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Adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação e facções criminosas

Resumos

O presente artigo analisa as relações que se estabelecem entre adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação e grupos criminosos denominados “facções”. Como estratégia metodológica, foram realizados grupos de discussão e entrevistas abertas com socioeducandos em duas unidades de atendimento socioeducativo no Rio Grande do Norte. A fim de compreender tais relações, são propostos três tipos ideais de vinculação entre adolescentes e facções: discursiva, territorial e efetiva. A partir disso, discute-se os papéis simbólicos e materiais que as facções desempenham para os adolescentes inseridos em contextos de privação de liberdade.

Palavras-chave:
sistema socioeducativo; adolescência; governança criminal; criminologia qualitativa; encarceramento em massa


Teenagers Serving Socio-Educative Measures of Detention and Criminal Groups. This article analyzes the relationships between teenagers interned in the socio-educative Brazilian system and criminal groups known as ‘factions.’ As a methodological strategy, group discussions and open-ended interviews were held with teenagers in two socio-educative centers. To understand such relationships, we propose three ideal types of attachment between teenagers and factions: discursive, territorial, and effective. From this, we discuss the symbolic and material roles that factions play for teenagers in contexts of deprivation of freedom.

Keywords:
juvenile justice; teenage; criminal governance; qualitative criminology; mass incarceration


Introdução

Os anos de 2016 e 2017 registraram um aumento significativo de discursos de adesão a grupos criminosos por parte dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação no Rio Grande do Norte (RN). Tal dinâmica não se constituiu como algo fortuito, mas como um reflexo da expansão e do fortalecimento das organizações criminosas denominadas “facções” no estado (MIRANDA e PAIVA, 2019MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019.).

Com isso, observou-se uma série de reconfigurações nas dinâmicas internas das unidades que executam as medidas de privação e restrição de liberdade no RN. Entre essas mudanças, destaca-se a separação dos adolescentes de acordo com a identificação destes com as facções, tanto na composição dos alojamentos1 1 Alojamento, no sistema socioeducativo, é o termo que define o espaço de cárcere do adolescente em cumprimento de medida de internação e semiliberdade. Embora possua diferenças significativas, dadas as determinações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), é o equivalente, no sistema penitenciário, a uma cela. quanto na realização de outras atividades, como oficinas de artes, aulas e acesso ao refeitório.

Mas, além disso, o espectro da vinculação dos adolescentes com as facções também serviu para promover a intensificação da lógica punitivo-repressiva em detrimento de uma perspectiva socioeducativa centrada em aspectos pedagógicos, conforme pôde ser observado a partir do incremento de práticas de revista invasiva em adolescentes e seus familiares e da escalada do discurso sobre a “periculosidade” desses sujeitos.

Diante disso, por reconhecer a importância que a emergência da narrativa sobre adolescentes envolvidos em facções representa para a execução das medidas socioeducativas, este artigo, de caráter exploratório, busca semear reflexões que auxiliem a analisar qual o caráter da vinculação existente entre os adolescentes e os grupos criminosos denominados facções, bem como as funções simbólicas que esses discursos adquirem para os socioeducandos.

Para o desenvolvimento deste estudo, foram utilizados dados qualitativos oriundos de três grupos de discussão com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Ademais, com o objetivo de aprofundar questões que surgiram durante as discussões em grupo, também foram realizadas entrevistas abertas com aqueles que se dispuseram a conversar sobre o tema após o término dos grupos de discussão.

A coleta dos dados primários expostos no presente artigo foi realizada durante a execução da pesquisa “Construção de uma concepção socioeducativa nas unidades de restrição e privação de liberdade do Rio Grande do Norte”, desenvolvida nos anos de 2017 e 2018. Todos os adolescentes que participaram dos grupos de discussão e das entrevistas foram informados acerca dos propósitos da investigação e se disponibilizaram a contribuir com ela. Além disso, a fim de garantir a segurança e o sigilo dos participantes, eles foram tratados com pseudônimos tanto nos diários de campo onde foi realizado o registro das atividades quanto neste texto.

Ao todo, 28 socioeducandos do sexo masculino e com idade entre 15 e 20 anos participaram do estudo. Considerando se tratar de uma pesquisa desenvolvida em um espaço de privação de liberdade, a capacidade de definir critérios de inclusão e exclusão foi limitada em virtude da lógica organizacional. Dessa forma, foram as equipes das unidades socioeducativas que definiram quais adolescentes participariam dos encontros, utilizando como critério o bom comportamento dos socioeducandos.

