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Histórias de vida de mulheres em situação de aprisionamento

Life “HerStories” of Imprisoned Women

RESUMO

Este trabalho narra histórias de mulheres encarceradas, contadas por elas, para ajudar a compreender quem são as pessoas por trás dos números. Recontadas suas trajetórias, são evidenciadas, em contexto, as diferentes dimensões de opressão que vivenciam. Para além do gênero, a dimensão da raça e da classe social, a presença de drogas ilegais no contexto familiar, a violência e a relação com o sistema de justiça marcam seus percursos de vida. As entrevistas, realizadas em uma unidade prisional feminina comum, uma unidade prisional para gestantes e lactantes e uma unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, são aqui “transcriadas” e analisadas.

Palavras-chave:
encarceramento feminino; seletividade penal; histórias de vida; gênero; raça

ABSTRACT

Life “HerStories” of Imprisoned Women collects incarcerated women’s testimonies of their lives that illustrates who are the people behind the incarceration numbers. Through their stories, the different dimensions of oppression they have experienced are brought out. In addition to gender, the dimensions of race and social class, the use of illegal drugs by relatives, violence and the experience within the criminal justice and prison system carry out an important role in these women’s lives. The interviews were conducted in a female prison unit, in a pregnant and lactating unit, and in an Association for Protection and Assistance to Convicts. They were “transcreated” and analyzed.

Keywords:
female incarceration; criminal selectivity; life stories; gender; race

Introdução

Segundo o Infopen Mulheres, elaborado a partir de dados coletados até junho de 2016, há 42.355 mulheres presas no Brasil (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018)1 1 É preciso destacar que, segundo o informativo, “a ausência de dados com recorte de gênero para carceragens de delegacias e outros espaços limita a análise do fenômeno do encarceramento feminino no Brasil e tem impacto direto sobre a posição ocupada pelo País no ranking mundial do encarceramento feminino” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018). . No período de 2000 a 2016, o crescimento das taxas de mulheres aprisionadas foi da ordem de 656%, mais que o dobro do crescimento apresentado para a população masculina, de 293% (Ibid.). Essa situação faz com que o Brasil figure em quinto lugar no mundo em termos de taxas de mulheres aprisionadas.

Ao se analisarem dados oficiais do perfil das mulheres presas no Brasil, encontramos que 62% são negras e 45% não concluíram o ensino fundamental (Ibid.). Essas informações sugerem um perfil de grande vulnerabilidade social, assim como a seletividade do sistema de justiça criminal com relação a esse grupo da população, alvo prioritário de uma política justificada a partir da ideia de guerra às drogas. De fato, a natureza dos crimes cometidos é um dado que embasa esse argumento: 62% das mulheres estão presas por tráfico de drogas, ainda que cumprindo penas relativas a tipos penais de reduzida periculosidade (Ibid.). Sena (2015SENA, Lúcia. “Gênero, criminalidade e desigualdade social no Brasil contemporâneo”. In: GOMES, Sílvia; GRANJA, Rafaela (orgs). Mulheres e crime: Perspectivas sobre intervenção, violência e reclusão. Vila Nova Famalicão: Húmus, 2015, pp. 101-118., p. 108) argumenta que isso indica menos um avanço generalizado das mulheres na seara criminal do que o fato de alguns estratos sociais serem mais passíveis de persecução e punição jurídica.

A grande aceleração do encarceramento feminino no Brasil promoveu um importante incremento no número de estudos sobre essa temática. Uma busca no portal da Scientific Electronic Library Online (SciELO), realizada em dezembro de 2019, encontrou 35 artigos: nove encontrados a partir da expressão “encarceramento feminino”; 13 com “mulheres em situação de prisão”; e outros 13 com “sistema prisional feminino”. Trata-se de pesquisas produzidas a partir de 2010, em diferentes áreas do conhecimento, com prevalência de saúde pública (seis artigos), ciências sociais (seis artigos) e psicologia (um artigo). As investigações utilizam metodologias diversas para compreender as distintas dimensões do fenômeno; nenhuma delas, porém, usa a história oral.

Nesse sentido, defende-se aqui que a análise das experiências prisionais de mulheres contadas por elas próprias é de vital importância para se entender sua relação com a “história geral”. Parte-se do pressuposto de que suas experiências e visões são merecedores da análise e da própria narrativa histórica, e de que é preciso contar com a história de mulheres, cujas trajetórias estão profundamente tingidas por diferentes marcadores de opressão: de raça, gênero, sexualidade, classe social, entre outros. É o que justifica a opção, neste trabalho, pela adoção da perspectiva da história oral2 2 A presente pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). . Tendo em vista contribuir para os estudos acerca dessa temática urgente, o presente trabalho apresenta, então, as histórias de mulheres encarceradas contadas por elas próprias. Realizadas por meio de entrevistas por nós “transcriadas”, as narrativas nos ajudam a compreender quem são as pessoas por trás dos números.

A transcriação é um procedimento utilizado na metodologia de história oral que busca transpor as narrativas orais para o registro escrito. A atividade transcriativa é definida como uma das etapas da elaboração de documentos textuais em projetos de história oral, que se segue à etapa da transcrição literal, ambas indispensáveis. No registro oral, as histórias são contadas de modo mais fluido ou desordenado. A transcriação é uma forma fundamental de editar e traduzir o texto oral para o texto escrito, buscando manter sua fidedignidade, ao mesmo tempo que, apropriando-se de recursos literários para compor um texto diverso de seu referente, busca maior acessibilidade e fluência (EVANGELISTA, 2013EVANGELISTA, Marcela Boni. Segredos compartilhados: A transcriação como recurso narrativo em histórias sobre aborto. In: X Encontro Regional Sudeste da História Oral, Educação das sensibilidades: Violência, desafios contemporâneos, Unicamp, Campinas, 2013.). No exercício de transcriação, parte-se dos relatos orais para se redesenhar a narrativa. O desvelar do percurso narrativo busca tanto mantê-lo próximo da descrição textualizada da entrevista como alcançar concretude e objetividade em relação ao produto final (ALONSO, 2016ALONSO, Leandro Seawright. “O corpus documental história oral: Teoria, experiência e transcriação”. Revista Observatório, vol. 2, n. 1, pp. 54-75, 2016.).

O trabalho adota a perspectiva da escrita de “história das mulheres” ou HerStory (BOCK, 1989BOCK, Gisela. “História, história das mulheres, história do género”. Penélope: Fazer e Desfazer História, n. 4, pp. 158-187, 1989.; HOOKS, 1994HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 1994.; PERROT, 2007PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.)3 3 HerStory é uma expressão cunhada por bell hooks (1994) para denunciar o fato de que a história, supostamente universal, é, na verdade, uma história contada a partir de um ponto de vista masculino. A autora americana usa um jogo de palavras para substituir a palavra “his-tory”, que, em inglês, tem o sufixo “his” (dele). Ela recria a palavra, gerando “her-story”, que se refere a versões alternativas da história, ou às histórias contadas a partir de e para mulheres. . Para a literatura feminista, tradicionalmente, a história é considerada produto da ação dos homens, de sua escrita e sua experiência, e é equiparada à história geral ou universal. Assim, a perspectiva de uma história de mulheres busca romper com o silêncio e adentrar o espaço público, transgredindo a invisibilidade e o silêncio das mulheres como parte da ordem social (BOCK, 1989; HOOKS, 1994; PERROT, 2007).

