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Processos criminais e articulação inquisitorial em prisões por tráfico de drogas no Rio de Janeiro: Reflexões acerca do encarceramento de mulheres

Criminal proceedings and inquisitorial coordination in prisons for drug trafficking in Rio de Janeiro: Reflections on the incarceration of women

Resumos

O objetivo deste trabalho é analisar mecanismos institucionais do Estado que operam processos de sujeição criminal de mulheres condenadas por tráfico e associação ao tráfico de drogas, conforme rege a Lei nº 11.343/2006. Para tanto, analisamos um conjunto de processos em sua fase executória no âmbito da Vara de Execuções Penais no Rio de Janeiro no período compreendido entre 2015 e 2019. A análise dos dados permitiu contextualizar as características das decisões condenatórias que atravessam as dinâmicas do encarceramento feminino no Brasil, a construção de casos com base nas informações contidas nos processos, bem como a constituição de um campo de forças no âmbito do Estado que resulta na produção da permanente e ampliada punição de mulheres. O resultado desta análise permitiu observar duas dimensões dramáticas em relação ao Sistema de Justiça Criminal brasileiro. De um lado, os processos criminais não são meros papéis oficiais digitalizados que dão suporte a uma linguagem hermética do Direito, mas um campo estatal penal que constrói vidas de modo a torná-las abomináveis e passíveis de punição. De outro, os processos se constituíram em um campo de pesquisa empírico que permitiu, igualmente, problematizar a ideia de que nosso sistema de justiça não representaria exatamente um sistema pela ausência de articulação entre as instâncias que o constituem. Ao contrário, pudemos observar que há um sistema caracterizado por um tipo específico de articulação, que denominamos articulação inquisitorial, que se revela exatamente no ponto de encontro das pessoas cujas vidas são consideradas minúsculas ou infames com o poder estatal.

Palavras-chave:
articulação inquisitorial; exclusão discursiva; mulheres condenadas por tráfico de drogas; sistema de justiça criminal; sujeição civil; sujeição criminal


This work aims at analysing institutional mechanisms of the State that operates processes of criminal subjection of women convicted of trafficking and association with drug trafficking as governed by Law 11.343/2006. To this end, we analysed a set of processes in their execution phase within the scope of the Criminal Executions Court in Rio de Janeiro in the period between 2015 and 2019. Data analysis allowed us to contextualize the characteristics of sentencing decisions that cross the dynamics of female incarceration in Brazil, the construction of cases based on the information contained in the processes, as well as the constitution of a field of forces within the State that results in the production of the permanent and expanded punishment of women. The result of this analysis allowed us to observe two dramatic dimensions in relation to the Brazilian Criminal Justice System. On the one hand, criminal proceedings are not mere official digitalized papers that support a hermetic language of law, but a state field that builds lives in such a way as to make them abominable and punishable. On the other hand, the processes constituted an empirical research field that also allowed us to problematize the idea that our justice system would not exactly represent a system due to the lack of articulation between the instances that constitute it. On the contrary, we could observe that there is a system characterized by a specific type of articulation, which we call inquisitorial articulation, which reveals itself exactly at the meeting point of people whose lives are considered tiny our infamous with state power.

Keywords:
civil subjection; criminal justice system; criminal subjection; discursive exclusion; inquisitorial articulation; women convicted of drug trafficking


Introdução

Neste trabalho trataremos de mecanismos institucionais do Estado que operam processos de sujeição criminal de mulheres condenadas por tráfico e associação ao tráfico de drogas, conforme rege a Lei nº 11.343/2006. Para tanto, analisamos um conjunto de processos, em sua fase executória, no âmbito da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 2015 e 2019.

A análise dos dados permitiu contextualizar as características das decisões condenatórias que atravessam as dinâmicas do encarceramento feminino no Brasil, a construção de casos com base nas informações contidas nos processos, bem como a constituição de um campo de forças no âmbito do Estado que resulta na produção da permanente e ampliada punição de mulheres.

Para análise dos dados, nos valemos de um conjunto de referências teórico-metodológicas sobre sujeição criminal, sujeição civil e exclusão discursiva que, como será visto ao longo do trabalho, permitiu a elaboração de questões relativas aos mecanismos institucionais que mantêm mulheres encarceradas por longos períodos e as motivações normativas, morais e subjetivas que orientam as sentenças condenatórias do encarceramento feminino.

O resultado desta análise permitiu observar duas dimensões dramáticas em relação ao Sistema de Justiça Criminal brasileiro. De um lado, os processos criminais não são meros papéis oficiais digitalizados que dão suporte a uma linguagem hermética do Direito, mas um campo estatal que constrói vidas de modo a torná-las abomináveis e passíveis de punição. De outro, os processos se constituíram em um campo de pesquisa empírico que permitiu, igualmente, problematizar a ideia de que nosso sistema de justiça não representaria exatamente um sistema pela ausência de articulação entre as instâncias que o constituem. Ao contrário, observamos que há um sistema caracterizado por um tipo específico de articulação, que denominamos articulação inquisitorial, que se revela exatamente no ponto de encontro das pessoas cujas vidas são consideradas minúsculas ou infames para o poder estatal (FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. pp. 89-128.).1 * Trabalho originalmente apresentado em dois eventos internacionais. No IX Seminário Internacional do INCT-InEAC - Direitos, Desigualdades e Ciência: impactos da pandemia em perspectiva comparada - GT2: Dinâmicas, fluxos e representações do crime e da justiça penal - 25 e 26 de outubro de 2022. Também no VI Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão - GT2: Cidades e prisões - 29 e 30 de novembro de 2022. Agradecemos as colaborações e comentários dos coordenadores. Agradecemos ao estudante Lucas Justino, à Ana Faulhaber e à Caroline Viana Barboza, integrantes do GPSEM-PPGSS-CNPq e do projeto do NECVU, pela colaboração na sistematização dos dados processuais. Kátia Sento Sé Mello agradece o apoio recebido pelo CNPq na modalidade bolsa de pós doutorado senior e, posteriormente, a bolsa de produtividade nível 1.

Orientações teórico-metodológicas

O crescimento das taxas de encarceramento feminino no Brasil, nas últimas décadas, aparece como um dos fenômenos mais complexos e desafiadores para os estudos e pesquisas sociais que abordam os campos criminal e penitenciário. É nessa perspectiva que se inscreve a presente pesquisa, a qual se propõe analisar e problematizar a incidência dos dispositivos normativos e juízos morais que não apenas instrumentalizam o aumento do encarceramento feminino como potencializam o que Misse (2008)MISSE, Michel. “Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 8, n. 3, pp. 371-385, set./dez. 2008. denominou “processo de sujeição criminal”.

Para a compreensão do tema em análise é importante ressaltar que o Brasil, entre os anos de 2000 e 2016, passou de um total de 6 mil para 42 mil mulheres aprisionadas, o que corresponde a um número sete vezes maior do que o inicial, ou seja, uma taxa de crescimento de 656%. No mesmo período, o encarceramento masculino passou de 169 mil para 665 mil homens aprisionados, o que corresponde a uma taxa de crescimento de 293%. Não obstante a variação de ambas as taxas ilustrar dramaticamente a adesão do país às políticas de encarceramento em massa, é possível identificar uma importante desproporção entre os gêneros.

