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Using language

CLARK, Herbert H. (1996) Using Language. Cambridge, UK: Cambridge University Press.

Resenhado por Janete Sander COSTA

(UFRGS/CNPq)

PALAVRAS-CHAVE: Uso da linguagem; Ação conjunta; Interação face a face; Discurso

KEY WORDS: Language use; Joint action; Face-to-face interaction; Discourse

Em Using Language, obra principal de Herbert H. Clark a respeito do uso da linguagem, publicada em 1996, este cientista cognitivo do Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, apresenta-nos o resultado de um abrangente trabalho de mais de dez anos; uma conexão que faltava para ligar paradigmas e conceitos sociais aos cognitivos, os quais têm sido explicados separadamente. É uma obra instigante, no terreno das ciências da linguagem, na medida em que conjuga pontos de vista díspares a respeito do uso da linguagem em uma só teoria, não mais vendo a linguagem como um processo individual isolado ou como um processo exclusivamente social, pois propõe ser o uso da linguagem uma incorporação do individual e do social, uma tarefa resultante do incessante trabalho das ações conjuntas que as pessoas, com identidades e contextos próprios, realizam cotidianamente em conjunto e de modo coordenado. Encontra-se, nesta obra, quase que uma aproximação ecumênica destes dois extremos: o cognitivo e o social, engrossando assim a idéia de trabalhar em conjunto o que antes constituía dois campos de análise distintos. Segundo as palavras do autor, trata-se de "uma experiência empolgante, construtiva, prazerosa e prolongada". Apesar de suas qualidades, é uma obra ainda pouco conhecida dos estudiosos da linguagem brasileiros.

Ao longo das 432 páginas, Clark não só analisa e denomina os fatos relativos ao uso da linguagem numa perspectiva teórica inovadora como, sobretudo, propõe uma teoria sobre a natureza da linguagem. É no contexto usual da linguagem, essencialmente na interação face a face, por meio de ações em conjunto, que as pessoas constróem suas relações dialógicas. Dos desempenhos individuais, em coordenação com o(s) do(s) outro(s), criam-se atividades conjuntas que se constituem nas negociações do cotidiano. O uso da linguagem dá, assim, maior significado às relações humanas em seus mais variados contextos individuais e sociais. A ponte construída entre estes dois extremos estabelece não uma conexão linear entre falante e ouvinte mas uma conexão mais próxima de um modelo orquestral da comunicação, onde o comum, a participação, a comunhão, soam mais alto (Winkin, 1998). O falante e o ouvinte comunicam-se através de mensagem enviada por um canal que pode ser o ar (na interação face a face), a máquina (através do telefone e do computador) ou, ainda, o meio impresso. A máquina e o meio impresso ilustram o modelo de comunicação de Claude Shannon, cuja teoria da transição, que gerou o "sistema geral de informação" em 1949, adaptou-se perfeitamente aos computadores emergentes da época.

Trata-se de um livro de relevância teórica aos interessados: a) nas questões da aquisição e uso da linguagem no cotidiano das pessoas, destacando a comunhão do individual em interação com o social; b) na linguagem como parte do desenvolvimento natural dos indivíduos em grupos, com suas identidades, papéis e contextos vários, em que suas negociações, seus problemas, resolvem-se pela ação conjunta destes indivíduos, através da interação; c) na comunicação entre as pessoas, com seu(s) discurso(s) e sentidos; d) no uso da linguagem não do ponto de vista do paradigma do conduto ¾ em que a linguagem transfere pensamentos a outros ¾ metáfora de uso corrente, mas num paradigma mais ecológico onde há insucesso temporário e esforço constante pelo entendimento mútuo. É dirigido, enfim, a todos os que buscam, nas vias das ações coordenadas da linguagem em uso, seja do ponto de vista do indivíduo, ou deste em conjunto com outro(s), sua matéria prima de estudo e trabalho.

Clark, em Using Language, esmera-se na forma e no conteúdo, oferecendo ao leitor grande número de exemplificações que dão sustento e colorido aos seus pressupostos teóricos. São partes integrantes do livro: o Sumário, o Prefácio, as seis Partes e os Capítulos constituintes do corpo do livro, as Referências Bibliográficas, com nomes de importância à pesquisa do uso da linguagem. Oferece ainda o Índice de Sobrenomes e o Índice de Assuntos.