A pesquisa que embasa este texto foi realizada em dois diferentes regimes prisionais de Minas Gerais, que tem 3.279 mulheres presas e ocupa o segundo lugar entre os estados brasileiros (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018). No sistema prisional comum, as entrevistas ocorreram em duas unidades prisionais femininas da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH): o Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto (CPFEP) e o Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade (CRGPL), única unidade do estado que recebe mulheres grávidas ou com filhos pequenos, ainda em fase de amamentação. As entrevistas foram também realizadas em uma unidade da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) do município de São João Del Rei que não pertence ao sistema prisional estatal4 4 A Apac é uma entidade civil sem fins lucrativos destinada à recuperação e à reintegração social dos condenados a pena privativa de liberdade. Nas Apacs, as presas são chamadas “recuperandas” e são responsáveis pela disciplina e segurança das unidades. Há funcionários e voluntários para suporte das atividades, mas não há policiais ou agentes penitenciários. O método pressupõe capacitação profissional, estudo e envolvimento da família (FERREIRA, 2016). . Os diferentes contextos revelaram variadas formas de tratamento das mulheres encarceradas, enfatizando também a importância de se compreender a dimensão institucional da experiência prisional feminina.

Considerando o objetivo do estudo, as entrevistas foram realizadas com caráter semiestruturado, de forma voluntária e tendo sido preservadas as identidades das entrevistadas. Todas as entidades envolvidas foram comunicadas e concederam as autorizações para a realização da pesquisa.

O que dizem os estudos sobre as mulheres em situação de aprisionamento

A literatura que aborda as mulheres em situação de prisão se desenvolve a partir de diferentes enfoques e objetivos. Sem ter a pretensão de oferecer um balanço exaustivo do conjunto dos estudos encontrados, selecionamos a seguir algumas dimensões representativas dessas distintas visões.

Um primeiro conjunto de estudos enfatiza os motivos que levam as mulheres a desenvolverem “carreiras criminais”. Segundo essa literatura, o primeiro e mais relevante é relacionado à questão financeira: muitas mulheres são levadas a atuar nos mercados ilegais, sobretudo os relacionados ao tráfico de drogas, para sustentar seus filhos. Os estudos destacam a dificuldade das mulheres com perfil vulnerável de entrarem no mercado formal de trabalho, principalmente em vista dos poucos anos de estudo formal. É esse o argumento de Cortina (2015CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. “Mulheres e tráfico de drogas: Aprisionamento e criminologia feminista”. Estudos Feministas, vol. 23, n. 3, pp. 761-778, 2015.) ao explicar a relação entre feminização da pobreza e aprisionamento de mulheres:

Os dados coletados na pesquisa feita com mulheres em situação de prisão (...) apontam que os motivos mais relatados pelas mulheres para escolherem o envolvimento com o crime são as dificuldades em sustentar os/as filhos/as e a falta de inserção no mercado de trabalho lícito e formal. Essas motivações reafirmam a hipótese de que (...) o objetivo é a obtenção de dinheiro, entendido aqui como fonte de renda. Nesse aspecto, o ingresso das mulheres no tráfico de drogas é apontado como um efeito da feminização da pobreza, ou seja, da consideração estatística e social de que a pobreza tem atingido de forma significativa as mulheres e orientado suas escolhas de vida (Ibid., p. 767).

Outros estudos destacam a dimensão de gênero propriamente dita. É no relacionamento com homens ligados aos mercados ilegais que se desdobra a conexão com o “mundo do crime”. Os estudos constatam uma reprodução dos papeis de gênero, ou seja, o papel da mulher dentro do mundo das dinâmicas criminais é, via de regra, subalterno ao dos homens:

ser pobre, negra e favelada restringe as possibilidades de mulheres dentro e fora da rede do tráfico de drogas. Apesar do caráter transgressivo da atividade na qual as participantes estiveram envolvidas, suas experiências passadas como criminosas foram marcadas por uma constante submissão aos homens na atividade (BARCINSKI, 2009BARCINSKI, Mariana. “Centralidade de gênero no processo de construção da identidade de mulheres envolvidas na rede do tráfico de drogas”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 14, n. 5, pp. 1843-1853, 2009., p. 1852).

Bianchini e Barroso (2013BIANCHINI, Alice; BARROSO, Marcela Giorgi. Mulheres, tráfico de drogas e sua maior vulnerabilidade: Série mulher e crime. 2013.) reforçam esse entendimento sobre a desigualdade entre homens e mulheres nas dinâmicas criminais e indicam como isso se reflete no processo de aprisionamento:

Em geral, as mulheres atuam como coadjuvante, enquanto os protagonistas continuam sendo os homens. Dificilmente alguma delas é chefe do tráfico, mantendo sua histórica posição subalterna (...). Tais mulheres, exatamente por estarem diretamente ligadas ao objeto final do crime, ou seja, na frente mais arriscada do negócio, são as primeiras a serem presas, enquanto muitos homens passam infensos à prisão e impunes (Ibid., p. 2).

Outro fator associado ao aprisionamento de mulheres bastante presente na literatura é o uso de álcool e drogas. O estudo de Fernandes Lopes, de Mello e de Lima Argimon (2010) é exemplar desse conjunto, ao argumentar que, entre os fatores relacionados ao aprisionamento feminino, a prevalência do uso, abuso e dependência de drogas é nuclear para explicar esse fenômeno, ao lado outras circunstâncias.

A descrição de algumas características sociodemográficas permitiu identificar que as participantes estão inseridas em um contexto sociofamiliar cujo envolvimento com a droga e o contato com o sistema prisional podem ser vistos como fatores de vulnerabilidade social e criminal. Estima-se que a maioria das mulheres presas apresente uma relação direta com as drogas, seja no uso, seja na venda. Associado com a baixa escolaridade e qualificação profissional de menor status socioeconômico, pode contribuir para um possível aumento de delitos praticados (Ibid., p. 130).

O encarceramento feminino também está vinculado à dimensão racial, segundo destaca uma parte importante dos estudos. Flauzina (2018FLAUZINA, Ana Luiza. “Apresentação”. In: ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018, pp. 11-18.) defende a centralidade do conflito racial para a compreensão do fenômeno do encarceramento em massa:

Ao se falar em escravidão, na segregação racial e na prisão, pensa-se fundamentalmente no corpo negro. É a corporeidade negra, portanto, o dado constante na retórica do terror, transmutando-se apenas as estruturas formais de controle. Sem alterações substantivas, a antinegritude vige como a métrica basilar as dinâmicas políticas e sociais do país. (...) O estudo nos convida a olhar para a edificação de um programa de criminalização dos negros. (...) A precariedade das estruturas do sistema de justiça criminal brasileiro não deixa dúvidas sobre a ilegalidade de suas práticas. (...) Os vilipêndios que integram a rotina da segurança pública no país compõem um quadro que só pode ser explicado pela intensa naturalização social do racismo, com o profundo desprezo à vida negra (Ibid., pp. 12-14).

A chamada “guerra às drogas” reforça a dimensão punitivista da política penal brasileira, jogando um papel crucial na instrumentalização da seletividade do encarceramento de mulheres negras no Brasil (Ibid., p. 14).

Por fim, outras autoras enfatizam a dimensão institucional, ou seja, quão distinta e específica é a experiência das mulheres no percorrer dos processos de criminalização e aprisionamento, em comparação com a dos homens. Para Carvalho e Mayorga (2017CARVALHO, Daniela; MAYORGA, Claudia. “Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres”. Estudos Feministas, vol. 25, n. 1, pp. 99-116, 2017.),

[a]pesar da representação numericamente inferior de mulheres no sistema prisional e de uma localização historicamente marginal nos sistemas punitivos, observamos que, sobre as mulheres que ousam cometer práticas tipificadas como criminosas, recai uma dupla punição: as sanções penais previstas nas leis e nos códigos, mas, também, os imperativos das normativas de gênero, com as suas definições e prescrições do que é - ou deveria ser - a Mulher. Da pena capital à privação da liberdade, muitas mulheres foram julgadas pelos seus atos, mas condenadas por suas paixões, por seus instintos, anomalias, enfermidades, inadaptações ou, até mesmo, pela hereditariedade (Ibid., p. 102).

