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Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?

Pouvoir judiciaire et privatisations au Brésil: existe-t-il une judiciarisation de la politique?

The judiciary and privatizations in Brazil: is there the judicialization of politics?

Resumos

Dans cet article, l'auteur examine l'action du Pouvoir Judiciaire brésilien dans la conduite des privatisations accomplies au Brésil tout au long des années 1990. On cherche à montrer que, même si le Pouvoir Judiciaire a été appelé à arbitrer des conflits d'ordre politique, dans le cas des privatisations il n'a pas répondu à cette demande, puisqu'est resté inachevé ce que nous appelons le cycle de la judiciarisation, sans lequel on ne peut pas parler de la politique "judiciarisée" à proprement parler. Enfin, on cherche à souligner le besoin d'employer de façon plus restreinte et précise l'expression la politique "judiciarisée" de plus en plus présente dans les études de sciences politiques au Brésil.

la politique "judiciarisée"; privatisations; Pouvoir Judiciaire brésilien


The central objective of this study was to analyze the work of the Judiciary Branch in the privatizations process carried out in Brazil during the 1990s. The article attempts to demonstrate that although the Judiciary has been called on as arbiter of political conflicts, in the case of privatizations it did not respond to this demand, leaving incomplete what we refer to as a judicialization cycle, without which one cannot speak of the judicialization of politics per se. Finally, the article seeks to call attention to the need to exercise greater parsimony and precision with the term "judicialization of politics", increasingly present in Brazilian political science analyses.

judicialization of politics; privatizations; Brazilian Judiciary Branch


la politique "judiciarisée"; privatisations; Pouvoir Judiciaire brésilien

judicialization of politics; privatizations; Brazilian Judiciary Branch

Judiciário e privatizações no Brasil: existe uma judicialização da política?* * Este trabalho originou-se da minha dissertação de mestrado intitulada O Poder Judiciário Brasileiro após a Constituição de 1988: Existe uma Judicialização da Política? Uma Análise da Política de Privatizações, defendida no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP, em 2003. Agradeço à Maria Hermínia Tavares de Almeida, pela cuidadosa orientação, e aos professores Fernando Limongi e Andrei Koerner, pelas sugestões dadas no exame de qualificação e na defesa de tese.

The judiciary and privatizations in Brazil: Is there the judicialization of politics?

Pouvoir judiciaire et privatisations au Brésil: existe-t-il une judiciarisation de la politique?

Vanessa Elias de Oliveira

ABSTRACT

The central objective of this study was to analyze the work of the Judiciary Branch in the privatizations process carried out in Brazil during the 1990s. The article attempts to demonstrate that although the Judiciary has been called on as arbiter of political conflicts, in the case of privatizations it did not respond to this demand, leaving incomplete what we refer to as a judicialization cycle, without which one cannot speak of the judicialization of politics per se. Finally, the article seeks to call attention to the need to exercise greater parsimony and precision with the term "judicialization of politics", increasingly present in Brazilian political science analyses.

Key words: judicialization of politics, privatizations, Brazilian Judiciary Branch

RÉSUMÉ

Dans cet article, l'auteur examine l'action du Pouvoir Judiciaire brésilien dans la conduite des privatisations accomplies au Brésil tout au long des années 1990. On cherche à montrer que, même si le Pouvoir Judiciaire a été appelé à arbitrer des conflits d'ordre politique, dans le cas des privatisations il n'a pas répondu à cette demande, puisqu'est resté inachevé ce que nous appelons le cycle de la judiciarisation, sans lequel on ne peut pas parler de la politique "judiciarisée" à proprement parler. Enfin, on cherche à souligner le besoin d'employer de façon plus restreinte et précise l'expression la politique "judiciarisée" de plus en plus présente dans les études de sciences politiques au Brésil.

Mots-clé: la politique "judiciarisée"; privatisations; Pouvoir Judiciaire brésilien

INTRODUÇÃO

O objetivo central deste trabalho é verificar qual foi o papel do Poder Judiciário brasileiro no processo de privatização de empresas estatais levado a cabo nos anos 1990. Com isso, procurei responder a uma questão mais geral, qual seja, em que medida o Judiciário influencia as decisões políticas, assumindo funções que deveriam ser exercidas pelos Poderes propriamente "políticos" – Executivo e Legislativo. Em outras palavras, qual o alcance verificável do chamado processo de judicialização da política no Brasil – ao menos no caso das privatizações?

Por judicialização da política entendo a utilização de procedimentos judiciais para a resolução de conflitos de ordem política, tais como controvérsias a respeito de normas, resoluções e políticas públicas em geral, adotadas/implementadas pelos Poderes Executivo e Legislativo. Assim, utilizando o conceito de Tate e Vallinder (1995:13), trato por judicialização o "processo de expansão dos poderes de legislar e executar leis do sistema judiciário, representando uma transferência do poder decisório do Poder Executivo e do Poder Legislativo para os juízes e tribunais". Simplificadamente, chamei de judicialização a capacidade de o Judiciário intervir em políticas públicas, interferindo ou alterando, em alguns casos, o status quo vigente. Todavia, para poder intervir, o Judiciário deve antes ser acionado. Este processo, independentemente do ator que o promove – se partido político, organizações da sociedade civil, pessoas físicas etc. –, será chamado de politização da justiça, quando se referir ao acionamento desse Poder de modo a interferir em um processo político, nos termos acima descritos.

Tratarei a judicialização como um processo de três fases, que implica: primeiramente no acionamento do Judiciário através do ajuizamento de processos – ou politização da justiça; em segundo lugar, no julgamento do pedido de liminar (quando houver); e, por fim, no julgamento do mérito da ação1 1 . Note-se que o que está em questão não é o fato de a ação ter sido procedente ou improcedente, mas sim se ela foi ou não julgada. , que enseja a judicialização da política propriamente dita. Este é o que chamarei aqui de ciclo da judicialização.

Portanto, parto do pressuposto de que não se pode falar em judicialização da política somente em função do acionamento do Judiciário pela sociedade civil, pelos partidos ou pelo ministério público (que seria apenas a primeira etapa do ciclo, a politização da justiça), sem que haja uma resposta (isto é, o julgamento do mérito das ações, independentemente se a favor ou contra2 2 . Como colocou Werneck Vianna et alii (1999:119) "o papel do STF como guardião da Constituição não se firma apenas quando reconhece a demanda de um intérprete em favor da inconstitucionalidade de um diploma legal, mas também quando a nega". ) às ações impetradas. Nesse sentido, pode ocorrer a judicialização apenas quando o Judiciário responde à demanda, independentemente da decisão à qual chega. Ao contrário, não há judicialização – quando o Judiciário é acionado, mas não responde à solicitação, mesmo que a medida cautelar do processo (liminar) seja julgada (cuja apreciação é de caráter emergencial); nesse caso, há apenas uma politização da justiça, uma vez que o resultado prático ainda não é a interferência do Judiciário na política.

