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A leitura de textos plurilíngues por estudantes surdos a partir de uma abordagem de intercompreensão: enfoques sobre a dimensão psicológica

Reading plurilingual texts by deaf students from an intercomprehensive approach: a focus on the psychological dimension

RESUMO

A intercompreensão como abordagem plurilíngue pode favorecer o desenvolvimento das multiliteracias4 4 Optamos pela utilização do termo mutiliteracias, sinônimo de multiletramentos no Brasil, por ser o termo utilizado na nossa bibliografia de referência, com base em Cope & Kalantzis (2009). dos estudantes surdos, integrando-os em um mundo multilíngue e multimodal. Este artigo se apoia na implementação, junto de estudantes surdos de Brasil e Portugal, de um Programa de Intercompreensão em Línguas com foco na leitura, que objetivou desenvolver as suas multiliteracias. O eixo psicológico do referencial que suporta o Programa envolve a abertura às línguas e à diversidade, motivação e confiança para lidar com o novo, a descoberta das relações entre línguas e a vontade de explorá-las. Os dados analisados provêm das videogravações das sessões do Programa; registros no diário da investigadora e atividades dos alunos. Os resultados indicam que construir sentidos em línguas pouco conhecidas pelos estudantes demandou investimento cognitivo e psicológico, no qual autoconfiança, disposição para arriscar e resiliência foram fundamentais. O diálogo, a multimodalidade do Programa e a combinação de modalidades linguísticas na comunicação favoreceram a mobilização e expansão dos repertórios dos participantes e o desenvolvimento das suas multiliteracias.

Palavras-chave:
surdos; plurilinguismo; intercompreensão; dimensão psicológica; multiliteracias

ABSTRACT

Intercomprehension as a multilingual approach can favor the development of the multiliteracies of the deaf and their integration in a multilingual and multimodal world. This article is based on the implementation, with deaf students from Brazil and Portugal, of a Language Intercomprehension Program focused on reading, which aimed at the development of their multiliteracies. The psychological axis of the framework that supports the Program involves aspects such as openness to languages and diversity, motivation and confidence to deal with the new, the discovery of the relations between languages, the willingness to explore them. The data analyzed come from video recordings of the sessions; records in the investigator’s journal; students’ activities. The results indicate that meaning-making in languages little known by students required effort and cognitive and psychological investment, in which self-confidence, willingness to risk and resilience were fundamental. Dialogue and valorization of all opinions, the multimodality of the Program and the combination of linguistic modalities in communication have encouraged the mobilization and expansion of the participants’ repertoires and the development of their multiliteracies.

Keywords:
deaf; plurilingualism; intercomprehension; psychological dimension; multiliteracies

1. Introdução

As dimensões multimodal e multilíngue das multiliteracias adquirem especial relevância no mundo atual, no qual as novas práticas de comunicação demandam, por sua vez, novas práticas de literacias. Com esta premissa, perspetivamos uma visão holística da comunicação entre os indivíduos (surdos e ouvintes) no do dia-a-dia da vida em sociedade, na qual todas as línguas e suas variedades e todas as linguagens fazem parte e interagem na construção de sentidos (Bagga-Gupta & Weckström, 2020Bagga-Gupta, S., & Weckström, P. (2020). On 3rd positions in democratic contexts. An education-for-all, culture-for-all and a society-for-all. School of Education and Communication, Jönköping University.; Lúgaro et al., 2021Lúgaro, C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2021). Deafness and Multiliteracies: Paths towards Inclusion in a Plurilingual and Multimodal World. In F. Anastassiou (Ed.), Biliteracy and Multiliteracies: Building Paths to the Future (pp. 186-217). Cambridge Scholars Publishing. https://www.cambridgescholars.com/product/978-1-5275-6820-4/
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).

A construção de sentidos em contexto multilíngue e multimodal, no qual os fatores afetivos e emocionais estão presentes e influenciam todo o processo, demanda grande esforço cognitivo. Autores que estudaram a dimensão afetiva na aprendizagem de línguas concluem que as emoções (positivas ou negativas) desencadeadas durante experiências de aprendizagem influenciam o andamento do próprio processo, o sucesso nos resultados e a relação do indivíduo com o objeto de aprendizagem, podendo, ainda, impactar nos futuros processos de aprendizagem (Dewaele & Li, 2020Dewaele, J.-M., & Li, C. (2020). Emotions in Second Language Acquisition: a critical review and research agenda. Foreign Language World, 196(1).; Dörnyei & Ryan, 2015Dörnyei, Z., & Ryan, S. (2015). The psychology of the language learner revisited. Taylor and Francis Inc. Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315779553/
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; Krashen, 1982Krashen, S. D. (1982). Principles and Practice in Second Language Acquisition. University of Southern California.).

Em uma perspetiva de comunicação plurilíngue e multimodal, a intercompreensão em línguas (IC), como uma abordagem de comunicação que mobiliza as semelhanças entre diversas línguas para a compreensão de textos plurilíngues, invoca competências e predisposições para a comunicação (Ollivier et al., 2020Ollivier, C., Capucho, F., & Araújo e Sá, H. (2020). Les competences en interaction plurilingue - Trois dimensions saillantes. In C. H. C. O. M. Strasser. (Ed.), Lehr- und Lernkompetenzen für die Interkomprehension: Perspektiven für die mehrsprachige Bildung (pp. 69-85). Waxmann Verlag.), tanto linguísticas, quanto estratégicas e atitudinais. As últimas, segundo os autores citados, formam parte da dimensão psicológica desta abordagem, que abrange aspetos intrapsicológicos (motivação, medo perante o novo e o desconhecido, confiança nas capacidades de aprendizagem) e socioafetivos envolvendo a relação consigo mesmo, os outros e as línguas.

Apoiadas no exposto, concebemos e implementamos um programa plurilíngue e multimodal para surdos, designado Programa de Intercompreensão em Línguas (PIL), com foco na leitura, junto de estudantes de ensino médio de Brasil e Portugal, cuja finalidade era impulsionar o desenvolvimento das multiliteracias deste público. O desenho do PIL enquadrou-se dentro de um referencial teórico5 5 Para uma visão detalhada do PIL e o referencial teórico de suporte, ver Lúgaro, Araújo e Silva (2022). (https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/8170) que foi construído com base nas dimensões e descritores de competência em IC desenvolvidos no âmbito dos projetos MIRIADI6 6 MIRIADI. Mutualização e Inovação por uma Rede de Intercompreensão à Distância (2012-2015). https://www.miriadi.net/pt-pt/diprolinguas. e EVAL-IC7 7 EVAL_IC. Avaliação das competências em intercompreensão: recepção e interações plurilíngues (2016-2019). http://evalic.eu/leprojet. . Um dos eixos deste referencial é o eixo psicológico, que abrange as vertentes acima consideradas. Seus componentes são: a consciencialização da diversidade linguística; o despertar de uma atitude de abertura e sensibilidade para a diversidade; a curiosidade e o desejo de transitar entre línguas pouco conhecidas; a motivação e disposição de utilizar os conhecimentos e experiências prévias na construção de sentidos em eventos de comunicação plurilíngue, o que implica autoconfiança a resiliência.

Neste artigo, objetivamos apresentar, em um primeiro momento, as bases teóricas que dão suporte à implementação do PIL com uma população surda. Em seguida, no encontro de características constituintes de uma abordagem de IC, que estão no âmago do PIL, analisaremos de que maneira e com quais resultados as componentes do eixo psicológico elencadas emergem durante as sessões de implementação do Programa. Ainda, serão abordados as emoções e os sentimentos que surgiram num cenário esculpido pelas trajetórias e vivências individuais, as diferentes línguas e modalidades de línguas, e as culturas e identidades que essas línguas carregam.