As mulheres são penalizadas pelo crime, mas também por serem mulheres, em uma situação que supera todas as problemáticas inerentes ao sistema carcerário brasileiro. Suas necessidades são tratadas de forma adaptada em um sistema pensado por e para homens, em que as diferenças de gênero determinam desigualdades de tratamento e aplicação penalógica, além da relação com a sociedade e com a família, que também acaba refletindo essa situação. É o que reforça Cerneka (2009CERNEKA, Heidi Ann. “Homens que menstruam: Considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher”. Veredas do Direito, vol. 6, n. 11, pp. 61-78, 2009.):

O fato de a porcentagem de mulheres no sistema prisional ser baixa (6,3% no Brasil e entre 0% e 29,7% no mundo) faz com que suas necessidades não sejam consideradas quando se pensa em políticas públicas e construções de unidades prisionais. Até o presente momento, a situação da mulher no cárcere não foi tratada de forma adequada às suas especificidades, que vão muito além da menstruação e gravidez. O que se observa é uma tentativa de adaptações e “adequações” (Ibid., p. 61).

Todas as dimensões acima foram consideradas a partir da revisão dos estudos escolhidos e compuseram um roteiro semiestruturado de entrevista sobre as histórias de vida das mulheres aprisionadas, as quais são contadas a seguir.

Trajetórias de vida de mulheres em situação de prisão

As histórias de vida aqui transcriadas foram contadas em entrevistas realizadas em três unidades prisionais. Foram primeiro realizadas sete entrevistas na Apac, dado que a solicitação foi prontamente autorizada. No dia da realização das entrevistas, a diretora responsável fez o convite às recuperandas do regime fechado para a apresentação da pesquisa e sua participação voluntária nela. Sete aceitaram. As entrevistas foram individuais e ocorreram em uma sala reservada. Foram gravadas, integralmente transcritas e posteriormente transcriadas pelas pesquisadoras.

As demais entrevistas, feitas no sistema prisional, não puderam ser gravadas. Seu registro foi feito em caderno de anotações durante as conversas. Foram realizadas: uma entrevista na unidade feminina, onde buscou-se autorização para entrevistar uma detenta identificada previamente; e quatro na unidade prisional que abriga as gestantes, com as mulheres que aceitaram participar da pesquisa após o convite a todas as detentas. Ali as conversas foram rápidas, em função do cuidado com as crianças.

A posterior transcriação das entrevistas teve como objetivo estruturar e facilitar o entendimento das narrativas, que foram contadas de modo fluido ou pouco ordenado, como é típico do registro oral. Além disso, visou ao maior alcance e publicização dos conhecimentos produzidos (MEIHY, 1996MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996.). Manteve-se a narrativa em primeira pessoa. Os nomes atribuídos são fictícios.

A seguir, sete mulheres que estão na Apac contam suas histórias de vida.

Camila

Tenho 33 anos, dois filhos: uma menina de sete e um menino de 15 anos, que está internado pelo vício de drogas. Minha mãe também é usuária. E eu comecei a usar com 20 anos. Meu filho me viu vender e usar drogas junto com o pai dele. Com 14 anos, ele também começou a usar. Hoje está em uma clínica para dependentes químicos.

Só Deus sabe o que passei com ele! Eu aqui dentro e meu filho correndo risco de vida lá fora. Pessoas batendo nele, botando revólver na sua cara. Por isso, quando saí de condicional, tive que entregar meu filho para a polícia, porque caso contrário ele ia acabar morrendo.

Perdi a guarda da minha filha, que mora com o pai. Ele também é usuário, só que disfarça melhor. Eu não consigo ficar perto de droga e falar “não”. Quando estava no albergado, tive a oportunidade e não aproveitei; minha compulsão em usar drogas me fez voltar. Quebrei a condicional, fiquei cinco meses na rua, me pediram o exame [toxicológico] e deu positivo. Agora vou passar mais dois anos aqui. Já é a terceira vez pela qual estou passando pelo sistema.

Mas precisava de ajuda e agora estou tendo: ajuda espiritual e das pessoas. Muitas vezes, me senti muito rejeitada pela minha família, pelas pessoas que eu amo. Estou tentando me encontrar, saber quem sou de verdade, tirar toda mágoa e tristeza que eu tenho no coração. A gente tem que tentar consertar nossos erros. Por mais que não consiga resgatar a infância da minha filha, quero-a perto de mim, quero passar uma imagem boa, dizer que não a abandonei. Amo muito meus filhos. Tenho agora dois anos para pôr a cabeça no lugar e recomeçar a escrever uma nova história. Achava que eu só tinha defeito, que eu era puro erro, mas agora aprendi que posso tirar muitas coisas boas de mim mesma.

Completei a oitava série e parei de estudar porque engravidei aos 18 anos. Não estou trabalhando aqui; faço artesanato para ajudar. Mas se passar para o semiaberto, posso sair para trabalhar, e tenho fé em que as portas vão se abrir para mim. Porque quero cuidar dos meus filhos com o dinheiro do meu suor, não com coisa errada.

Nunca fiquei presa em presídio; só dormi uma noite dessa última vez em que fui presa e foi uma experiência muito estranha. Lá é muito diferente: a gente anda de cabeça baixa, os agentes gritam, não têm educação, não tratam a gente como aqui. Aqui nos tratam como seres humanos.

Ivone

Nasci aqui mesmo. Meus pais já são falecidos, tenho 57 anos. Nunca me vi presa. Estou aqui por causa de uma droga que esconderam na porta da minha casa. Um rapazinho entrou e escondeu lá; uma vizinha me contou. Ela entrou escondida atrás dele, mas não conseguiu ver onde escondeu. Durante uma semana, eu e minha irmã procuramos em todos os lugares. Mas a polícia achou, em uma sacolinha. O sargento, na hora que viu que era minha casa, tirou a boina da cabeça e pediu desculpas... Eles me conhecem; nem me algemaram quando me levaram.

O rapaz, o dono das drogas, é muito perigoso. Da delegacia, me trouxeram para cá. O juiz, no dia da audiência, nos colocou cara a cara, e acho que ele errou ao fazer isso. Porque eu fui para falar a verdade, que a droga não era minha. Ele me perguntou seis vezes. Mas como eu ia fazer? Esse menino é mau. Ele entrou na sala, no dia da audiência e me intimidou: “Me entrega, que lá fora eu te mato”.

Fui condenada a dez anos de prisão e ele está solto. Já tem três anos e três meses que estou aqui. Nunca usei [drogas], nunca trafiquei. Jamais faria isso; fui criada trabalhando. Eu capinava lote dos outros para comprar o cigarro que eu fumava. Quando eu e minha irmã caçula fomos trabalhar em casa de família, meu pai falou: “Não quero patrão de vocês aqui reclamando de nada; não vou esperar a polícia pegar filho meu, eu corto os dedos da mão de vocês primeiro”. E ele faria isso mesmo. Então a gente nunca foi de mexer em nada dos outros.

Ano que vem vou para o semiaberto e vou continuar na minha profissão: voltar para minhas faxinas. Voltar para minha casa: ela é minha, mesmo com o teto caindo. Meu pai a deixou para a gente; teve condição de nos dar vida boa. Só não deu estudo, estudei só até a quarta série.