Para discutir a atuação do Poder Judiciário brasileiro no caso das privatizações, partirei de uma breve revisão3 3 . Uma revisão mais detalhada acerca da literatura já foi realizada por mim e por Ernani Carvalho, em um trabalho apresentado no XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS (Oliveira e Carvalho, 2002), no qual fazemos uma distinção entre a abordagem da sociologia do direito e da ciência política. Para a análise aqui proposta, centrar-me-ei na da ciência política, em especial aquela específica do caso brasileiro. do conceito de judicialização da política da ótica da ciência política. Em seguida, apresentarei a análise de um conjunto de ações contra as privatizações, estruturadas em dois bancos de dados formados por processos judiciais atinentes às privatizações realizadas nos anos 1990, impetrados por membros externos ao Governo, tais como partidos, associações de classe e Ministério Público, com o objetivo de impedir ou retardar o processo de desestatização de empresas. Meu objetivo é demonstrar que os membros do Judiciário brasileiro não apresentaram, ao menos no caso aqui analisado, uma preferência judicial por políticas públicas. Ou seja, intentei asseverar que, embora o Judiciário tenha sido ativado como árbitro de conflitos de ordem política, no caso das privatizações, ele não respondeu a essa demanda, não completando, portanto, o que chamarei de ciclo da judicialização. Enfim, busca-se atentar para a necessidade de se olhar com maior cautela e precisão para o processo que vem sendo chamado de judicialização da política, independentemente de considerações acerca do mérito dos resultados obtidos.

A LITERATURA ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

O Poder Judiciário, ao interpretar a Constituição e declarar a constitucionalidade das leis e atos normativos, interfere em decisões políticas que foram alcançadas por representantes eleitos. Todavia, isso não implica – ou ao menos não deveria – que os juízes têm o poder de legislar, podendo-se traduzir em criação de leis a sua função de intérpretes da Constituição4 4 . Em Os Federalistas, Hamilton, Madison e Jay afirmam: "Não se pode dar nenhum peso à afirmação de que os tribunais podem, a pretexto de uma incompatibilidade, substituir as intenções constitucionais do legislativo por seus próprios desejos. [...] Os tribunais devem especificar o sentido da lei; e caso se disponham a exercer a vontade em vez do julgamento, isso levaria igualmente à substituição do desejo do corpo legislativo pelo seu próprio. Se esta observação provasse alguma coisa, seria de que não deve haver nenhum juiz além do próprio legislativo" (1993:482, ênfases minhas). . Esta é uma questão em voga no debate atual da ciência política brasileira, embora já tenha sido trabalhada, sob diversos aspectos, pela literatura jurídica. A presente revisão bibliográfica refere-se à abordagem da ciência política brasileira sobre o tema.

Discute-se o novo papel do Judiciário, não apenas sob a ótica das transformações sociais que o afetaram, como também das mudanças institucionais que geraram novos padrões de relação entre aquele poder e as demais instituições governamentais, levando a um aumento da influência política do Poder Judiciário nas sociedades modernas. Os mecanismos institucionais colocados à disposição desse poder, tal como o de judicial review, "uma das principais formas [de judicialização da política] é o controle de constitucionalidade dos atos do Executivo e do Legislativo" (Vallinder, 1995:15), e suas novas funções diante da divisão de poderes são fatores que impulsionaram a atuação política do Judiciário.

A idéia de uma lei superior, acima dos poderes do Estado e das leis produzidas no Parlamento, é de origem inglesa, e será introduzida nos EUA a partir de uma interpretação da Constituição de 1787, embora esta não especificasse, em nenhum artigo, o mecanismo do judicial review. De acordo com o artigo VI, a Constituição é a "Lei Suprema da Nação, e os juízes de todos os estados devem se guiar por ela a partir de então". Foi a partir de uma interpretação que o Juiz da Suprema Corte, John Marshall, fez desse artigo da Constituição, na decisão proferida no caso Marbury versus Madison, em 1803, que o mecanismo de judicial review se instalou nos Estados Unidos. Com a prerrogativa do controle de constitucionalidade das leis, a Suprema Corte americana assumiu também o poder de controlar os outros órgãos políticos – Executivo e Legislativo. Cunha Melo (2002) faz uma acurada descrição da introdução desse mecanismo no sistema político norte-americano, demonstrando como a influência política do Poder Judiciário é constitutiva e inerente à própria engenharia institucional adotada naquele país.

O modelo constitucional norte-americano difundiu-se por diversos países ocidentais, especialmente na América Latina5 5 . De acordo com Vieira (2002),o Brasil foi um dos primeiros países a adotar o sistema do judicial review, na Constituição de 1891, em que já estava presente o poder do Judiciário controlar atos normativos infraconstitucionais. . De acordo com Tate e Vallinder (1995), a expansão do modelo americano de controle de constitucionalidade das leis e da conseqüente atuação política do Judiciário caracteriza-se como um fenômeno que se desenvolveu primeiramente nos EUA, o "berço da judicialização", mas que vem se alastrando para diversos outros países, naquilo que os autores aclamaram como expansão global do Poder Judicial. Assim, a primeira preocupação dos autores é com os fatores que impulsionaram a expansão do Poder Judicial, ou do "fenômeno de juízes estarem fazendo políticas públicas que anteriormente eram feitas, ou na opinião da maioria deveriam ser feitas, por membros do legislativo e executivo" (idem:2).

Com base na constatação (ou pressuposto) da expansão do Poder Judicial, os autores definem judicialização da política, caracterizando-a como a difusão da arena decisória judicial e/ou adoção de mecanismos judiciais em arenas de deliberação política. O conceito inclui os julgamentos de ações que envolvam políticas governamentais e a utilização de procedimentos jurídicos na ordenação do mundo político, e tem como pressuposto uma postura politicamente ativa dos juízes:

"Sob condições que sejam favoráveis, a judicialização [da política] se desenvolve apenas porque os juízes decidem que devem (1) participar da tomada de decisão política que poderia, de outra forma, ser deixada à discrição, criteriosa ou arbitrária, de outras instituições e, ao menos ocasionalmente, (2) substituir as decisões políticas emanadas de outras instituições por aquelas emanadas deles mesmos" (idem:33, ênfases no original, tradução da autora).

Contudo, Tate e Vallinder demonstram que a judicialização da política é um fenômeno relativamente raro, pois depende de uma conjunção de fatores. O quadro de possibilidades a seguir indica possíveis caminhos que são percorridos por uma decisão:

Devido à importância das orientações de instituições majoritárias e dos valores e atitudes dos juízes, espera-se que a judicialização ocorra em apenas duas de oito possíveis combinações de circunstâncias. Quando as condições facilitadoras não são favoráveis, não há judicialização em nenhuma das combinações. Por conseguinte, o quadro demonstra que não basta a existência das condições, e nem apenas o ativismo judicial, separadamente. Nas palavras dos autores:

"De juízes ativistas, por definição, pode-se esperar que aproveitem todas as oportunidades para usar seu poder de tomada de decisão de modo a disseminar os valores que prezam no que concerne a políticas públicas. Todavia, quando esses valores são consistentes com aqueles que dominam as instituições majoritárias, ainda que as condições sejam favoráveis à judicialização do processo político, haverá muito menos incentivos para que os juízes ativistas busquem fazê-lo, pois esse processo já estará produzindo os resultados políticos desejados" (idem:34, tradução da autora).

