos gabinetes presidenciais será maior quanto maior a distância entre a sua criação e as próximas eleições presidenciais .

Metodologia

O teste das hipóteses será feito com base nos gabinetes presidenciais formados na América do Sul. A escolha dessa subdivisão do continente americano se justifica por ser uma região abundante de países que adotam ou já adotaram o presidencialismo de coalizão como arranjo de governo ( Chaisty, Cheeseman e Power, 2014CHAISTY, Paul; CHEESEMAN, Nic; POWER, Timothy J. (2014), “Rethinking the ‘Presidentialism Debate’: Conceptualizing Coalitional Politics in Cross-Regional Perspective”. Democratization, vol. 21, nº 1, pp. 72-94. ; Chasquetti, 2001CHASQUETTI, Daniel. (2001), “Democracia, Multipartidismo y Coaliciones en América Latina: Evaluando la Difícil Combinación”. in J. Lanzaro (Ed.), Tipos de Presidencialismo y Coaliciones Politicas en America Latina. Buenos Aires, CLACSO, pp. 319-359. ).

Nossa amostra é composta por 91 gabinetes presidenciais localizados em 5 países sul-americanos6 6 . Apesar de terem um legislativo bicameral, Bolívia e Paraguai foram excluídos da nossa amostra devido à falta de dados quanto aos ministérios recebidos pelos membros dos gabinetes presidenciais. : Argentina (1983-2019); Brasil (1985-2018); Chile (1990-2018); Colômbia (1978-2018); e Uruguai (1985-2020). Seguimos a literatura dominante no tocante à identificação de quando novos gabinetes presidenciais se formam. Assim, consideramos que um novo gabinete presidencial se formou sempre que (i) um presidente recém-eleito tomou posse do cargo, mesmo em caso de reeleição, e sempre que (ii) ocorreu alguma alteração no número de partidos que compunham o antigo gabinete, seja pela inclusão, seja pela exclusão de um membro.

Para testar as hipóteses estabelecidas na última seção, rodamos uma série de regressões lineares múltiplas estimadas com efeitos fixos7 7 . As regressões também foram estimadas através do método dos mínimos quadrados ( Ordinary Least Squares ) e da estimação de equações generalizadas ( Generalized Estimating Equations ). Os resultados estão disponíveis no apêndice do trabalho. , cujas variáveis dependentes (VDs) são as coalescências dos gabinetes presidenciais calculadas para ambas as câmaras.

É interessante notar que existe mais de uma maneira de calcular a coalescência. Amorim Neto (1998AMORIM NETO, Octavio. (1998), “Cabinet Formation in Presidential Regimes: An Analysis of 10 Latin American Countries”. Paper presentado en la Conferencia anual de la Latin American Studies Association (LASA). Chicago. , 2000AMORIM NETO, Octavio. (2000), “Gabinetes Presidenciais, Ciclos Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil”. DADOS, vol. 43, nº 3, pp. 479-519. , 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ), Bertholini e Pereira (2017)BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. (2017), “Pagando o Preço de Governar: Custos de Gerência de Coalizão no Presidencialismo Brasileiro”. Revista de Administração Pública, vol. 51, nº 4, pp. 528-550. e Mauerberg e Pereira (2020)MAUERBERG, Arnaldo; PEREIRA, Carlos. (2020), “How Valuable Is a Presidential Cabinet? Measuring Ministries’ Political Attractiveness in Brazil”. Latin American Politics and Society, vol. 62, nº 1, pp. 25-45. , por exemplo, empregam uma fórmula derivada do índice de proporcionalidade desenvolvido por Rose (1984)ROSE, Richard. (1984), “Electoral Systems: A Question of Degree or of Principle?” in A. Lijphart e B. Grofman (eds.), Choosing an Electoral System: Issues and Alternatives. New York. Praeger, pp. 73-81. . Por outro lado, Carroll, Cox e Pachón (2006)CARROLL, Royce; COX, Gary; PACHÓN, Mónica. (2006). “How Parties Create Electoral Democracy, Chapter 2.” Legislative Studies Quarterly. vol. 31, nº 2, pp. 153-174. adotam uma variação do índice de Gallagher (1991)GALLAGHER, Michel. (1991), “Proportionality, Disproportionality and Electoral Systems”. Electoral Studies, vol. 10, nº 1, pp. 33-51. . Embora a literatura sobre alocação ministerial não entre em muitos detalhes, a diferença entre os índices consiste em como a (des)proporcionalidade deve ser mensurada ( Cox e Shugart, 1991COX, Gary; SHUGART, Matthew S. (1991), “Comment on Gallagher’s Proportionality, Disproportionality, and Electoral Systems.” Electoral Studies, vol. 10, pp. 348-352. ; Gallagher, 1991GALLAGHER, Michel. (1991), “Proportionality, Disproportionality and Electoral Systems”. Electoral Studies, vol. 10, nº 1, pp. 33-51. ). Enquanto a variação do índice de Rose ignora por completo o número de partidos envolvidos no processo, a variação do índice de Gallagher leva em conta quantos partidos participam da distribuição dos portfolios ministeriais. Consequentemente, a desproporcionalidade medida pela fórmula advinda do índice de Gallagher é mais sensível a gabinetes maiores do que aquela proveniente do índice de Rose. Tendo em vista que a literatura trabalha com ambas as fórmulas, neste trabalho, assim como faz Amorim Neto (2019)AMORIM NETO, Octavio. (2019), “Cabinets and Coalitional Presidentialism”. in B. Ames (Ed.), Routledge Handbook of Brazilian Politics. New York, Routledge, pp. 293-312. , decidimos por reportar os resultados com base nos dois índices para ambas as casas federais.