Karla

Tenho 32 anos, sou do Rio de Janeiro, de Nova Iguaçu. Vim para cá com 11 anos. Meu pai morreu dentro de um ônibus lá no Rio. Ele estava saindo do trabalho, teve um assalto e ele levou um tiro. Eu não tive infância: minha mãe tinha que trabalhar e eu tinha que ficar com minhas irmãs.

Quando fiz 12 anos, conheci um rapaz e perdi minha virgindade com ele. Com 13, eu engravidei do meu primeiro filho. Continuei morando com minha mãe, que ficou tomando conta de duas crianças, eu e meu filho. Eu não tinha cabeça, só pensava em brincar, era como se ele fosse um boneco. O pai dele ajudava muito também. Era mais velho, tinha uns 17 anos.

Morei com minha mãe até meus 16 anos. Antes, tive meu segundo filho, do mesmo pai. Só quando fiz 17 anos minha mãe me deixou ir morar com ele. E aí brigamos muito. Ele queria sair, e eu não podia, por causa das crianças. Quando a gente saía, era muita bebida, e eu comecei a usar droga. Tinha 20 anos quando isso aconteceu.

Ele já usava e eu não sabia. Ele me influenciou e me ensinou. A irmã dele falou: “Ele cheira cocaína e, se você não cheirar com ele, ele vai usar com outra”. E comecei a gostar. Todo final de semana eu deixava meus filhos com minha mãe e nós passávamos o tempo todo bebendo e cheirando. Com isso, eu fui conhecendo outras pessoas e entrando no mundo da malandragem.

Eu não estava trabalhando. Foi quando uma prima me perguntou se eu queria ganhar dinheiro. Ela falou: “Vou pegar um pó, a gente divide e vende”. Comecei a ganhar muito dinheiro. Comprei móvel para minha casa, um carrinho, sempre uma roupinha nova. Foi quando meu marido resolveu que queria vender também e aí ficou mais pesado. Vendendo muito, começamos a beber mais, cheirar mais. Toda hora tinha gente na porta da minha casa, muitos amigos que vinham e cheiravam lá mesmo.

Então eu conheci um outro homem que ia lá comprar droga e comecei a ficar com ele. Mas eu sabia que ele só ficava comigo por causa da droga, para cheirar de graça. Meu marido também estava me traindo, então resolvemos nos separar. Foi quando perdi meus filhos. Minha mãe ficou sabendo que eu estava usando e vendendo droga e entrou na justiça pedindo a guarda.

Fui morar sozinha. Gastava meu dinheiro todo com bebida, droga, e comecei a fazer programa, porque comecei a gastar mais do que ganhava. Uma amiga me chamou e eu fui com ela para uma boate em Barbacena. Passei por muitas cidades, fui para o Rio, Belo Horizonte. Quando voltei, estava com muito dinheiro.

Foi quando eu conheci o crack, e aí afundei. O crack acabou com minha vida. Com o pó, eu até conseguia mais ou menos segurar um pouco de dinheiro, mas com o crack não. Cheguei a pedir dinheiro na rua, roubar. Fui várias vezes para a delegacia, mas me liberavam. É a primeira vez que estou presa. Estou aqui porque em 2016 conheci um rapaz que me ofereceu um dinheiro para ir com ele comprar uma quantidade maior de droga para vendermos.

A polícia já estava prestando atenção nele. Fomos parados e a polícia nos pegou. Na delegacia, ficamos muito tempo sendo interrogados. Ele falou que eu não sabia da droga e que era usuária. Não tinha policial feminina, então não me revistaram, e fomos liberados. Eu voltei com a droga que estava comigo, usamos tudo. Ficamos quatro dias trancados em casa, bebendo, cheirando e fumando. Dias depois, eu me separei dele.

Depois de um tempo, fui morar com um primo em um sítio, bem no meio do mato. Queria ficar longe das drogas. Fui para lá grávida de um homem que conheci fazendo programa. Não pude ficar lá muito tempo; era longe e ficou difícil quando o neném nasceu. Nesse tempo, fiquei sem a droga. Mas quando voltei para a cidade, voltei com tudo: em toda esquina tem droga, é muito difícil falar não.

Pedi ajuda a minha mãe e fui internada em uma clínica para dependentes químicos. Quando saí da clínica, fui embora. Meus três filhos ficaram com ela. Voltei a morar com meu primeiro marido, que não tinha parado de usar droga e acabei voltando de novo. Depois fui morar com uma amiga. Com ela, assaltei a casa de uns idosos ricos. Com o dinheiro, fomos para Belo Horizonte. Foi onde subi o morro pela primeira vez. Foi horrível, só tinha gente armada.

Voltei para Tiradentes e arrumei outro homem - sempre tem um homem na minha vida. É com ele que estou hoje. Ele também usa droga, fuma e cheira. Só que antes engravidei de um amigo. Não queria esse filho. Foi a época em que mais usei droga. Fiz de tudo para “perder” a gravidez. Eu até choro quando penso nisso. Eu usava tanta droga que quando estava de sete para oito meses [de gravidez] comecei a perder um pouco de líquido, mas não dei importância. Quando completei oito meses, estava na casa de uma amiga cheirando e fumando e senti que o neném ia nascer. Deitei-me no chão e ele nasceu; fiz meu próprio parto. Saí para a rua com ele e a placenta enrolados em uma toalha. Os vizinhos me levaram para o hospital, onde a polícia chegou, acompanhada de conselheiros tutelares. Levaram meu filho. Hoje, minha mãe também está com ele. Foi aí que caí de vez. Parei de comer, emagreci uns 30 quilos. Nem banho tomava.

Estou aqui agora há três meses. Quando eu fui para a delegacia, em 2016, e fui liberada, tinha que ir ao Fórum uma vez por mês, mas eu não fui. Fui considerada foragida. Ainda não fui julgada, sou presa provisória. Minha mãe e meus filhos não vêm me visitar, só meu marido, quando não está drogado. Eu não gosto da rotina daqui, mas estou até bem, estudando e aprendendo a ter paciência.

Letícia

Tenho 30 anos e mais três filhos além desse que está aqui comigo5 5 Apesar de estar presa em uma Apac, Letícia está na presença de seu filho mais novo, um bebê de colo que ela amamenta. . Dois estão com a avó e minha menina está com minha irmã. Não são todos do mesmo pai, são quatro filhos de três diferentes pais. Meus filhos têm 12, dez e sete anos, e esse aqui, quatro meses.

Estou aqui por safadeza minha mesmo. Não me faltava nada, tenho minha casa, sou independente. Eu já trabalhava, era açougueira. Nunca estive presa em presídio, só aqui na Apac. A Apac é um lugar bom, você não dorme no chão, tem chuveiro quente, comida boa. Mas é humilhante. Humilhante é você depender das pessoas aí da frente6 6 “As pessoas aí da frente” a que Letícia se refere são os funcionários da Apac. , eles têm as palavras certas para te humilhar.

Quero é saber da “Lei das Mães”7 7 Referência à lei no 13.769, de 19 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018), que estabelece a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe. . Quero conversar sobre isso com todas as pessoas que vêm aqui. Não fui condenada, sou presa provisória. Meu advogado não faz nada. E ele não é da Defensoria Pública, eu o contratei. Mas as outras saem e eu não.

Não tenho mãe, não tenho pai. Meus irmãos não vêm aqui. Meu marido morreu há 21 dias. Não tenho ninguém. Mas tenho minha casa, meus móveis, tudo da casa. Sou trabalhadeira. Vim parar aqui acho que para pensar na minha vida. Mas eu já pensei. A Apac não precisa me recuperar não, estou recuperada. Só “cresci olho” no dinheiro, mas nem dinheiro eu quero mais, quero só o necessário. Olha onde eu vim parar por causa de dinheiro: nesse lugar, com uma criança. É humilhante estar com um filho na cadeia. Isso é o mais triste. Se eu não emendar com isso, peço a Deus que me tire desse mundo.