Foram realizados dois grupos de discussão em uma unidade de internação localizada no interior do Rio Grande do Norte e um terceiro em uma unidade situada na região metropolitana de Natal, capital do estado. Cada grupo contou com a presença de dois pesquisadores e com cerca de oito a dez adolescentes. Optou-se por simular um bingo para fomentar as discussões. Desse modo, cada adolescente recebeu uma cartela com imagens que faziam menção a temas como “liberdade”, “audiência”, “visita íntima”, “amizade/inimizade”, “alimentação”, “revista vexatória”, “educação” etc.

A partir disso, essas imagens eram sorteadas por um pesquisador, que provocava os socioeducandos que tivessem a mesma imagem em suas cartelas a se pronunciarem. Apenas aqueles que possuíssem a imagem equivalente marcavam ponto, mas todos os adolescentes poderiam se pronunciar a respeito do tema sorteado. A imagem “amizade/inimizade” foi aquela utilizada para mediar as discussões sobre o envolvimento com facções criminosas e tais discussões compuseram o conjunto de dados que foram utilizados no presente artigo.

Desse modo, os momentos de diálogo com os socioeducandos possibilitaram identificar os significados atribuídos por eles às facções. A partir disso foi possível construir três modelos típicos-ideais2 2 Para Barbosa e Quintaneiro (2002), “um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços considerados essenciais para a determinação da causalidade, segundo os critérios de quem pretende explicar um fenômeno” (p. 89). (WEBER, 2001WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais (Parte I). 4.ed. São Paulo: Cortez, 2001.) de vinculação com as facções, a saber: a vinculação discursiva, a vinculação territorial e a vinculação efetiva. Esses modelos, construídos a partir dos elementos que os pesquisadores julgaram relevantes para a compreensão do fenômeno analisado, organizam o multifacetado espectro de vinculações possíveis entre os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e as facções, de modo a possibilitar a análise dessas relações em sua complexidade, sem que se recaia em perspectivas simplistas ou deterministas.

Faz-se mister demarcar, no entanto, que, no concreto das relações sociais, essas formas de vinculação se encontram, por vezes, imbricadas. Assim, conforme veremos, um mesmo adolescente pode possuir uma vinculação efetiva, discursiva e territorial. Espera-se que as reflexões contidas neste artigo possam servir para elucidar a complexa teia de relações existentes entre adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e facções, bem como as circunstâncias que produzem e circunscrevem o envolvimento com essas organizações criminosas.

Grupos criminosos e instituições de privação de liberdade: uma breve introdução a partir da experiência brasileira

No sistema penitenciário (e não apenas no brasileiro), a divisão dos apenados por critérios que não aqueles sugeridos pela legislação, como a Lei de Execução Penal (LEP), é colocada de lado em detrimento do pertencimento ou da identificação do sujeito com um grupo já estabelecido dentro da penitenciária (SALLA et al., 2012SALLA, Fernando; DIAS, Camila Nunes; SILVESTRE, Giane. Políticas penitenciárias e as facções criminosas: uma análise do regime disciplinar diferenciado (RDD) e outras medidas de controle da população carcerária. Estudos de Sociologia, v. 17, n. 33, p. 333-352, 2012.). Conforme aponta Anaraki (2021)ANARAKI, Nahid Rahimipour. Prison Gangs in Iran: Between Violence and Safety. Incarceration, v. 2, n. 2, p. 1-14, 2021., esses grupos criminosos, sejam gangues ou facções3 3 Ao estabelecer uma distinção entre gangue e facção, pretende-se considerar as gangues, seguindo os debates de Wood (2006) e Maitra (2020), como grupos com atuação restrita aos espaços de privação de liberdade. Por outro lado, as facções se constituem como coletivos criminosos cuja atuação e projetos dizem respeito tanto às instituições de privação de liberdade quanto a questões fora delas. , são elementos centrais da governança das instituições de privação de liberdade.

