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Juan Carlos Portantiero (1934-2007): o intelectual e a política

Juan Carlos Portantiero (1934-2007): the intellectual and politics

Juan Carlos Portantiero (1934-2007): l'intellectuel et la politique

Juan Carlos Portantiero (1934-2007): o intelectual e a política* * [A tradução do original em espanhol "Juan Carlos Portantiero (1934-2007): El Intelectual y la Política" é de Renata Oliveira Rufino.]

Juan Carlos Portantiero (1934-2007): the intellectual and politics

Juan Carlos Portantiero (1934-2007): l'intellectuel et la politique

Jorge Lanzaro

ABSTRACT

This article traces the intellectual and academic history of Argentine sociologist Juan Carlos Portantiero. The posthumous tribute presents an overview of his academic output, highlighting his published works and his participation Latin American political thinking.

Key words: Latin America; Juan Carlos Portantiero; South American sociology; Argentina

RÉSUMÉ

Dans cet article, on présente la trajectoire intellectuelle et universitaire du sociologue argentin Juan Carlos Portantiero. Cet hommage posthume cherche à offrir un panorama de sa production, tout en soulignant ses publications et sa participation à la pensée politique latino-américaine.

Mots-clé: Amérique Latine; Juan Carlos Portantiero; sociologie sud-américaine; Argentine

Em março de 2007 faleceu o sociólogo argentino Juan Carlos Portantiero, figura de projeção em seu país e na América Latina, por sua trajetória acadêmica e sua condição de ponto de referência intelectual, por seu compromisso com a política e uma vocação produtiva marcada pela cultura socialista.

Sentiremos saudades do "Negro Portantiero", um amigo de modos muito portenhos, que viveu em Montevidéu até os 11 anos de idade e era um bom conhecedor do Uruguai. Elegante, irônico e distante, mas amigo confiável, era amante do Boca Juniors, especialista em tangos e cinema, soube ser um crítico literário fino e sempre manteve sua inclinação pelo jornalismo, desde suas primeiras incursões nos anos 1950 até ser vencido pela doença.

A TRAJETÓRIA ACADÊMICA

Portantiero pertenceu aos primeiros graduados de uma escola de sociólogos excelente – que se criou na Argentina a partir do trabalho pioneiro de Gino Germani – e teve uma trajetória acadêmica muito destacada.

Iniciou-se como professor da Universidade de Buenos Aires, nos tempos tormentosos de fins dos anos 1960 e princípios dos 1970, partindo depois ao exílio no México, onde exerceu o magistério na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales – FLACSO. De regresso à Argentina, com a chegada da democracia, dedicou-se desde 1985 à cátedra de sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), onde foi decano durante dois períodos (1990-1998), fundador da revista Sociedad e, posteriormente, professor emérito. Teve uma longa carreira como pesquisador, que culminou com a direção de um importante projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD sobre a democracia na Argentina (2001-2002).

Suas publicações constituem uma referência obrigatória para as ciências sociais, começando pelos Estudios sobre las Orígenes del Peronismo (1971), escrito em co-autoria com Miguel Murmis, obra significativa e ainda vigente (reeditada em 2004) que desafiava as interpretações do mestre Germani sobre um fenômeno tão central na vida argentina (em cujas "mutações estão as razões de sua permanência"). É preciso dizer que esta pesquisa aborda questões muito relevantes de política comparada – os traços do populismo e suas relações com o sindicalismo tradicional – que se referem especialmente ao peronismo, mas que também estão presentes em outras experiências "clássicas" (Getulio Vargas no Brasil, a Revolução Mexicana e, particularmente, as obras de Lázaro Cárdenas). Tais problemas voltam a ser concebidos em outras coordenadas, com as manifestações atuais do nacionalismo popular (notoriamente na Argentina de Kirchner) ou nos movimentos originários do novo populismo de esquerda (notoriamente na Venezuela de Chávez).

A preocupação pelas opções da classe trabalhadora vem acompanhada do interesse pelo nacional e popular, presente nas concepções do marxismo e nos enfoques de Gramsci sobre a hegemonia, sempre zelosos das conquistas efetivas dos populismos (ver, por exemplo, Lo Nacional Popular y los Populismos Realmente Existentes [1981], em co-autoria com Emilio de Ipola).