Meu marido morreu do coração dentro da cadeia. Ele estava preso e foi operado do coração. Acho que morreu porque chegou a hora dele, mas se tivessem dado um remédio... Não sei. Dizem que pediu ajuda, pediu socorro e o presídio não ajudou. Pegaram ele já desmaiado. Morreu com 31 anos.

Eu sou forte, não quero ficar mostrando na cadeia que estou sofrendo. Aqui até tenho assistência, tenho médico, tenho tudo, mas a Apac não dá nada para o bebê, eu é que tenho que comprar fralda e tudo o mais. Quando meu marido foi preso, entrei com o pedido do Bolsa Família - antes não precisava. Recebi dois meses antes de ser presa. É esse o dinheiro que tenho para comprar as coisas para ele. Todo dia falo para mim: “Hoje vou embora” e... nada. É meu anjinho que me segura. Espero que a senhora lute pela Lei das Mães, pelas mulheres que têm direitos que não são respeitados.

Fernanda

Tenho 23 anos, não tenho filhos e sou daqui [de São João Del Rei]. Tenho família, mas minha mãe morreu há quatro anos e meu pai está numa clínica de dependentes. Cometi um assalto; há quatro anos estou presa. Durante dois anos e três meses cumpri pena no presídio aqui em São João Del Rei. Fui presa pela primeira vez com 18 anos, fiz 19 dentro da cadeia. Saí e voltei em 2016 por crimes diferentes. Já era para eu ter ido embora, mas o juiz segurou meu alvará de soltura. No próximo mês vou para o semiaberto. Fui condenada a oito anos e oito meses, que caíram para seis anos e seis meses. Mas com a pena de 2015 o tempo aumentou para dez anos e quatro meses. Faltam cinco anos e quatro meses, mas até dezembro já estarei na rua.

Estudei até a sétima série, terminei a oitava aqui dentro e continuo estudando. Ano que vem, quando eu sair, já terei completado o terceiro ano do ensino médio. Quero estudar, fazer cursos e me formar em direito. Aqui dentro também trabalho. Fazia artesanato, mas parei. Sou encarregada da farmácia e da galeria noturna.

Comecei muito nova no mundo da droga. Comecei com cocaína, depois foi o crack, depois a maconha. E quando eu vi já estava afundada, já estava roubando, destruindo lares dos outros. Comecei com a droga e a droga me levou à prisão.

Tenho um irmão que é recuperando aqui na Apac. E tenho mais duas irmãs: uma que mora no Rio e outra, aqui. Elas não têm ligação nenhuma com coisa errada. Minha irmã tem seis filhos, 32 anos. Toma conta de mim, do meu irmão e do meu pai. Trabalha e estuda à noite. É casada.

Fiquei três anos sem visita porque minha família brigou comigo. Há um ano minha família vem me acompanhando. Foi depois que saí no feriado e mostrei que não queria mais a vida em que eu estava. Eles passaram a me dar mais apoio.

Cláudia

Tenho 21 anos, sou de São José dos Campos, São Paulo. Tenho três filhos: de cinco anos, três e um de um ano e oito meses, que estava aqui comigo até duas semanas atrás. Sou casada, tenho pai, mãe e irmãos. Meus dois primeiros filhos são do meu marido, o último é de um ex-namorado. Tive meu primeiro filho com 16 anos. Meu marido me visita e minha mãe também, só que ela é muito brava, briga comigo porque estou aqui. Meus filhos também vêm me visitar.

Meu marido estava preso, saiu tem pouco tempo. Ficou três anos preso. Estou aqui há um ano e quatro meses. Enquanto meu marido estava preso, meus filhos ficaram comigo; agora que estou aqui, o mais velho está com minha mãe, o segundo, com a madrinha, e o bebê agora está com a avó paterna. Minha pena foi de cinco anos e três meses, mas com a regra de cumprimento de 1/8 da pena já posso sair8 8 Referência à lei no 13.769, de 19 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018), que determina que, no caso de mulher gestante ou mãe, o requisito para progressão de regime é ter cumprido ao menos 1/8 da pena no regime anterior. . Estou esperando o juiz decidir.

Estudei só até a oitava série. Parei porque engravidei. Agora, aqui na Apac, voltei a estudar, estou no segundo ano do ensino médio. Eu não trabalhava, cuidava da casa e dos meus filhos. Mas, quando sair, quero trabalhar. Mas em casa, por causa dos meus filhos, não quero ficar longe deles. Quero montar um salão ou trabalhar com agricultura sem agrotóxicos. Quero levar meus filhos para a escola, fazer dever de casa com eles.

Antes de vir para a Apac fiquei só dois dias no presídio. Estar presa e saber que muita gente que fez muito pior está solta me revolta. Mas foi até bom eu vir para cá. Não é a Apac que muda as pessoas, é a pessoa que quer ou não mudar. Eu mudei, quero sair e ficar com meus filhos. Eu os amo, são tudo na minha vida. Mesmo quando eu ia para o baile funk ficava pouco tempo, para não ficar longe deles.

Agora eu tenho força de vontade para trabalhar e sou mais econômica. Antes gastava todo meu dinheiro. Amadureci muito aqui dentro. Se estivesse lá fora, não estaria com meu marido. Não sou viciada em drogas como muitas que estão aqui. Meu vício era trair meu marido. Aqui estou mais calma, tenho lido muito. Leio a palavra de Deus, que tem me ajudado muito. Estou muito nervosa, esperando a resposta do juiz. Quando sair, vou agradecer muito a Deus, mas vou agradecer ao juiz também por ter me ajudado a amadurecer. Hoje eu sei o que eu quero da minha vida. Quero olhar para o retrovisor e ver o que eu fiz lá atrás para eu não fazer de novo.

Aqui aprendi a dar valor a tudo; coisas com que não me importava, hoje sei o valor. Estamos estudando sustentabilidade e consumismo. Eu era muito consumista, comprava tudo, usava um pouco e dava para outra pessoa. Hoje também não consigo mais ver alguém jogando lixo no chão; minha mãe faz isso e eu brigo muito com ela.

Quero sair daqui e ficar com meu marido, mas o quero transformado. Ele saiu da cadeia há pouco tempo e não está trabalhando. Infelizmente, está traficando. Tenho muito medo, porque ele é dependente químico. Não foi preso por tráfico, foi por tentativa de homicídio. Muita gente fala que eu sou muito linda para ele. Ele também acha isso, fala que quando eu sair vou terminar com ele para ficar com outro mais bonito. Mas não quero outro, é ele quem amo. Antes eu era muito dependente dele, mas quando ele foi preso tive que aprender a me virar sozinha - e consegui.

O meu filho mais novo é de um namorado que tive durante um tempo em que estivemos separados. Ele também namorou outra. Mas depois vimos que gostamos um do outro e voltamos. Hoje ele cuida também desse meu filho. O pai da criança não pode cuidar dele porque também está preso, na Apac masculina.

Uma coisa sobre a qual tenho pensado é tentar ajudar as pessoas, contar a minha história, principalmente para mulheres, quando sair daqui. Acho que devemos ser mais unidas. O mundo é muito machista. Muitas mulheres sofrem demais por causa desse mundo.

Fátima

Tenho 33 anos. Tenho três filhos, mas um morreu: uma de 18 anos e um filho de 14. Por estar aqui, meus filhos estão sozinhos, meu filho mora com minha filha. E tenho dois netos.