A investigação em questão delimita como campo de pesquisa o conjunto de processos que tramitaram na Vara de Execução Penal do estado do Rio de Janeiro durante o período de 2015 e 2019, nos quais mulheres foram acusadas e condenadas pela prática de delitos de tráfico e/ou associação para o tráfico de substâncias entorpecentes. O interesse na realização da pesquisa com escopo nos processos mencionados deve-se especialmente à constatação de que atualmente 55,86% das mulheres estão presas em virtude de crimes relacionados ao tráfico de drogas, o que corresponde a um total de 174.717 mulheres, conforme o último levantamento do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), referente ao período de julho a dezembro de 2021.2 1 Pessoas minúsculas ou infames referem-se às pessoas cujos comportamentos eram considerados indesejáveis e, por isso, submetidas ao encarceramento quando recebiam lettres de caches. Estas representavam “documentos emitidos em nome do rei, mas não necessariamente, nem na sua maioria, por sua própria iniciativa, e que tinham como função sujeitar a medidas de segurança tais como a prisão ou o internamento todo o indivíduo cujos comportamentos eram, no discurso desses mesmos documentos tipificados de “indesejáveis”.” Instrumento de Estado posto ao alcance dos súbditos, não “se fizeram estes rogados sempre que a eventual vulnerabilidade de um vizinho ou de um familiar desavindo dava azo a que sobre ele se pudesse exercer um despotismo de monarca.” (NT 2, FOUCAULT, 1992).

Por outro lado, os estudos empíricos sobre prisões no Brasil se consolidaram especialmente entre as décadas de 1970 e 1980 com o processo de redemocratização política e a atenção voltada às violações dos direitos humanos. Muitos desses estudos tratam das questões produzidas pelo encarceramento em massa do ponto de vista da formulação da política de drogas, em 2006, no Congresso Nacional e suas implicações no sistema de justiça criminal (CAMPOS, 2019CAMPOS, Marcelo da Silveira. Pela metade: A Lei de Drogas no Brasil. São Paulo: Annablume, 2019.); Adorno e Dias (2013)ADORNO, Sergio; DIAS, Camila Nunes. “Articulação entre o mundo interno e externo às instituições prisionais: Questões para a construção de um novo paradigma no domínio da sociologia das prisões”. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 37., 2013, Águas de Lindóia, SP. Anais […]. São Paulo: ANPOCS, 2013. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st28/8587.
http://www.anpocs.com/index.php/encontro...
inovam teoricamente os estudos sobre prisões ao desvelarem uma intensa dinâmica e entrecruzamentos de pessoas, objetos, mercadorias e serviços, para além das instâncias estruturadas do sistema prisional e da imagem dicotômica entre os universos interior e exterior às prisões. Godoi (2017)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. trata também do sentido de fazer a justiça andar, demonstrando que mais do que incapacitar, o encarceramento em massa mobiliza, dentro e fora da prisão, uma rede de sujeitos para além das pessoas privadas de liberdade.

Outros trabalhos, ainda, abordam o controle do tráfico de drogas por facções criminosas no interior das prisões, e sua consolidação e expansão para o espaço público das cidades (DORNELLES, 2008DORNELLES, Renato. Falange gaúcha: O presídio central e a história do crime organizado no RS. Porto Alegre: RBS, 2008.; MANSO; DIAS, 2018). No que diz respeito à privação da liberdade de mulheres, as pesquisas demonstram que há uma forte clivagem de gênero na temática das prisões por tráfico de drogas, práticas laborais e educacionais no interior das unidades prisionais, dinâmicas e cultura prisionais e maternidade no cárcere (LOURENÇO; ALVAREZ, 2018LOURENÇO, Luiz Claudio; ALVAREZ, Marcos César. “Estudos sobre prisão: Um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017)”. BIB, São Paulo, n. 84, pp. 216-236, 2018.).

O Poder Judiciário brasileiro mobiliza instrumentos normativos e juízos morais não apenas para condenar mulheres, especialmente as acusadas pelos delitos previstos na Lei de Drogas, como também para denegar direitos subjetivos básicos previstos na Lei de Execução Penal (LEP). Parece haver uma correlação entre punição, direitos e manutenção da ordem. Estudos clássicos na Antropologia demonstram o caráter da punição quando da transgressão à ordem e a todo e qualquer ato que ameace romper laços sociais. Em Crime e costume na sociedade selvagem, Malinowski (2015)MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. Rio de Janeiro: Vozes, 2015. chama a atenção para o caráter público da transgressão que clama por punição. Didier Fassin (2018)FASSIN, Didier. The Will to Punish. New York: Oxford University Press, 2018. destaca que a ideia de que o crime clama por punição não é universal. Do mesmo modo, o autor observa que há uma estreita relação entre dimensões morais e legais entre crime e punição. O que é punição? Por que alguém pune? Quem é punido? São estas as questões gerais que orientam as pesquisas sobre o tema.

Em pesquisa anterior (FREIRE; MELLO, 2018FREIRE, Christiane Russomano; MELLO, Kátia Sento Sé. “Juízos morais e sujeição criminal no contexto da prisão domiciliar de mulheres em condição de maternidade no Brasil”. In: MAIA, Rosemere; CRUZ, Verônica (org.). Saberes plurais: Produção acadêmica em sociedade, cultura e serviço social. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2018.), observamos que as sentenças relativas aos pedidos de prisão domiciliar ou liberdade provisória, mais do que se referirem aos atos classificados como crime, eram sustentadas por valores e juízos morais acerca do papel outorgado culturalmente às mulheres. Nossa hipótese original decorreu da observação das decisões judiciais proferidas nos Tribunais Estaduais de Justiça do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul a respeito da negação de direitos à prisão domiciliar, justificadas por moralidades que sustentam o aumento do encarceramento feminino e, como mencionado anteriormente, potencializam a sujeição criminal (MISSE, 2008MISSE, Michel. “Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 8, n. 3, pp. 371-385, set./dez. 2008.) de mulheres acusadas pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico. Se, no âmbito da prisão preventiva de mulheres, as sentenças revelavam mecanismos de ampliação e aprofundamento da sujeição criminal (MISSE, 2008MISSE, Michel. “Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 8, n. 3, pp. 371-385, set./dez. 2008.), de que modo esta sujeição ou outros mecanismos punitivos institucionais se apresentam, na engrenagem institucional, quando se trata dos processos nas Varas de Execução Penal? Que mecanismos institucionais condenam mulheres a permanecerem encarceradas por longos períodos? Como e quais as motivações normativas e subjetivas modulam as sentenças condenatórias no encarceramento feminino no Rio de Janeiro?

Os processos como campo

O campo de análise foi delimitado a partir da seleção de um conjunto de processos que compõem o banco de dados da Vara de Execução Penal no Estado do Rio de Janeiro, cujo recorte corresponde a doze processos por ano no período compreendido entre 2015 e 2019, o que totaliza um universo de sessenta processos com sentença penal condenatória de mulheres acusadas por atos envolvendo o tráfico de drogas.