De uma extensa bibliografia, deve-se destacar também Los Usos de Gramsci (1971), um texto de grande popularidade que iniciou a promoção das riquíssimas contribuições de Antonio Gramsci ao pensamento político e se inscreve em um projeto maior, de exploração de linhas renovadoras do marxismo, que se propagou precisamente por aqueles anos. Portantiero foi também aí um representante notável. Seu nome fica, sem dúvida, firmemente ligado à fama teórica e política de Gramsci, graças a um trabalho de reconhecimento no qual pesa igualmente o insigne José Aricó, bem como outros latino-americanos, que criaram novas pontes com o mundo europeu e especialmente com os pensadores italianos, em particular através das três etapas da revista Pasado y Presente1 1 . Tanto assim, que o Instituto Gramsci de Roma editou uma coleção de estudos sobre o mestre sardo, que não apenas inclui um artigo de Juan Carlos Portantiero ("Gramsci Leitor de Maquiavel"), mas se trata de um volume completo dedicado a Portantiero e Aricó: Studi Gramsciani nel Mondo, Giuseppe Vacca e Giancarlo Schirru (eds.), Bologna, Il Mulino, 2007. .

Em Estudiantes y Politica en América Latina (1978), Portantiero faz uma boa abordagem da problemática que dá título ao livro e reúne material de interesse para a biografia de nossas pátrias, incluindo um discurso de José Pedro Cardoso de 1934, época em que o veterano socialista uruguaio era dirigente estudantil.

Juan B. Justo, un Fundador de la Argentina Moderna (1999) é um trabalho valioso para a análise da história política argentina e ressalta o papel que desempenhou no correr de 1900, uma das vertentes socialistas mais relevantes da região. Finalmente, El Tiempo de la Política (2000) compila vários artigos da última época, entre os quais há dois muito sugestivos: "Las Apuestas de la Democracia en América Latina" e "Los Socialismos del Siglo XXI".

Portantiero recebeu duas vezes o Prêmio Konex (Sociologia 1996, Ciência Política 2006) e, em uma cerimônia muito emotiva, a FLACSO designou-o Doutor Honoris Causa (2006). Pouco antes de partir, disse-me com sua ironia habitual: "se me dão tantos prêmios é que devo estar para morrer...".

A INTERVENÇÃO INTELECTUAL NA POLÍTICA

Ao longo desse caminho, Portantiero buscou sempre a intervenção política. No início, de forma direta, como membro do Partido Comunista, do qual foi expulso em 1963, de tanto se opor ao stalinismo vernáculo, mas sobretudo como protagonista de um ativismo intelectual, que reunia a paixão pelo pensamento e a prédica política, combinando o sólido domínio dos clássicos da Teoria Sociológica e da Teoria Política com uma atração pelo socialismo, crescente e sempre mutante. Aqui encontramos uma marca constante de seus trabalhos: na docência e em seus ensaios, no jornalismo e em sucessivas publicações de cunho socialista.

No início dos anos 1970 esteve nas "cátedras marxistas" da UBA, em contraposição com as "cátedras nacionais" dos acadêmicos peronistas. Uniu-se ao memorável Pancho Aricó e seu grupo de cordobeses "barulhentos" para editar Pasado y Presente (1963-1965, 1973-1974), uma saga que fez época, trazendo as renovações do marxismo e uma releitura de Gramsci de grande impacto. Fundou-se assim uma sociedade pessoal e política duradoura, que se aproximou das correntes revolucionárias que surgiram por aqueles anos na Argentina e continuou no exílio no México, onde os "gramscianos argentinos" editavam Controvérsia ese reuniam em um Grupo de Discussão Socialista, ocupando o café da livraria Gandhi com sua conversa, o jogo de xadrez e as saudades.

De volta ao torrão natal, trouxeram o projeto e armaram acampamento na recém-inaugurada livraria Gandhi de Buenos Aires. Com o reforço de portenhos que tinham resistido dentro do país, o grupo fundou o Clube de Cultura Socialista (1984), do qual Portantiero foi várias vezes presidente e que hoje leva o nome de Aricó (com toda razão, porque Pancho foi um caudilho intelectual, aglutinador de gente, erudito nos marxismos e conhecedor como poucos do pensamento latino-americano). À moda dos velhos ateneus e em conjunto com La Ciudad Futura (1986), o Clube continua sendo um centro qualificado de debates, com boa circulação de nativos e estrangeiros.

DA HETERODOXIA COMUNISTA AO SOCIALISMO LIBERAL

As evoluções teóricas acompanharam as mudanças políticas, em um trajeto em capítulos, que vai do comunismo à revolução urgente, para chegar depois ao socialismo democrático, incorporando a crença liberal. Uma seqüência na qual se reconhecem, por certo, as opções seguidas por boa parte das esquerdas contemporâneas.