Posto isso, a variação do índice de Rose a ser utilizada é prescrita da seguinte forma8 8 . Uma crítica usualmente feita ao cálculo da coalescência é que, na maioria das vezes, a saliência qualitativa dos ministérios é negligenciada. E, de fato, essa é uma questão nada trivial na proporcionalidade das coalizões. Os ministérios têm não somente importâncias qualitativas diferentes, como cada partido também pode avaliá-los diferentemente. É de se notar que, pelo menos em escala local, essas pesquisas já se iniciaram. Mauerberg e Pereira (2020) , por exemplo, refinaram o cálculo da coalescência levando em conta os diferentes graus de atratividade de cada ministério no Brasil. Contudo, inexistem pesquisas em escopo comparativo que apontem as diferenças qualitativas das pastas ministeriais para os regimes latino-americanos como um todo, o que nos impede de diferenciar os portfolios ministeriais com base nas suas respectivas saliências. :

C f = 1 1 2 i = 1 n ( | S i M i | )

Na qual:

Cf é a coalescência do gabinete f ;

Si é a percentagem de cadeiras asseguradas pelo partido i da coalizão na câmara em análise, tendo em vista o total assegurado por todos os partidos que compõem a coalizão nesta casa em específico;

Mi é a percentagem de pastas ministeriais ocupadas pelo partido i .

Por outro lado, a fórmula derivada de Gallagher (1991)GALLAGHER, Michel. (1991), “Proportionality, Disproportionality and Electoral Systems”. Electoral Studies, vol. 10, nº 1, pp. 33-51. para o cálculo da proporcionalidade é esta:

C f = 1 S i M i 2 2

Na qual:

Cf continua sendo a coalescência do gabinete f ;

Si continua sendo a percentagem de cadeiras asseguradas pelo partido i da coalizão na câmara em análise, tendo em vista o total assegurado por todos os partidos que compõem a coalizão nesta casa em específico;

Mi continua sendo a percentagem de pastas ministeriais ocupadas pelo partido i .

Desse modo, ao invés de termos uma única, contamos com quatro variáveis dependentes, que são: a coalescência calculada através do índice de Rose para as câmaras baixas (CRCB) e para as câmaras altas (CRCA), e a coalescência de Gallagher para as câmaras baixas (CGCB) e para as câmaras altas (CGCA). A partir delas, é possível verificar se a relevância das variáveis independentes se mantém ou não, tanto em relação às diferentes casas quanto em relação às diferentes formas de mensuração da proporcionalidade dos gabinetes presidenciais.

A Tabela 1 resume a mensuração, a descrição e a fonte de extração dos dados de cada variável presente na pesquisa.

Tabela 1
Resumo das Variáveis

Resultados

A princípio, a Tabela 2 reporta a média da coalescência dos gabinetes presidenciais de cada um dos cinco países do nosso banco de dados através da aplicação de ambas as fórmulas de proporcionalidade (Rose e Gallagher) para as duas casas legislativas.

Tabela 2
Média das Coalescências

De imediato, percebe-se que existe uma clara tendência: independente do país analisado e da fórmula de proporcionalidade utilizada, a coalescência dos gabinetes presidenciais sempre foi menor quando calculada com base na distribuição partidária das câmaras altas ao nível agregado. Em outras palavras, a proporcionalidade entre pastas ministeriais e assentos legislativos apresentou menores valores quando calculada para as câmaras altas do que quando mensurada para as câmaras baixas.

Em sequência, os resultados das regressões são exibidos na Tabela 3 . De início, os dois primeiros modelos mostram os resultados quando a coalescência é calculada a partir do índice de Rose. Paralelamente, os dois últimos tiveram como variáveis dependentes calculadas com base no índice de Gallagher. No mais, os Modelos 1 e 3 enfatizam esse processo nas câmaras altas (CRCA e CGCA, respectivamente), enquanto os 2 e 4 se destinam à proporcionalidade tendo como base as câmaras baixas (CRCB e CGCB).

Tabela 3
Determinantes da Coalescência dos Gabinetes Presidenciais

Primeiramente, tem-se que o tamanho do partido presidencial na câmara alta (TPPCA) veio com o sinal esperado e estatisticamente significativo ao nível de 0.01 nos Modelos 1 e 3, estimados para a coalescência com base nos índices de Rose e de Gallagher, nessa ordem. Em resumo, esses resultados nos indicam que os presidentes levam em conta sim o jogo partidário na câmara alta para a distribuição proporcional de pastas ministeriais aos membros do gabinete. Assim sendo, a Hipótese 1a se confirma, a priori , sendo possível afirmar que a coalescência dos gabinetes presidenciais, quando baseada nas câmaras altas, é maior à medida que a porcentagem de cadeiras asseguradas pelo partido do presidente também aumenta.