A escolha do período está relacionada aos processos digitalizados no então Sistema de Processo Eletrônico do Judiciário (PROJUDI) do estado do Rio de Janeiro, no âmbito dos projetos de pesquisas desenvolvidos no NECVU.3 2 O último levantamento do SISDEPEN é referente ao período de julho a dezembro de 2021, enquanto a Quantidade de Incidências por Tipo Penal registrou que 55,86% das mulheres estão aprisionadas em decorrência da Lei de Drogas; 23,04% em decorrência da prática de delitos patrimoniais, 12,07% em decorrência de crimes contra a pessoa, 4,14% de crimes relacionados a legislação específica; 2,33% em virtude da prática de crimes contra a dignidade sexual, 1,79% de crimes contra a paz pública e 0,5% contra a fé pública. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen. Acesso em: 19 de agosto de 2022. O que apresentamos neste trabalho, portanto, dá continuidade ao projeto de pesquisa por nós coordenado, que se intitula A prisão de mulheres no sistema prisional brasileiro: juízos morais e sujeição criminal, por meio do qual buscamos realizar uma comparação entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Nesta fase da pesquisa, temos acesso apenas ao banco de processos da Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de Janeiro.

O Sistema de Processo Eletrônico do Judiciário (PROJUDI) representa o sistema digitalizado da Vara de Execuções Penais do estado do Rio de Janeiro.4 3 Este projeto está cadastrado no âmbito da Escola de Serviço Social da Escola de Serviço Social da UFRJ e do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflitos e Violência Urbana (IFCS-UFRJ). No NECVU ele compõe dois grandes projetos: Os sentidos do cárcere - incapacitação e ressocialização na realidade prisional brasileira contemporânea, financiado pela chamada Universal MCTIC-CNPq no. 28/2018 e A acumulação social da violência no Rio de Janeiro - novos desafios, financiado pelo Programa de Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro - 2019 - FAPERJ. Foi implementado em 2016, mas a digitalização iniciou efetivamente em 2013, adotando alguns procedimentos. Atualmente, foi substituído pelo Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) em 2020, por uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça de abrangência nacional para todas as Varas de Execução Penal.5 4 Para uma análise do fluxo do sistema de justiça criminal, em particular o regime de processamento da execução penal no estado do Rio de Janeiro, ver Mello, D.M., 2021.

A primeira observação de um processo que tomamos aleatoriamente como modelo demonstrou que podemos extrair parcialmente os dados solicitados devido a alguns erros de registro acerca do sexo da pessoa privada de liberdade no sistema do PROJUDI. Constatamos, na exploração dos dados, que há apenados com nomes masculinos e atribuição de sexo masculino nos autos da execução penal mas, na parte referente ao perfil no sistema do PROJUDI, foi imputado o valor de “feminino” no campo “sexo”. O contrário também ocorre: nomes femininos e atribuição de sexo feminino nos autos da execução, mas com valor “masculino” no sistema do PROJUDI.

Entre os anos de 2015 e 2019, temos, na base de dados, 52.581 processos de execução penal, que englobam apenados do sexo masculino (49.833), feminino (2.715) e sem sexo atribuído (33). O total dos processos ano a ano, entre 2015 e 2019 (Gráfico 1).

Gráfico 1
Total de processos de execução penal no Rio de Janeiro (2015-2019).

No sistema do PROJUDI, temos 21.002 pessoas com sexo atribuído como “feminino”, de um total de 221.656, heterogeneamente distribuídos entre os anos de 1953 e 2019, com maior concentração nos últimos anos. Proporcionalmente, as mulheres equivalem a 9,4% de apenados registrados no sistema do PROJUDI. Já nos cinco anos analisados no presente estudo, observa-se que 1.049 mulheres cumprem pena no regime prisional inicial fechado, o que corresponde a 70,83%; 317 no regime prisional semiaberto, ou seja, 21,40% do total; e 115 no regime aberto, que representa 7,77% do mesmo universo. No entanto, se considerarmos que o quantum médio da pena fixada para as mulheres condenadas por atos envolvendo o tráfico de drogas é correspondente a 5,34 anos, é possível conjecturar que, segundo as regras do Código Penal, o regime inicial de cumprimento de pena de aproximadamente 50% dessas mulheres deveria ser o regime semiaberto (penas maiores que quatro anos e menores do que oito), todavia, os números evidenciam outra realidade, uma vez que cerca de 70% das mulheres condenadas por delitos dessa espécie iniciam o cumprimento da pena em regime fechado.

A análise dos processos acima referidos evidencia as diferentes trajetórias percorridas pelos sujeitos aprisionados - inseridos em espaços balizados por relações microscópicas de poder (FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. pp. 89-128.), constituídos em campos de forças (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.) - as instâncias do poder estatal e a prerrogativa de dizer o Direito, no sentido de classificação, seletividades, punição e criação de representações sobre o mundo social. Logo, nesse campo de forças de desigualdades, é o Estado que fala e não os sujeitos aprisionados.

As vozes das mulheres condenadas, seus testemunhos, suas justificativas aos fatos que deveriam ser objeto das sentenças, não são ouvidas. Ressalta-se dessa trama institucional contida nos processos aquilo que Cardoso de Oliveira (2022)CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. “Exclusão discursiva e sujeição civil em tempos de pandemia no Brasil”. In: KANT DE LIMA, Roberto; LIMA, Michel Lobo Toledo (org.). Fazendo (a) sociedade: Contribuições das ciências sociais em tempos inquietantes. Rio de Janeiro: Autografia, 2022. pp. 31-36. denomina exclusão discursiva e sujeição civil. A primeira trata das práticas e mecanismos institucionais mobilizados para a exclusão discursiva de determinado grupo de pessoas - impossibilitando-as de manifestar suas reivindicações, necessidades e demandas, bem como daqueles mecanismos que acabam responsabilizando-os pelo próprio desconhecimento de seus direitos. Dessa forma, são colocados na condição de não saberem o que é melhor para si, ficando tutelados pelas instâncias estatais competentes. A sujeição civil, por sua vez, é definida como consequência da desigualdade na sociedade brasileira, onde o Estado produz a distinção de direitos conforme o status, a condição econômica e social, no plano da cidadania e do mundo cívico. Construída sobre o alicerce da escravidão, a formação da nossa cidadania estaria marcada pelo modelo das relações sociais e políticas do Brasil Colônia, no qual todos os bens - materiais e imateriais - são tratados como semoventes, categoria jurídica que pressupõe uma subumanidade ou o não reconhecimento da dignidade dos cidadãos como seres humanos. Os processos de exclusão discursiva e sujeição civil também ocorrem nas interações cotidianas, violando repetidas vezes os direitos civis. Assim como a sujeição criminal pressupõe a internalização da identidade de criminoso no sujeito, a sujeição civil implica na internalização da condição de hipossuficiência. Dito de outro modo, os sujeitos não são percebidos e não se percebem como tendo recursos - materiais e cognitivos - para sustentar suas demandas sem apoio do Estado, assim como não se percebem tendo condições de decidir ou escolher o que é melhor para eles mesmos.

Tópicos e variáveis definidas para a análise das decisões

Realizamos a leitura dos processos em três blocos de análise. No primeiro, definimos o perfil sociodemográfico das mulheres condenadas com as seguintes variáveis: data de nascimento, estado civil, cor, profissão/local de trabalho, grau de instrução, número de filhos. No segundo bloco, analisamos os aspectos processuais, considerando: data do fato, tipo de prisão, unidade prisional, órgão julgador, data da sentença, imputação, tipo de substância/quantidade, pena e regime prisional. Por fim, analisamos os fundamentos normativos e morais das decisões judiciais, e as categorias ou juízos morais constantes para a condenação das sentenças e acórdãos.