O que me fez vir para a Apac foi uma tragédia que causei. Tive uma pena muito alta, de 28 anos de cadeia. Já tem cinco anos que estou aqui. Foram as drogas que me trouxeram. Eu era usuária de crack. Eu fiz mal a uma pessoa, um pai de família. Tirei a vida dele.

Posso falar um pouco da minha vida. Sou de uma família muito pobre, que passou muita necessidade. Meu pai é separado da minha mãe. Tenho irmãos, que estão na mesma vida errada em que eu estava, na vida do crime também. Dois irmãos estão no crack. Então, é uma vida de uma família muito sofrida.

Quando eu tinha oito anos, sofri abuso de meu padrasto. Isso ficou na minha memória e me trouxe uma revolta muito grande. Sou um pouco estourada, isso está ligado ao meu emocional. Uso várias medicações para meu nervosismo.

Já tomei vários tiros: tentaram me matar três vezes por causa do crack. Morava debaixo da ponte, fiquei na rua. Sempre falavam comigo: “Volta para casa, isso não é vida para você”. E eu respondia: “Não quero, quero ficar na rua”. Minha mãe nunca aceitou coisa errada. Ela fazia comida para mim e muitas vezes me via subindo o morro para comprar crack, me chamava para almoçar e eu dizia que não queria. Eu preferia o crack a comer a comida da minha mãe. Troquei um prato de comida da minha mãe por uma pedra de crack e isso foi a gota d’água para ela.

Quando eu passava perto das pessoas, elas corriam. Hoje não. Quando vou ao médico e vejo pessoas que conheço, elas me abraçam. Antes elas corriam de mim. Antes eu estava na vida do crack. Tenho vários amigos que têm comércio, eles sempre falavam comigo: “Larga deste crack, eu te dou um bom emprego”.

A faculdade que eu estou cursando me inspirou muito: tem a remição pela leitura que a gente tem aqui dentro. Isso tudo me ajuda. Antes eu não sabia nem pegar um negócio para ler. Estudei até a quinta série, parei de estudar com 13 anos. A Apac me propôs muitas coisas boas, inclusive a faculdade que eu estou fazendo hoje, de logística.

É meu terceiro ano aqui dentro da unidade. Não tenho previsão de quando vou sair, tenho que ficar oito anos no fechado. Até 2022, tenho que concluir minha faculdade. Aí eu vou estar no semiaberto, já poderei ter saída temporária. Quando sair daqui, a primeira coisa que quero fazer é construir minha família de novo. E depois arrumar um bom emprego com o meu estudo, meu esforço, e dar para os meus filhos o que não pude dar para eles quando estava na droga.

A história a seguir é de Joana, que está no presídio feminino comum.

Joana

Passei muita dificuldade na minha vida. Só ia para escola por causa da comida. Tudo começou quando tinha sete anos e fui com uma tia ao centro da cidade. Lá ela me usou para roubar. Foi minha primeira vez na Febem [Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor]9 9 Instituição já extinta e substituída por unidades socioeducativas, atualmente responsáveis por acolher crianças e adolescentes autores de atos infracionais. . Fiquei lá só dois dias, consegui fugir. Quando cheguei em casa, minha mãe estava bêbada e me bateu muito; ela não gostou do meu comportamento. Desde então, comecei a roubar. Minha mãe não percebeu, ela nunca estava em casa.

Saí de casa junto com meu irmão quando tinha dez anos. Fomos para a casa de um traficante, foi quando usei crack pela primeira vez. Algum tempo depois, voltei para a casa da minha mãe. Ela estava casada e meu padrasto tentou me violentar, mas consegui o perdoar. Foi um tempo muito bom: reencontrei meus irmãos e fiquei um tempo sem a droga. Em pouco tempo, voltei para as drogas e comprei um revólver para me defender, eu pensei.

Minha vida nunca foi fácil. Morei na rua, onde fui violentada, apanhei e bati muito. Passei muitas vezes pela Febem por vários motivos. Quando fiz 18 anos, fui quase que direto para a cadeia. Foi minha primeira pena: furto. Entrei com 18 [anos] e saí com 22. Agora estou cumprindo minha segunda pena por assassinato.

Eu fiquei grávida três vezes. A primeira foi um parto prematuro. Ela foi para o CTI [centro de terapia intensiva] e não resistiu. A segunda gravidez é a desse meu filho. Quando estava grávida pela terceira vez, me envolvi em uma briga, cujo motivo nem sei direito. Acho que foi ciúme. Na briga, uma mulher pisou na minha barriga e o neném morreu. Então eu a matei. Nunca tive medo de ninguém, as pessoas é que tinham medo de mim. Uma vez, um homem quis matar meu irmão, mas não matou porque ficou sabendo que era meu irmão.

Hoje estou com 31 anos e já estou aqui há oito. Só agora, em 2019, saio pela primeira vez. Vou para a casa de uma irmã. Antes de começarem minhas saídas, eu recebia visita do meu filho, agora nos encontraremos lá fora.

As quatro histórias de vida seguintes são de mulheres que, acompanhadas de seus bebês, estão aprisionadas na unidade prisional destinada a gestantes e lactantes.

Maria

Tenho 33 anos, nasci em Juiz de Fora e tenho cinco filhos. Tive meu primeiro com 15 anos, uma menina que agora está com 17. Tenho um menino de 14, uma menina de dez, outra menina de cinco e esse aqui [bebê no colo], de três meses. Cada um de um pai, que só participam quando querem. Meus filhos estão com uma irmã, que registrou a menina de dez anos como sendo sua filha. O filho de 14 anos mora com uma prima. Minha família é presente.

Só estudei até a sexta série e tudo começou com o uso de drogas. Estou presa por furto. Fui condenada a dois anos, já estou quase saindo. Agora quero fazer tudo diferente. Quero ajuda, porque agora sei o que será se não aprender a me cuidar. Mas quero fazer tudo com calma, um passo de cada vez. Não quero remédio, quero conversar e quero trabalho.

Não é a primeira vez que estou presa, já passei por outros presídios, inclusive aqui. Estava grávida da minha menina, que agora tem cinco anos. Estou estudando e, por isso, tenho confiança de que vou conseguir ser diferente, vou mostrar que consigo. Presto serviço comunitário na creche e na costura. Também fiz curso de pizzaiolo e tenho certificado. Quero dar o melhor para os meus filhos, com o suor do meu trabalho.

Homem é um problema. O atual é até sossegado; mesmo não me ajudando, gosto dele e vou tentar ficar com ele quando sair. Quero dar uma família ao menos para esse filho.

Marina

Tenho 22 anos e nasci em São Paulo. Tenho seis filhos. O primeiro nasceu quando eu tinha 15 anos. Só a mais velha é uma menina, que tem sete anos. Depois só tive meninos: de cinco, quatro, três e um, e o último [no colo], de cinco meses.

Já é a segunda vez que estou presa: a primeira [foi] por assalto, e na segunda, a atual, ainda provisória, assumi um crime cometido pelo meu marido, que matou meu padrasto. Ele, meu marido, me bateu muito e fui obrigada a fugir; me ameaçou de morte e ainda abusou do meu filho, que está com cinco anos e não é filho dele.

Estudei até a oitava série e agora, aqui dentro, estou estudando e trabalhando. Nunca tive relação com droga. Tenho família e uma irmã que é como se fosse minha mãe e dos meus filhos. Minha mãe não conversa comigo, não me perdoa; meu pai conversa pouco. Sou a única na família que já foi presa.