Em seguida, os resultados para a Hipótese 1b são igualmente robustos. Os coeficientes das regressões para o tamanho do partido do presidente na câmara baixa (TPPCB) foram positivos e igualmente significativos ao nível de 0.01 para ambos os Modelos 2 e 4. Embora não seja completamente novo, a robustez desse resultado reforça os achados iniciais de Amorim Neto (2006).

Por outro lado, a variável relacionada à força presidencial só retornou significativa em um único modelo, e, ainda assim, com sinal trocado. Teoricamente, a nossa expectativa era que, quanto maior fosse o poder presidencial, menor seria a busca dos presidentes por uma alocação proporcional dos ministérios aos parceiros de gabinete. A ideia por trás desse argumento é direta: como os presidentes são fortes, eles não precisariam estabelecer constante contato com o Legislativo, o que permitiria a alocação desproporcional de ministérios aos membros do seu próprio partido ou até mesmo a designação de aliados próximos não partidários aos cargos. Porém, não é isso o que o quarto modelo mostra. Na verdade, aponta-se para a direção oposta: presidentes poderosos constroem gabinetes mais proporcionais. Todavia, não custa realçar que a significância da variável não foi alcançada em três das quatros regressões executadas, não sendo estatisticamente significativa nem ao menos para a outra dependente mensurada por meio do índice de Gallagher. Como consequência disso, as conclusões referentes aos poderes presidenciais devem ser feitas cautelosamente9 9 . A Força do Presidente apresentou efeito positivo e significativo estatisticamente em todas as regressões estimadas via OLS e GEE . Apesar disso, prudência ainda é a norma ao analisar esse achado, já que a mesma variável falhou em alcançar os níveis padrões de significância estatística para a grande parte dos modelos de efeitos fixos. . No apêndice do trabalho, podem ser encontradas regressões com medidas alternativas dos poderes presidenciais.

Em sequência, de forma a sustentar as Hipóteses 3 e 4, verifica-se que a força do Legislativo e a dominância do presidente sobre o seu próprio gabinete também influenciam o modo como as pastas ministeriais são distribuídas. Independente se a proporcionalidade é verificada para as câmaras baixas ou para as câmaras altas, vemos que a coalescência é maior quanto maior a relevância do próprio poder Legislativo para a dinâmica de produção de leis em todos os modelos ao nível de 0.01. Do mesmo modo, a proporcionalidade do gabinete se mostra maior à medida que a hierarquização dos gabinetes pelos próprios presidentes diminui, sendo igualmente significante a 0.01 em três dos quatro modelos apresentados. No mais, a despeito de qual casa foi utilizada como base para o cálculo da proporcionalidade, a proximidade de novas eleições presidenciais não apresentou nenhum efeito sobre a coalescência dos governos presidenciais.

Em relação aos países, os resultados mostram que os resultados para o Chile não foram significativos ao nível estatístico em nenhum modelo. Além disso, em todas as regressões, os coeficientes para Colômbia e Uruguai foram descartados automaticamente das equações. Apesar da ausência de unanimidade, alguns modelos indicaram a significância estatística dos coeficientes referentes à Argentina e ao Brasil.

Entretanto, a combinação da estatística descritiva das coalescências com os resultados da regressão enseja mais dúvidas do que certezas. Apesar da significância estatística para o tamanho do partido presidencial em ambas as câmaras em diversos modelos, por que os níveis de proporcionalidade sempre foram menores para as segundas casas do que para as primeiras? Será que o chefe do Executivo possui uma clara preferência em distribuir ministérios a partir do jogo político definido na câmara baixa em detrimento daquele que ocorre na câmara alta?

A fim de responder esses questionamentos, rodamos novos modelos de regressão, novamente estimados a partir dos efeitos fixos. Agora, as VDs são as diferenças encontradas entre as coalescências calculadas para a câmara alta e as coalescências medidas para a câmara baixa para cada gabinete presidencial da nossa base de dados. Elas podem ser sumarizadas pelas seguintes fórmulas: VD 1 = CCAR - CCBR e VD 2 = CCAG - CCBG . Onde CCAR e CCBR representam, nesta ordem, a proporcionalidade calculada através do índice de Rose para as câmaras altas e baixas. Paralelamente, CCAG e CCBG indicam a coalescência para as respectivas câmaras com base no índice de Gallagher10 10 . Como mais uma forma de esclarecimento, tomemos o caso do gabinete Temer como exemplo. No seu primeiro gabinete, formado em 2016, o grau de proporcionalidade entre portfólios ministeriais e assentos no Legislativo foi de 0.680 e 0.652 quando calculada pelo índice de Rose para as câmaras baixas e alta, respectivamente, enquanto alcançou os níveis de 0,872 e 0.860 quando mensurada através do índice de Gallagher para as mesmas respectivas casas. Portanto, as nossas dependentes são preenchidas como -0.028 e -0.012 para o gabinete Temer. .