Após uma análise preliminar dos fundamentos balizadores das decisões judiciais, elencamos algumas variáveis passíveis de lançar luz às hipóteses suscitadas na presente pesquisa, tais como:

  1. A não concessão da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas, com base no art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.

  2. Nas denúncias, identifica-se a imputação do art. 33 (tráfico de drogas) combinado com o art. 35 (associação para o tráfico) quando se trata de mais de duas pessoas envolvidas. Além da soma das duas penas, em situações em que a pessoa praticou mais de uma ação que resultaram em mais de um crime, conforme art. 69 do Código Penal, se aplica o denominado concurso material, que acresce à pena, que resta fixada entre dez ou doze anos de reclusão em regime fechado.

  3. Não desclassificação do delito previsto no at. 33 (tráfico de drogas) para o delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas6 5 Disponível em: https://seeu.pje.jus.br/seeu/. (usuário de drogas).

  4. Não aplicação do disposto no § 4 do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, que prevê a redução de 1/6 a 2/3 da pena para as condenadas reconhecidamente primárias, com bons antecedentes, que não se dedicam às atividades criminosas e não integram organizações criminosas.

  5. A importância da quantidade e da variedade de drogas para imputação do crime de tráfico e, também, para a fixação da pena-base acima do patamar mínimo legal.

  6. Argumentos normativos e morais para a não concessão da prisão domiciliar para as presas provisórias gestantes e com filhos, conforme a alteração do art. 318-A do Código de Processo Penal pela Lei nº 13.769 de 2018.7 6 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

  7. A observância ou não do § 3º do art. 112 da Lei de Execução Penal (LEP) (alterado pela Lei nº 13.769 de 2018), que estabelece o cumprimento de 1/8 da pena para mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência. Art. 112 da LEP, § 3º No caso de mulher gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado organização criminosa (incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

A sobreposição dos dispositivos jurídicos e juízos morais que atravessam os fundamentos lançados nas sentenças penais condenatórias que compõem o objetivo da presente pesquisa potencializam o processo de sujeição criminal, compreendido como processo de subjetivação que segue seu curso na internalização do crime no sujeito, que o carregará como um “espírito” que lhe tomou o corpo e a alma. Nesse percurso, os indivíduos (e suas extensões como tipo social) se tornam assujeitados ao “crime”. A categoria sujeição criminal compreende um processo no qual o sujeito, de forma regular e extralegal, se torna identificado com o crime em geral.

Iñaki Rivera Beiras (2019BEIRAS, Iñaki Rivera. Desencarceramento: Por uma política de redução da prisão a partir de um garantismo radical. Trad. Bruno Rotta Almeida e Maria Palma Wolff. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2019., p. 3) afirma que, como assinala Pat Carlen, o “estigma e a invisibilidade” desta problemática decorre do fato de que, dentre outras razões, as mulheres que aparecem nos tribunais e são enviadas à prisão têm sido tradicionalmente vistas como “duplamente desviadas”. Ou seja, não só más cidadãs (pois infringiram a lei), mas também como “mulheres não naturais” que infringiram os papéis tradicionais institucionalmente a elas destinados. “Presume-se que carecem de feminilidade e são más esposas, más mães e más filhas”.

Um olhar sobre os processos

Tomar processos criminais como fonte de pesquisa parece ampliar a tradicional abordagem antropológica de trabalho de campo. Eles se tornam um campo para o qual endereçamos nossas pesquisas. Não abordamos pessoas face a face como na pesquisa participante, mas observamos casos de pessoas que resultam deles. Como argumenta Vianna (2014VIANNA, Adriana. “Etnografando documentos, uma antropóloga em meio a processos judiciais”. In: CASTILHO, Sérgio Ricardo Rodrigues; LIMA, Antonio Carlos de Souza; TEIXEIRA, Carla Costa. Antropologia das práticas de poder: Reflexões etnográficas entre burocratas, elites e corporações. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2014., p. 48), refletimos e delineamos algo tenso e cheio de afetos que empreendemos com essas vidas feitas de papel, arquivo e administração. Ainda que a pesquisa se realize no universo urbano no qual as autoras estão inseridas, os processos nos colocam diante de um mundo constituído por documentos herméticos ao não iniciado no campo jurídico. Notadamente experimentamos dimensões de estranhamento que comportam o duplo movimento de estranhar o familiar e de tornar familiar o exótico já profundamente descrito por DaMatta (1978DA MATTA, Roberto. “O ofício do etnólogo, ou como ter anthropological blues”. Boletim do Museu Nacional: Antropologia, Rio de Janeiro, n. 27, maio 1978.) e Velho (1987)VELHO, Gilberto. “Observando o familiar”. In: VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: Notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.. São documentos oficiais escritos, que implicam uma linguagem específica e hermética. Além de ser uma linguagem jurídico-política, é uma forma institucional do Estado e, por isso, considerada legítima para dizer o Direito, classificando as pessoas que ingressam no sistema de justiça criminal, assim como punindo essas pessoas por seus atos, mas também pelos valores morais que orientam as ações e sentenças judiciais. Não são as pessoas condenadas que falam, mas o Estado. Não são as pessoas que decidem pelos seus destinos, mas o Estado.

Os processos por nós analisados se revelaram como um campo estatal (MUZZOPAPPA; VILLALTA, 2011MUZZOPAPPA, Eva; VILLALTA, Carla. “Los documentos como campo: Reflexiones teórico-metodológicas sobre un enfoque etnográfico de archivos y documentos estatales”. Revista Colombiana de Antropología, vol. 47, n. 1, pp. 13-42, 2011.) composto, de um lado, por múltiplas e diversas burocracias, distintos atores, grupos sociais e lógicas de funcionamento e, por outro lado, por uma diversidade de documentos que se apresentam sob a forma de regulamentos, normas, expedientes, publicações institucionais e sentenças. Longe de serem instâncias independentes e isoladas, os organismos estatais, tais como Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias Civil, Militar e outros, constituem um campo de forças (BOURDIEU, 1999) de instituições e agentes que se relacionam cotidianamente e protagonizam as ações que levam um réu à condenação ou à liberdade. É o Estado em ação (PEIRANO, 2006PEIRANO, Mariza. “De que serve um documento?” In: PALMEIRA, Moacir; BARREIRA, César. Política no Brasil, visões de antropólogos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.) demonstrando a engrenagem da produção da desigualdade e da perversa articulação de modelos de controle social, que revelam o conflito entre concepções de igualdade jurídica que desigualam a alocação de direitos (AMORIM, KANT DE LIMA; TEIXEIRA MENDES, 2005AMORIM, Maria Stella de; KANT DE LIMA, Roberto; TEIXEIRA MENDES, Regina Lúcia. Ensaios sobre a igualdade jurídica: Acesso à justiça criminal e direitos de cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2022CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. “Exclusão discursiva e sujeição civil em tempos de pandemia no Brasil”. In: KANT DE LIMA, Roberto; LIMA, Michel Lobo Toledo (org.). Fazendo (a) sociedade: Contribuições das ciências sociais em tempos inquietantes. Rio de Janeiro: Autografia, 2022. pp. 31-36.; DAMATTA, 1997DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: Para uma sociologia do dilema brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.).