Já passei pelo presídio de Governador Valadares. Acho lá melhor que aqui. Aqui os comunicados10 10 Represálias. são mais frequentes. Vim para a unidade aos sete meses de gravidez e tive meu filho aqui. Aqui as agentes nos xingam demais, somos obrigadas a pedir tudo, para nós e para nossos filhos. Somos muito dependentes delas. Apesar de a comida ser boa e de podermos fazer compras e trabalhar, acho o presídio comum melhor.

Rosalina

Tenho 35 anos e quatro filhos. Estou grávida de sete meses do quinto. Os outros, um menino de 17, outro de 14, uma menina de dez e um outro menino de um ano, estão com minha mãe na Espanha. Nenhum dos pais ajuda e por isso resolvi arriscar a levar drogas daqui para a Europa. Precisava de dinheiro. Lá o trabalho também está difícil. Fui contratada na Espanha por traficantes equatorianos.

Na hora em que fui presa, pude ligar para minha mãe. Era madrugada na Espanha; choramos muito. Foi a primeira vez em que me envolvi com o crime. Aprendi a lição. Sei que errei e que tenho que pagar por isso. Espero cumprir minha pena na Espanha, pois o sistema prisional lá considera outras formas de pena além de prisão.

As meninas aqui são muito boas comigo, mas sinto muita falta da minha família. Recebo ajuda, inclusive financeira, do consulado espanhol; estão me ajudando a voltar para a Espanha. Mesmo em estágio final da gravidez, espero ter meu filho lá. A única coisa que quero é voltar para minha casa e encontrar minha família.

Júlia

Tenho 36 anos, quatro filhos: uma menina de 18 anos, um menino de 15, outro de 13, e uma menina de dois meses. Estudei só até a terceira série e aqui estou trabalhando. Tenho família. Meus filhos vêm aqui me visitar. Meu marido também está preso, cometemos o crime juntos. Matamos a amante dele no começo do ano. Ainda sou presa provisória.

Estamos juntos há 20 anos. Começamos a namorar quando éramos praticamente crianças; tínhamos 14 anos e nunca houve traição. Foi a primeira. Meu marido... Ele me traiu com minha melhor amiga, que morava com a gente. Para mim, ela era como uma filha.

Me arrependo muito. Não consegui me controlar. Nossa família era tão bonita! Éramos muito unidos, sempre trabalhamos. E hoje joguei tudo fora. Minha filha mais velha está cuidando dos irmãos. Meus filhos sabem de tudo o que aconteceu. E agora os problemas já começaram a aparecer. Meu menino de 15 anos se envolveu com as drogas e não estava respeitando a irmã. Agora está morando com uma tia. Com os tios, mais velhos, mais experientes, pastores, ele está respeitando mais. Meu filho de 13 anos é especial.

Só peço a Deus que me perdoe, mas acho que o mais difícil é eu me perdoar. Não me perdoo pelo sofrimento dos meus filhos. Minha filha já nasceu aqui, já está presa. Quero pagar pelo que fiz, ainda não sei como... e tentar reconstruir minha família. Aqui é tudo diferente. Dependo de tudo. Minha vida nunca foi assim: tudo temos que pedir. Preferia morrer! É muito triste.

Um balanço

Neste trabalho, buscamos resgatar, por meio da história oral, trajetórias individuais e sociais de mulheres encarceradas. As trajetórias de vida dessas mulheres revelaram as múltiplas dimensões de vulnerabilidade que as marcam. As biografias reconstruídas recuperam a dimensão do “vivido” (MEIHY, 1996MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996.), ao mesmo tempo que informam sobre as contradições de nossa sociedade e retomam os aspectos destacados pelas estatísticas oficiais e pela literatura revisada sobre o tema: a reprodução dos papéis de gênero, o uso de álcool e drogas na adesão às carreiras criminais, a dimensão racial da filtragem exercida pelo sistema de justiça criminal, a política da guerra às drogas como instrumento dessa seletividade e a feminização da pobreza (CORTINA, 2015CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. “Mulheres e tráfico de drogas: Aprisionamento e criminologia feminista”. Estudos Feministas, vol. 23, n. 3, pp. 761-778, 2015.; BARCINSKI, 2009BARCINSKI, Mariana. “Centralidade de gênero no processo de construção da identidade de mulheres envolvidas na rede do tráfico de drogas”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 14, n. 5, pp. 1843-1853, 2009.; BIANCHINI e BARROSO, 2013BIANCHINI, Alice; BARROSO, Marcela Giorgi. Mulheres, tráfico de drogas e sua maior vulnerabilidade: Série mulher e crime. 2013.; FERNANDES LOPES, DE MELLO e DE LIMA ARGIMON; CERNEKA, 2009CERNEKA, Heidi Ann. “Homens que menstruam: Considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher”. Veredas do Direito, vol. 6, n. 11, pp. 61-78, 2009.; CARVALHO e MAYORGA, 2017CARVALHO, Daniela; MAYORGA, Claudia. “Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres”. Estudos Feministas, vol. 25, n. 1, pp. 99-116, 2017.; FLAUZINA, 2018FLAUZINA, Ana Luiza. “Apresentação”. In: ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018, pp. 11-18.).

Além de características inerentes ao fato de serem mulheres, as entrevistadas são também muito jovens, principalmente as lactantes. Mesmo entre as mais velhas - na Apac, elas têm em torno de 30 anos de idade -, com exceção de uma senhora sem filhos, todas tiveram a primeira de suas muitas gravidezes ainda adolescentes. Entre todas, a maioria teve filhos com diferentes parceiros. Apenas uma entre as 12 entrevistadas é branca. Todas têm baixo grau de escolaridade e consequente baixo status socioeconômico. Mas, em sua maioria, desejam muito o mercado de trabalho formal. Reconhecem o crime e a droga como erros e acreditam firmemente na mudança a ser proporcionada, sobretudo no ambiente da Apac. Esperam reconectar-se com suas famílias: seus filhos em primeiro plano e a relação com os homens em segundo.

No entanto, entre outros, o contexto familiar é fator que reforça as relações de ilegalidade com o sistema de justiça. Muitos membros da família têm passagem no sistema prisional, e isso parece manter relação estreita com o sofrimento e as carências vividas. Responsáveis pela criação dos filhos, as mulheres expressam um dos motivos mais relatados para o envolvimento criminal: a necessidade financeira. O tema das drogas está presente em todas as histórias, com exceção de uma. Nelas, o uso e o comércio de drogas, a dependência e o tráfico se mostram lados de um fenômeno complexo e de difícil distinção.

As histórias desvelam percepções ambivalentes da experiência prisional: penitência, reflexão e mudança; revolta, humilhação e ausência de direitos. Os relatos mais negativos residem, com efeito, no sistema prisional. Não obstante, as duas unidades prisionais onde foram realizadas as entrevistas têm características peculiares. A unidade feminina comum têm poucas presas provisórias, o que faz com que a rotatividade ali seja baixa, possibilitando que as políticas de reintegração social possam ser mais trabalhadas, sobretudo porque se oferecem possibilidades de trabalho e estudo. A unidade para gestantes, ao contrário, tem alta rotatividade: a grande maioria das internas é presa provisória. Sua estrutura, contudo, se parece com a das Apacs: as celas são “abertas”, buscam ser como quartos preparados para a convivência entre as mães e seus bebês.

A importância e a necessidade de falar foram enfatizadas por todas elas nas entrevistas. Sentem-se reconfortadas pela possibilidade de contar, dizer de si e das formas de opressão impostas na vida extra e intramuros.