No Brasil, especificamente no estado de São Paulo, a década de 1990 revelou a capacidade organizativa dos grupos criminosos no sistema penitenciário, conforme registraram os episódios de rebeliões na Casa de Detenção de Hortolândia e na Penitenciária I de Tremembé (ADORNO e SALLA, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 7-29, 2007.). Posteriormente, em 2006, ocorreram “os chamados ‘ataques do PCC [Primeiro Comando da Capital]’, com outra megarrebelião, mobilizando dessa vez 84 unidades prisionais, além de 299 atentados a órgãos públicos, 82 ônibus incendiados, 17 agências bancárias alvejadas a bombas, 42 policiais e agentes de segurança mortos e 38 feridos” (BIONDI, 2014BIONDI, Karina. Etnografia no movimento: Território, hierarquia e lei no PCC. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil, 2014., p. 14). Dessa maneira, colocou-se em evidência a complexidade do poder e da articulação dos grupos criminosos, principalmente nos territórios paulistas.

E, recentemente, experiências estaduais de gestão penitenciária que ousaram ignorar o dado concreto da rivalidade entre as facções findaram por se tornar malsucedidas e provocar uma série de mortes, conforme aponta, por exemplo, o caso do Rio Grande do Norte, em 2017, em que pelo menos 26 pessoas privadas de liberdade foram assassinadas e 71 foram relatadas como “desaparecidas” durante o que ficou conhecido como o Massacre de Alcaçuz (AMARANTE e MELO, 2020AMARANTE, Natália Firmino; MELO, Juliana Gonçalves. “O errado será cobrado”: ciclos de vingança e disputas entre coletivos criminosos em Natal/RN após o “Massacre de Alcaçuz”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 7, n. 2, p. 69-87, 2020.). Além das ações e inações estatais, protagonizaram esse evento as duas maiores facções com atuação no RN, o PCC e o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte (SDC), fação potiguar rival.

O PCC, um dos maiores grupos criminosos do Brasil, surgiu na primeira metade da década de 1990, no interior de prisões do estado de São Paulo. Hoje, encontra-se presente não apenas na maioria das prisões paulistas, como também nos presídios e territórios urbanos de diversas cidades brasileiras, como Natal e outros municípios do RN. No que concerne ao Sindicato do Crime, essa organização foi fundada em 2013, conforme indicam pesquisas etnográficas e o próprio estatuto da facção (AMARANTE e MELO, 2020AMARANTE, Natália Firmino; MELO, Juliana Gonçalves. “O errado será cobrado”: ciclos de vingança e disputas entre coletivos criminosos em Natal/RN após o “Massacre de Alcaçuz”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 7, n. 2, p. 69-87, 2020.; BARBOSA, 2019BARBOSA, César. As facções criminosas do RN: Sangue e morte em Alcaçuz. Natal: Offset, 2019.).

Para Barbosa (2019)BARBOSA, César. As facções criminosas do RN: Sangue e morte em Alcaçuz. Natal: Offset, 2019., a criação do SDC está relacionada ao descontentamento com as práticas do PCC no estado, como o valor da mensalidade cobrada a seus membros, as ordens emitidas pelos líderes de São Paulo e o modo como as punições eram aplicadas pela facção. Ainda assim, embora com algumas divergências, o SDC - como o PCC em outros contextos - atuou a fim de pressionar o poder público para incidir na garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade, conforme pode ser observado na greve de fome realizada em 2014 e nos motins e ataques a órgãos públicos realizados em conjunto com o PCC em 2015 (AMARANTE e MELO, 2020AMARANTE, Natália Firmino; MELO, Juliana Gonçalves. “O errado será cobrado”: ciclos de vingança e disputas entre coletivos criminosos em Natal/RN após o “Massacre de Alcaçuz”. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 7, n. 2, p. 69-87, 2020.).

De acordo com Anaraki (2021)ANARAKI, Nahid Rahimipour. Prison Gangs in Iran: Between Violence and Safety. Incarceration, v. 2, n. 2, p. 1-14, 2021., o encarceramento em massa, característica fundante do modelo de gestão penal da miséria (WACQUANT, 2007WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.; ALEXANDER, 2017ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: Racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017.), foi peça-chave para a emergência dos grupos criminosos e continua sendo um dos condicionantes que colaboram para o fortalecimento desses grupos nas prisões e, consequentemente, fora delas. Ora, em primeiro lugar, tal política de encarceramento impossibilita a separação física entre os detentos e, além disso, contribui para unir os apenados em torno de uma pauta comum, a saber, a reivindicação contra as violações de direitos, como é observado no Brasil. Desse modo, ainda que cada contexto deva ser analisado considerando-se suas particularidades, ao traçarmos uma genealogia das facções criminosas em diferentes países, encontramos sua origem precisamente naquilo que é utilizado para combatê-las: as prisões.