Por outro lado, utilizamos todas as variáveis independentes que foram empregadas nos modelos anteriores, em conjunto com uma nova que mediu o impacto das diferenças do gabinete anterior no subsequente ( lagged ). Os resultados das regressões são apresentados na Tabela 4 .

Tabela 4
Determinantes das Diferenças entre as Coalescências

Os resultados são bastante interessantes. Primeiramente, é de se notar que o tamanho do partido presidencial na câmara alta (TPPCA) é relevante estatisticamente e diretamente proporcional às nossas dependentes em ambos os modelos. Em palavras, tem-se que a diferença do cálculo entre a coalescência aumenta em direção à coalescência senatorial à medida que a base legislativa própria do presidente aumenta nesta casa. Desse modo, o nosso argumento de que os presidentes se importam com o jogo partidário existente nas segundas casas é substancialmente reforçado empiricamente.

Além disso, apesar de quase não ultrapassar a barreira de 0.10, o tamanho do partido do presidente na câmara baixa (TPPCB) retornou com significância estatística no segundo modelo. Ou seja, quanto maior a base legislativa própria do presidente na câmara baixa, menor a diferença entre os graus de proporcionalidade. Porém, deve-se alertar que a escolha do índice para o cálculo da proporcionalidade dos gabinetes tem impacto direto nos resultados obtidos. Além do próprio exemplo de TPPCB, o segundo modelo também indica que, para o mesmo índice de Gallagher, a proporcionalidade é desfavorecida na câmara alta devido à desproporção já existente nos gabinetes anteriores ( lagged ), e favorecida à medida que se aproximam as próximas eleições presidenciais. Todavia, nenhuma dessas variáveis se mostrou significante para o modelo cuja dependente foi calculada de acordo com a fórmula de Rose.

Como resumo dos principais achados desta seção, primeiramente, as estatísticas descritivas esclarecem que, no agregado, a coalescência costuma ser maior quando calculada para as câmaras baixas do que quando calculada em cima das câmaras altas. Em seguida, os modelos estatísticos apontam que, apesar de algumas diferenças, a maioria das mesmas variáveis que explica a proporcionalidade centrada nas câmaras baixas também explica aquela focada nas câmaras altas. Em geral, quanto maior o partido presidencial em ambas as casas, maior a coalescência do gabinete presidencial, seja a proporcionalidade calculada pelo índice de Rose, seja pelo índice de Gallagher.

Quanto às demais variáveis, vê-se que a força do Legislativo impacta positivamente a distribuição proporcional dos ministérios, ao passo que a maior hierarquização do Executivo assinala uma menor proporcionalidade. Apesar de não ser consistente entre todos os modelos, do mesmo modo que Amorim Neto (2006), verificou-se que a força do Presidente também se relacionava positivamente com a coalescência dos gabinetes presidenciais.

Em complemento aos achados anteriores, identificamos que a diferença entre as proporcionalidades favorece a coalescência com base nas câmaras altas quanto maior o contingente legislativo presidencial nessa casa legislativa.

Conclusão

O principal propósito deste trabalho foi trazer à tona o jogo partidário que ocorre nas câmaras altas para a coalescência dos gabinetes presidenciais. Derivada da “Lei” de Gamson (1961)GAMSON, William A. (1961), “A Theory of Coalition Formation”. American Sociological Review, vol. 26, nº 3, pp. 373-382. , a coalescência, originalmente, indica a proporcionalidade entre o peso parlamentar de cada partido presente no gabinete na câmara baixa e a distribuição de pastas ministeriais a cada partido ( Amorim Neto, 2006AMORIM NETO, Octavio. (2006), “The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas”. Comparative Political Studies, vol. 39, nº 4, pp. 415-440. ). No entanto, a literatura vem negligenciando diversos aspectos que podem influenciar no processo de alocação ministerial. Dentre esses, enfatizamos especialmente a exclusão das câmaras altas.

Com o intuito de realçar a importância do aspecto bicameral, argumenta-se que um Legislativo dividido em duas câmaras implica a existência de dois loci de discussão. Como resultado disso, a desconsideração de uma das casas pode levar à frustração da formulação das políticas de interesse dos governos ( Tsebelis e Money, 1997TSEBELIS, George; MONEY, Jeannette. (1997), Bicameralism. Cambridge, Cambridge University Press. ). Nesse sentido, é ilógico pensar que os presidentes, como atores racionais, desconsiderem o funcionamento das câmaras altas, as quais têm sido as casas predominantemente suprimidas das análises. Mais ainda, existe uma literatura emergente que ressalta o valor das câmaras altas para as relações entre o Legislativo e o Executivo no que tange à composição das coalizões ( Albala, 2017bALBALA, Adrián. (2017b), “Bicameralism and Coalition Cabinets in Presidential Polities: A Configurational Analysis of the Coalition Formation and Duration Processes”. The British Journal of Politics and International Relations, vol. 19, nº 4, pp. 735-754. ; Diermeier, Eraslan e Merlo, 2007DIERMEIER, Daniel; ERASLAN, Hülya; MERLO, Antonio. (2007), “Bicameralism and Government Formation”. Quarterly Journal of Political Science, vol. 2, nº 3, pp. 227-252. ; Druckman, Martin e Thies, 2005DRUCKMAN, James N; MARTIN, Lanny W.; THIES, Michael F. (2005), “Influence without Confidence: Upper Chambers and Government Formation”. Legislative Studies Quarterly, vol. 30, nº 4, pp. 529-548. ; Eppner e Ganghof, 2017EPPNER, Sebastian; GANGHOF, Steffen. (2017), “Institutional Veto Players and Cabinet Formation: The Veto Control Hypothesis Reconsidered”. European Journal of Political Research, vol. 56, nº 1, pp 169-186. ). Porém, até o momento, muito pouco se tem sobre como os sistemas bicamerais afetam a repartição de pastas entre os partidos da coalizão ( Kubo, 2016KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145. ).