Em resumo, só há judicialização quando juízes apresentam uma postura política ou ideológica contrária àquela predominante nas instituições majoritárias, opondo-se, assim, às políticas por estas adotadas.

Mesmo sem uma análise empírica que comprove a expansão da judicialização da política, os autores concluem que, a despeito de ser um fenômeno raro, a judicialização vem-se expandindo no mundo por duas razões: a) as condições favoráveis para sua expansão têm aparecido com maior freqüência no mundo após a onda de democratização na América Latina, Ásia e África; b) a freqüência das células da tabela em que a judicialização ocorre é muito maior do que as células onde ela não acontece. Parece-me, no entanto, que mais do que comprovar a expansão global da judicialização da política, Tate e Vallinder a tomam como uma realidade do mundo pós-Guerra Fria.

Os trabalhos brasileiros acerca da judicialização da política, a sua maioria centrada no controle constitucional, dividem-se em função do posicionamento dos autores diante do aumento da influência do Poder Judiciário: alguns lhe são favoráveis, pois isso gera um aumento do controle sobre os poderes políticos, ao passo que outros lhe são contrários, uma vez que tal influência exacerbada confere grande poder a membros não eleitos e que não sofrem controles externos, opondo-se ao princípio democrático. Percebe-se, em ambas as visões, uma preferência pelas análises empíricas, voltadas para as implicações políticas da nova atuação judicial. Entretanto, todas elas se deparam com um problema comum: não dão conta da questão do tamanho da influência política do Poder Judiciário, ou seja, de que maneira esta influência vem se processando, com que grau e intensidade ela está ocorrendo e, principalmente, qual o resultado efetivo da mesma sobre o rumo das políticas públicas em curso.

Um dos mais expressivos trabalhos sobre a judicialização no Brasil foi apresentado por Werneck Vianna et alii (1999). De acordo com os autores, a expansão do princípio democrático tem implicado em uma crescente institucionalização do direito na vida social, invadindo espaços que eram inacessíveis a ele, como algumas esferas da vida privada. Foi o direito do trabalho, nascido do êxito dos movimentos operários do século passado, que deu um caráter público a relações antes circunscritas à esfera privada e que introduziu no campo do direito um argumento de justiça, procurando compensar a parte economicamente menos favorecida nas relações de trabalho, tirando a exclusividade da tematização acerca da justiça social da esfera da sociedade civil e do Parlamento. Esse novo direito, incentivado pelo Estado de Bem-Estar Social, introduziu um viés igualitário na ordem liberal, publicizando a esfera privada. Assim, a agenda da igualdade redefiniu a relação entre os três poderes, atribuindo ao Poder Judiciário funções de controle dos poderes políticos:

"O Estado social, ao selecionar o tipo de política pública que vai constar da sua agenda, como também ao dar publicidade às suas decisões, vinculando as expectativas e os comportamentos dos grupos sociais beneficiados, traduz, continuamente, em normas jurídicas as suas decisões políticas. A linguagem e os procedimentos do direito, porque são dominantes nessa forma de Estado, mobilizam o Poder Judiciário para o exercício de um novo papel, única instância institucional especializada em interpretar normas e arbitrar sobre sua legalidade e aplicação, especialmente nos casos sujeitos a controvérsias" (idem:20).

Esse fenômeno, que vem ocorrendo no Brasil desde a Constituição de 1988, intensifica-se no curso dos anos 1990 em função da valorização das Ações Diretas de Institucionalidade – Adins6 6 . Ação Direta de Inconstitucionalidade – Adin é um instrumento jurídico que tem por finalidade questionar a constitucionalidade de leis ou atos normativos. Podem propor Adin, a partir da Constituição de 1988: o presidente da República; as Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas; os Governadores de Estado; o Procurador Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (art. 103). como "o último recurso diante do uso abusivo de medidas provisórias na iniciativa das leis", ainda nos termos de Werneck Vianna et alii. Conseqüentemente, de acordo com os autores, há uma transformação dos partidos, sindicatos e associações em intérpretes da Constituição, chamando o Judiciário a exercer funções de freio e contrapeso no interior do sistema político, como uma forma de "compensar a tirania da maioria" – imposta, segundo eles, pelo Legislativo, órgão de lógica majoritária – e se consolidando como um importante ator político dentro do processo decisório.

Com base nesse arcabouço teórico, eles apresentam uma análise das ações diretas de inconstitucionalidade, sugerindo que "o processo de judicialização da política no Brasil tem sido o resultado de uma progressiva apropriação das inovações da Carta de 88 por parte da sociedade e de agentes institucionais, inclusive governadores e procuradores, dois importantes personagens dessa nova arena política brasileira" (idem:53). Com base na análise de 1.935 ações impetradas, desde 1988 até 1998, os autores assinalam uma resistência do Judiciário ao desempenho de papéis que o levem a se tornar um personagem central no processo de judicialização da política – isto porque, embora 30,8% das Adins analisadas tenham tido os seus pedidos de liminar deferidos e apenas 7,5% aguardassem o julgamento, quando se passou para o julgamento do mérito da ação, apenas 9,5% foram julgadas procedentes, e 54,4% ainda aguardavam o julgamento do mérito, o que corrobora a percepção apresentada pelos autores de que o Judiciário vem se eximindo de assumir o papel central que possui no processo de judicialização da política.

Portanto, o trabalho de Werneck Vianna et alii (idem) apresenta duas linhas de argumentação: por um lado, a análise teórica volta-se para a área da sociologia do direito, nos moldes apresentados por Cappelletti (1993) e Garapon (1999)7 7 . Estes dois autores foram trabalhados por mim e por Carvalho (2002) (cf. nota nº 3). , demonstrando como alguns fatores sociais (tal como o movimento operário do século passado e a luta contra a "tirania da maioria") levaram a uma atuação de cunho político e social do Judiciário; por outro, a análise empírica concentra-se nos novos instrumentos institucionais, colocados à disposição dos grupos de interesse e de diversos atores políticos, tais como partidos políticos, sindicatos e governadores, a partir da Constituição de 1988, que tiveram como conseqüência a transformação do Poder Judiciário em importante ator político, sendo chamado a arbitrar conflitos de ordem política e decisões tomadas pelo Executivo e Legislativo a respeito de políticas públicas. Todavia, embora enxergue de maneira positiva a influência política do Poder Judiciário, o trabalho conclui que esse poder tem interferido malmente em questões específicas da arena política.

Também baseado em dados empíricos, Castro (1997) analisa o impacto político do comportamento do Supremo Tribunal Federal – STF. De acordo com o autor, a judicialização da política promove uma interação entre os poderes que não é, necessariamente, prejudicial à democracia.

Embora o Judiciário venha causando algum impacto sobre o Legislativo e o governo, freqüentemente por meio da concessão de liminares, o autor conclui que uma parcela diminuta dessas ações resultou em decisões substantivas do mérito, o que indica que o processo de judicialização da política ainda se encontra em um estágio embrionário no país e, além disso, em sua maioria favorece as políticas governamentais. Como argumenta o autor, ao analisar 1.240 acórdãos do STF, "com exceção da política tributária, o STF preponderantemente não tem desenvolvido jurisprudência em proteção a direitos individuais e em contraposição às políticas governamentais" (idem:154).