Contudo, há ainda um outro elemento, dialeticamente relacionado ao encarceramento em massa, que também possui centralidade na constituição e manutenção das facções e demais grupos criminosos no Brasil: a política proibicionista de drogas. De acordo com os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019 (BRASIL, 2019BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: Infopen. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen/mais-informacoes/relatorios-infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017.pdf
https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen/...
), cerca de 29% das pessoas privadas de liberdade assumem essa condição devido a crimes relacionados às drogas. E, além de ser um dos pilares da política de encarceramento, o mercado ilegal criado pelo proibicionismo representa a principal atividade econômica das facções. Portanto, em conjunto com o encarceramento em massa, a política de drogas se constitui como sustentáculo das facções no Brasil. Evidenciar esses processos assume importância para demonstrar que essas organizações criminosas não surgem senão como resultado de ações estatais específicas.

No que concerne à capacidade de governança desses grupos, para Biondi (2014)BIONDI, Karina. Etnografia no movimento: Território, hierarquia e lei no PCC. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil, 2014., a expansão do PCC é acompanhada pela redução do número de homicídios. Essa tendência também foi registrada em Natal, com a criação e o fortalecimento do Sindicato do Crime do RN (SDC/RN), facção criminosa potiguar, rival do PCC. Tal característica de redução da vitimação letal nas periferias, pelo menos no caso do RN, pode ser compreendida como uma consequência do controle social exercido pelo crime, a partir da tendência de aglutinar o comércio de drogas de uma região e, assim, evitar disputas entre os criminosos locais (MIRANDA e PAIVA, 2019MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019.).

As facções são, portanto, instituições que operam no controle social dentro e fora dos presídios. Contudo, faz-se mister observar que, se, por um lado, elas contribuem para garantir a segurança daqueles que a integram, por outro operam mediante práticas violentas e são, ao mesmo tempo, organizações que expõem seus membros à insegurança física (MIRANDA e PAIVA, 2019MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019.; COSCIONI et al., 2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.; CUNNINGHAM e SORENSEN, 2007CUNNINGHAM, Mark D.; SORENSEN, Jon R. Predictive factors for violent misconduct in close custody. The Prison Journal, v. 87, n. 2, p. 241-253, 2007.), devendo ser compreendidas a partir de seu caráter contraditório.

Todavia, se há uma literatura robusta acerca da atuação dos grupos criminosos no sistema prisional (DIAS e DARKE, 2016DIAS, Camila; DARKE, Sacha. From dispersed to monopolized violence: expansion and consolidation of the Primeiro Comando da Capital’s hegemony in São Paulo’s prisons. Crime, Law and Social Change, v. 65, n. 3, p. 213-225, 2016.; MAITRA, 2020MAITRA, Dev Rup. “If You’re Down with a Gang Inside, You Can Lead a Nice Life”: Prison Gangs in the Age of Austerity. Youth Justice, v. 20, n. 1-2, p. 128-145, 2020.; ADORNO e SALLA, 2007ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prisões e os ataques do PCC. Estudos Avançados, v. 21, n. 61, p. 7-29, 2007.), o mesmo não é observado em relação ao sistema socioeducativo. A produção bibliográfica especializada sobre o tema ainda é incipiente, embora seja possível encontrar alguns trabalhos acerca desse universo (AVILAR e FERNANDES, 2019AVILAR, Wilkerson Oliveira; FERNANDES, Maria Nilvane. As facções criminosas na socioeducação. In: FERNANDES, Maria Nilvane; COSTA, Ricardo Peres (Orgs.). Socioeducação no Brasil: Intersetorialidade, desafios e referências para o atendimento (Vol. 4.). Curitiba: Nova Práxis Editorial, 2019. p. 266-287.; NERI, 2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; COSCIONI et al., 2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.; CARVALHO, 2020CARVALHO, Lauriston Araújo. Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo no RN e o envolvimento em facções. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.; RODRIGUES, 2020RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020.; MALLART, 2011MALLART, Fábio. Cadeias dominadas: Dinâmicas de uma instituição em trajetórias de jovens internos. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.).