E, de fato, os resultados do trabalho apontam para a sua relevância quando olhamos para cinco países latino-americanos: quanto maior o tamanho do partido do presidente nas câmaras altas, maior a proporcionalidade da coalescência do gabinete presidencial. Mais que isso, apesar de o nível de proporcionalidade ser maior para as primeiras casas do que para as segundas ao nível agregado dos países, uma maior base partidária própria do presidente nas câmaras altas faz com que essa diferença se inverta em nível individual de gabinete. Em conjunto, esses achados assinalam que o chefe do Executivo verdadeiramente se importa com o que ocorre nas segundas casas, tornando a desconsideração teórica do aspecto bicameral ainda mais crítica.

Contudo, o realce da importância do bicameralismo não é o nosso único aporte teórico para a discussão da coalescência. Um vício usual da literatura é tratar o presidente como um completo soberano na hora de montar o seu gabinete. Todavia, essa completa dominância do Executivo sobre o seu gabinete não é verdadeira para todos os países latino-americanos ( Araújo, Silva e Vieira, 2016ARAÚJO, Victor; SILVA, Thiago; VIEIRA, Marcelo. (2016), “Measuring Presidential Dominance over Cabinets in Presidential Systems: Constitutional Design and Power Sharing”. Brazilian Political Science Review, vol. 10, nº 2, pp. 1-23. ). A partir disso, também mostramos que a coalescência é indiretamente proporcional ao grau de dominância que os presidentes têm sobre seus respectivos gabinetes: quanto menor a hierarquização do gabinete, mais proporcional a distribuição de ministérios.

Nossa outra contribuição teórica é a valorização do Legislativo para a construção do gabinete. A literatura ainda não tinha avaliado precisamente se os presidentes buscam construir governos mais coalescentes à medida que a importância institucional do Legislativo aumenta, mesmo que estudos anteriores já tivessem apontado para a importância do Legislativo para a entrada ou não de outros partidos políticos na coalizão governamental ( Alemán e Tsebelis, 2011ALEMÁN, Eduardo; TSEBELIS, George. (2011), “Political Parties and Government Coalitions in the Americas”. Journal of Politics in Latin America, vol. 3, nº 1, pp. 3-28. ; Araújo, Freitas e Vieira, 2018). Com efeito, dado que a proporcionalidade aumenta conforme o Legislativo se mostra mais forte, visualizamos que o Legislativo tem sua parte na sua relação com o Executivo.

Porém, mesmo com as nossas contribuições, é surpreendente que também tenhamos várias dúvidas. A primeira delas é: qual é a melhor forma de calcular a proporcionalidade dos gabinetes presidenciais? É preferível aplicar o índice de Rose ou o de Gallagher? Embora pareça demasiadamente simples, esta não é uma pergunta nada trivial. Isso porque alguns resultados se alteram quando comparamos modelos calculados pelo índice de Rose com outros elaborados em cima do índice de Gallagher. Essa discussão se encontra mais avançada na literatura sobre sistemas eleitorais, porém pouco é dito quando o assunto é formação de governo. De toda forma, mesmo que seja uma pergunta extremamente pertinente, a sua resposta foge ao escopo deste trabalho.

Outro importante questionamento que se segue é sobre o mecanismo causal da distribuição proporcional dos ministérios aos membros do gabinete. Ora, por que os presidentes não decidem simplesmente por privilegiar o seu próprio partido? Apesar de termos alguns estudos sobre o mecanismo causal da proporcionalidade nos estudos parlamentaristas (Browne e Rice, 1979; Falcó-Gimenó e Indridason, 2013FALCÓ-GIMENO, Albert; INDRIDASON, Indridi. H. (2013), “Uncertainty, Complexity, and Gamson’s Law: Comparing Coalition Formation in Western Europe”. West European Politics, vol. 36, nº 1, pp. 221-247. ), pouco foi feito até o momento nos estudos presidencialistas ( Silva, 2019SILVA, Thiago. (2019), Coalitional Dynamics in Presidential Systems. Tese (Doutorado em Ciência Política), Texas A&M University, Texas. ). Além disso, ainda restam lacunas que precisam de maior aprofundamento: será que a familiaridade entre os atores políticos influencia na alocação dos ministérios? Será que a saliência de cada ministério fortalece ou perturba a relação de proporção?

Enfim, mesmo que já exista certa literatura a respeito, é certo que ainda há muito a se pesquisar sobre o processo de distribuição de ministérios em sistemas presidenciais. No final das contas, a ciência progride exatamente pela emergência e pela renovação de perguntas e desenhos de pesquisa.