É reconhecida a pouca atenção dos estudos antropológicos sobre documentos, uma vez que tradicionalmente foram tratados como o emblema de mecanismos formais da burocracia (HULL, 2012HULL, Mathew S. Documents and Bureaucracy. Annual Reviews Anthropology, vol. 41, pp. 251-267, 2012. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.anthro.012809.104953.
https://www.annualreviews.org/doi/abs/10...
). O autor chama atenção que, assim como o discurso, os documentos burocráticos podem ser mediadores que dão forma e significado aos sinais neles inscritos e suas relações com os objetos (igualmente sujeitos) com os quais estes sinais se relacionam. Para o autor, os documentos não são simplesmente instrumentos de organizações burocráticas, mas, antes, são constitutivos de regras, ideologias, conhecimento, práticas, subjetividades, objetos, resultados, e as próprias organizações em si (HULL, 2012HULL, Mathew S. Documents and Bureaucracy. Annual Reviews Anthropology, vol. 41, pp. 251-267, 2012. Disponível em: https://www.annualreviews.org/doi/abs/10.1146/annurev.anthro.012809.104953.
https://www.annualreviews.org/doi/abs/10...
, p. 253). Conforme Ferreira (2015FERREIRA, Letícia Carvalho de Mesquita. “Formalidades, moralidades e disputas de papel: A administração de casos de crianças desaparecidas no Rio de Janeiro”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 8, n. 2, pp. 207-234, 2015., p. 227), a linguagem dos documentos demonstra capacidades performativas e, principalmente, dos valores morais por determinados papéis em certos contextos.

Além da análise descrita dos processos, construímos casos de quatro mulheres que receberam condenação pela Lei de Drogas, que permitem lançar luz sobre os mecanismos que tornam a prisão não o lugar da “ressocialização” ou da “reintegração social”, mas o lugar da produção da delinquência, do castigo, da dor e do sofrimento.

Os casos

Os casos que descreveremos a seguir foram construídos a partir da análise dos sessenta processos. A escolha deveu-se ao fato de que eles pareceram mais significativos para evidenciar a ordem de disputas e conflitos entre diferentes instâncias presentes no campo criminal e penitenciário, o modo como se expressam os diferentes atores sociais, a postura de desconsideração adotada frente as falas das mulheres condenadas e os juízos morais expressos nas decisões condenatórias, conforme veremos a seguir.

Luz,8 7 Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). I - Não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). condenada no ano de 2017, nasceu em 1987, é declarada parda, registrada como solteira e mãe de dois filhos. Sua escolaridade foi assinalada com ensino médio completo e quanto à profissão foi registrada como do lar. Foi presa em flagrante em abril de 2016, julgada na 2ª Vara da Comarca de Itaperuna, interior do estado. A sentença data de dezembro de 2016. Foi condenada a seis anos de reclusão e seiscentos dias-multa com a imputação do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Foi presa com 93 gramas de maconha e 41 gramas de cocaína. Sua defesa foi constituída pela Defensoria Pública do Estado.

Em sentença, na dosimetria da pena, o magistrado não menciona a existência de nenhum filho, nem que este estava acometido por toxoplasmose. O magistrado imputa a “integração” com o tráfico por conta da descrição do acondicionamento da droga com a marca “CVRL”.9 8 Os nomes foram alterados para manter o anonimato das mulheres descritas nos casos. Não há imputação por associação ao tráfico. No entanto, a categoria “integração” é utilizada pelo magistrado para imputar um regime prisional mais grave. Além desta imputação, o juiz aplicou a pena-base acima do padrão mínimo sob a justificativa da variedade de drogas encontrada com a ré. Em mais de uma vez, menciona sua suposta ligação com o Comando Vermelho, ignorando as circunstâncias atenuantes da primariedade e bons antecedentes. Os argumentos lançados pelo magistrado como fundamentos para a decisão penal condenatória se mostram análogos às manifestações correntes no senso comum acerca da importância da repressão à criminalidade urbana, normalmente quando está em questão o tráfico de substâncias entorpecentes.

Vale salientar que estamos diante de crime de tráfico de substância entorpecente, com grande probabilidade de atingir adolescentes, sendo certo que a venda de drogas vinha sendo realizada em local público e durante o dia.

Não custa lembrar que estamos em uma pequena cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, onde, felizmente, o comércio ilícito de substância entorpecente ainda não criou raízes em razão dos esforços desenvolvidos pela autoridade policial e de seus agentes policiais militares, bem como pelas respostas que são dadas aos casos isolados, a demonstrar que a acusada, embora primária, deve aguardar o julgamento do recurso eventualmente interposto acautelada (Magistrado que julgou o processo).

A decisão condenatória tomou como base alguns elementos probatórios, tais como: os depoimentos dos policiais militares (Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro); o depoimento de uma testemunha residente do bairro; as provas provenientes da perícia técnica, tais como o exame toxicológico e a descrição das substâncias entorpecentes e, por fim, o auto de prisão em flagrante (APF). O depoimento da ré foi desconsiderado nos autos. Em diversos momentos, o magistrado afirma seu “sentir” para julgar o fato, contradizendo e desconsiderando os argumentos da ré, que afirma ter sofrido coação policial para assumir a posse dos entorpecentes. Apesar do magistrado ter usado o resultado do exame de corpo de delito para negar a existência de tortura, segundo afirma Luz, ela foi ameaçada de agressão física e acrescenta que relatou que tinha dois filhos, sendo um deles diagnosticado com toxoplasmose, informação que foi igualmente negligenciada pelo juiz. Além disso, foi ignorada a informação de que seu companheiro cumpre pena em regime fechado por tráfico de drogas.

No que tange à atuação da defesa, vale observar que a Defensoria Pública solicitou quatro modalidades de aplicação de direitos. Uma delas, a progressão de regime, foi concedida. Conforme registrado em seu processo, ela apresenta evolução permanente na classificação de comportamento aferido pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), chegando mesmo à classificação de excelente. Também foi solicitada visita periódica ao lar (VPL) e a inclusão em atividade laborativa e educacional. Uma quarta modalidade de direito solicitada pela Defensoria foi o indulto, com base no art. 1º, inciso II, alínea “h” do Decreto nº 9.370/2018, atribuído às mulheres presas que até 13 de maio de 2018 se enquadrassem na condição de condenada à pena privativa de liberdade não superior a oito anos por crime cometido sem violência ou grave ameaça, desde que cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. A referida lei ainda atribui às mulheres presas o direito que diz a alínea “a”, in verbis: mães condenadas à pena privativa de liberdade por crime cometido sem violência ou grave ameaça, que possuam filhos de até doze anos de idade ou de qualquer idade se pessoa com deficiência […] que comprovadamente necessite de seus cuidados, desde que cumprido um sexto da pena.

Diante da manifestação contrária ao reconhecimento do direito pelo Ministério Público, a Defensoria Pública solicitou a progressão prisional especial para prisão albergue domiciliar (PAD), com base na inclusão da Lei nº 13.769/2018, art. 112, § 3º, que prevê progressão de regime no caso de mãe responsável por criança ou pessoas com deficiência. A defesa junta todos os documentos necessários. O Ministério Público (MP) defendeu o indeferimento desta solicitação com base na alínea “V” do art. 112 da LEP, § 3º, que determina que tal “benefício” não deve ser aplicado a quem integrar organização criminosa. A Defensoria Pública (DP) contra-argumenta e afirma que a sentença não imputou o art. 35 da Lei nº 11.343/2006. Solicita, ao final, a reconsideração da pena.

