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Aspectos da gramática do português: uma abordagem funcionalista

NOTAS SOBRE LIVROS BOOKNOTES

Por/by: Almiro Dottori Filho

LAEL/PUC-SP

DECAT, Maria Beatriz Nascimento, SARAIVA, Maria Elizabeth Fonseca, BITTENCOURT, Vanda de Oliveira & LIBERATO, Yara Goulart (2001). Aspectos da gramática do português: uma abordagem funcionalista. Campinas, SP: Mercado de Letras (Coleção Idéias sobre Linguagem).

Este trabalho apresenta os resultados de algumas pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos Funcionalistas da Linguagem (GREF), formado por professores da UFMG e da PUC-Minas, que vêm, há algum tempo, produzindo trabalhos em forma de teses, artigos e apresentações em congressos.

A obra apresenta quatro capítulos, cujos temas têm um ponto em comum, qual seja, a abordagem funcionalista, o que justifica a sua reunião em um mesmo livro.

As autoras, apesar de tratarem de temas diversificados, procuram seguir os princípios do funcionalismo segundo Givón (1995), basicamente caracterizado por:

-a linguagem é uma atividade sociocultural;

-a estrutura serve a uma função cognitiva ou comunicativa;

-a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica;

-a mudança e a variação estão sempre presentes;

-o significado é dependente de contexto e não atômico;

-as categorias não são discretas;

-a estrutura é maleável, não rígida;

-as gramáticas são emergentes;

-as regras das gramáticas permitem desvios.

Maria Elizabeth Fonseca, no primeiro capítulo, apresenta os traços sintáticos e semânticos dos SNs nus, que atuam como objeto incorporado, em associação tão íntima com o sentido do verbo, que os dois elementos, verbo + SN, passam a formar um todo semanticamente coeso, a traduzir uma idéia unitária. Em uma análise da distribuição dessas construções no uso real da língua, a autora mostra que os objetos incorporados não são passíveis de se tornar tópicos do discurso, isto é, aquilo a respeito do que se pretende falar. Essa não-proeminência do nome incorporado é também mostrada neste primeiro capítulo, em que aparece, ainda, o maior índice de ocorrência do objeto incorporado no plano de Fundo (gama de informações de apoio, que dão maior substância e textura ao discurso) em relação ao plano de Figura (plano do realmente acontecido).

No segundo capítulo, Yara Goulart Liberato, partindo da hipótese de que a forma do SN é parcialmente determinada por sua função referencial, identifica as funções semânticas exercidas pelos elementos componentes do SN. Com base na sua contribuição para os processos de delimitação (tarefa do falante) e identificação (tarefa do ouvinte) do referente, a autora identifica seis funções: classificador, que delimita a classe mais ampla em que o referente é enquadrado numa determinada descrição; subclassificador, que delimita uma subclasse da classe mais ampla; qualificador, que fornece características do referente que, no entanto, não são utilizadas como delimitação de subclasse; recortador, que indica se o referente é constituído da totalidade ou de parte dos elementos da menor classe delimitada qualitativamente; quantificador, que indica a quantidade de elementos que constituem o referente; partitivo, que faz um recorte parcial sobre uma classe de entidades representadas por um SN.

No terceiro capítulo, Maria Beatriz Nascimento Decat procura mostrar que a forma da hipotaxe adverbial não se dá de forma arbitrária, nem é definida em termos do conectivo que esteja implícito nas cláusulas. O importante não e classificar uma cláusula como adverbial ou subordinada, mas de reconhecer a capacidade de ela se combinar com outras, refletindo uma propriedade organizacional básica do discurso em geral, que é a articulação para formação de um discurso coeso e coerente. A maneira como as cláusulas se articulam seria um reflexo da organização discursiva geral, pois entre elas estariam as mesmas relações presentes no discurso como um todo. Daí a pertinência de se empreender uma análise das porções menores do discurso, especialmente da articulação de cláusulas.

No quarto capítulo, após breve discussão sobre causatividade, Vanda de Oliveira Bittencourt busca apresentar os diferentes padrões causativos existentes em nossa língua, enfocando, particularmente, as causativas lexicais. Examina as suas propriedades semânticas, o seu estatuto morfossintático, e a relação icônica que se verifica entre os diferentes padrões causativos e o tipo de ação causativa. Nessa última abordagem, a autora atenta também às intenções que costumam mover os usuários da língua a optar por uma ou outra forma – mais ou menos sintética -, conforme o tipo de situação que vivenciam.

Os quatro estudos apontam para a relevância de uma análise que leve em conta níveis acima do sentencial. Assim é que toda a exemplificação tomada pelas autoras revela, ao ser discutida, a insuficiência do previsto pela Gramática Tradicional, cuja limitação aparece em alguns tópicos, como a transitividade verbal (capítulo primeiro), os artigos, os numerais e os pronomes indefinidos, e as orações adjetivas (capítulo segundo), as conjunções e as orações adverbiais (capítulos terceiro e quarto).

O trabalho enfatiza, enfim, a necessidade de trabalhar a língua em situação real de uso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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