Na Parte I, a Introdução, Clark apresenta a tese norteadora de seu trabalho, a de que o uso da linguagem é uma forma de ação conjunta, análoga ao movimento dos bailarinos Fred Astaire e Ginger Rogers. Os graciosos bailarinos do cinema americano representam uma das situações do cotidiano das pessoas que Clark resgata para exemplificar sua noção de "ação conjunta ¾ aquela que é desencadeada por um conjunto de pessoas atuando em coordenação umas com as outras". Este livro é sobre o uso da linguagem, afirma Clark com veemência, tanto em seus processos individuais como em grupos, e que o desafio é explicar como funcionam todas essas ações conjuntas. Destacam-se quais os contextos em que o uso da linguagem acontece, ou seja, onde e por qual meio o uso da linguagem é intermediado: se oral, gestual ou por meio de sinais; se escrito, impresso ou misto. A cena é onde se passa a linguagem. Por uma decisão conceitual, Clark elege a palavra cenário ("setting") para a união do meio com a cena, porém mantendo o meio dividido entre formatos falado e escrito. E é nos "Cenários de Uso da Linguagem" (falados ou escritos), que a conversa é tida como um cenário básico. Aqui o autor estabelece sua ruptura com a polarização individual/social e traz a conversa para o centro do cenário.

Ao citar Charles Fillmore (1981:152), para quem "a linguagem da interação face a face é o uso básico e primário da linguagem, sendo todos os outros melhor descritos em termos de seu modo de desvio desta base", Clark vai além, lançando seus dois tipos de princípios de uso da linguagem: aqueles da interação face a face e aqueles que determinam como os usos secundários derivam ou dependem ou ainda dela evoluem. Clark novamente chama a atenção para a prioridade da interação face a face sobre outras formas de comunicação, por informalmente ser:

¾ universal às sociedades humanas (elimina os contextos escritos e aqueles contextos que dependem de tecnologias, como o rádio, telefone, televisão e gravações, que nem de perto são universais);

¾ mais tolerante e não exigir habilidades especiais (a leitura e a escrita requerem mais tempo de aprendizado);

¾ o cenário básico para as crianças adquirirem sua primeira língua ("a interação face a face é o berço do uso da linguagem", p.9);

¾ caracteristicamente co-presente, visível, audível, instantânea, evanescente, de possível gravação, simultânea, extemporânea, auto-determinante e auto-expressiva.

Ainda na Introdução, Clark traz a imagem das "arenas de uso da linguagem" para denominar os lugares onde as pessoas fazem coisas com a linguagem. No centro destas arenas, pessoas como Alan e Barbara desempenham papéis de falante e interlocutor, agindo não de forma independente mas coordenando reciprocamente suas ações. Tudo isso acontece graças ao volume expressivo de conhecimentos, crenças e suposições que ambos acreditam compartilhar, o que Clark chama de base comum. São os fundamentos de todas as ações conjuntas e essenciais à criação de significado do falante, assim como à compreensão do interlocutor. O autor expande os limites da "arena" fazendo a distinção entre participantes e não-participantes de uma ação conjunta, abrindo-a para mais interlocutores fazerem parte do cenário de uma conversa.

A seguir, Clark sugere chamar de "camadas de arena" da linguagem a outros agentes de diferentes relevâncias em outros cenários, representando diferentes maneiras de ouvir e entender, como os autores, dramaturgos, mediadores, atores, ghost-writers, tradutores e intérpretes. Na mesma linha conceitual, o autor denomina de "camadas de ação" os vários estágios em que se superpõem as ações conjuntas existentes num contexto de interação, comparando-os aos palcos teatrais, construídos uns sobre os outros, representando os diferentes domínios, isto é, saindo do cenário base ¾ a realidade ¾ presente em todas as formas de uso da linguagem como uma interação face a face, aos cenários derivados, como em peças de teatro ou quando uma professora lê aos seus alunos um trecho de uma história.

As ações de linguagem merecem destaque especial já na Introdução, pois, nas arenas do uso da linguagem, as pessoas podem tanto agir em níveis mais elevados de abstração (elas negociam, bisbilhotam, etc.) como em níveis mais baixos (solicitam, afirmam, prometem, desculpam-se, etc.). Em um nível ainda mais inferior, elas produzem sons, gestos, ouvem, vêem, tudo em função da realização de ações conjuntas ¾ um conjunto de pessoas agindo de forma coordenada. As ações conjuntas ou participativas desenvolvem-se a partir de ações individuais ou autônomas. É como ver a questão a partir da imagem da dupla face de uma moeda. As ações de ouvir e de falar de forma autônoma, como na transmissão de mensagens telegráficas, não abstraem o cenário das ações conjuntas. Clark afasta-se da metáfora do conduto (Reddy, 1993:167), argumentando que o ouvir e o falar são ações participativas, interdependentes, como as partes de um dueto, como o bailado de Fred Astaire e Ginger Rogers, como os movimentos num jogo de xadrez, ações que ultrapassam a mera transferência física de pensamentos e sentimentos.