Outro enfoque analítico foi dado pelo trabalho de Arantes (1997), o qual examina o papel de árbitro do jogo político assumido pelo Judiciário tomando como base um aspecto institucional da estrutura judicial: o sistema híbrido de controle de constitucionalidade das leis adotado no Brasil. O princípio do controle de constitucionalidade surge como uma maneira de impedir que leis e atos normativos desrespeitem direitos e garantias individuais constitucionalmente garantidos. Os dois modelos básicos de controle são o difuso, originado nos EUA, e o concentrado, primeiramente instituído na Áustria. O primeiro pressupõe a faculdade de todo juiz ou tribunal de examinar a constitucionalidade das leis – o que tem como conseqüência o fato de que decisões diferentes podem ser adotadas para um mesmo caso, em função do número de órgãos judiciais acionados, e de que a decisão que considera a lei inconstitucional não é capaz de impedir a sua vigência. Já o segundo coloca em julgamento a própria constitucionalidade da lei, e a atribuição de julgá-la é monopólio de um tribunal especial, a Corte Constitucional; neste caso, a decisão tem efeito erga omnes, ou seja, é válida para todos. O caso brasileiro, por sua vez, pode ser classificado como um sistema híbrido, "capaz de combinar a competência de juízes e tribunais inferiores de apreciar a constitucionalidade das leis em processos quaisquer (difuso) e um órgão, ou uma combinação de órgãos, responsável pelo julgamento de ações diretas sobre a constitucionalidade das leis (concentrado)" (idem:35).

Com essa análise, o autor demonstrou a maneira pela qual o sistema híbrido de controle constitucional condiciona a execução de planos de governo. Se, por um lado, o STF ganha proeminência no sistema federalista brasileiro, com uma rígida separação de Poderes, arbitrando conflitos entre o Executivo e o Legislativo (tanto federais quanto estaduais), por outro lado, ele não está sozinho nessa tarefa, juntando-se a ele todos os juízes e tribunais do país, em função do modelo difuso-incidental de controle de constitucionalidade das leis, mas sem o instrumento vinculante. Em resumo, a reorganização institucional de 1988 colocou o Judiciário na posição de uma arena de resolução de conflitos políticos, principalmente em função do controle constitucional das leis; o sistema híbrido acentuou o papel do Judiciário enquanto um recurso poderoso de veto às decisões majoritárias tomadas na esfera política.

Também para Vieira (2002), a sobrecarga de demanda recursal do Judiciário é conseqüência direta do hibridismo de nossa jurisdição constitucional, que permite que o magistrado de qualquer instância do Poder Judiciário exerça juízo de censura àqueles que violarem a Constituição, ao mesmo tempo em que possibilita a um grande número de atores (intérpretes) o controle abstrato de constitucionalidade das leis. Embora a Constituição Federal de 1988 tenha retirado atribuições do STF, transferindo-as para o então criado Superior Tribunal de Justiça – STJ, buscando aliviar a sua sobrecarga, essa medida foi insuficiente. O Supremo continuou assumindo a responsabilidade por matérias outras que não a de controle abstrato da constitucionalidade: está sob sua competência a jurisdição constitucional de proteção de direitos (apreciação de mandado de segurança, habeas corpus, habeas data e mandado de injunção) e a jurisdição constitucional sem controle de constitucionalidade (julgamentos de altas autoridades da República, conflitos entre estados-membros ou entre estes e a União, litígios entre a União e Estados estrangeiros).

Segundo Vieira, o aumento do número de processos sugere alguns aspectos positivos decorrentes do desenho institucional, dentre eles a ampliação dos agentes legitimados a propor Adins junto ao STF, o que "expandiu o próprio papel do Supremo enquanto uma arena política na qual diversos grupos disputam a realização ou o bloqueio da vontade constitucional" (idem:227). Todavia, a esse poder cabe a última palavra no julgamento de constitucionalidade de controvérsias políticas, do que decorre a sua enorme responsabilidade nessa arena.

Não obstante, é possível inferir dessa literatura, que trata do Poder Judiciário brasileiro a partir da Constituição de 1988, alguns indícios e tendências no sentido de identificar uma não-judicialização da política no processo de privatizações. Embora trabalhem com o marco institucional da Carta de 1988 e com as implicações que este teve na organização do Judiciário, a literatura nacional raramente preocupou-se em demonstrar como esse Poder vem interferindo no sistema político, e como vem se dando a sua atuação política, ainda que afirmem que este passou a ser um importante ator político. Mesmo os trabalhos que buscaram compreender e contextualizar o fenômeno da judicialização da política, bem como os contornos que este adquiriu no Brasil pós-constituinte, não conseguiram comprovar uma efetiva atuação política dos órgãos judiciais. Ainda assim, tanto Werneck Vianna quanto Castro assinalaram o vácuo que se criou no processo de judicialização da política, em que o Judiciário foi ativado como importante ator, com capacidade para mudar o rumo de políticas públicas, mas que se absteve de julgar o mérito das ações impetradas.

Enfim, o que me parece claro é que a literatura da ciência política apresentada conseguiu diagnosticar o novo papel do Judiciário no funcionamento do sistema político brasileiro pós-88, mas não comprovar que esse novo papel tem implicado, necessariamente, em uma judicialização da política sempre que há interpelação judicial em arenas eminentemente políticas. Com o objetivo de preencher essa lacuna acerca do efetivo alcance da judicialização da política no Brasil, farei uma análise do processo de privatizações levado a cabo no último decênio, o qual sofreu alguma interferência do Poder Judiciário. Almejo comprovar, com base em uma análise empírica, o alcance extremamente limitado daquilo que alguns estudiosos vêm denominando judicialização da política, ou melhor, a não-existência de uma completa interferência judicial na política brasileira, ao menos no caso da política de privatizações.

O PODER JUDICIÁRIO E AS PRIVATIZAÇÕES NA DÉCADA DE 90

Conforme vimos, a literatura que trata da atuação política do Judiciário no Brasil tentou comprová-la com base no número de processos impetrados ao longo dos anos 1990, cujo objetivo era o de solucionar questões políticas, antes resolvidas em outras arenas que não a judicial. Todavia, se estamos tratando de uma interferência política do Judiciário, torna-se essencial atentarmo-nos para o alcance que esta obteve, e não apenas para o acionamento deste Poder pelos atores habilitados a partir da Constituição de 1988 – isto é, e não apenas para o que chamei aqui de politização da justiça, algo diverso da judicialização da política.

Muitas das empresas estatais, dos mais diversos setores, tiveram o seu leilão interrompido por medidas liminares que impediam, até o momento de sua cassação, a continuação do processo: entre os anos de 1991 e 1998, foram vendidas 63 empresas controladas pelo governo federal; destas, 53 foram afetadas por ações judiciais questionando a legalidade ou constitucionalidade da sua venda. A mídia noticiou manifestações de partidos, sindicatos e trabalhadores em frente aos locais onde os leilões aconteciam, demonstrando a sua oposição ao programa do governo. Além disso, jornais faziam constantes referências ao que chamaram de "enxurrada de ações judiciais", que se espalharam pelo país, com o objetivo de impedir ou retardar a venda de empresas públicas.