O magistrado da Vara de Execução Penais (VEP), por fim, não concede o benefício com o seguinte argumento:

Ressalte-se, ainda que, em que pese a executada ser mãe e ser indiscutível a importância de sua presença junto ao seu filho especial, fato é que a apenada está presa há mais de três anos, de onde se infere que a criança não está desassistida (Magistrado da VEP).

Apesar do argumento do juízo, a defesa, em nova iniciativa, solicita a saída temporária de Luz, à qual o MP se manifesta favoravelmente e o juiz concede o “benefício”. Por fim, o Tribunal de Justiça concede a progressão da pena para a prisão domiciliar com base no pedido formulado pela Defensoria Pública.

Observamos que Luz é sentenciada em processo criminal baseado em provas frágeis, que não passaram pelo contraditório sob apelo do populismo penal, notabilizado pela confiança irrestrita da atuação policial sob a legitimação de um sentimento cívico de impunidade e o dever de erradicar o que é considerado “raízes” do tráfico de drogas em uma cidade pequena. Apesar de conseguir o benefício da prisão domiciliar, esta condenação “marca” e serve como controle do sistema penal, que se materializa no instituto jurídico da reincidência - esta que funciona como um agravante da punição e que chama para si o senso de “tolerância zero” no momento de avaliar a concessão ao réu (na fase processual)/interno (na execução da pena)”

A operacionalidade deste instituto jurídico da reincidência pode ser observado também no processo de Atala, de 2017, nascida em agosto de 1983, registrada como solteira e declarada negra na ficha de identificação. Não há informações sobre sua profissão. Quanto ao grau de instrução, foi registrada com fundamental incompleto. Ela foi presa em flagrante em março de 2017, com 1,25 kg de maconha, julgada na 39ª Vara Criminal da comarca da Capital e encaminhada para regime fechado na Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza. Sua sentença data de agosto de 2017, foi condenada com base no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, fixada a pena de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa. No processo não houve registro de informações acerca da existência ou não de filhos. Nas peças de denúncia e sentença, encontramos a classificação de “atitude suspeita” como referência à postura adotada por Atala, conforme descrição abaixo:

Policiais militares em patrulhamento de rotina tiveram a atenção despertada para a denunciada, pois esta estava se comportando de maneira suspeita, razão pela qual realizaram a abordagem; e a confissão da ré encontra-se corroborada pelo depoimento da testemunha hoje ouvida, qual seja, o policial militar […], que, próximo à rodoviária desta cidade, logrou avistar a ré em atitude suspeita e após abordá-la logrou apreender em seu poder, ou seja, dentro da bolsa que usava, a mencionada substância entorpecente (Descrição no Registro de Ocorrência que consta do processo).

Há vários aspectos constitutivos da história relatada no processo que destituem a acusada de direitos substantivos. Entre estes chama atenção o fato de que Atala não arrolou nenhuma testemunha em seu favor, enquanto dois policiais militares foram arrolados como testemunhas. A despeito da confissão em interrogatório, Atala manifestou o desejo de recorrer da sentença. Encontramos na folha de anotações criminais menção a processo anterior, datado de 2015, igualmente pelo art. 33. Dessa forma, ela foi considerada reincidente. Em ficha disciplinar, por sua vez, observamos o registro de que seu ingresso na SEAP se deveu a processo anterior, que teve a duração de um mês, pelo fato da juíza ter expedido alvará de soltura na ocasião, concedendo liberdade provisória para a apenada.

Apesar de ter tido absolvição em primeiro grau no processo de 2015, o Ministério Público recorreu da sentença e o Tribunal reformou a decisão para condená-la a um ano e oito meses de pena restritiva de direitos (PRD). Esta PRD permaneceu “pendente”, e no processo de 2017, o Ministério Público solicitou o somatório das penas de 2015 e de 2017, para serem cumpridas como penas privativas de liberdade (PPL). O total da pena resultou, portanto, em 6 anos e 8 meses de reclusão.

A reincidência é um importante dispositivo jurídico que habilita e legitima o endurecimento da punição e da sujeição criminal. Por esta razão, muitas mulheres têm seus direitos executórios negados. No processo de Atala, encontramos registro de sua participação escolar como “reeducanda” com boa avaliação, participação e sem suspensões. No entanto, pesquisa no processo de 2015 demonstra que a magistrada de 1º grau assim descreveu sua conduta:

A ré foi abordada em local ermo, sozinha, suja e malvestida, com pequena quantidade substância entorpecente e ínfimo numerário em espécie, nas proximidades de local conhecido por ser ponto de uso de material entorpecente, tudo isso segundo a narrativa de PMs ouvidos nesta assentada. Não houve visualização por parte dos agentes da lei, da prática de ato, por parte da acusada, de mercancia de drogas. As quantidades de entorpecente e dinheiro encontrados com a ré, bem como todas as circunstâncias de sua prisão não convencem esta Magistrada que a mesma estivesse comercializando drogas. (Magistrada de 1º Grau do caso em questão)

Conforme mencionado anteriormente, o MP recorreu da sentença absolutória da magistrada e conseguiu sua reforma em 2º grau de jurisdição. No processo analisado de 2017, a reincidência passa a ‘perseguir’ Atala. Primeiro na sentença, justificando regime “mais gravoso” para cumprimento de pena. Essa decisão é elogiada pela desembargadora, em sede de recurso da ré, que seguiu rebatendo os argumentos da seguinte forma:

A alegação de estado de necessidade com fundamento em insuficiência de recursos financeiros para a manutenção da família não autoriza o reconhecimento de qualquer excludente, pois, uma boa parte da população brasileira passa por dificuldades financeiras, contudo, a grande maioria dessas pessoas, mesmo diante das mais variadas adversidades, opta por trilhar o caminho da honestidade (Magistrada de 1º Grau do caso em questão).

Luna, condenada em processo de 2019, nasceu em 1992, registrada como solteira, que exercia a função de faxineira antes da prisão. Não encontramos informações sobre filhos, do mesmo modo que não havia informações sobre sua escolaridade ou sobre sua cor. Foi presa em flagrante em julho de 2016 e, após passar pela 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), foi encaminhada para o Presídio Nilza da Silva Santos. Luna foi sentenciada em fevereiro de 2018 a uma pena de onze anos e oito meses de reclusão e 1.691 dias-multa. A denúncia lhe imputou a prática dos delitos previstos nos art. 33,10 9 A sigla CV se refere à facção criminosa denominada Comando Vermelho. As letras “RL” seguidas a CV representam Rogerio Lemgruber, um dos seus fundadores. 3511 e 40,12 11 Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. todos da Lei de Drogas, na forma do art. 69 do Código Penal. Conforme o registro de ocorrência, a acusada, na ocasião, portava 1.100 g de maconha em dois tabletes envoltos em plástico-filme. Sua defesa foi constituída pela Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro.

A Defensoria Pública requereu o afastamento da imputação do crime de associação para o tráfico, pedido que foi rechaçado pelo magistrado, sob a alegação de que a peça acusatória preenchia todos os requisitos legais elencados no art. 41 do Código de Processo Penal, incluindo a descrição da prática do tipo penal da associação para o tráfico. Ainda, a Defensoria Pública demandou a apresentação da ré em juízo para que fosse ouvida, reforçando seu direito constitucional. No entanto, o juiz argumentou no sentido da desnecessidade da oitiva, uma vez que a peça acusatória não se apresentava inepta quanto à acusação do crime de associação para o tráfico.