Se, no Brasil, a atuação de grupos criminosos como um elemento definidor das relações que se estabelecem nas unidades prisionais recebeu destaque a partir da década de 1990, foram necessários mais alguns anos para que os conflitos em torno das facções se tornassem centrais na governança do sistema socioeducativo. Em uma pesquisa desenvolvida durante o ano de 2008, Neri (2009)NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. observou unidades socioeducativas do Rio de Janeiro adotando a prática de organizar os alojamentos de acordo com a identificação faccional a fim de coibir práticas violentas entre os adolescentes.

Além do trabalho de Neri (2009)NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. sobre o papel das facções na regulação do sistema socioeducativo, destaca-se a investigação desenvolvida por Mallart (2011)MALLART, Fábio. Cadeias dominadas: Dinâmicas de uma instituição em trajetórias de jovens internos. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., que mostrou que, ainda que não fossem membros do PCC, os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação de uma unidade localizada em São Paulo agiam de acordo com o código de conduta da facção, reproduzindo, assim, práticas do sistema penitenciário.

Por sua vez, no Nordeste do país, assim como no Sudeste, a aparição das facções no sistema socioeducativo ocorreu após a difusão dessas organizações no sistema prisional e nas periferias urbanas. De acordo com Rodrigues (2020)RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020., “após novembro de 2016, o sistema socioeducativo de Alagoas se [viu] pressionado a levar em conta os vínculos faccionais dos adolescentes como critério de triagem para o direcionamento deles aos alojamentos” (p. 8), o que coincide com o período em que tal fenômeno foi observado no RN (CARVALHO, 2020CARVALHO, Lauriston Araújo. Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo no RN e o envolvimento em facções. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020.).

Diante disso, interessa observar, a partir da experiência do RN, como o fortalecimento das facções reverbera nos adolescentes que compõem o sistema socioeducativo, considerando que, conforme já mencionado, essa relação está associada à expansão desses grupos no RN, sobretudo do Sindicato do Crime, principal facção criminosa com atuação no estado, especialmente nas periferias urbanas.

Importa destacar, também, que este artigo não se propõe a analisar a atuação das facções no sistema socioeducativo, mas os discursos dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação sobre as facções, bem como os efeitos desses discursos. Nesse sentido, o foco da análise não é mapear se os adolescentes assumem possuir vinculação com facção X ou Y, mas entender as razões que os levam a emitir tais discursos e, mais ainda, os sentidos que eles atribuem ao fato de fazerem parte de uma facção. Sendo assim, compreender o estatuto que a declaração de pertencimento a essas organizações oferece aos jovens - seja na esfera simbólica seja na esfera material - se apresenta como uma agenda de pesquisa pertinente e é em torno desse debate que as próximas seções pretendem apontar algumas considerações.

Vinculação de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação com grupos criminosos

Ao ingressarem em uma unidade socioeducativa e se perceberem despidos de sua liberdade e de seus objetos pessoais, os adolescentes reforçam suas identidades por meio daquilo que não lhes pode ser tirado: o discurso. No caso do discurso de pertencimento a uma facção, este funciona, em um espaço onde “os fracos não têm vez” - conforme narrou um socioeducando ao se referir ao centro socioeducativo -, como uma ferramenta imaterial que permite a criação de vínculos com outros socioeducandos e o reforço de uma identidade vinculada a ideais de violência, poder e status no contexto de privação de liberdade.

Ora, a identidade, conforme Bauman (2005)BAUMAN, Zygmunt. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Zahar, 2005., é construída a partir das relações sociais e de processos de socialização dos quais participamos ao longo de nossas vidas. Se, para alguns adolescentes, torcer para um time de futebol (TEIXEIRA, 2016TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Aprendizagens e sociabilidades juvenis: a experiência das Torcidas Jovens Cariocas. Desidades, v. 4, n. 13, p. 20-27, 2016.; HIGUITA e SOTO, 2017HIGUITA, Nataly Giraldo; SOTO, Jaime Alberto Restrepo. Construcción de identidad en jóvenes de Manizales vinculados a barras de fútbol. Ánfora, v. 24, n. 42, p. 165-187, 2017.), consumir determinadas produções da indústria cultural (BEZERRA e CAMPOS, 2014BEZERRA, Luciana Rodrigues; CAMPOS, Herculano Ricardo. Consumo, mídia e identidade juvenil emocore. Pesquisa e Práticas Psicossociais, v. 9, n. 1, p. 39-49, 2014.) e até mesmo ser aprovado em uma universidade figuram como os principais fatores escolhidos para evidenciar na construção de suas identidades individuais, tais elementos não possuem centralidade para os adolescentes acionados ao longo da investigação que possibilitou a escrita deste artigo.