O Poder Judiciário mostrou-se, então, como mais um ator com poder de veto, além do próprio Congresso, ao processo de privatizações levado a cabo pelo governo federal. Mas qual foi o verdadeiro papel que o Judiciário assumiu diante deste processo? Como este Poder afetou ou interferiu nas privatizações? Além de seu acionamento pelos opositores ao programa, fato já conhecido por sua divulgação na mídia, qual o resultado obtido pela utilização deste ator com poder de veto? Esta seção centrar-se-á na análise de dois bancos de dados formados por ações judiciais impetradas contra o processo de privatizações de empresas públicas nos anos 1990, com o objetivo de analisar como o Poder Judiciário brasileiro interferiu no processo de privatizações brasileiro. Partirei de uma breve descrição do processo de privatizações para então entrar na questão da judicialização propriamente dita.

No Brasil, o processo de reforma do Estado teve início no final dos anos 1980. Segundo Diniz (1995), esse processo se iniciou a partir da percepção do esgotamento do modelo de intervenção estatal, somado à necessidade de recursos para reduzir as dívidas do Estado, o que levou à desestatização de certas atividades econômicas. Atrasado em relação a outros países da América Latina (cf. Almeida, 1996; Sallum Jr. e Kugelmas, 1993), o Brasil passou, a partir da década de 1990, por um amplo processo de reforma do Estado, com grande destaque para a política de privatizações de empresas estatais. Em apenas oito anos (1991 a 1998), grande parte dessas empresas passou para o controle privado: foram vendidas 63 empresas controladas pelo governo federal (excluído o setor de telecomunicações – Sistema Telebrás) e obtidos cerca de US$ 37,5 bilhões até fins de 1998 (Almeida, 1999:421).

O marco institucional da inclusão das privatizações no processo de reformas econômicas iniciadas pelo governo foi o Programa Nacional de Desestatização – PND, parte da Medida Provisória nº 115 enviada pelo Executivo ao Congresso em 1990 (Pinheiro, 2000). O Executivo, buscando equilibrar as contas públicas e diminuir a dívida interna, conseguiu aprovar o Programa, através da Lei nº 8.031/90, que definia 68 empresas a serem privatizadas, além de conceder ao Executivo a prerrogativa de incluir ou excluir empresas do programa, estabelecer as regras de venda das empresas e transferir ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES a administração do programa (Almeida, 1999). Desde então, mudanças significativas foram introduzidas no diploma original por medidas provisórias, até sua transformação na Lei nº 9.491/97.

Almeida (idem), analisando o processo de privatizações, afirma que esta foi uma política levada adiante em duas etapas: em uma primeira, legislativa, na qual foram definidas as regras do jogo; e em uma segunda, quando se efetuou a venda das empresas7. Os grupos de interesse, contrários ou partidários das privatizações, podiam agir em qualquer uma das duas etapas: na primeira, mediante pressão sobre o Executivo e os congressistas e, na segunda, mediante o acionamento do Poder Judiciário, na hipótese de ilegalidade e/ou inconstitucionalidade do processo de privatizações. Todavia, participaram da primeira fase fundamentalmente os grupos de interesse favoráveis a elas, tais como associações empresariais. A grande participação dos opositores deu-se no momento em que o programa foi posto em andamento. Nas palavras da autora,

"A oposição adotou duas estratégias para bloquear os leilões de privatização: protestos públicos e recursos judiciais. Manifestações de rua, às vezes violentas, nas imediações do edifício da Bolsa de Valores onde as vendas se realizavam, ocorreram em quase todos os leilões. Embora importantes como demonstração de descontentamento, jamais conseguiram impedir uma privatização. São os recursos judiciais que representam a principal estratégia para obstruir o processo mediante o poder de veto do Judiciário. A descentralização do sistema judicial e os vários instrumentos legais de recursos outorgados a organizações e aos cidadãos pela Constituição de 1988 alimentaram a convicção de que a ida à Justiça seria um meio promissor de deter a ação governamental" (idem:437, ênfases minhas).

Partidos, sindicatos e associações de trabalhadores utilizaram-se de diversos recursos judiciais, disponibilizados pela Constituição, contra as privatizações de empresas dos diversos setores incluídos no PND, conforme demonstram os dados abaixo:

Os casos dos setores de mineração e de telefonia são especiais, uma vez que representam uma alta porcentagem do total de ações (27,2% e 11,8%, respectivamente) e se referem a uma única empresa em cada categoria: no caso da mineração, a oposição à venda da Vale do Rio Doce produziu este número9 9 . Os dados brutos sobre os processos referentes às privatizações foram fornecidos à autora pelo Departamento de Contencioso do BNDES. , o maior dentre as empresas; no caso da telefonia, as ações referiam-se à Telebrás.

Já no caso do setor siderúrgico, assim como do químico e petroquímico, o que posso afirmar, a partir da análise dos dados, é que possuem um elevado número de ações, não porque a oposição à venda de uma empresa em específico tenha contribuído para isso, mas porque tais setores foram os que apresentaram maior número de empresas privatizadas no período que vai de 1991 a 1998.

Ao analisarmos a Tabela 2, pode-se verificar que não existe um crescimento do número com o passar dos anos. O ano de 1992 apresentou 205 ações, seguido de 118 no ano de 1993; porém, já em 1994 este número caiu para 37 e para cinco no ano seguinte. Somente no ano de 1997 é que houve um grande crescimento do número de ações, quando tal número chegou em 261, com a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a qual enfrentou muita resistência – como mostra a Tabela 2.

Outro dado interessante a ser observado é o número de ações extintas em comparação ao número total de ações impetradas. De 1991 até 1994, o número de processos extintos manteve-se elevado, ultrapassando 50% do total de ações impetradas. Em seguida, essa porcentagem começa a cair, mas a média geral continua elevada: dentre as 877 ações impetradas contra empresas já privatizadas10 10 . Embora a Caraíba esteja entre as empresas privatizadas no setor, ela não sofreu nenhuma ação judicial contra a sua privatização. , 420 já foram extintas, o que representa 47,9% do total.

Embora quase metade das ações tenha sido extinta, não resultando em uma anulação das vendas em curso, não é possível afirmar que houve uma descrença na utilização desse instrumento como forma de se obter algum resultado contra as privatizações, uma vez que o número de ações não decresceu ao longo do tempo. Embora as privatizações não tenham sido barradas, elas continuavam a ser retardadas. Por outro lado, também não se pode afirmar que tenha havido uma crença da sociedade civil sobre a eficácia na utilização do Judiciário como forma de alterar uma decisão política, ou que tenha passado a se utilizar mais desse recurso ao longo dos anos das privatizações.