2. Por uma educação linguística democrática, empoderadora e emancipatória

Pensar em uma educação linguística democrática implica colocar em plano de igualdade todas as línguas, suas variedades e modalidades, e seus diferentes usos em contextos diversos de comunicação entre indivíduos com backgrounds socioculturais diversos e com identidades fluidas e dinâmicas.

Assim, alinhamo-nos com uma perspectiva de comunicação plurilíngue entre indivíduos detentores de repertórios plurais, o que desconstrói a concepção de língua como “entidade estável, discreta, delimitável, nomeável, enumerável e mapeável” (Nascimento, 2019Nascimento, A. M. do. (2019). Repertórios linguísticos como índices biográficos: (auto)representações multimodais de estudantes indígenas através de retratos linguísticos. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 20(1), 1-37. https://doi.org/10.1590/1984-6398201914476
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). Ainda, essa perspectiva concebe as práticas comunicativas como instâncias fluidas, multimodais, híbridas, nas quais os repertórios emergem, se mobilizam, se combinam e se expandem para contribuir à construção de sentidos.

Nessa ecologia complexa e multidimensional das práticas comunicativas, a noção de repertório linguístico alarga-se para abranger experiências e vivências, ou seja, todos os recursos adquiridos ao longo da vida, tanto em ambientes formais como informais de aprendizagem. Como escrevem Blommaert e Backus (2013Blommaert, J., & Backus, A. (2013). Superdiverse Repertoires and the Individual BT - Multilingualism and Multimodality: Current Challenges for Educational Studies (pp. 11-32). https://doi.org/10.1007/978-94-6209-266-2_2
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, p. 28), repertórios são “records of mobility: of movement of people, language resources, social arenas, technologies of learning and learning environments” que, segundo os autores, vão sendo alimentados e complementados nos percursos e trajetórias biográficas.

Por esse ângulo, os repertórios são constituídos tanto pelos recursos individuais adquiridos na trajetória percorrida por cada sujeito como pelos elementos que se configuram na relação e na interação com o(s) outro(s). Por isso, os repertórios também são “chronicles of power relations” (Blommaert & Horner, 2017Blommaert, J., & Horner, B. (2017). Mobility and academic literacies: An epistolary conversation. London Review of Education, 15(1), 1-20. https://doi.org/10.18546/LRE.15.1.02
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), que refletem as vivências positivas, mas também as “restrições e desigualdades enfrentadas nos diferentes contextos e situações de aprendizagem” (Nascimento, 2019Nascimento, A. M. do. (2019). Repertórios linguísticos como índices biográficos: (auto)representações multimodais de estudantes indígenas através de retratos linguísticos. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 20(1), 1-37. https://doi.org/10.1590/1984-6398201914476
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, p. 7), sobretudo nos contextos em que a ênfase é posta na diferenciação e não na valorização da riqueza que a diversidade oferece.

Guiadas por uma perspectiva de educação para todos em prol da equidade, consideramos o surdo “enquanto autor e ator de uma cultura minoritária, enquanto usuário de uma língua natural, enquanto grupo heterogêneo que demanda uma educação bilíngue e multicultural” (De Sá, 2006De Sá, N. R. L. (2006). Cultura Poder e Educação de Surdos. Cadernos de Pesquisa, 118, 272-272. https://pt.scribd.com/doc/260966947/03-Sa-Nidia-Cultura-Poder-e-Educacao-de-Surdos-pdf
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, p. 13). Por isso, procuramos proporcionar-lhe oportunidades que incentivem a mobilização e a expansão dos seus repertórios, reconhecendo, ao mesmo tempo, o valor que a sua própria língua tem, na sua configuração identitária e afetiva (Oliveira & Naves, 2020Oliveira, U. A., & Naves, R. R. (2020). Ensino de português brasileiro escrito para surdos: um estudo sobre o desenvolvimento da competência linguística. In A. A. Lôpo Ramos & R. Lima (Eds.), Mobilidades linguístico-culturais:reflexões epistêmicas para o ensino (pp. 104-126). Edições Makunaima.).

Ainda, numa visão alargada de comunicação quotidiana, reconhece-se que a multimodalidade está presente, incluindo a modalidade viso-espacial que caracteriza o modo de organizar o pensamento dos sujeitos surdos. Nesta arena, a construção de sentidos é negociada entre línguas, variedades de línguas e linguagens. Por sua vez, os repertórios

[...] tornam-se opções ativadas pelos falantes/sinalizantes diante das pessoas com quem falam, das funções que as línguas podem desempenhar e dos contextos em que podem estar inseridas. Instaura-se a negociação, um campo que vai além, abrindo espaços, lugares e objetivos híbridos. [...] espaços de negociação que não se traduzem em um ou outro lugar, mas entre-lugares, em territórios de ambos. (Quadros, 2008Quadros, R. M. de. (2008). A educação de surdos na perspectiva da educação inclusiva no Brasil. Revista Espaço , 30, 12-17. https://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=24&idart=375
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, p. 16)

Esses entre-lugares nas práticas de comunicação remetem a um terceiro espaço (Bhabha, 2012Bhabha, H. (2012). The Location of Culture. Routledge. https://www.routledge.com/The-Location-of-Culture/Bhabha/p/book/9780415336390
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), um lugar aberto às distintas possibilidades emergentes a partir da relação dialógica com a diversidade, com o(s) outro(s). É um espaço inacabado, em exploração, subjetivo, no qual as identidades dos indivíduos se afirmam e se realizam e as emoções e a afetividade afloram e se expressam.

Entre as múltiplas possibilidades didáticas e práticas pedagógicas que emergem dentro deste enquadramento, a IC, como umas das abordagens plurais para as línguas e as culturas, promove a construção de sentidos na comunicação plurilíngue, rentabilizando as semelhanças e proximidades entre as línguas e os repertórios dos envolvidos (Araújo e Sá & Melo-Pfeifer, 2021Araújo e Sá, M. H., & Melo-Pfeifer, S. (2021). Online plurilingual language interaction: identity construction and the development of the plurilingual competence of students and teachers. A focus on intercomprehension. In E. Piccardo, A. Germain-Rutherford, & G. Lawrence (Eds.), Routledge Handbook of Plurilingual Language Education (pp. 276-295). Routledge.). No nosso estudo, a IC é convocada na sua vertente receptiva, com o fim de propiciar o encontro com a diversidade linguística e cultural e o desenvolvimento dos repertórios plurilíngues dos estudantes surdos na (co)construção de significados na comunicação plurilíngue (De Carlo & Garbarino, 2021De Carlo, M., & Garbarino, S. (2021). Intercomprehension: strengths and opportunities of a pluralistic approach. In E. Piccardo, A. Germain-Rutherford, & G. Lawrence (Eds.), Routledge Handbook of Plurilingual Language Education (pp. 337-359). Routledge.).

Como conceito norteador de nossa investigação, a IC cria espaços nos quais as identidades culturais são negociadas e validadas (Payant & Galant, 2022Payant, C., & Galant, A. (2022). A Word From The Guest Editors: Plurilingualism and Translanguaging: Pedagogical Approaches for Empowerment and Validation - An Introduction. TESL Canada Journal, 38(2), I-XXII. https://teslcanadajournal.ca/index.php/tesl/article/view/1467/1305
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) e serve como veículo do empoderamento das minorias, neste caso, da população surda. De fato, ao valorizar os repertórios individuais e promover a utilização de - e a reflexão sobre - estratégias e processos cognitivos e socioafetivos para a construção de sentidos em línguas pouco familiares, a IC coloca os estudantes surdos no caminho de uma educação linguística democrática, empoderadora e emancipatória.