Conforme exposto nas próximas seções, os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que participaram da pesquisa, devido aos processos de socialização que vivenciaram, encontraram nas facções criminosas um dispositivo associado à possibilidade de ascensão social, construção de identidade e exercício de poder, maneiras de autoafirmação e reconhecimento que não lhes foram oferecidas de outro modo, como pela via do sucesso escolar ou da prospecção de um futuro isento da prática infracional. Além disso, em um ambiente de privação de liberdade, declarar-se de uma facção garante segurança e a confiança de seus pares, ainda que também exponha o sujeito à violência de seus rivais, durante e após o cárcere (ANARAKI, 2021ANARAKI, Nahid Rahimipour. Prison Gangs in Iran: Between Violence and Safety. Incarceration, v. 2, n. 2, p. 1-14, 2021.; MAITRA, 2020MAITRA, Dev Rup. “If You’re Down with a Gang Inside, You Can Lead a Nice Life”: Prison Gangs in the Age of Austerity. Youth Justice, v. 20, n. 1-2, p. 128-145, 2020.).

Ora, quando diversas possibilidades de construção do “eu” e de ascensão social são negadas ao adolescente, a carreira infracional se apresenta como uma alternativa para se constituir como sujeito - ou, em outros termos, para obter reconhecimento, ainda que este derive de uma atividade ilícita. Desse modo, no contexto do capitalismo dependente brasileiro, caracterizado pela negação de oportunidades para os setores mais pauperizados da classe trabalhadora, as facções se apresentam como redes de acolhimento que provêm retorno financeiro, sentimento de pertencimento e respeito para sujeitos que carregam em suas histórias individuais as marcas da humilhação diária (COSCIONI et al., 2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.; RODRIGUES, SILVA e SANTOS, 2020RODRIGUES, Fernando de Jesus; SILVA, Ada Rízia Barbosa; SANTOS, Alana Barros. Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas. Diversitas, v. 5, n. 3, p. 2297-2316, 2020.). Corroborando com o debate acerca do papel assumido pelas facções na vida de adolescentes e jovens inseridos em contextos de vulnerabilidade, Rodrigues (2020RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020., p. 16) afirma, a partir do contexto do sistema socioeducativo e das periferias de Alagoas, que:

Os desejos de “progresso” alimentam a aproximação com alianças faccionais e impulsionam a vida de jovens nas periferias, não apenas das grandes metrópoles, mas de cidades e regiões que acumularam durante o século XX as maiores coberturas de símbolos de rebaixamento social de suas reputações, simbolizadas “no atraso” do Norte-Nordeste.

Em uma conjuntura marcadamente desigual de experimentações da adolescência e da juventude, enquanto para alguns adolescentes há um amplo leque de opções para firmarem sua identidade - ou, como se costuma dizer, “se tornarem alguém” -, para outros, esse processo é enquadrado por um cenário de escassez de possibilidades. Afinal, as condições materiais de existência oferecem as possibilidades de atuação para os seres humanos. Enquanto alguns adolescentes iniciam sua preparação para o ingresso no ensino superior desde a infância, pois essa alternativa lhes foi ofertada, outros, quando completam 18 anos de idade sequer sabem o que é uma universidade, como é o caso de vários dos que integram o sistema socioeducativo.

Em certo momento da investigação, um socioeducando perguntou a um dos pesquisadores “de onde ele era”, curioso acerca da presença daquele “corpo estranho” que apareceu repentinamente na unidade socioeducativa. Ao receber a resposta “sou da universidade”, o adolescente prontamente retrucou: “Que porra é isso?”. A situação piorou quando o pesquisador, no afã de se adequar à gramática do adolescente, disse: “Sou da faculdade”. Por fim, a situação findou quando o pesquisador sintetizou dizendo que universidade e faculdade são “escolas para adultos”. Tal episódio revela uma face cruel das desiguais experiências da infância e adolescência no Brasil.