O que se pode supor, a partir da análise dos dados da tabela, é que o número de ações impetradas no ano varia conforme a projeção nacional da empresa: se for uma empresa que, de certa forma, tem reconhecimento público e relevância econômica considerável nacionalmente – casos da Vale do Rio Doce e da Telebrás – o número de ações é expressivamente maior em relação aos demais. Em ambas as privatizações, a quantidade de processos impetrados com o objetivo de barrar ou retardar a venda das empresas foi muito elevado: enquanto a média de ações por empresa se encontra em 20,9, estas empresas apresentaram, respectivamente, 256 e 111 ações.

Os dados analisados até aqui referem-se ao número de ações impetradas, e não ao resultado obtido por essas ações. Para compreender o resultado, seria necessário pesquisar ação por ação. Todavia, como essas ações foram impetradas nas mais diversas varas judiciais do país, e ainda se encontram espalhadas, não tive acesso a elas. As únicas cujo resultado foi possível consultar foram aquelas que já chegaram ao STF e ao STJ, uma vez que tais órgãos disponibilizam o resultado das ações que neles se encontram. Assim, tive acesso a 27 ações que já estão no STF e a outras 26 ações que se encontram no STJ.

Do total de ações que estão no STF (27) até o momento em que os dados foram levantados para este trabalho, onze delas ainda não haviam sido extintas, com baixa definitiva ao arquivo, correspondendo a 40% das ações. Porém, destes 40%, três ações tiveram negado o seu provimento, o que significa que elas ainda não foram arquivadas, mas em breve o serão. Somadas a estas, outras quatro sofreram desistência por parte do requerente da ação, o que significa que também serão extintas. Portanto, das onze que ainda não foram arquivadas, sete já estão em vias de ser, correspondendo a 63% das ainda não arquivadas e 26% do total das ações (das 27), o que significa que apenas 15% deste total são ações que realmente ainda estão em andamento, fato que comprova a idéia de que o Judiciário, apesar de ter sido ativado pela sociedade civil e por partidos de oposição, ainda não conseguiu barrar um processo de privatização. Com relação às 26 ações que se encontram no STJ, têm-se apenas três ações que ainda não foram arquivadas – 11% das ações impetradas – enquanto todo o restante já foi arquivado. Em resumo, das 53 ações que se encontram no STF e no STJ, apenas sete (13,2%) ainda estão em andamento; todo o restante (86,8%) já foi arquivado – ou está em vias de ser – e não conseguiu impedir a desestatização das empresas que foram a leilão.

Enfim, embora os leilões de privatização tenham sido interrompidos ou retardados em função de diversos tipos de recursos que foram impetrados nas varas judiciais de todo o país, nenhuma venda foi anulada por sentença judicial. Ainda citando Almeida (1999:438-439), "a descentralização do Judiciário e a falta de coerência entre os diversos tribunais regionais transformaram a privatização em uma batalha judicial. Ainda assim, a convergência entre a política do Executivo e a interpretação da Constituição dada pelo Supremo permitiu a continuidade do programa [de privatizações]".

Além das ações que formam o banco de dados fornecido pelo BNDES, analisei ainda mais 39 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) referentes às privatizações que se encontram no banco de dados do STF11 11 . Lembrando que esta tabela, por analisar as empresas privatizadas em cada ano, exclui as ações contra empresas que ainda não haviam sido privatizadas, bem como as ações contra o próprio Programa Nacional de Desestatização. , desde 1988 até 2002. Em todas estas Adins foi apresentado pedido de medida liminar, e foram impetradas principalmente por partidos políticos e por governadores, com o objetivo de barrar o processo de venda de algumas empresas estatais ou de se opor a algumas das normas estipuladas ao processo de privatização ou de concessão de serviços públicos. Como todas as Adins tratam do tema da privatização, não há sentido em classificá-las aqui de acordo com a classe temática do dispositivo legal questionado. Há então quatro maneiras de olhar para tais ações: a) de acordo com o tipo de requerente da ação (seu autor); b) com o requerido da ação; c) com o resultado obtido pelo pedido de liminar; d) com o resultado do mérito da ação. É a partir dessas análises que entrarei no conceito de ciclo de judicialização.

Observando os requerentes de ações, vê-se claramente o principal opositor ao processo de privatizações que esteve em curso nos anos 1990: os partidos de esquerda12 12 . Estes dados a pesquisadora buscou no site do STF na Internet ( www.stf.gov.br). , que perceberam o Judiciário como um importante ator capaz de mudar o rumo das reformas em curso: 61,5% das ações impetradas tiveram os partidos enquanto requerentes, o que corrobora a tese de Tate e Vallinder (1995) de que o Judiciário serve como um recurso das minorias contra medidas adotadas pela maioria.

Em segundo lugar, encontram-se as Associações de Trabalhadores, cujas ações questionavam a inclusão de empresas nos programas estaduais ou nacional de privatização, seguidas pela OAB, pelos governadores e pelos Legislativos estaduais. As três Adins de governadores apresentavam como requerido não o governo federal ou o próprio PND, mas sim as suas Assembléias Estaduais, e opunham-se às leis estaduais que estipulavam regras para as privatizações estabelecidas nos Programas Estaduais de Desestatização.

Esses dados demonstram que o principal "requerido" das Adins contra as privatizações foi o Executivo Federal (presidente da República), uma vez que são de sua iniciativa as medidas que deram origem e estruturaram a política de privatizações. Se somarmos a essas as Adins cujos requeridos são o presidente e o Congresso Nacional, obteremos um total de 26 ações, o que corresponde a 66,7% das Adins.

Quanto aos governos estaduais, foram apresentadas dez Adins cujos requerentes eram as assembléias legislativas dos estados e seus governadores, representando 25,6% do total de ações. Se analisarmos o dispositivo legal questionado por essas ações diretas de inconstitucionalidade, verificaremos que todas essas dez ações referem-se às regras para as privatizações estabelecidas pela Constituição Estadual, bem como à própria lei que estabelece o Programa Estadual de Desestatização – PED.

Observando apenas o resultado do pedido de liminar, percebe-se que apenas 4% dos pedidos foram deferidos, no todo ou em parte, e outros 3% ainda aguardavam julgamento à época do levantamento. Todo o restante (82,1%) teve o pedido de liminar prejudicado ou indeferido, ou ainda teve seu teor "não conhecido", o que significa que a medida cautelar teve seu seguimento prejudicado.

Pode-se simplificar a Tabela 5 agregando as ações cujas liminares já foram julgadas, ou seja, foram indeferidas, deferidas ou deferidas em parte; as ações cujas liminares não foram julgadas, mas já foram extintas, que são aquelas que foram prejudicadas ou não reconhecidas; e as Adins com liminares aguardando julgamento.

Das dezenove Adins que já foram julgadas, apenas quatro (10,2%) foram deferidas ou deferidas em parte, e as outras quinze foram indeferidas. Assim, das 39 liminares solicitadas, 32 (82,1%) não foram concedidas, ou seja, não conseguiram suspender a inconstitucionalidade que estava sendo sugerida. Este grande número de liminares cassadas ou negadas demonstra que, embora algumas poucas ações tenham conseguido retardar, ainda que por um curto espaço de tempo, a venda de algumas empresas estatais, elas não foram eficazes na tarefa de impedir o curso das privatizações.