3. A dimensão psicológica da IC em contexto plurilíngue com estudantes surdos

No seguimento do exposto, consideramos as práticas de comunicação, os usos das línguas, o languaging, como atividades individuais e sociais, dialógicas na sua essência (Garcia & Leiva, 2014Garcia, O., & Leiva, C. (2014). Theorizing and Enacting Translanguaging for Social Justice. 216. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7856-6
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; Swanwick, 2017Swanwick, R. (2017). Translanguaging, learning and teaching in deaf education. International Journal of Multilingualism , 14(3), 233-249. https://doi.org/10.1080/14790718.2017.1315808
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), nas quais as identidades emergem e os repertórios e todos os recursos comunicativos entram em jogo na construção de sentidos (Bagga-Gupta & Carneiro, 2021Bagga-Gupta, S., & Carneiro, A. S. R. (2021). Nodal frontlines and multisidedness. Contemporary multilingualism scholarship and beyond. International Journal of Multilingualism, 18(2), 320-335. https://doi.org/10.1080/14790718.2021.1876700
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). Ainda, quando estas práticas implicam uma interação plurilíngue em línguas pouco conhecidas pelos estudantes, ou envolvendo línguas de modalidades diferentes (escritas e gestuais), a construção de sentidos é resultado do envolvimento integrado e holístico, afetivo e emocional, cognitivo e estratégico, isto é, das etnografias dos indivíduos involucrados no processo comunicativo (García & Kleifgen, 2019García, O., & Kleifgen, J. A. (2019). Translanguaging and Literacies. Reading Research Quarterly, 0(0), 1-19. https://doi.org/10.1002/rrq.286
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; Melo-Pfeifer & Araújo e Sá, 2018Melo-Pfeifer, S., & Araújo e Sá, M. H. . (2018). Multilingual interaction in chat rooms: translanguaging to learn and learning to translanguage. https://doi.org/10.1080/13670050.2018.1452895
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).

Neste sentido, uma visão ecológica da comunicação, que considera os locutores como indivíduos social, histórica e ideologicamente situados e mediados pelos seus repertórios, entende as situações comunicativas como permeadas e entrelaçadas com a afetividade e as emoções (Prior, 2019Prior, M. T. (2019). Elephants in the Room: An “Affective Turn,” Or Just Feeling Our Way? The Modern Language Journal , 103(2), 516-527. https://doi.org/10.1111/MODL.12573
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). Acompanhando perspectivas em investigação que desafiam visões hegemônicas e predominantes em vários campos de conhecimento, incluindo o das línguas e identidades (Bagga-Gupta & Messina Dahlberg, 2018Bagga-Gupta, S., & Messina Dahlberg, G. (2018). Meaning-making or heterogeneity in the areas of language and identity? The case of translanguaging and nyanlända (newly-arrived) across time and space. International Journal of Multilingualism , 15(4), 383-411. https://doi.org/10.1080/14790718.2018.1468446
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; Breidbach & Küster, 2014Breidbach, S., & Küster, L. (2014). ‘Bildung’ ‘Multiliteracies’ and ‘Identity’ - Key Concepts in Language Education in the Light of Sociocultural Theory and Dynamic Systems Theory. In D. Abendroth-Timmer & E.-M. Hennig (Eds.), Plurilingualism and Multiliteracies (pp. 129-144). Peter Lang. https://doi.org/10.3726/978-3-653-03229-1/20
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), as emoções nos processos de ensino, aprendizagem e uso da língua precisam ser consideradas e estudadas em uma dimensão holística, considerando seu carácter complexo e multidimensional na dinâmica das interações nos diversos contextos (Dewaele, 2019Dewaele, J.-M. (2019). When Elephants Fly: The Lift-Off of Emotion Research inApplied Linguistics . The Modern Language Journal , 103(2), 533-536. https://doi.org/10.1111/MODL.12576
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; Dörnyei & Ryan, 2015Dörnyei, Z., & Ryan, S. (2015). The psychology of the language learner revisited. Taylor and Francis Inc. Routledge. https://doi.org/10.4324/9781315779553/
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; Prior, 2019Prior, M. T. (2019). Elephants in the Room: An “Affective Turn,” Or Just Feeling Our Way? The Modern Language Journal , 103(2), 516-527. https://doi.org/10.1111/MODL.12573
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).

Efetivamente, os estudos das emoções relacionadas à aprendizagem de uma língua estrangeira vem se ampliando e tomando novos rumos, abordando, também, os repertórios afetivos dos indivíduos bi/multilíngues (Pavlenko, 2006Pavlenko, A. (2006). Preface: Multilingualism and Emotions as a New Area of Research. In Bilingual Minds (pp. xii-xvi). Multilingual Matters. https://doi.org/10.21832/9781853598746-002/MACHINEREADABLECITATION/RIS
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). Os estudos recentes de Prior, (2019Prior, M. T. (2019). Elephants in the Room: An “Affective Turn,” Or Just Feeling Our Way? The Modern Language Journal , 103(2), 516-527. https://doi.org/10.1111/MODL.12573
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) e Dewaele e Li (2020Dewaele, J.-M., & Li, C. (2020). Emotions in Second Language Acquisition: a critical review and research agenda. Foreign Language World, 196(1).) revisam com olhar crítico a literatura sobre as emoções na aquisição de uma segunda língua e sugerem novos caminhos para investigar a relação entre as línguas e as emoções, um olhar mais holístico, crítico e criativo, que reconheça a diversidade, complexidade e multidimensionalidade das emoções no processo de aprendizagem de línguas para “a more embodied and dynamic approach to emotions” (Benesch 2012Benesch, S. (2012). Considering Emotions in Critical English Language Teaching. Theories and Praxis. Routledge., p. 35)8 8 Ver o estudo de Dewaele & Li (2020) para uma revisão dos estudos das emoções e aquisição de uma segunda língua na última década. .

Em uma perspectiva que considera as emoções entrelaçadas nas experiências linguísticas e inerentes a elas, Orlando (2021Orlando, I. R. (2021). Línguas indígenas em pauta na aula de inglês: possibilidades para uma educação linguística crítica. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 60(1), 30-42. https://doi.org/10.1590/01031813954431620210306
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) afirma que as práticas de ensino que levam em conta as emoções e sentimentos dos educandos promovem mudanças de atitudes sobre as desigualdades sociais. No seu estudo sobre o desenvolvimento de uma educação linguística crítica por meio da discussão sobre as línguas indígenas brasileiras e a luta desses povos, a autora sustenta que “os sentidos vão sendo tecidos por meio das relações e práticas sociais, em um processo permeado por emoções” (p. 35). Na mesma linha, Fisher et al. (2022Fisher, L., Evans, M., Forbes, K., Gayton, A., Liu, Y., & Rutgers, D. (2022). Language experiences, evaluations and emotions (3Es): analysis of structural models of multilingual identity for language learners in schools in England. International Journal of Multilingualism , 1-21. https://doi.org/10.1080/14790718.2022.2060235
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) se debruçam sobre as relações entre experiência linguística, avaliações e disposições emocionais no contexto da aprendizagem de línguas estrangeiras em escolas na Inglaterra. Os autores afirmam que a identidade multilíngue é moldada pelas experiências com as línguas; pelas próprias avaliações e crenças sobre as línguas, sobre si mesmo como usuário e aprendiz e sobre os outros; e pelas emoções.