Patrícia, em processo de 2019, registrada como nascida em 2000, declarou-se solteira e da cor negra. Sob a rubrica “profissão” na ficha das informações pessoais, encontramos a classificação de “outras”. Sobre o grau de instrução, foi informado que sabe ler e escrever. Foi presa em flagrante em setembro de 2018 e, após passar pela 2ª Vara Criminal na Comarca de Niterói e da sentença condenatória em maio de 2019, foi encaminhada para o cumprimento de uma pena de dez anos e quatro meses de regime fechado e o pagamento de 1.399 dias-multa, para a Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza. Patrícia foi imputada pelos art. 33 e 35, inciso IV da Lei nº 11.343/2006, que tratam do tráfico e associação para o tráfico de drogas e pelo art. 329, § 1°. do Código Penal, que trata de: resistência, porte ilegal de arma de fogo e uso restrito. Segundo descrito no Registro de Ocorrência, Patrícia portava 197 gramas de cannabis sativa L, distribuídas em 98 “sacolés”; 61 gramas de cloridrato de cocaína, distribuídas em 77 tubos de plástico. Além das substâncias, o RO acrescenta que ela portava uma pistola de fogo. Não há registro da sua constituição de defesa.

Patrícia chegou a passar pela Central Estadual de Audiência de Custódia e na ocasião era classificada como primária. Apesar disso, o juiz negou uma pena alternativa. Segundo consta no processo, ela foi atingida por bala de fogo em troca de tiros entre ela, os acompanhantes e os policiais militares que receberam a denúncia. Ela foi hospitalizada e, na Central de Audiência de Custódia não puderam comprovar o endereço. No entanto, sob a justificativa da prisão em flagrante e as evidências apresentadas, argumenta o juiz que houve indícios de autoria do crime. Escreveu o juiz que, apesar de os fatos de ser o paciente primário, possuir endereço fixo e ocupação lícita, por si sós não são suficientes para que seja a custódia revogada, se continuam presentes os pressupostos que determinam que fosse decretada a custódia - inviabilidade no caso concreto, de aplicação ao paciente, de medida cautelar diversa da custódia preventiva.

Prosseguiu dizendo que homologava o flagrante e decretava sua prisão preventiva.

Considerações finais

A pesquisa que deu origem a estas reflexões partiu de nossas indagações a respeito dos mecanismos institucionais de sujeição criminal de mulheres por atos classificados como tráfico e associação ao tráfico de drogas, no âmbito dos processos na fase executória da Vara de Execuções Penais no Estado do Rio de Janeiro. A partir da análise dos sessenta processos que compuseram nosso universo no período entre os anos de 2015 e 2019, argumentamos que há um campo estatal penal que não somente condena estas mulheres, mas também denega direitos subjetivos básicos e cria uma narrativa de cunho moral que produz sujeitos considerados desumanizados e, por isso, passíveis de contínuas punições que extrapolam a privação da liberdade.

Uma vasta produção etnográfica no campo da administração de conflitos aponta ambiguidades em princípios e práticas dos agentes do sistema de justiça criminal e das normativas sobre essas práticas. Kant de Lima, Eilbaum e Pires (2010)KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lenin. Conflitos, direitos e moralidades em perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2010. vol. 1.13 12 Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância; III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. Transportes públicos; IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação; VII - o agente financiar ou custear a prática do crime. ressaltam que um dos aspectos que mais sobressaem nos estudos sobre o funcionamento dos órgãos e agências que compõem o sistema de justiça criminal e segurança pública, diz respeito à falta de articulação entre estas instituições. Desse modo, embora elas sejam pensadas como constituindo um “sistema”, as análises sobre o funcionamento de cada uma delas têm demonstrado que elas agem de forma fragmentada (KANT DE LIMA, EILBAUM; PIRES, 2010KANT DE LIMA, Roberto; EILBAUM, Lucía; PIRES, Lenin. Conflitos, direitos e moralidades em perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2010. vol. 1., p. 11). Dessa forma, atenderiam mais a interesses privados do que à prestação de serviço público de modo organizado em rede. Uma das consequências é o que tem levado à crescente tensão entre formas universalistas e particularistas, igualitárias e hierárquicas no contexto de interpretação das leis e do exercício do poder do estado. Cada instância teria, segundo esta tradição, uma lógica própria. Diversos conflitos de natureza social, que não necessariamente infringem a lei penal, resultam de relações de proximidade e pouca atenção é dada a eles. Trabalhos como o de Eilbaum (2006)EILBAUM, Lucía. “O corpo do acusado: Escrita, oralidade e direitos na justiça federal Argentina na cidade de Buenos Aires”. In: GROSSI, Miriam Pillar; HEILBORN, Maria Luiza; MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e Direitos Humanos. Florianópolis: Nova Letra, 2006. vol. 4. e de Garau (2021)GARAU, Marilha Gabriela Reverendo. “Os modelões e a mera formalidade: produção de decisões e sentenças em uma vara criminal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro”. Revista Antropolítica, Niterói, RJ, n. 51, pp, 85-110, 2021. abordam, de um lado, a prevalência das formas burocráticas sobre o fundo constituído pelas relações de proximidade e valores morais aí compartilhados e, de outro, que, no caso do processo penal brasileiro, embora travestido de garantista, é inquisitorial.

A análise realizada no conjunto dos sessenta processos condenatórios de mulheres, por tráfico de drogas ou associação para o tráfico no período entre 2015 e 2019 no estado do Rio de Janeiro, revela que, assim como nas sentenças das prisões preventivas de mulheres no âmbito dos repositórios dos Tribunais estaduais de justiça do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, há uma engrenagem de interações entre atores sociais, legislações, instâncias do sistema de justiça criminal, que ampliam a sujeição criminal (MISSE, 2008MISSE, Michel. “Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 8, n. 3, pp. 371-385, set./dez. 2008.). No entanto, quando se trata dos processos na Vara de Execução Penal, pudemos observar uma certa normalização burocrática que dá continuidade ou mesmo aumenta a punição das mulheres condenadas e encarceradas pela lei de drogas.

Os magistrados não escutam as mulheres rés, a exemplo daquela que, apesar de afirmar ter três filhos, sendo um deles portador de doença, não foi considerada para o afrouxamento da sua pena - exclusão discursiva. Do mesmo modo, observamos o não cumprimento do art. 318, que prevê pena alternativa à mulheres mães de crianças de até doze anos de idade. Em outro caso, observamos o somatório da pena de tráfico com associação para o tráfico e, mesmo o magistrado não tendo provas suficientes, fala sobre integração para o tráfico, que passa a ser tomada como uma categoria sinônima de associação para o tráfico, ampliando ainda mais a punição com base em processo anterior no qual a condenada havia sido absolvida, contando como reincidência. Pudemos observar, ainda, a atitude dos magistrados em não incorporarem o contraditório no processo. É comum o juízo aceitar exclusivamente o depoimento de policiais, especialmente policiais militares que, em situação de flagrante, são aqueles que primeiro têm contato com pessoas acusadas de atos criminosos. A súmula 70 diz que os depoimentos dos policiais podem ser considerados, mas não são exclusivos para embasar uma decisão condenatória. No estado do Rio de Janeiro, no entanto, parece haver o entendimento de que o depoimento exclusivo dos policiais é suficiente para garantir a condenação. A valorização do depoimento policial na abordagem jurídica tem a pretensão de dar veracidade ao que deveria ser indício, mas fere o princípio da presunção da inocência.