São seis suas proposições de trabalho:

¾ Proposição 1. A linguagem é fundamentalmente usada com propósitos sociais. As línguas não existiriam se não fosse pelas atividades sociais das quais elas são instrumento.

¾ Proposição 2. O uso da linguagem é uma ação conjunta. As ações conjuntas exigem a coordenação de ações individuais, estando os participantes conversando face a face ou escrevendo um ao outro em tempo e espaço amplamente distintos.

¾ Proposição 3. O uso da linguagem sempre envolve o significado do falante e o entendimento do interlocutor. Embora o uso da linguagem seja bem mais do que querer dizer de um lado e entender do outro, estas noções são centrais, decisivas mesmo, para o uso da linguagem.

¾ Proposição 4. O cenário básico para o uso da linguagem é a interação face a face. A conversa também é o berço para o aprendizado da primeira língua pelas crianças. Se a conversa é básica, os outros contextos são dela derivados de um modo ou de outro.

¾ Proposição 5. O uso da linguagem tem freqüentemente mais de uma camada de atividade. Em muitos tipos de discurso ¾ peças de teatro, narração de histórias, ditados, leitura de noticiário de televisão ¾ há mais do que um domínio de ação. No entanto, a conversa é um dos cenários mais ricos para o uso da linguagem.

¾ Proposição 6. O estudo do uso da linguagem é tanto uma ciência cognitiva como social. Para uma imagem completa, devemos incluir ambas as perspectivas.

Ao finalizar seu capítulo introdutório, Clark salienta a necessidade de se estudar o uso da linguagem à semelhança do estudo de qualquer atividade conjunta. Ao criticar os cientistas cognitivos por tenderem a estudar os falantes e os ouvintes como indivíduos e os cientistas sociais, por outro lado, por tenderem a estudar o uso da linguagem como uma atividade exclusivamente conjunta, ou seja, rejeitando os pensamentos e ações dos indivíduos, Clark abre espaço para lançar a sua teoria. Se o uso da linguagem é verdadeiramente uma espécie de atividade conjunta, ela não pode ser entendida por uma única perspectiva. O estudo do uso da linguagem tem que ser tanto do ponto de vista da ciência cognitiva quanto da ciência social. É este pressuposto que perpassa todos os seus conceitos, ao desenvolver com detalhe a sua teoria, num esforço de ação conjunta com o leitor.

No Capítulo 2, o conceito de atividades conjuntas é desenvolvido a partir da noção de tipo de atividade de Stephen Levinson (1992: 69) em que "a noção de tipo de atividade deve-se referir a uma categoria pouco distinta cujos aspectos em foco são acontecimentos com objetivos claros, socialmente estabelecidos e amalgamados, que restringem os participantes, o cenário, etc., mas, principalmente as espécies de participações que são permitidas. Exemplos característicos seriam o ensino, entrevista para emprego, interrogação em júri, jogo de futebol, trabalho de grupo, um jantar, etc." Tal noção refere-se a qualquer atividade reconhecidamente cultural, podendo ser simultânea ao período em que há verbalização oral ou até mesmo sem que haja qualquer tipo de fala. As atividades conjuntas são a categoria básica, sendo os chamados discursos apenas atividades conjuntas nas quais a linguagem convencional desempenha um papel de proeminência. Os demais sinais comunicativos como o olhar, os gestos simbólicos, o apontar, os sorrisos, os movimentos de cabeça, também participam das atividades conjuntas no uso da linguagem.

No Capítulo 3, Clark avança na questão do que sejam ações conjuntas propriamente e como elas funcionam no uso da linguagem, através da ação dos participantes: "O que faz uma ação ser conjunta, em última instância, é a coordenação de ações individuais realizadas por duas ou mais pessoas. Há coordenação tanto de conteúdo, o que os participantes pretendem fazer, como de processos, os sistemas físicos e mentais que eles selecionam ao realizar tais intenções"(p. 59). E isto Clark ilustra claramente com ações conjuntas do tipo que Ann e Ben realizam: ao remarem juntos uma canoa, Ann e Ben coordenam suas ações físicas e mentais, onde os processos selecionados de um e de outro dependem dos planos feitos, que, por sua vez, vão depender dos processos disponíveis a cada um e a ambos. É a coordenação contínua que o uso da linguagem requer.