Adentrando no âmbito do multilinguismo, a fluidez das emoções se intensifica e estas variam de acordo com as experiências, as relações e as trajetórias de vida individuais. A profunda e complexa carga emocional que existe na relação dos indivíduos com as línguas pode causar conflitos inerentes às identidades plurilíngues que, muitas vezes, são ignoradas ou autocensuradas (Piccardo, 2013Piccardo, E. (2013). Évolution épistémologique de la didactique des langues: la face cachée des émotions. Revue de linguistique et de didactique des langues, 48, 17-36. https://doi.org/10.4000/LIDIL.3310
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). Neste campo, os elementos socioafetivos e as emoções têm sido objeto de estudo dos especialistas em IC sob diferentes pontos de vista. Dentre os trabalhos mais recentes, encontramos o de Melo-Pfeifer e Araújo e Sá (2017Melo-Pfeifer, S., & Araújo e Sá, M. H.A.B. (2017). A dimensão afetiva na interação plurilingue: Dinâmicas de negociação de imagens e estereótipos na interação romanófona em chat. Revista Portuguesa de Educação, 30(2), 111. https://doi.org/10.21814/RPE.11864
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) que, ao estudar a relação afetiva entre as línguas, os locutores e a situação de comunicação na interação plurilíngue à distância, conclui que as conversas sobre imagens e estereótipos promoveram a coesão e colaboração entre os participantes bem como contribuíram para o bem-estar comunicativo e da intercompreensão. Além deste, um estudo sobre a construção da imagem de si e do Outro no diálogo intercultural mostra qua a componente afetiva como competência da comunicação intercultural se faz presente nas atitudes de abertura ao diálogo intercultural, na forma como os sujeitos manifestam a sua disponibilidade e na vontade de entrarem em relação (Araújo e Sá & Espinha, 2018Araújo e Sá, M. H., & Espinha, Â. (2018). “Adios… che l’avventura cominci! :)”: a construção da imagem de si enquanto motor da relação intercultural. Investigar Em Educação, 2(7), 37-70. http://pages.ie.uminho.pt/inved/index.php/ie/article/view/135/135
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)9 9 Ver a revisão da literatura realizada por Araújo e Sá, De Carlo e Espinha: Para uma caracterização da investigação em Didática sobre as interações plurilingues em contexto de intercompreensão à distância (2019). .

No que concerne aos estudos com a população surda, em geral, as investigações mais recentes tratam as emoções de maneira tangencial, relacionadas com a motivação, a intervenção precoce de surdos multiculturais ou a influência das emoções na aprendizagem (Bowen, 2016Bowen, S. K. (2016). Early intervention: A multicultural perspective on d/Deaf and hard of hearing multilingual learners. American Annals of the Deaf, 161(1), 33-42. https://www.jstor.org/stable/e26235244
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; Csizér & Kontra, 2020Csizér, K., & Kontra, E. H. (2020). Foreign Language Learning Characteristics of Deaf and Severely Hard‐of‐Hearing Students. The Modern Language Journal, 104(1), 233-249. https://doi.org/10.1111/modl.12630
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; Ferreira & Caldas, 2018Ferreira, R., Rodrigues B., & Caldas, T. D. (2018). As emoções na educação de surdos: o que dizem as professoras do Atendimento Educacional Especializado. 3322(83), 3222. https://www.conedu.com.br
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). O perfil histórico-cognitivo de pessoas surdas e as emoções que o constituem é o objetivo do trabalho de Gonçalves (2017Gonçalves, A. M. (2017). O perfil histórico-cognitivo de alunos surdos: entre relatos experienciais, emocionais e de aprendizagem na família e na escola. Periferia, 9(1). https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017.29407
https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017....
), que expõe o orgulho no uso da língua de sinais e na identificação com a cultura surda dos participantes da pesquisa. Outro estudo, que analisa as práticas pedagógicas bem sucedidas na Educação Superior nas vozes de estudantes surdos, aponta para a importância das componentes afetivas na relação com os professores, como o acolhimento, dedicação, aproximação e comunicação (Varela, 2018Varela, A. M. (2018). Práticas pedagógicas bem sucedidas na educação superior na compreensão de estudantes surdos(as). 2° Fórum Integrado da Pós-Graduação. https://bu.furb.br/soac/index.php/fip/2fip/paper/view/3224/956
https://bu.furb.br/soac/index.php/fip/2f...
).

Não encontramos trabalhos que descrevam os aspetos afetivos e as emoções que entram em jogo na construção de sentidos em contexto de comunicação e interação plurilíngue com uma população de alunos surdos. Apenas alguns estudos recentes com estudantes surdos da Hungria exploram as oportunidades e a motivação para a aprendizagem de línguas estrangeiras, assim como as suas percepções sobre os desafios que este processo implica e as características do processo de aprendizagem de uma terceira língua/língua estrangeira de estudantes surdos (Csizér & Kontra, 2020Csizér, K., & Kontra, E. H. (2020). Foreign Language Learning Characteristics of Deaf and Severely Hard‐of‐Hearing Students. The Modern Language Journal, 104(1), 233-249. https://doi.org/10.1111/modl.12630
https://doi.org/10.1111/modl.12630...
; Kontra, 2017Kontra, E. H. (2017). The foreign-language learning situation of Deaf* adults: An overview. Journal of Adult Learning, Knowledge and Innovation. https://doi.org/10.1556/2059.01.2017.1
https://doi.org/10.1556/2059.01.2017.1...
; Kontra et al., 2015Kontra, E. H., Csizér, K., & Piniel, K. (2015). The challenge for Deaf and hard-of-hearing students to learn foreign languages in special needs schools. European Journal of Special Needs Education, 30(2), 141-155. https://doi.org/10.1080/08856257.2014.986905
https://doi.org/10.1080/08856257.2014.98...
). Os resultados destes trabalhos indicam baixos níveis de motivação inicial e estímulos externos e práticos para aprender línguas, assim como a presença de diversos obstáculos e desafios, como a ausência de metodologias e material adequado, apesar do desejo dos surdos de aprender línguas.

Para este estudo, consideramos as emoções como constituídas de sensações e sentimentos, fluidas, dinâmicas e socialmente construidas (Benesch, 2012Benesch, S. (2012). Considering Emotions in Critical English Language Teaching. Theories and Praxis. Routledge.). No contexto específico de implementação de um Programa de Intercompreensão em Línguas (PIL) para surdos com foco na leitura, as emoções emergiram, potencializadas pelo ambiente multilíngue e multimodal, permeando as interações entre os participantes e o programa.

4. O PIL, seu contexto e participantes

Os dados analisados neste estudo foram coletados durante a implementação do PIL para surdos, com foco na leitura, desenvolvido como parte de pesquisa mais ampla da qual este estudo faz parte10 10 Os objetivos específicos do PIL, o seu processo de desenho e validação, assim como sua estrutura e o referencial teórico que o embasa, encontram-se descritos em Lúgaro, Araújo e Sá & Silva (2022). . O objetivo geral do PIL foi desenvolver as multiliteracias plurilíngues dos surdos com o intuito de promover sua autonomia e participação ativa nos processos de aprendizagem, a valorização e o diálogo com a diversidade, o espírito crítico e a rentabilização e expansão dos seus repertórios.

O PIL contêm uma introdução e três unidades que apresentam uma seleção de textos multimodais (narrativos, vídeos, folhetos, etc.) em 5 línguas diferentes (espanhol, francês, inglês, italiano e português), acompanhados de atividades diversificadas (Lúgaro et al., 2022Lúgaro, M. C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2022). Intercompreensão em línguas para surdos: uma proposta para o desenvolvimento das multiliteracias. Revista Lusófona de Educação, 54(54), 13-34. https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/8170
https://revistas.ulusofona.pt/index.php/...
). A tabela 1 apresenta, de maneira simplificada, a estrutura e a descrição das atividades do PIL.

Tabela 1
Estrutura e descrição das atividades do PIL11 11 Ver Lúgaro, Araújo e Sá & Silva (2022) para uma descrição detalhada e exemplificação das atividades do PIL

O programa foi implementado em 8 sessões de uma hora e meia cada, em modalidade online e presencial, com 9 estudantes de ensino médio de Portugal e do Brasil, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A dinamizadora das aulas foi a própria investigadora principal. Os estudantes estiveram sempre acompanhados pelo professor da turma e por um intérprete de Língua de Sinais (LS)12 12 Considerando que não interessa, para os objetivos deste estudo, discriminar as línguas utilizadas pelos participantes, adotamos o acrônimo LS (Língua de Sinais) para nos referirmos tanto à LGP (Língua Gestual Portuguesa) quanto à LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). como mediador entre eles e a investigadora. Abaixo, a tabela 2 sintetiza o contexto, os participantes, a modalidade de implementação e o período em que as aulas foram ministradas.