Apêndice

As regressões exibidas no corpo principal do artigo foram estimadas através dos efeitos fixos. Essa especificação controla a correlação existente entre os gabinetes de cada país. Entretanto, nossos modelos possuem algumas variáveis independentes que não possuem muita variabilidade dentro de cada país, como é o caso da Dominância do Poder Executivo. Em vista disso, para sanar eventuais dúvidas, também rodamos regressões com outras especificações.

Primeiramente, a Tabela 5 mostra os resultados quando estimamos os modelos pelo método dos mínimos múltiplos quadrados ( Ordinary Least Squares - OLS ). As variáveis usadas foram exatamente as mesmas empregadas pelos modelos apresentados no corpo principal do artigo. Desse modo, os Modelos 1 e 3 enfatizam a repartição ministerial com base nas câmaras altas (CRCA e CGCA), e os Modelos 2 e 4 enfocam a proporção entre cadeiras e ministérios com base nas câmaras baixas (CRCB e CGCB).

Tabela 5
Determinantes da Coalescência dos Gabinetes Presidenciais (OLS)

No geral, os resultados são bastante consistentes com aqueles encontrados pelos modelos de efeitos fixos. Como mencionamos anteriormente, a única diferença significativa é que os efeitos da Força do Presidente se mostraram positivos e estatisticamente significativos em todos os modelos estimados via OLS . No mais, as diferenças se resumem ao tamanho dos efeitos proporcionados por cada variável independente, não havendo diferenças de significância estatística ou nos sinais dos estimadores.

Porém, os mínimos múltiplos quadrados não controlam a correlação entre as unidades de análise, não sendo, portanto, adequadas para dados em painel.

Ainda assim, podemos recorrer ao procedimento de estimação de equações generalizadas ( Generalized Estimating EquationsGEE) e focar nos efeitos populacionais das covariáveis sobre a variável dependente ao mesmo tempo que lidamos com observações inter-relacionadas ao nível dos países. Com base nisso, a Tabela 6 exibe os resultados quando nos baseamos em uma abordagem GEE . Para realizar a estimação, utilizamos uma estrutura de correlação intercambiável ( exchangeable ) para permitir que todas as unidades dentro de cada cluster sejam igualmente correlacionadas.

Tabela 6
Determinantes da Coalescência dos Gabinetes Presidenciais (GEE)

Novamente, com exceção dos resultados para a Força do Presidente, não existem muitas diferenças em relação aos nossos achados com base nos modelos de efeitos fixos. De fato, a grande parte das discrepâncias diz respeito ao tamanho dos coeficientes. Como exemplo disso, o efeito da dominância do Poder Executivo se mostrou mais substantivo na modelagem de efeitos fixos. De todo modo, apesar de possuir as suas vantagens, como produzir resultados robustos apesar da má-especificação da estrutura de correlação, as estimativas provenientes da GEE não são exatamente consistentes quando o número de clusters é baixo. Tendo em vista que possuímos apenas 5 clusters , preferimos continuar com os modelos de efeitos fixos.

Ademais, vale ressaltar que não recorremos a uma especificação de efeitos mistos. Novamente, a explicação é encontrada no nosso número de clusters . Como existem mais variáveis independentes do que países, não conseguimos operacionalizar modelos de efeitos mistos. Todavia, nossos resultados inspiram confiança, visto que eles são consistentes em três diferentes estimações (efeitos mistos, OLS, GEE ).

Por fim, o nosso último teste de robustez consiste em apresentar uma diferente mensuração da força dos presidentes. Dessa vez, ao invés de recorrer ao índice agregado desenvolvido por Doyle e Elgie (2016)DOYLE, David; ELGIE, Robert. (2016), “Maximizing the Reliability of Cross-National Measures of Presidential Power”. British Journal of Political Science, vol. 46, nº 4, pp. 731-741. , dividimos os poderes presidenciais de acordo com dois poderes especiais: o poder de decreto e o poder de veto. O primeiro foi mensurado a partir de uma variável dummy para indicar se o presidente consegue emitir decretos com eficácia imediata de lei. Já o segundo foi medido de acordo com a maioria necessária para superar o veto imposto pelo presidente. Desse modo, Brasil e Uruguai receberam 0.5; Argentina e Chile, 0.67, e Colômbia 0.585. Ambas as variáveis são provenientes de Carey, Amorim Neto e Shugart (1997). Seguindo os modelos apresentados no corpo do artigo, as regressões a seguir foram estimadas novamente com base nos efeitos fixos.

A princípio, a mudança da mensuração dos poderes dos presidentes não gerou maiores alterações em relação a nossa principal hipótese. O contingente legislativo presidencial nas câmaras altas continua positivo e estatisticamente significante. Do mesmo modo, o contingente legislativo presidencial nas câmaras baixas e a hierarquização do Poder Executivo se comportaram da forma esperada. Em consonância com os modelos previamente apresentados, a proximidade das eleições não alcançou significância estatística. Por outro lado, Força do Legislativo não se mostrou estatisticamente significativa em nenhum dos novos modelos. Sem dúvida, essa é uma das grandes mudanças em relação às regressões anteriores.