A idéia de base comum ("common ground") é, para Clark, condição sine qua non para tudo que realizamos com o(s) outro(s). O que é base comum, que forma ela toma e que informação ela representa, como é ela criada, mantida e incrementada, são perguntas lançadas pelo autor ao iniciar seu Capítulo 4. Trata-se de tópico muito amplo ¾ indo da larga inferência a respeito da natureza humana, uma forma de auto-consciência, de natureza reflexiva, expressa através das línguas, dialetos e jargões, padrões culturais e procedimentos, às visões inefáveis, sons e sentimentos. É, por isso, expandido nos capítulos subseqüentes.

Na Parte III, dos Atos Comunicativos, os Capítulos 5 e 6 tratam do Significado e da Compreensão ("Meaning and Understanding") e da Sinalização desses atos. A visão tradicional dos atos comunicativos é que os mesmos são realizados por um falante de modo autônomo. Clark aponta aí o paradoxo de tal crença, na medida em que ao aproximar sua lente analítica, observa que os atos comunicativos são inerentes aos atos conjuntos. Mais ainda: os atos comunicativos compõem um dos degraus de uma escada de atos conjuntos. Começa, então, a analisar o Significado ("Meaning") ¾ o cerne de todos os atos comunicativos ¾ pela teoria de Grice (1957), revolucionária para os estudos do uso da linguagem: o uso da linguagem depende de sinais ("signs") naturais e de sua sinalização ("signals"). O aspecto distintivo aqui é que o uso da linguagem envolve também um sentido não-natural. E, seguindo com os pressupostos teóricos de Grice, Clark direciona suas reflexões às seguintes questões: 1. Do que o falante quer dizer e do que o sinal quer dizer e de sua coordenação; 2. Dos atos da fala: tipos de atos de elocução; de seu reconhecimento e rápida compreensão; das práticas sociais; 3. Da cooperação: dos problemas com o dizer; dos níveis de atos comunicativos; das escadas de ação; das ações conjuntas. Apoia-se aqui nas raízes latinas da palavra comunicar, "tornar comum" (mas tornar comum num grupo de pessoas) para justificar o significado dos atos comunicativos, que, em última análise, são atos conjuntos de vários níveis, cujos degraus formam uma escada de ações conjuntas.

Em Sinalização, Capítulo 6, ao definir sinais como os atos pelos quais uma pessoa quer dizer algo para outra, o autor estabelece a premissa de que, sem os sinais, o uso da linguagem não avançaria. A pergunta crucial que aqui se impõe, refere-se ao que são os sinais, já que eles auxiliam na definição do que é ou não uso da linguagem e ao que é a própria linguagem e, em última instância, como acontece a comunicação. Para Clark a sinalização vai além do uso exclusivo de símbolos. A sinalização compreende descrição, indicação e demonstração, a despeito do instrumento que a pessoa possa utilizar no uso da linguagem quando quer se fazer entender por alguém: seja a voz, as mãos, o rosto, os olhos ou o corpo. O curioso disto é que, do esforço oriundo das contribuições de ambas as partes para que a sinalização seja entendida, resulta de fato uma operação bem-sucedida. Sem esta coordenação precisa não pode haver comunicação. Assim, as expressões articuladas são realmente produtos da ação conjunta de falantes e interlocutores. Neste processo de uso da linguagem, as expressões articuladas são o produto mais tangível e, freqüentemente, vistas como produtos produzidos e formulados pelos falantes autonomamente.

Na Parte IV, em Os Níveis de Ação, é interessante o modo como Clark aborda a noção de "projetos conjuntos", no Capítulo 8, nos quais as pessoas constróem a partir de pequenas negociações, pela interação, atingindo projetos maiores em uma verdadeira atividade conjunta. Conseqüentemente, seu sucesso se reflete nos demais níveis mais inferiores de ação, de cada conversação, compreendendo os vários significados de cada alocução, que são entendidos tanto pelo falante como pelo ouvinte. Exemplos são dados em que perguntas aparentemente simples subentendem outras perguntas. Clark lança a hipótese de denominador comum ("grounding"), pela qual a interação consiste em duas pistas paralelas de ações onde as pessoas tentam nivelar suas ações conjuntas para estabelecerem um denominador comum, que sirva para os propósitos do momento. A seguir, ilustra essa hipótese com Roger tentando saber de Nina oficialmente se ela e seu marido têm um carro (pista I). Ao mesmo tempo, os dois estão tentando construir em conjunto um ato comunicativo bem-sucedido (pista II). A pista II é a linguagem colateral, a metalinguagem. As pistas I e II compreendem um projeto conjunto, com diferentes níveis de ação.