Tabela 2
Caracterização do contexto e participantes do PIL, modalidade e período de implementação

Na escolha dos contextos de implementação do PIL influenciaram questões relacionadas com a disponibilidade das instituições e seus calendários acadêmicos e de avaliações e, especialmente, alguns constrangimentos provocados pela situação pandêmica, que nos obrigaram a mudar de estratégia e de contexto mais do que uma vez. Depois de ultrapassados estes obstáculos, encontramos nestes ambientes abertura e colaboração, que permitiram a implementação do programa com sucesso.

Os dados analisados neste estudo foram recolhidos das transcrições das videogravações das sessões e dos bate-papos na plataforma Zoom. Após, foram confrontados e triangulados com os registros sobre as observações realizadas nas sessões do diário de bordo da investigadora e apontamentos das reuniões realizadas com docentes e intérpretes para avaliação do andamento do PIL13 13 As respostas às atividades ficaram registradas nos cadernos dos alunos apenas na introdução e na unidade 1. Depois de discussões com professores e intérpretes, chegamos à conclusão de que a escrita colocava excessiva pressão nos estudantes e atuava como barreira para discussões mais abertas. A partir da unidade 2, as respostas foram realizadas em LS e registradas nas gravações. .

As transcrições das gravações das sessões foram realizadas ipsis litteris e organizadas em 4 documentos correspondentes à introdução e cada uma das 3 unidades do programa.14 14 Considerando que não interessa aos nossos objetivos comparar alunos de diferentes escolas, regiões ou países, os dados foram analisados sem levar em conta essas distinções. Foi realizada uma primeira leitura imersiva das transcrições, das respostas das atividades dos alunos e das notas do diário de campo, o que nos permitiu a familiarização com o fenômeno estudado e a obtenção do sentido do todo. Nas sucessivas leituras, fomos selecionando e destacando palavras, expressões e parágrafos que acreditamos serem importantes para a interpretação e que se enquadravam nas duas unidades de análise que pretendíamos estudar. A partir disso, realizamos as codificações preliminares. Seguidamente, com o auxílio do software WebQDA, agrupamos as unidades de significado que se relacionavam entre si para sistematizar as categorias e sub-categorias que estruturam e explicam o fenômeno.

Este processo deu origem ao dispositivo de análise construído na interseção entre os componentes do eixo psicológico do referencial teórico do PIL e os indícios emergentes da leitura dos dados recolhidos. O processo de codificação dos dados foi guiado por duas categorias, construídas a priori: 1) atitudes perante a diversidade linguística e cultural, incluindo a consciência, abertura e disposição para a diversidade linguística e cultural; 2) mobilização de repertórios na comunicação, organizada, por sua vez, em duas subcategorias: (i) multimodalidade dos recursos mobilizados e (ii) trajetórias de vida reveladas.

Em todos os casos, os excertos dos discursos dos estudantes foram transcritos a partir das traduções realizadas pelas intérpretes de LS durante as sessões. Os alunos participantes são identificados com a letra A e um número de 1 a 9, referente ao número dos participantes, a investigadora com a letra I, as intérpretes com a letra T e o professor da turma pela letra P.

5. Resultados e discussão

A análise de conteúdo das transcrições das sessões do PIL e das atividades realizadas, com base no dispositivo de análise descrito anteriormente, fornece detalhes reveladores das individualidades dos participantes com relação à abertura, à conscientização e à predisposição para as línguas e culturas. Tais detalhes transpareceram nos repertórios mobilizados na construção de sentidos em contexto plurilíngue, evidenciando as diferentes experiências pessoais, contextos de vivência e experiências educativas.

Ao mesmo tempo, a análise contempla duas dimensões que perpassaram e impregnaram todos os processos que os estudantes realizaram durante as sessões do programa: (i) as emoções e sentimentos que emergiram no enfrentamento com línguas e culturas pouco conhecidas e a maneira que estas emoções e sentimentos se refletem nos repertórios mobilizados na leitura de textos plurilíngues; (ii) as reflexões dos alunos sobre os processos envolvidos e os caminhos percorridos para compreender textos em diversas línguas.

Atitudes face à diversidade linguística e cultural

A análise dos dados concernentes às atitudes dos estudantes surdos face à diversidade linguística e cultural foi realizada observando aspectos relacionados à percepção de uma realidade plurilíngue e pluricultural por parte dos alunos. Tal realidade passa pelo conhecimento do outro, assim como de si próprio, das suas trajetórias e saberes linguísticos (De Carlo & Anquetil, 2019De Carlo, M., & Anquetil, M. (2019). Un Référentiel de compétences de communication plurilingue en intercompréhension. EL.LE, 1. https://doi.org/10.30687/elle/2280-6792/2019/01/008
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).

O ponto de partida para a imersão no PIL foi a exploração e o registro fotográfico das paisagens linguísticas nas ruas do bairro, na cozinha ou na biblioteca de casa, bem como a construção de um mural colaborativo na plataforma padlet.com, presente na Figura 1.

Figura 1
Mural coletivo dos registros das PL realizadas pelos alunos

Apesar da quantidade de material coletado e das provocações realizadas pela investigadora para observar, questionar e interagir com as fotografias, os estudantes não se mostraram receptivos para fazê-lo. As discussões foram orais e giraram em torno dos motivos, dos lugares e do contexto das imagens e das línguas presentes. Todavia, um estudante mostrou curiosidade em indagar sobre a diversidade e levantou questões que remetem a representações estereotipadas sobre o prestígio de determinadas culturas em detrimento de outras. Neste momento, a investigadora devolveu as questões ao grupo no intuito de gerar discussão, mas encontrou apenas silêncio, o que deixou o debate restrito ao aluno e à investigadora.

“Então, nesse país (a cultura) é melhor que aqui?” A1

“O que vocês acham meninos” I

..........................................................................................

“Diferentes não significa melhor nem pior, não acha?” I

“Ah entendi, são diferentes, mas, de certa forma, iguais” A1

Este excerto comprova que, no encontro com a alteridade, este aluno foi levado a refletir sobre as representações construídas de si próprio, do outro e da diversidade (Câmara & Degache, 2021Câmara, É., & Degache, C. (2021). As biografias linguísticas como ferramenta de construção da identidade dos alunos. https://doi.org/10.47930/1980-685X.2020.2503
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). Porém, a ausência de reação do grupo na discussão parece indicar que estes alunos não estão habituados a discutir este tipo de assunto e aponta para a necessidade de proporcionar espaços de discussão crítica, troca de experiências e questionamento de discursos hegemônicos (Orlando, 2021Orlando, I. R. (2021). Línguas indígenas em pauta na aula de inglês: possibilidades para uma educação linguística crítica. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 60(1), 30-42. https://doi.org/10.1590/01031813954431620210306
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).

O PIL representou uma quebra de paradigma no que se refere às experiências linguísticas dos envolvidos. Nos primeiros encontros, algumas atitudes apontaram para sentimentos relacionados com insegurança e medo de arriscar ou vergonha de falhar: “Eu tenho que melhorar porque (nome da pessoa) respondeu certo e eu errado” A1; “Eu vou colocar isso porque a professora falou que estava certo” A3. Estes depoimentos, assim como o silêncio, o “não sei”, ou a insistência para pesquisar antes de dar uma resposta, evidenciam uma concepção de aprendizagem muito tradicional, com base no certo e no errado, que fez com que os alunos ativassem um mecanismo de defesa face uma situação desafiadora que, por vezes, atua como um primeiro passo em busca da resiliência (Young et al., 2008Young, A., Green, L., & Rogers, K. (2008). Resilience and deaf children: A literature review. Deafness and Education International, 10(1), 40-55. https://doi.org/10.1002/DEI.234
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). Neste caso, o contacto com 5 línguas diferentes, algumas pouco ou não conhecidas, numa modalidade diferente do modo de comunicação natural da comunidade surda, podem ter sido os gatilhos que desencadearam a insegurança e algumas reações como as de A8 que, nos primeiros encontros, negou-se a aparecer no vídeo e a trabalhar com os colegas, mostrando-se visivelmente irritado ao realizar as atividades.