Embora as empresas estatais já tenham sido privatizadas, os dados apresentados demonstram que 30,8% das Adins ainda aguardavam o julgamento de seus méritos à época do levantamento, o que significa que não conseguiram, quando foram ajuizadas, alterar o curso das reformas políticas que estavam em jogo. Os outros 69,2% são processos encerrados por terem sido considerados improcedentes, terem o mérito prejudicado ou "não conhecido", terem seu seguimento negado ou ainda serem extintos. Analisando o julgamento do mérito das Adins, temos o Gráfico 2.


Portanto, 26 (66,7%) ações não tiveram seu mérito julgado, mas já foram extintas, ou por terem o mérito prejudicado ou não conhecido, ou por terem seu seguimento negado. A única ação cujo mérito foi julgado foi considerada improcedente.

É importante salientar que nenhuma ação teve o mérito julgado procedente. Assim sendo, o fato de a metade das ações ainda não ter tido o seu mérito julgado permite considerar duas visões alternativas acerca do problema: (1) ou podemos pensar que, mesmo que as empresas tenham sido privatizadas, as ações ainda não foram julgadas (e muito provavelmente não o serão, uma vez que poderá ser declarada a perda do objeto da ação, fazendo com que ela seja extinta), ou seja, não houve uma interferência efetiva do Judiciário na política de privatizações; (2) ou ainda podemos pensar que metade das ações ainda não foi julgada e, quando o for, poderá mudar o rumo das reformas e, portanto, ainda não se pode dizer que foram ineficientes em alcançar o objetivo de brecar as privatizações – dado que ainda não tiveram seu mérito avaliado. Suponhamos então que algumas dessas ações tenham uma sentença favorável, confirmando que o PND ou algum processo de venda tenha sido inconstitucional. Será que isto implicará em uma reversão da privatização já concretizada, ou seja, em uma invalidação do contrato de venda e no conseqüente retorno da empresa para mãos estatais, em função da "inconstitucionalidade" do processo? Isto é, que algum juiz decidirá a favor do requerente da ação, e, portanto, pela inconstitucionalidade do processo de privatização, revertendo a venda e "reestatizando" uma empresa que já está sob domínio privado? Parece-me pouco provável tal medida ser tomada por qualquer juiz.

De qualquer ótica que se olhe para essa questão, o que se vê é sempre o mesmo quadro: as ações impetradas provocaram uma politização da justiça, mas não conseguiram barrar a política adotada pelo governo e não foram instrumentos eficientes para alterar o rumo do quadro vigente no momento, qual seja, o de um processo de privatizações em curso, implementado pelo governo como parte de uma política mais ampla de reforma do Estado brasileiro. O único resultado obtido foi o retardamento do processo, mas não o seu cancelamento em função das ações impetradas.

Retomando então o conceito de ciclo de judicialização, que implica, primeiramente, na politização da justiça (acionamento do Judiciário), passando pelo julgamento do pedido de liminar para, enfim, chegar no julgamento do mérito da ação direta de inconstitucionalidade – na judicialização da política propriamente dita, analisei as Adins apresentadas. O Gráfico 3 indica em que medida cada uma das fases do ciclo de judicialização é efetivada.


Como indica o gráfico, apenas uma única das 39 ações passou pelas três fases, e as outras 38 Adins (97,5%) ou ainda estão aguardando julgamento do mérito, ou tiveram seu mérito prejudicado, não conhecido, ou negado o seguimento – isto é, não julgado. Dessa forma, mesmo o Judiciário tendo sido acionado enquanto importante ator institucional com poder de veto ao processo de privatizações, ele não impediu a continuidade deste programa, reforçando o impulso já dado pela maioria parlamentar, que aprovava as medidas do Executivo, para o sucesso da reforma liberalizante. É o que se pode verificar na análise das ações impetradas no decorrer das privatizações, que não conseguiram impedir nenhum leilão de venda, embora todos os setores de atividade econômica com empresas privatizadas tenham apresentado ações contra os leilões.

Se, como afirmei na definição de judicialização com que estou trabalhando, o juiz acha que pode e deve intervir no rumo das políticas, devo considerar também se o juiz julgou as ações contrárias às políticas governamentais em curso. A resposta que encontrei, pela análise das três fases do ciclo de judicialização, é negativa. Apenas uma ação teve seu mérito julgado, e ainda assim foi considerada improcedente, não sendo reconhecida a inconstitucionalidade sugerida pela Adin. Das outras 38 Adins, doze ainda estão aguardando o julgamento e as 26 restantes já foram extintas sem mesmo terem o mérito analisado, ou seja, tiveram seu mérito prejudicado, não conhecido ou negado o seguimento.

Uma vez que não estou admitindo judicialização da política apenas como um fenômeno resultante de um grande número de ações impetradas na justiça, sendo este aqui chamado de politização da justiça, independente do resultado que elas venham a produzir, então pode-se afirmar que o Poder Judiciário não conseguiu reverter, no caso das privatizações, o rumo de políticas públicas governamentais – o que vai no sentido do que afirmou Castro (1997), ou seja, de que as decisões do Supremo Tribunal Federal, ao não decidirem sobre o mérito da ação, acabam por favorecer o Executivo, em detrimento da outra parte do processo.

Os dados aqui apresentados corroboram a idéia de que é preciso olhar com mais cautela para o que a literatura nacional vem chamando de judicialização da política. A análise do caso das privatizações mostra que o Judiciário não interveio na arena política e, portanto, não se pode dizer que ele vem produzindo no Brasil a judicialização da política somente em função de números de ações impetradas que têm por objeto políticas públicas. O elevado número de ações pode ser apenas uma expressão do novo formato institucional adotado por este Poder a partir de 1988, que favorece a politização da justiça, mas não necessariamente representa a judicialização da política.

CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por objetivo compreender a influência do Poder Judiciário brasileiro no período pós-Constituição Federal de 1988 sobre a agenda de reformas liberalizantes em curso no país, especialmente a política de privatizações de empresas estatais iniciadas pelo governo Collor. Buscou-se entender qual o verdadeiro peso do Judiciário sobre as políticas governamentais e de que maneira a crescente interferência deste Poder, no âmbito da política, vem se processando no Brasil.

Constatei que aquilo que a literatura vem chamando de judicialização da política é um processo muito mais complexo do que vem sendo apresentado, e envolve não apenas uma nova comunidade de intérpretes que impetram no Judiciário diversas ações com o intuito de buscar soluções judiciais para conflitos políticos, mas também um grupo de atores essencial para a obtenção de resultados deste processo – os magistrados, que no contexto da nova Constituição de 1988 traçaram os contornos assumidos pela inserção do Judiciário na arena política no país.

Partindo do conceito de ciclo de judicialização, procurei confirmar a hipótese de que não se pode falar em judicialização da política sem uma análise acurada do resultado efetivo obtido pelas ações impetradas no rumo das políticas públicas que se pretende alterar através da utilização do Poder Judiciário.