A análise da Parte V, O Discurso, trata do compromisso conjunto. Os indivíduos desejam e são capazes de agir independentemente, mas, nas ações conjuntas, faz-se necessário que todos os participantes se comprometam. No Capítulo 10, o autor traz as noções de eqüidade e orgulho, nas situações sociais, onde eqüidade diz respeito aos sistemas sociais criados pelos grupos sociais para equiparar as relações de custo e benefício e penalizar os membros que não aderirem a eles (sistema de mercado monetário, de justiça, etc.). No princípio: Ao propor um projeto conjunto, espera-se dos falantes que pressuponham um método de manutenção de eqüidade com seus interlocutores, é formulada a hipótese de como as pessoas mantêm a eqüidade e a face por meio de elogios, ofertas, agradecimentos, desculpas nos projetos conjuntos.

O lugar fundamental para o uso da linguagem é a conversa ou o diálogo espontâneo entre duas ou mais pessoas, tópico do Capítulo 11. Clark menciona que, apesar de sua estrutura ser constituída de partes hierarquicamente arranjadas, a conversa não é planejada, embora tenha propósito. Mesmo assim, a idéia de alternância, primeiramente apresentada por Sacks, Schegloff e Jefferson (1974: 704), é governada por regras, que resultam em uma seqüência ordenada do uso da fala ¾ as regras de alocação da palavra. Estas são limitadas para Clark, pois acredita não poderem ser aplicadas a todas as situações, dada a natureza espontânea, por vezes entrecortada, e a necessidade de atingir o sucesso nas atividades conjuntas. É necessário, portanto, muita coordenação entre as pessoas, sendo ela bem maior em projetos conjuntos. Por outro lado, conversas ordenadas são um testemunho da grande habilidade que as pessoas têm de coordenar as ações umas com as outras.

No Capítulo 12, Clark desenvolve o conceito de camadas, nas quais as pessoas desempenham ações conjuntas ao mesmo tempo, quando desejam contrastar algum mundo hipotético com o mundo verdadeiro, real, como por exemplo, no relato de histórias, no teatro e, mais sutilmente, em certos atos comunicativos, como convites meramente formais. São importantes suas contribuições teóricas aos estudos da Pragmática, ao abordar o conceito de atividade conjunta à luz da noção de camadas.

Finalmente, Clark conclui resumindo o que foi tratado no livro: a linguagem é primariamente um meio e não um fim ¾ ou seja, a linguagem destina-se a uma finalidade social e as atividades sociais não seriam possíveis sem linguagem. O uso da linguagem dá-se em níveis, ou seja, significados diferentes implícitos nas frases; trilhas ou pistas de comunicação, primária e secundária, onde a secundária dá as nuanças ou o colorido à conversação; e camadas, onde os fatos transmitidos são verdadeiros ou não, dependendo da camada, e incluem ironia, exageros, retórica, etc. Tanto os níveis como as pistas de comunicação como as camadas são construídos e tacitamente aceitos pelos interlocutores, fazendo parte da conversa normal. Gestos e sinais são parte importante da comunicação oral e fazem parte da linguagem, de seu uso.

Embora Using Language ofereça aos estudiosos das ciências da linguagem uma perspectiva mais conciliatória nas investigações a respeito do uso da linguagem, seu foco recai extensivamente em "cenários" de participantes adultos. A criança é mencionada apenas de passagem quando Clark diz que a linguagem é o berço para a criança aprender a primeira língua. No entanto, não entra em detalhes de como e em que circunstâncias esse aprendizado ocorre. O fato é que a criança faz um grande esforço e, de um conhecimento lingüístico praticamente nulo, passa a comunicar-se pela linguagem após um ano do nascimento, atravessando diversas etapas que poderiam ter sido abordadas. Clark, nesta obra, pressupõe o adulto falante. O desenvolvimento da linguagem da criança, de recém-nascido até adulto falante, é um hiato fascinante que mereceria uma atenção maior.

Referências Bibliográficas

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REDDY, M. J. (1993) The Conduit metaphor: A case of frame conflict in our language about language. In: A. ORTONY (ed.) Metaphor and Thought. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press:164-201.

SACKS, H.; SCHEGLOFF, E. A. & JEFFERSON, G. (1974) A simplest systematics for the organization of turn-taking in conversation. Language, 50: 696-735.

WINKIN, Y. (1998) O telégrafo e a orquestra. In: E. SAMAIN (org.) A nova comunicação: Da Teoria ao Trabalho de Campo. Campinas: Papirus: 21-34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2002
  • Data do Fascículo
    2001
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