Pensamos que estas dificuldades observadas no início do PIL podem ter sido potencializadas por dois fatores: a interação à distância que impede a utilização de elementos cruciais na comunicação dos surdos, como o contato visual ou o toque para chamar a atenção e participar em discussões (Karampidis et al., 2021Karampidis, K., Trigoni, A., Papadourakis, G., Christofaki, M., & Escudeiro, N. (2021). Removing education barriers for deaf students at the era of Covid-19. Proceedings of the 2021 30 th Annual Conference of the European Association for Education in Electrical and Information Engineering, EAEEIE 2021. https://doi.org/10.1109/EAEEIE50507.2021.9530920
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); e experiências anteriores com a aprendizagem de línguas, que levam a subestimar os conhecimentos prévios e seu papel no processo de aprendizagem (Paulo, 2019Paulo, L. M. de. (2019). A Intercompreensão no curso de Letras: formando sujeitos plurilíngues a partir da leitura de textos acadêmicos em línguas românicas [Doctoral thesis, Universidade de Sao Paulo, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-26032019-145256
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).

Porém, no final da unidade 1, quando perguntados sobre os sentimentos ao realizar as leituras e atividades, as respostas estiveram, em sua ampla maioria, relacionadas a sentimentos positivos, como vemos na Tabela 3.

Tabela 3
Seção “Meus pensamentos” no final da Unidade 1 do PIL.

Podemos deduzir que os estudantes foram ganhando autoconfiança, como resultado das dinâmicas dialógicas dos encontros que favoreceram a apropriação de estratégias para a realização das atividades e de uma abordagem intercompreensiva, que promove no leitor a capacidade de “descobrir-se capaz de aumentar seu repertório linguístico-comunicativo, partindo do que ele já sabe e é capaz de reconhecer” (Paulo, 2019Paulo, L. M. de. (2019). A Intercompreensão no curso de Letras: formando sujeitos plurilíngues a partir da leitura de textos acadêmicos em línguas românicas [Doctoral thesis, Universidade de Sao Paulo, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-26032019-145256
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, p. 97). Um exemplo é a fala do aluno A1 que, quando perguntado sobre como estava se sentindo ao finalizar a segunda aula, expressou: “Realmente esta segunda aula estou muito mais tranquilo. É igual a um bebezinho que começa a engatinhar e depois vai recebendo informações e vai desenvolvendo”. Está implícita nesta fala a existência de certo nervosismo inicial que foi melhorando e, na metáfora utilizada, o estudante mostra compreender que as inseguranças fazem parte do processo de crescimento e aprendizagem.

Na introdução do programa, que propôs aos alunos partilha e reflexão sobre sua trajetória em línguas, as que tinham estudado e as que ainda gostariam de aprender, somente três estudantes expressaram o desejo de aprofundar os conhecimentos em línguas. Em contrapartida, na discussão e avaliação final, a maioria manifestou querer conhecer e/ou aprender outras línguas e culturas, como exemplifica o depoimento de A4: “Fiquei muito curiosa e achei interessante esta diversidade de línguas e culturas que cada país tem. Deu para perceber coisas que eu não tinha consciência e consigo agora perceber de cada país, cada língua e cultura e que podemos fazer semelhanças entre elas”. Além de um incremento na curiosidade, houve a descoberta da maneira como as línguas funcionam e de novas possibilidades que, junto com estratégias metacognitivas, como a reflexão sobre os caminhos percorridos no processo de aprendizagem, contribuem para uma leitura plurilíngue bem-sucedida (Bonvino et al., 2018Bonvino, E., Fiorenza, E., & Cortés Velásquez, D. (2018). Observing Strategies in Intercomprehension Reading. Some Clues for Assessment in Plurilingual Settings. Frontiers in Communication, 3, 29. https://doi.org/10.3389/fcomm.2018.00029
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) e, consequentemente, para a autonomia na aprendizagem. Ao final do programa, dois alunos que, na primeira sessão, tinham afirmado não quererem aprender outras línguas, mudaram de opinião:

“(Gostaria de aprender) francês, porque no futuro poderia ir para França [...] a trabalhar.” A8

“(Queria aprender) a LS (da Inglaterra) para me comunicar com eles.”A7

Parece que os alunos passaram a vislumbrar novas possibilidades na aprendizagem de línguas para a expansão da bagagem cultural e de conhecimento (Araújo e Sá & Pinho, 2015Araújo e Sá, M. H., & Pinho, A. S. (2015). Intercompreensão em contexto educativo: resultados da investigação. In M. H. Araújo e Sá & A. S. Pinho (eds.). UA Editora.) que, no primeiro depoimento, relaciona-se com o interesse de ampliar os recursos linguísticos em prol de novas experiências laborais. Na segunda fala, o desejo de comunicação translocal envolvendo outras LS evidencia a carga afetiva desta modalidade linguística para A7 e seu significado identitário e cultural (Uhmann & Schwengber, 2020Uhmann, S. M., & Schwengber, M. S. V. (2020). Inclusões de alunos surdos. Revista Espaço Do Currículo, 13(Especial), 794-807.), o que foi constatado em outros momentos que analisados mais adiante.

Os depoimentos de dois estudantes sobre o desejo de aprofundar os conhecimentos em línguas diferentes revelam a sua relação com a língua portuguesa:

“Eu preciso aprender mais português porque preciso fazer coisas para minha mãe, ir na farmácia, pegar um remédio. Então, eu gosto mais de aprender português.” A2

“[...]. É importante o aprendizado de língua portuguesa [...], ter mais conhecimento e ir compreendendo cada vez mais as palavras.” A1

Estes dados sinalizam que estes alunos veem a língua portuguesa como uma língua estrangeira e que, apesar das angústias e desafios que os surdos enfrentam na sua aprendizagem, eles reconhecem a sua importância no acesso ao exercício de uma cidadania plena (Kuntze et al., 2014Kuntze, M., Golos, D., & Enns, C. (2014). Rethinking Literacy: Broadening Opportunities for Visual Learners. Sign-Language-Studies 14(2), 203-224. http://dx.doi.org/10.1353/sls.2014.0002
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; Sousa, 2018Sousa, A. N. (2018). The development of deaf people’s writing in Portuguese (Second language) and English (third language): Similarities and differences. Revista Brasileira de Linguistica Aplicada, 18(4), 853-886. https://doi.org/10.1590/1984-6398201812966
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). Por outro lado, enxergam-se como detentores de competências insuficientes nesta língua, resultado de práticas restritivas e homogeneizadoras das diferenças das subjetividades surdas (Witchs et al., 2019Witchs, P. H., Lopes, M. C., & Coelho, O. (2019). Formas possíveis de ser nas políticas linguísticas de educação de surdos em Portugal. Educação & Sociedade, 40, 2019. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019202053
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), que impõem um padrão de língua ideal e desqualificam as particularidades (Lima & Rezende, 2019Lima, H. J., de & Rezende, T. F. (2019). Escritas em português por surdos(as) como práticas de translinguajamentos em contextos de transmodalidade. Revista Educação Especial, 32, e94/1-19. https://doi.org/10.5902/1984686X38270
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), deixando marcas de frustração.

Mobilização de repertórios na comunicação

No decorrer do PIL, a ativação, mobilização e re(construção) dos conhecimentos linguísticos prévios e de todos os repertórios funcionaram como um impulsor cognitivo e afetivo para o uso de estratégias na construção de sentidos em leitura plurilíngue. Acerca disto, analisaremos desde a ótica da multimodalidade dos recursos utilizados e das trajetórias de vida reveladas na mobilização dos repertórios.