Trata-se de trajetórias de vidas de diferentes mulheres igualmente permeadas por desigualdades estruturais, privadas do acesso a recursos sociais e direitos - individuais, sociais e políticos, incluindo trabalho protegido, proteção social, justiça, integridade física, existência política e convívio com os seus. A leitura de suas histórias possibilita vislumbrar como se personifica, na prática, a feminização da pobreza, e como o sistema de justiça criminal e a política penal constituem mecanismos importantes de sua reprodução.

Os dados coletados por esta pesquisa acabam, então, por respaldar as perspectivas de uma teoria crítica e feminista sobre o fenômeno do encarceramento feminino. Ajudam a desvelar que as histórias contadas são produzidas por mecanismos intrínsecos e intrincados de gênero, raça e classe, evocados no conceito de interseccionalidade (CREENSHAW, 2002CREENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero negro”. Estudos Femininstas, vol. 10, n. 1, pp. 171-188, 2002.). Também mostra como tais processos acometem sobremaneira as mulheres no cárcere, violando seus direitos e reproduzindo formas de discriminação institucionalizadas. As fortes histórias retratam, em suma, as contradições de nossa sociedade capitalista, patriarcal e racista e a urgência de sua tematização no espaço prisional (DAVIS, 2003DAVIS, Angela. Are prisons obsolete? Nova York: Seven Stories Press, 2003.). Desvelam a presença cruel do sistema de justiça criminal na casa e na vida dessas mulheres e suas famílias e ajudam a entender como as explorações e opressões vividas na sociedade mais ampla desembocam nas prisões.

Em suma, as mulheres continuam a ser as “fora-da-lei” do mundo e, como defendeu Mary Wollstonecraft (1990WOLLSTONECRAFT, Mary. “Mary: A Fiction”. In: WOLLSTONECRAFT, Mary (org). A Wollstonecraft Anthology. Nova York: Columbia University Press, 1990, pp. 182-194.) ainda no século XVIII, perigosas e “não merecedoras de piedade”, continuamente penalizadas pelo crime e pelo gênero. E, hoje, também sobretudo pela raça, quando as prisões são adjudicadas às mulheres negras e pobres que resistem ou se desencaixam dos papéis sociais de servidão e exploração impostos pela sociedade, transformando a política penal em instrumento de um regime racial (ALEXANDER, 2017ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017.).

Referências

  • ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017.
  • ALONSO, Leandro Seawright. “O corpus documental história oral: Teoria, experiência e transcriação”. Revista Observatório, vol. 2, n. 1, pp. 54-75, 2016.
  • BARCINSKI, Mariana. “Centralidade de gênero no processo de construção da identidade de mulheres envolvidas na rede do tráfico de drogas”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 14, n. 5, pp. 1843-1853, 2009.
  • BIANCHINI, Alice; BARROSO, Marcela Giorgi. Mulheres, tráfico de drogas e sua maior vulnerabilidade: Série mulher e crime. 2013.
  • BOCK, Gisela. “História, história das mulheres, história do género”. Penélope: Fazer e Desfazer História, n. 4, pp. 158-187, 1989.
  • BRASIL. Lei 13.769, de 19 de dezembro de 2018. Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13769.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13769.htm
  • CARVALHO, Daniela; MAYORGA, Claudia. “Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres”. Estudos Feministas, vol. 25, n. 1, pp. 99-116, 2017.
  • CERNEKA, Heidi Ann. “Homens que menstruam: Considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher”. Veredas do Direito, vol. 6, n. 11, pp. 61-78, 2009.
  • CORTINA, Monica Ovinski de Camargo. “Mulheres e tráfico de drogas: Aprisionamento e criminologia feminista”. Estudos Feministas, vol. 23, n. 3, pp. 761-778, 2015.
  • CREENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero negro”. Estudos Femininstas, vol. 10, n. 1, pp. 171-188, 2002.
  • DAVIS, Angela. Are prisons obsolete? Nova York: Seven Stories Press, 2003.
  • EVANGELISTA, Marcela Boni. Segredos compartilhados: A transcriação como recurso narrativo em histórias sobre aborto. In: X Encontro Regional Sudeste da História Oral, Educação das sensibilidades: Violência, desafios contemporâneos, Unicamp, Campinas, 2013.
  • FERREIRA, Valdeci Antônio. Juntando cacos, resgatando vidas: Valorização humana - Base do Método Apac e a viagem ao mundo interior do prisioneiro - Psicologia do preso. Belo Horizonte: Gráfica O Lutador, 2016.
  • FLAUZINA, Ana Luiza. “Apresentação”. In: ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018, pp. 11-18.
  • HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
  • FERNANDES LOPES, Regina; DE MELLO, Daniela; DE LIMA ARGIMON, Irani. “Mulheres encarceradas e fatores associados a drogas e crimes”. Ciências & Cognição, vol. 15, n. 2, pp. 121-131, 2010.
  • PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
  • MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: Novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2017.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Loyola, 1996.
  • MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen Mulheres. 2.ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2018.
  • SENA, Lúcia. “Gênero, criminalidade e desigualdade social no Brasil contemporâneo”. In: GOMES, Sílvia; GRANJA, Rafaela (orgs). Mulheres e crime: Perspectivas sobre intervenção, violência e reclusão. Vila Nova Famalicão: Húmus, 2015, pp. 101-118.
  • WOLLSTONECRAFT, Mary. “Mary: A Fiction”. In: WOLLSTONECRAFT, Mary (org). A Wollstonecraft Anthology. Nova York: Columbia University Press, 1990, pp. 182-194.
  • 1
    É preciso destacar que, segundo o informativo, “a ausência de dados com recorte de gênero para carceragens de delegacias e outros espaços limita a análise do fenômeno do encarceramento feminino no Brasil e tem impacto direto sobre a posição ocupada pelo País no ranking mundial do encarceramento feminino” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018).
  • 2
    A presente pesquisa recebeu financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 3
    HerStory é uma expressão cunhada por bell hooks (1994) para denunciar o fato de que a história, supostamente universal, é, na verdade, uma história contada a partir de um ponto de vista masculino. A autora americana usa um jogo de palavras para substituir a palavra “his-tory”, que, em inglês, tem o sufixo “his” (dele). Ela recria a palavra, gerando “her-story”, que se refere a versões alternativas da história, ou às histórias contadas a partir de e para mulheres.
  • 4
    A Apac é uma entidade civil sem fins lucrativos destinada à recuperação e à reintegração social dos condenados a pena privativa de liberdade. Nas Apacs, as presas são chamadas “recuperandas” e são responsáveis pela disciplina e segurança das unidades. Há funcionários e voluntários para suporte das atividades, mas não há policiais ou agentes penitenciários. O método pressupõe capacitação profissional, estudo e envolvimento da família (FERREIRA, 2016FERREIRA, Valdeci Antônio. Juntando cacos, resgatando vidas: Valorização humana - Base do Método Apac e a viagem ao mundo interior do prisioneiro - Psicologia do preso. Belo Horizonte: Gráfica O Lutador, 2016.).
  • 5
    Apesar de estar presa em uma Apac, Letícia está na presença de seu filho mais novo, um bebê de colo que ela amamenta.
  • 6
    “As pessoas aí da frente” a que Letícia se refere são os funcionários da Apac.
  • 7
    Referência à lei no 13.769, de 19 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018), que estabelece a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe.
  • 8
    Referência à lei no 13.769, de 19 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018), que determina que, no caso de mulher gestante ou mãe, o requisito para progressão de regime é ter cumprido ao menos 1/8 da pena no regime anterior.
  • 9
    Instituição já extinta e substituída por unidades socioeducativas, atualmente responsáveis por acolher crianças e adolescentes autores de atos infracionais.
  • 10
    Represálias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2020
  • Aceito
    24 Ago 2020
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