Nesse sentido, analisei os dados obtidos, em um total de 842 ações, com ênfase no acionamento do Poder Judiciário por associações de classe, sindicatos e partidos políticos contra a política de privatizações. Somadas a essas ações, considerei ainda outras 39 Adins, impetradas entre 1988 e 2002, relativas ao programa de privatizações. Esses dados demonstraram que os juízes têm se eximido de adotar uma postura política ativa e de promover uma interferência judicial em âmbitos eminentemente políticos, o que pode ser verificado pelo resultado das ações impetradas: nenhuma das ações conseguiu barrar a venda de uma empresa estatal.

Das 39 Adins que foram impetradas, questionando alguma etapa ou procedimento da privatização de empresas estatais, 19 ações (48,7%) tiveram o pedido de liminar apreciado, mas quando se observa o resultado do mérito, tem-se que apenas uma ação (2,5% do total) foi julgada, e outras 26 já foram extintas sem o julgamento do mérito, sendo que nenhuma conseguiu reverter o processo de desestatização.

Com isso, pode-se afirmar que o acionamento do Poder Judiciário por partidos, entidades de classe e associações de trabalhadores, não tendo conseguido impedir a venda das empresas estatais incluídas no PND, não perfez os resultados políticos esperados por meio do acionamento do Judiciário e, dessa forma, não reproduziu no país o fenômeno da judicialização da política. Todavia, uma questão pode ser colocada: era esta a intenção dos requerentes de ações? Ou seja, eles queriam realmente bloquear e impedir o processo de desestatização ou apenas retardá-lo, aumentando, assim, os custos do processo e, também, a sua própria visibilidade junto à opinião pública? Se o objetivo era o de elevar os custos do processo e, desta maneira, dificultá-lo, a estratégia era seguramente apropriada. Apenas a politização da justiça conseguiu produzir esse resultado, embora a judicialização da política não tenha sido alcançada.

Em resumo, a utilização do Judiciário não impediu, mas retardou a ação do governo no caso das privatizações, além de levá-lo a mudar as suas estratégias de ação face à avalanche de processos judiciais e de pedidos de liminar. Neste sentido, o acionamento do Judiciário refletiu-se no processo de privatizações. Contudo, uma vez que estou trabalhando com um conceito de judicialização da política que implica em uma participação ativa dos magistrados no rumo dos assuntos definidos na esfera da política, julgando as ações que chegavam ao Judiciário, então é possível afirmar que este Poder, embora tenha sido chamado a se pronunciar sobre questões políticas, não judicializou tais questões, pois não julgou o mérito de tais ações. Ao fim e ao cabo, uma vez que a venda das empresas já se concretizou e o Judiciário não a impediu, fica realmente difícil imaginar que o processo será revertido; o poder decisório do Judiciário e sua influência sobre a cena política são substancialmente afetados a partir do momento que os novos controladores das empresas já "entregaram o cheque" e começaram a exercer o seu poder. A partir de então, pouco se pode fazer, além de esperar que as ações se extingam por perda de objeto.

NOTAS

8. A autora enfatiza que "[...] os dois processos coincidiram parcialmente no tempo, uma vez que a definição das regras continuou a se processar mesmo depois de iniciadas as vendas. Apesar da coexistência, transcorreram em espaços políticos e institucionais diferentes, caracterizados por diferentes estruturas de pontos de veto, bem como por diferentes atores com poder de veto" (Almeida, 1999:434).

13. De 39 Adins, 24 foram impetradas por partidos políticos, todos eles de esquerda.

(Recebido para publicação em março de 2005)

(Versão definitiva em maio de 2005)

Vanessa Elias de Oliveira é doutoranda em ciência política pela Universidade de São Paulo – USP e pesquisadora do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea– CEDEC. Suas áreas de interesse são: políticas públicas e instituições políticas (E-mails: van.elias@uol.com.br e vo2112@columbia.edu).

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  • WERNECK VIANNA, Luiz et alii. (1999), A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan.
  • 1
    . Note-se que o que está em questão não é o fato de a ação ter sido procedente ou improcedente, mas sim se ela foi ou não julgada.
  • 2
    . Como colocou Werneck Vianna
    et alii (1999:119) "o papel do STF como guardião da Constituição não se firma apenas quando reconhece a demanda de um intérprete em favor da inconstitucionalidade de um diploma legal, mas também quando a nega".
  • 3
    . Uma revisão mais detalhada acerca da literatura já foi realizada por mim e por Ernani Carvalho, em um trabalho apresentado no XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS (Oliveira e Carvalho, 2002), no qual fazemos uma distinção entre a abordagem da sociologia do direito e da ciência política. Para a análise aqui proposta, centrar-me-ei na da ciência política, em especial aquela específica do caso brasileiro.
  • 4
    . Em
    Os Federalistas, Hamilton, Madison e Jay afirmam: "Não se pode dar nenhum peso à afirmação de que os tribunais podem, a pretexto de uma incompatibilidade, substituir as intenções constitucionais do legislativo por seus próprios desejos. [...] Os tribunais devem especificar o sentido da lei; e caso se disponham a exercer a
    vontade em vez do
    julgamento, isso levaria igualmente à substituição do desejo do corpo legislativo pelo seu próprio. Se esta observação provasse alguma coisa, seria de que não deve haver nenhum juiz além do próprio legislativo" (1993:482, ênfases minhas).
  • 5
    . De acordo com Vieira (2002),o Brasil foi um dos primeiros países a adotar o sistema do
    judicial review, na Constituição de 1891, em que já estava presente o poder do Judiciário controlar atos normativos infraconstitucionais.
  • 6
    . Ação Direta de Inconstitucionalidade – Adin é um instrumento jurídico que tem por finalidade questionar a constitucionalidade de leis ou atos normativos. Podem propor Adin, a partir da Constituição de 1988: o presidente da República; as Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas; os Governadores de Estado; o Procurador Geral da República; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional (art. 103).
  • 7
    . Estes dois autores foram trabalhados por mim e por Carvalho (2002) (cf. nota nº 3).
  • 9
    . Os dados brutos sobre os processos referentes às privatizações foram fornecidos à autora pelo Departamento de Contencioso do BNDES.
  • 10
    . Embora a Caraíba esteja entre as empresas privatizadas no setor, ela não sofreu nenhuma ação judicial contra a sua privatização.
  • 11
    . Lembrando que esta tabela, por analisar as empresas privatizadas em cada ano, exclui as ações contra empresas que ainda não haviam sido privatizadas, bem como as ações contra o próprio Programa Nacional de Desestatização.
  • 12
    . Estes dados a pesquisadora buscou no site do STF na Internet (
  • *
    Este trabalho originou-se da minha dissertação de mestrado intitulada O Poder Judiciário Brasileiro após a Constituição de 1988: Existe uma Judicialização da Política? Uma Análise da Política de Privatizações, defendida no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo – USP, em 2003. Agradeço à Maria Hermínia Tavares de Almeida, pela cuidadosa orientação, e aos professores Fernando Limongi e Andrei Koerner, pelas sugestões dadas no exame de qualificação e na defesa de tese.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2005
    • Recebido
      Mar 2005
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