Multimodalidade dos recursos mobilizados

A multimodalidade na utilização de recursos nas práticas comunicativas rotineiras dos indivíduos pautou as interações dos alunos durante a implementação do PIL. Eles utilizaram múltiplos canais e modalidades de comunicação que incluíram línguas orais, escritas e LS, expressões faciais e corporais, leitura labial e resíduos auditivos (Gonçalves, 2017Gonçalves, A. M. (2017). O perfil histórico-cognitivo de alunos surdos: entre relatos experienciais, emocionais e de aprendizagem na família e na escola. Periferia, 9(1). https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017.29407
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), como exemplificamos na Tabela 4.

Tabela 4
Multimodalidade dos repertórios mobilizados e combinados durante as sessões do PIL

Vemos a complexidade, multidimensionalidade e riqueza que impregnam as interações comunicativas contínuas, fluidas e corporificadas (Nascimento, 2019Nascimento, A. M. do. (2019). Repertórios linguísticos como índices biográficos: (auto)representações multimodais de estudantes indígenas através de retratos linguísticos. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 20(1), 1-37. https://doi.org/10.1590/1984-6398201914476
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) dos estudantes que transitam um “espaço fronteiriço entre línguas” (Lima & Rezende, 2019Lima, H. J., de & Rezende, T. F. (2019). Escritas em português por surdos(as) como práticas de translinguajamentos em contextos de transmodalidade. Revista Educação Especial, 32, e94/1-19. https://doi.org/10.5902/1984686X38270
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, p. 1), como é o caso dos surdos.

No primeiro exemplo, o estudante valida os recursos de domínio parcial que compõem seu repertório, confirmando que o plurilinguismo envolve o conjunto dinâmico, complexo e fragmentado de recursos individuais (Blommaert, 2010Blommaert, J. (2010). The Sociolinguistics of Globalization. Cambridge University Press. https://doi.org/10.1017/CBO9780511845307
https://doi.org/10.1017/CBO9780511845307...
; Nascimento, 2019Nascimento, A. M. do. (2019). Repertórios linguísticos como índices biográficos: (auto)representações multimodais de estudantes indígenas através de retratos linguísticos. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 20(1), 1-37. https://doi.org/10.1590/1984-6398201914476
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). Também observamos que o aluno utilizou estratégias (meta)cognitivas, refletindo sobre o caminho percorrido para a compreensão, alicerce para a autonomia e emancipação como aprendiz (Garbarino, 2015Garbarino, S. (2015). Les avantages de l’entrée en langue étrangère via l’intercompréhension : « j’ai l’impression de lire du français mais écrit différemment donc je me sens puissante ! ». Éla. Études de Linguistique Appliquée, N° 179(3), 289-313. https://www.academia.edu/25078298/Les_avantages_de_l_entrée_en_langue_étrangère_via_l_intercompréhension_j_ai_l_impression_de_lire_du_français_mais_écrit_différemment_donc_je_me_sens_puissante
https://www.academia.edu/25078298/Les_av...
).

Os três últimos exemplos mostram que, para alcançar sucesso na comunicação e no processo de construção de sentidos, os estudantes mobilizaram e combinaram, de maneiras diversas e criativas, várias línguas (gestual, português, as línguas dos textos), diferentes modalidades (oral, escrita, gestual), diversos canais de comunicação (caderno impresso, vídeos, bate-papo do zoom), assim como elementos não e para-linguísticos como a linguagem corporal, expressões faciais, mímicas e gesticulações. Assim, presenciamos práticas fluidas e naturais de (trans)linguagem que, neste contexto, apresentam uma característica única de transmodalidade (Lima & Rezende, 2019Lima, H. J., de & Rezende, T. F. (2019). Escritas em português por surdos(as) como práticas de translinguajamentos em contextos de transmodalidade. Revista Educação Especial, 32, e94/1-19. https://doi.org/10.5902/1984686X38270
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). Deduzimos que, apesar das dificuldades iniciais de adaptação ao ambiente virtual, este proporcionou uma riqueza de meios de expressão que, aliada ao contexto de comunicação plurilíngue, levou os estudantes a realizar combinações criativas, explorando possibilidades de hibridização e mixagem dos repertórios e recursos que, em outras condições, talvez não fossem percebidas por eles (Piccardo, 2017Piccardo, E. (2017). Plurilingualism as a catalyst for creativity in superdiverse societies: A systemic analysis. Frontiers in Psychology, 8(DEC), 2169. https://doi.org/10.3389/FPSYG.2017.02169/BIBTEX
https://doi.org/10.3389/FPSYG.2017.02169...
).

Emoções que revelam trajetórias de vida

As emoções incutidas nas vivências com as línguas e na relação com elas emergiram quando os participantes foram imersos numa realidade plurilíngue e revelaram o seu lugar de fala e a sua relação com as línguas numa realidade de surdez. A dimensão biográfica dos repertórios evidenciou marcas de experiências passadas, vividas nas práticas de comunicação reais e situadas (Nascimento, 2019Nascimento, A. M. do. (2019). Repertórios linguísticos como índices biográficos: (auto)representações multimodais de estudantes indígenas através de retratos linguísticos. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, 20(1), 1-37. https://doi.org/10.1590/1984-6398201914476
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), sentimentos e emoções, ora de bem-estar, ora de desconforto (Busch, 2017Busch, B. (2017). Expanding the Notion of the Linguistic Repertoire: On the Concept of Spracherleben - The Lived Experience of Language. Applied Linguistics, 38(3), 340-358. https://doi.org/10.1093/APPLIN/AMV030
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), forjados em relações, reações, emoções e formas de aprendizagem (Gonçalves, 2017Gonçalves, A. M. (2017). O perfil histórico-cognitivo de alunos surdos: entre relatos experienciais, emocionais e de aprendizagem na família e na escola. Periferia, 9(1). https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017.29407
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). Na fala de A6, por exemplo: “Gostei do quarto (texto) porque é surdo e fala língua gestual que eu adoro, fala minha língua”, observamos a reafirmação de um sentimento de pertença à comunidade surda. A ênfase na expressão e o uso do possessivo “minha” mostra o orgulho que para este estudante representa a LS, como um dos traços que o identificam com uma cultura que lhe é própria, a cultura surda (Gonçalves, 2017Gonçalves, A. M. (2017). O perfil histórico-cognitivo de alunos surdos: entre relatos experienciais, emocionais e de aprendizagem na família e na escola. Periferia, 9(1). https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017.29407
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). Este sentimento ficou visível quando os alunos partilharam conhecimentos de LS internacional ou relataram experiências vividas com outros surdos e outras LS com muito entusiasmo, registrado no diário de investigação.

Também emergiram, em outros momentos, emoções negativas com relação à língua portuguesa e sua aprendizagem, fruto de ideologias linguísticas hierarquizadoras e de valores implícitos de poder que, historicamente, subalternizaram os grupos minoritários e suas línguas (Witchs et al., 2019Witchs, P. H., Lopes, M. C., & Coelho, O. (2019). Formas possíveis de ser nas políticas linguísticas de educação de surdos em Portugal. Educação & Sociedade, 40, 2019. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019202053
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). As angústias e inseguranças em relação à escrita e à compreensão da língua portuguesa se expressaram em atitudes de hesitação, em dúvidas na hora de escrever e em depoimentos explícitos.