No que diz respeito aos poderes presidenciais, o poder de decreto não se mostrou como uma variável significativa ao nível estatístico em nenhum dos modelos, enquanto o poder de veto gerou efeito positivo e estatisticamente significativo em todos. Interessantemente, os dois resultados estão em contraste com a literatura. Primeiramente, Amorim Neto (2006) encontrou que os poderes de decreto e de veto são estatisticamente significativos e geram, respectivamente, efeitos positivos e negativos sobre a coalescência. Por outro lado, Silva (2019)SILVA, Thiago. (2019), Coalitional Dynamics in Presidential Systems. Tese (Doutorado em Ciência Política), Texas A&M University, Texas. destaca que os presidentes, quando dotados com poder de decreto, tendem a beneficiar os próprios partidos no momento de repartição dos ministérios. Os resultados referentes ao poder de veto são particularmente contraintuitivos porque, quanto maior o contingente legislativo necessário para derrubar os vetos presidenciais, teoricamente deveria ser menor a predisposição do Executivo em estabelecer gabinetes coalescentes. De toda forma, a análise dos nossos achados sobre os poderes de veto deve ser feita de maneira cautelosa, já que a nossa mensuração se limitou a medir o tamanho da maioria necessária para derrubar o veto presidencial, não se preocupando em diferenciar os vetos entre parciais e totais.

Tabela 7
Determinantes da Coalescência dos Gabinetes Presidenciais (Diferentes Estimadores para a Força do Presidente)

A preferência pelo índice desenvolvido por Doyle e Elgie (2016)DOYLE, David; ELGIE, Robert. (2016), “Maximizing the Reliability of Cross-National Measures of Presidential Power”. British Journal of Political Science, vol. 46, nº 4, pp. 731-741. se justifica por ser uma medida agregada dos poderes presidenciais. Na realidade, os poderes presidenciais não se limitam apenas aos poderes de decreto e de veto, mas abrangem uma gama de outras disponibilidades. Dessa forma, defendemos que não é possível dissociar os poderes de veto dos poderes de decreto, assim como também não se consegue dissociá-los de outras prerrogativas presidenciais. Em razão disso, decidimos por apresentar uma mensuração que consideramos mais fidedigna da realidade de início, enquanto reservamos o apêndice para medidas alternativas.

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  • SENED, Itai. (1996), “A Model of Coalition Formation: Theory and Evidence”. The Journal of Politics, vol. 58, nº 2, pp. 350-372.
  • SHEPSLE, Kenneth A. (2010), Analyzing Politics: Rationality, Behavior and Institutions. New York, W. W. Norton.
  • SHUGART, Matthew S.; CAREY, John M. (1992), Presidents and Assemblies. New York, Cambridge University Press.
  • SILVA, Thiago. (2019), Coalitional Dynamics in Presidential Systems. Tese (Doutorado em Ciência Política), Texas A&M University, Texas.
  • STROM, Kaare. (1990), Minority Government and Majority Rule. Cambridge, Cambridge University Press.
  • TSEBELIS, George; MONEY, Jeannette. (1997), Bicameralism. Cambridge, Cambridge University Press.
  • WARWICK, Paul V. (1996), “Coalition Government Membership in West European Parliamentary Democracies”. British Journal of Political Science, vol. 26, nº 4, pp. 471-499.
  • WARWICK, Paul V; DRUCKMAN, James N. (2001), “Portfolio Salience and the Proportionality of Payoffs in Coalition Governments”. British Journal of Political Science, vol. 31, nº 4, pp. 627-649.
  • WARWICK, Paul V. (2006), “The Portfolio Allocation Paradox: An Investigation into the Nature of a Very Strong but Puzzling Relationship”. European Journal of Political Research, vol. 45, nº 4, pp. 635-665.
  • WEBER, Max. (1992), Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo, Cortez Editora.