Sobre a tensão entre articulação e desarticulação das agências estatais do que denominamos sistema de justiça criminal e segurança pública, Chies (2014CHIES, Luiz Antônio Bogo. “Questão penitenciária: Obstáculos epistemológicos e complexidade”. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, vol. 35, n. 126, pp. 29-49, jan./jun., 2014., p. 31), numa contundente crítica às denominadas filosofias da ressocialização e readaptação, bem como dos obstáculos teórico-metodológicos enfrentados hoje neste campo de estudo, destaca a complexidade organizacional da realidade prisional. Para o autor, trata-se de voltar o olhar para os paradoxos e contradições sobre a punição penal, por outra dimensão articulada em tessitura complexa e dialógica com as realidades políticas, institucionais e práticas das sanções privativas de liberdade, que produz confrontos, mas também (não raras vezes) retroalimentações e complementariedades.

Como já apontado no início deste trabalho, Adorno e Dias (2013)ADORNO, Sergio; DIAS, Camila Nunes. “Articulação entre o mundo interno e externo às instituições prisionais: Questões para a construção de um novo paradigma no domínio da sociologia das prisões”. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 37., 2013, Águas de Lindóia, SP. Anais […]. São Paulo: ANPOCS, 2013. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/37-encontro-anual-da-anpocs/st/st28/8587.
http://www.anpocs.com/index.php/encontro...
discutem a articulação entre o que chamam de mundo interno e externo às prisões, e Godoi (2017)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017. discute os fluxos entre objetos, alimentos e pessoas no interior das unidades prisionais e fora delas.

Neste trabalho, ainda que não fosse possível acessar face a face as relações e os fluxos dentro das unidades prisionais e no seu entorno, observamos, pela análise dos processos, que não há exatamente uma desarticulação, mas um tipo de articulação que não se orienta por princípios universalistas que pretendam o tratamento igual das pessoas. Dessa forma, nos arriscamos a propor que seja uma articulação inquisitorial no âmbito criminal. O silêncio das mulheres condenadas e a função do sistema de justiça em extirpar os conflitos, sempre percebidos como ameaçadores da “paz social”. A centralidade do papel do juiz na decisão, mas também do depoimento dos policiais militares, representantes do Estado e, por conseguinte, dotados de fé pública. O princípio e a lógica do contraditório constitutivo da engrenagem burocrática entre as diferentes esferas do poder envolvidas, que estruturam os processos. A supremacia da ordem jurídica sobre a social.

Tal articulação inquisitorial, no âmbito processual criminal, cria uma narrativa própria cuja integração acontece neste encontro entre as esferas de poder com as pessoas infames (FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. pp. 89-128.). Aí, talvez, possamos nos arriscar em dizer que essa suposta desarticulação possibilita disputas que tornam ainda mais dramática a vida da população prisional, especialmente de mulheres condenadas por tráfico de drogas ou associação para o tráfico. Seria o caso mais paradigmático de produção de desigualdade, e onde a exclusão discursiva e as sujeições criminal e civil assumem sua modalidade mais radical.

Notas

  • *
    Trabalho originalmente apresentado em dois eventos internacionais. No IX Seminário Internacional do INCT-InEAC - Direitos, Desigualdades e Ciência: impactos da pandemia em perspectiva comparada - GT2: Dinâmicas, fluxos e representações do crime e da justiça penal - 25 e 26 de outubro de 2022. Também no VI Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão - GT2: Cidades e prisões - 29 e 30 de novembro de 2022. Agradecemos as colaborações e comentários dos coordenadores. Agradecemos ao estudante Lucas Justino, à Ana Faulhaber e à Caroline Viana Barboza, integrantes do GPSEM-PPGSS-CNPq e do projeto do NECVU, pela colaboração na sistematização dos dados processuais. Kátia Sento Sé Mello agradece o apoio recebido pelo CNPq na modalidade bolsa de pós doutorado senior e, posteriormente, a bolsa de produtividade nível 1.
  • 1
    Pessoas minúsculas ou infames referem-se às pessoas cujos comportamentos eram considerados indesejáveis e, por isso, submetidas ao encarceramento quando recebiam lettres de caches. Estas representavam “documentos emitidos em nome do rei, mas não necessariamente, nem na sua maioria, por sua própria iniciativa, e que tinham como função sujeitar a medidas de segurança tais como a prisão ou o internamento todo o indivíduo cujos comportamentos eram, no discurso desses mesmos documentos tipificados de “indesejáveis”.” Instrumento de Estado posto ao alcance dos súbditos, não “se fizeram estes rogados sempre que a eventual vulnerabilidade de um vizinho ou de um familiar desavindo dava azo a que sobre ele se pudesse exercer um despotismo de monarca.” (NT 2, FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Passagens, 1992. pp. 89-128.).
  • 2
    O último levantamento do SISDEPEN é referente ao período de julho a dezembro de 2021, enquanto a Quantidade de Incidências por Tipo Penal registrou que 55,86% das mulheres estão aprisionadas em decorrência da Lei de Drogas; 23,04% em decorrência da prática de delitos patrimoniais, 12,07% em decorrência de crimes contra a pessoa, 4,14% de crimes relacionados a legislação específica; 2,33% em virtude da prática de crimes contra a dignidade sexual, 1,79% de crimes contra a paz pública e 0,5% contra a fé pública. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen. Acesso em: 19 de agosto de 2022.
  • 3
    Este projeto está cadastrado no âmbito da Escola de Serviço Social da Escola de Serviço Social da UFRJ e do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflitos e Violência Urbana (IFCS-UFRJ). No NECVU ele compõe dois grandes projetos: Os sentidos do cárcere - incapacitação e ressocialização na realidade prisional brasileira contemporânea, financiado pela chamada Universal MCTIC-CNPq no. 28/2018 e A acumulação social da violência no Rio de Janeiro - novos desafios, financiado pelo Programa de Apoio a Projetos Temáticos no Estado do Rio de Janeiro - 2019 - FAPERJ.
  • 4
    Para uma análise do fluxo do sistema de justiça criminal, em particular o regime de processamento da execução penal no estado do Rio de Janeiro, ver Mello, D.M., 2021MELLO, David Maciel de. “O labirinto: caminhos e fluxo no regime de processamento da execução penal fluminense”. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 45., 2021, Rio de Janeiro. Anais […]. Rio de Janeiro: Anpocs, 2021..
  • 5
  • 6
    Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
  • 7
    Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). I - Não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
  • 8
    Os nomes foram alterados para manter o anonimato das mulheres descritas nos casos.
  • 9
    A sigla CV se refere à facção criminosa denominada Comando Vermelho. As letras “RL” seguidas a CV representam Rogerio Lemgruber, um dos seus fundadores.
  • 10
    Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
    § 1º Nas mesmas penas incorre quem:
    I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
    II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
    III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
    IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
    § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274)
    Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
    § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
    Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012).
  • 11
    Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
    Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
  • 12
    Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
    I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
    II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
    III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
    I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
    II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
    III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
    IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
    V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
    VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
    VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.
    Transportes públicos;
    IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
    V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
    VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
    VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.
  • 13
    Remetemos o leitor aos diversos trabalhos produzidos, referencias e rede de pesquisadores, divulgados no âmbito da rede do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC/NEPEAC/UFF) - https://www.ineac.uff.br/

Referências

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2022
  • Aceito
    15 Maio 2023
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