“Escrever para mim é muito difícil.” A1

“Eu sei (em LS), mas em português não.” A2

“Preciso aprender mais este idioma (português).” A3

“Podem traduzir todas as frases pra mim?” A8

Estes discursos ratificam a ideia de Busch (2017Busch, B. (2017). Expanding the Notion of the Linguistic Repertoire: On the Concept of Spracherleben - The Lived Experience of Language. Applied Linguistics, 38(3), 340-358. https://doi.org/10.1093/APPLIN/AMV030
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), de que nosso repertório não está determinado somente pelos recursos que temos, mas também por aqueles que não temos e que, em determinadas situações, ficam expostos “as a gap, a threat or a desire” (p. 156). Nos depoimentos vislumbramos tensões e conflitos históricos existentes na complexa relação dos surdos com a língua escrita, que restringe o modo de ser surdo apenas a uma questão de diferença linguística e impõe padrões ideais de língua e de aluno (Dias, 2014Dias, A. F. A. (2014). O Papel da Afetividade nas Aulas de Língua Portuguesa como L2 para Alunos Surdos. Revista Espaço, 42. http://seer.ines.gov.br/index.php/revista-espaco/article/view/1313
http://seer.ines.gov.br/index.php/revist...
; Lima & Rezende, 2019Lima, H. J., de & Rezende, T. F. (2019). Escritas em português por surdos(as) como práticas de translinguajamentos em contextos de transmodalidade. Revista Educação Especial, 32, e94/1-19. https://doi.org/10.5902/1984686X38270
https://doi.org/10.5902/1984686X38270...
; Witchs et al., 2019Witchs, P. H., Lopes, M. C., & Coelho, O. (2019). Formas possíveis de ser nas políticas linguísticas de educação de surdos em Portugal. Educação & Sociedade, 40, 2019. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019202053
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) e que ignora a individualidade:“Desde 2020 estamos vivendo esta pandemia, todos usando máscaras, às vezes na escola os intérpretes (estão) de máscara [...], o esforço para entender tem sido maior...” A3. Esta denúncia revela a angústia que o aluno sentiu numa experiência pontual, mas expõe, nas entrelinhas, a disparidade no acesso ao conhecimento, que cerceia o direito a uma educação para todos (Kawachi & Kawachi-Furlan, 2021Kawachi, G. J., & Kawachi-Furlan, C. J. (2021). Construindo (outros) sentidos em tempos de crise: educação linguística crítica na universidade. Humanidades & Inovação, 8(62), 123-139. https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/4281
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; Lúgaro et al., 2022Lúgaro, M. C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2022). Intercompreensão em línguas para surdos: uma proposta para o desenvolvimento das multiliteracias. Revista Lusófona de Educação, 54(54), 13-34. https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/8170
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).

6. Conclusão

A dinâmica complexa e desafiadora do PIL, ao integrar diversas línguas e modalidades de línguas, demandou grande investimento cognitivo e emocional por parte dos alunos e expôs sua relação com as línguas e culturas, forjada nas relações sociais, experiências vivenciadas, sentimentos e formas de aprendizagens relacionados à condição de ser surdo (Gonçalves, 2017Gonçalves, A. M. (2017). O perfil histórico-cognitivo de alunos surdos: entre relatos experienciais, emocionais e de aprendizagem na família e na escola. Periferia, 9(1). https://doi.org/10.12957/PERIFERIA.2017.29407
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). O PIL possibilitou perceber a riqueza dos recursos que integram seus repertórios linguísticos e o valor da LS, que funcionou como trampolim afetivo no encontro com outras línguas e culturas, contribuindo para a afirmação de sua identidade e do sentimento de ser surdo. Vale a pena destacar, também, que os desafios encontrados na resolução de tarefas puseram à prova a capacidade de resiliência dos alunos que, ao exercitarem o diálogo e a colaboração com os pares, os professores e os intérpretes, arriscaram, questionaram e refletiram sobre as suas escolhas e decisões para obter sucesso na comunicação.

Podemos concluir que um programa deste tipo apresenta grandes potencialidades para serem exploradas na educação de surdos, normalizando a natureza plurilíngue e multimodal da comunicação humana bem como o caráter complexo, heterogêneo e multidimensional dos repertórios utilizados na interação dos surdos e ouvintes, que devem ser valorizados e ter sua utilização estimulada. Assim, estaremos contribuindo para o desenvolvimento do pensamento crítico e de uma consciência metacognitiva e metalinguística deste público, o que favorece a sua autonomia na aprendizagem e, consequentemente, propicia uma educação linguística intercultural, democrática e empoderadora.

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  • 5
    Para uma visão detalhada do PIL e o referencial teórico de suporte, ver Lúgaro, Araújo e Silva (2022Lúgaro, C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2021). Deafness and Multiliteracies: Paths towards Inclusion in a Plurilingual and Multimodal World. In F. Anastassiou (Ed.), Biliteracy and Multiliteracies: Building Paths to the Future (pp. 186-217). Cambridge Scholars Publishing. https://www.cambridgescholars.com/product/978-1-5275-6820-4/
    https://www.cambridgescholars.com/produc...
    ). (https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/view/8170)
  • 6
    MIRIADI. Mutualização e Inovação por uma Rede de Intercompreensão à Distância (2012-2015). https://www.miriadi.net/pt-pt/diprolinguas.
  • 7
    EVAL_IC. Avaliação das competências em intercompreensão: recepção e interações plurilíngues (2016-2019). http://evalic.eu/leprojet.
  • 8
    Ver o estudo de Dewaele & Li (2020Dewaele, J.-M., & Li, C. (2020). Emotions in Second Language Acquisition: a critical review and research agenda. Foreign Language World, 196(1).) para uma revisão dos estudos das emoções e aquisição de uma segunda língua na última década.
  • 9
    Ver a revisão da literatura realizada por Araújo e Sá, De Carlo e Espinha: Para uma caracterização da investigação em Didática sobre as interações plurilingues em contexto de intercompreensão à distância (2019).
  • 10
    Os objetivos específicos do PIL, o seu processo de desenho e validação, assim como sua estrutura e o referencial teórico que o embasa, encontram-se descritos em Lúgaro, Araújo e Sá & Silva (2022Lúgaro, C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2021). Deafness and Multiliteracies: Paths towards Inclusion in a Plurilingual and Multimodal World. In F. Anastassiou (Ed.), Biliteracy and Multiliteracies: Building Paths to the Future (pp. 186-217). Cambridge Scholars Publishing. https://www.cambridgescholars.com/product/978-1-5275-6820-4/
    https://www.cambridgescholars.com/produc...
    ).
  • 11
    Ver Lúgaro, Araújo e Sá & Silva (2022Lúgaro, C., Araújo e Sá, M. H., & Silva, A. I. (2021). Deafness and Multiliteracies: Paths towards Inclusion in a Plurilingual and Multimodal World. In F. Anastassiou (Ed.), Biliteracy and Multiliteracies: Building Paths to the Future (pp. 186-217). Cambridge Scholars Publishing. https://www.cambridgescholars.com/product/978-1-5275-6820-4/
    https://www.cambridgescholars.com/produc...
    ) para uma descrição detalhada e exemplificação das atividades do PIL
  • 12
    Considerando que não interessa, para os objetivos deste estudo, discriminar as línguas utilizadas pelos participantes, adotamos o acrônimo LS (Língua de Sinais) para nos referirmos tanto à LGP (Língua Gestual Portuguesa) quanto à LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
  • 13
    As respostas às atividades ficaram registradas nos cadernos dos alunos apenas na introdução e na unidade 1. Depois de discussões com professores e intérpretes, chegamos à conclusão de que a escrita colocava excessiva pressão nos estudantes e atuava como barreira para discussões mais abertas. A partir da unidade 2, as respostas foram realizadas em LS e registradas nas gravações.
  • 14
    Considerando que não interessa aos nossos objetivos comparar alunos de diferentes escolas, regiões ou países, os dados foram analisados sem levar em conta essas distinções.
  • 4
    Optamos pela utilização do termo mutiliteracias, sinônimo de multiletramentos no Brasil, por ser o termo utilizado na nossa bibliografia de referência, com base em Cope & Kalantzis (2009).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2022
  • Aceito
    25 Jul 2022
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