Notas

  • 1
    . Deve-se dizer que os sistemas presidencialistas não devem ser julgados negativamente simplesmente pelo não controle de uma maioria legislativa pelo presidente. Conforme Cheibub e Limongi (2011:39), “Se governos minoritários funcionam bem no parlamentarismo, por que presidentes cujos partidos não controlam uma maioria legislativa estariam fadados ao fracasso?” Tradução própria .
  • 2
    . Ressalta-se que grande parte da literatura sobre coalizões trata os partidos políticos como blocos unitários. Ou seja, é desconsiderada a existência de diferenças intrapartidárias. Com isso, tem-se que a motivação dos partidos seria a mesma motivação dos seus membros. Assim, os políticos visariam igualmente estar no poder. Convém mencionar que somente uma nova geração de estudos sobre coalizões passou a contestar enfaticamente essa premissa de homogeneidade interna dos partidos ( Albala, 2018ALBALA, Adrián. (2018), “The Missing Piece: Introducing the 4th Generation of Coalition Theories”. in A. Albala e J. M. Reniu (eds.), Coalition Politics and Federalism. Cham, Springer International Publishing, pp. 13-31. ).
  • 3
    . Exemplos de decretos presidenciais são os Decretos de Necesidad y Urgencia (DNUs), na Argentina, e as Medidas Provisórias (MPs), no Brasil. Em ambos os países, os decretos-lei sofrem de restrição temática e necessitam, obrigatoriamente, da aprovação do Legislativo para continuar em vigor. Esses mecanismos servem fundamentalmente para impedir o uso disruptivo dos decretos presidenciais. No Brasil, por exemplo, antes de haver restrição temática, o governo Collor recorreu a uma MP para promover sua política econômica e bloquear os saques de contas poupança dos bancos estatais. De todo modo, os DNUs e as MPs representam apenas dois exemplos de decretos presidenciais, existindo uma ampla variedade entre o tamanho dos poderes concedidos aos presidentes ( Shugart e Carey, 1992SHUGART, Matthew S.; CAREY, John M. (1992), Presidents and Assemblies. New York, Cambridge University Press. ).
  • 4
    . No entanto, a afirmação que a simples emissão de decretos presidenciais torna desnecessária a negociação entre o presidente e os partidos políticos trata-se de uma falsa oposição em relação ao envio dos projetos para análise do Legislativo. Na verdade, os próprios decretos emitidos pelo presidente podem ser contestados na esfera do Legislativo. O ponto é que o uso desses decretos demanda menos negociação com o Legislativo do que a opção por mandar a proposta diretamente para o trâmite legislativo ordinário.
  • 5
    . Como a diferença entre os graus de simetria entre as casas legislativas de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai não é substantiva ( Heller e Branduse, 2014HELLER, William; BRANDUSE, Diana M. (2014), “The Politics of Bicameralism”, in S. Martin, T. Saalfeld e K. W. Strøm (eds.), The Oxford Handbook of Legislative Studies. Oxford, Oxford University Press, pp. 332-351. ; Neiva, 2006NEIVA, Pedro Robson Pereira. (2006), “Os Determinantes da Existência e dos Poderes das Câmaras Altas: Federalismo ou Presidencialismo”. DADOS, vol. 49, nº 2, pp. 269-299. ), assim como Kubo (2016)KUBO, Hiroki. (2016), “Impact of Bicameralism on the Disproportionality of Cabinet Portfolio Allocation”. Japanese Political Science Review, nº 3, pp. 127-145. , partimos da premissa que o desenho de pesquisa controla para os possíveis efeitos da força dos sistemas bicamerais.
  • 6
    . Apesar de terem um legislativo bicameral, Bolívia e Paraguai foram excluídos da nossa amostra devido à falta de dados quanto aos ministérios recebidos pelos membros dos gabinetes presidenciais.
  • 7
    . As regressões também foram estimadas através do método dos mínimos quadrados ( Ordinary Least Squares ) e da estimação de equações generalizadas ( Generalized Estimating Equations ). Os resultados estão disponíveis no apêndice do trabalho.
  • 8
    . Uma crítica usualmente feita ao cálculo da coalescência é que, na maioria das vezes, a saliência qualitativa dos ministérios é negligenciada. E, de fato, essa é uma questão nada trivial na proporcionalidade das coalizões. Os ministérios têm não somente importâncias qualitativas diferentes, como cada partido também pode avaliá-los diferentemente. É de se notar que, pelo menos em escala local, essas pesquisas já se iniciaram. Mauerberg e Pereira (2020)MAUERBERG, Arnaldo; PEREIRA, Carlos. (2020), “How Valuable Is a Presidential Cabinet? Measuring Ministries’ Political Attractiveness in Brazil”. Latin American Politics and Society, vol. 62, nº 1, pp. 25-45. , por exemplo, refinaram o cálculo da coalescência levando em conta os diferentes graus de atratividade de cada ministério no Brasil. Contudo, inexistem pesquisas em escopo comparativo que apontem as diferenças qualitativas das pastas ministeriais para os regimes latino-americanos como um todo, o que nos impede de diferenciar os portfolios ministeriais com base nas suas respectivas saliências.
  • 9
    . A Força do Presidente apresentou efeito positivo e significativo estatisticamente em todas as regressões estimadas via OLS e GEE . Apesar disso, prudência ainda é a norma ao analisar esse achado, já que a mesma variável falhou em alcançar os níveis padrões de significância estatística para a grande parte dos modelos de efeitos fixos.
  • 10
    . Como mais uma forma de esclarecimento, tomemos o caso do gabinete Temer como exemplo. No seu primeiro gabinete, formado em 2016, o grau de proporcionalidade entre portfólios ministeriais e assentos no Legislativo foi de 0.680 e 0.652 quando calculada pelo índice de Rose para as câmaras baixas e alta, respectivamente, enquanto alcançou os níveis de 0,872 e 0.860 quando mensurada através do índice de Gallagher para as mesmas respectivas casas. Portanto, as nossas dependentes são preenchidas como -0.028 e -0.012 para o gabinete Temer.
  • *
    O presente artigo é um desdobramento da monografia do primeiro autor. Nós gostaríamos de agradecer ao André Borges e aos três pareceristas anônimos da revista pelos seus comentários e sugestões. Qualquer erro remanescente é de responsabilidade exclusiva dos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2021
  • Revisado
    02 Fev 2022
  • Aceito
    11 Mar 2022
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