Nos anos 1960 e 1970 houve uma aproximação aos setores marxistas radicais e depois à esquerda peronista, aos Montoneros e a outros grupos armados. No México, foi o momento para fazer um balanço e propor novos aprendizados: os debates sobre as experiências diversas dos dois mundos europeus, que passavam, a partir de 1968, por uma inflexão importante, cruzam-se com as lições da formidável derrota de todas as "vias" que as esquerdas tinham ensaiado na América Latina, desde a semente da Revolução Cubana até a tragédia da Unidade Popular no Chile. Virão, então, críticas e autocríticas, a incorporação das contribuições do eurocomunismo, mais leituras gramscianas – que colocam de outro modo, à frente, a questão da hegemonia e do pluralismo –, enfim, uma reivindicação franca da democracia, que chegou para ficar.

Este filão se afirma no regresso à Argentina, com a incorporação das dimensões republicanas e do liberalismo, que se aproxima dos ensinamentos de Norberto Bobbio e de propostas como a de Carlo Rosselli. É o momento em que Portantiero – junto a Emilio de Ipola e outros companheiros de estrada – ingressa no círculo de Raúl Alfonsín, passando posteriormente a fazer parte dos nomes de esquerda que aderem à Aliança. Por outro lado, não aderiu quando vários núcleos de esquerda se integraram à alternativa liderada por Néstor Kirchner.

Portantiero é uma figura representativa da esquerda socialista argentina, afastada da classe trabalhadora e impedida de levantar reivindicações populares, por suas próprias limitações e pelas potentes emergências populistas que se sucederam (o primeiro radicalismo e depois, e sobretudo, o peronismo). Passada a etapa mais propícia de Juan B. Justo e do Partido Socialista, essa esquerda encontrou dificuldades irremediáveis para compor uma alternativa autônoma competitiva. Viuse limitada, principalmente, às posturas testemunhais e a uma participação marginal, renegando a "política criolla", espremida entre o radicalismo e o peronismo, definindo-se contra os mesmos ou aproximando-se pendularmente do progressismo de um ou outro pólo e ainda dividindo-se por causa de tais posturas.

Neste cenário, muitos intelectuais de esquerda optaram por concentrar-se na produção de cultura socialista, gerando uma massa crítica de alto nível que contrasta com o escasso peso de seus agrupamentos políticos e se destaca no firmamento internacional. A partir dali puderam somar-se às peripécias das esquerdas, incidindo a seu modo nas mudanças de rumo próprias e alheias, através do debate ideológico, e renovando os enfoques sobre temas estratégicos. Neste pacote entra a comparação básica do populismo com o socialismo, que remete às variantes do nacional e popular. Paralelamente, entra também o entrecruzamento do socialismo com a democracia, um tópico universal maior, que leva à questão do pluralismo e das vertentes liberais.

Nesta trilha encontramos o que de melhor nos deixou Portantiero, com reflexões sobre o passado dos últimos 50 anos, que servem de referência para as análises do presente: quando os temas que alimentaram sua curiosidade intelectual voltam a estar sobre a mesa e no novo ciclo das esquerdas latino-americanas, convivem em termos inéditos as recriações do nacionalismo popular, outra leva de governos populistas e a estréia de fórmulas social-democráticas vernáculas.

NOTA

Jorge Lanzaro é professor do Instituto de Ciência Política da Universidad de la República, Uruguay, do qual foi fundador e diretor. É organizador de Tipos de Presidencialismo y Coaliciones Políticas en América Latina (Buenos Aires, Clacso, 2001) e La Izquierda Uruguaya: Entre la Oposición y el Gobierno (Montevideo, Fin de Siglo, 2004), dentre outros (E-mail: jorge.lanzaro@gmail.com).

  • 1
    . Tanto assim, que o Instituto Gramsci de Roma editou uma coleção de estudos sobre o mestre sardo, que não apenas inclui um artigo de Juan Carlos Portantiero ("Gramsci Leitor de Maquiavel"), mas se trata de um volume completo dedicado a Portantiero e Aricó:
    Studi Gramsciani nel Mondo, Giuseppe Vacca e Giancarlo Schirru (eds.), Bologna, Il Mulino, 2007.
  • *
    [A tradução do original em espanhol "Juan Carlos Portantiero (1934-2007): El Intelectual y la Política" é de Renata Oliveira Rufino.]
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      2007
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