Aquele adolescente - pobre, preto, morador da periferia e, naquele momento, encarcerado - sequer sabia, aos 17 anos, o que era uma universidade. A sua trajetória de vida e as circunstâncias que o receberam no mundo possibilitaram que ele não soubesse o significado de uma instituição de ensino superior, mas conhecesse de perto o que é a prisão e a violência estatal. Portanto, superando as perspectivas que compreendem o sujeito como um ser a-histórico e apartado das relações sociais em que ele se insere, entende-se que o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa é produzido socialmente a partir das assimetrias sociais que compõem as experiências de vida de crianças e adolescentes brasileiros.

Do mesmo modo, tal assimetria não se observa apenas ao tratarmos da construção de trajetórias de vida que têm como projeto o ingresso no ensino superior ou a experiência acadêmica. Para alguns adolescentes, as condições para o desenvolvimento de trajetórias nas esferas artística, literária, esportiva e tecnológica, para citar apenas alguns exemplos, são estimuladas e asseguradas. Outros, contudo, se encontram tanto impelidos pelo imperativo material da necessidade como abandonados pelo Estado no que diz respeito à garantia de políticas públicas que os permita construir identidades e prospectar projetos de vida e itinerários no mundo do trabalho. Portanto, reitera-se que um contexto marcado pela redução das possibilidades de ser, estar e se projetar no mundo produz uma série de implicações sociais e subjetivas, inclusive tornar o ingresso em uma facção uma alternativa.

Ademais, devido aos conflitos internos motivados pelas facções, as unidades socioeducativas encontram na separação dos adolescentes uma saída para assegurar a segurança destes. Contudo, como consequência da divisão dos núcleos da unidade socioeducativa entre SDC e PCC, há um incentivo não intencional, por parte da instituição, para que o adolescente assuma a posição de membro, apoiador ou simpatizante de alguma das facções. Tal contexto, em vigor no Rio Grande do Norte, foi registrado no Rio de Janeiro por Neri (2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009., p. 95), que observou o caráter criminogênico das unidades socioeducativas que adotam tal prática:

os jovens precisam dizer a qual facção pertencem para ser alocados em um alojamento de determinado grupo - por mais que o jovem nunca tenha feito parte ou se autodenominado integrante de uma facção. O lócus de internação pode ser, portanto, um lócus de formação ou fortalecimento de vínculos efetivos e simbólicos com esses comandos ou facções.

É importante mencionar que, no RN, antes das facções se apresentarem como um fator determinante na governança das unidades socioeducativas, há registros de momentos em que as divisões internas já eram uma marca no sistema socioeducativo do estado, embora ocorressem devido a outras razões, como disputas entre “bairros rivais” e torcidas organizadas de futebol. Diante disso, é mister demarcar que, embora a relação dos socioeducandos com as facções apresente similitudes com os cenários anteriores, é importante compreender também suas idiossincrasias, tendo em vista as particularidades das organizações por meio das quais os adolescentes estão se aglutinando e as consequências desse processo.

Durante o período de coleta de dados, as unidades analisadas organizavam suas estruturas físicas de modo a promover a separação dos adolescentes entre os alojamentos do SDC e os do PCC. Em ambas as unidades, tal separação não reservava um espaço destinado àqueles jovens que não manifestavam simpatia por nenhuma das facções. Conforme foi observado, para a maioria dos socioeducandos, a simpatia por alguma facção já era um elemento constitutivo de sua identidade antes do ingresso no sistema socioeducativo. Contudo, isso não se aplica a todos eles. De acordo com Almirante4 4 Conforme mencionado anteriormente, a fim de garantir o anonimato e a segurança dos socioeducandos que participaram da pesquisa, foram utilizados pseudônimos. , adolescente de 17 anos oriundo do interior do estado:

- Aqui é assim, antes do cara entrar já perguntam logo “qual a sua facção?”. Respondi que não era metido com essas coisas não, mas ela já foi logo perguntando qual era a facção do meu bairro. (...) Eu não sou metido com essas coisas não, só queria tirar minha medida no sossego, mas aí me botaram com os boys do Sindicato.

Como consequência, o sistema socioeducativo contribui para intensificar o poder desses coletivos criminosos armados, tendo em vista que tal medida promove a formação de células socioeducativas com adolescentes que organizam a experiência nas unidades a partir da lógica das facções. Além disso, em alguns casos, os adolescentes são coagidos a fazer parte dessas células, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de uma prática socioeducativa atrelada não à ruptura com a trajetória infracional, mas ao seu oposto.

Vinculação territorial

Em um dos grupos de discussão, ao serem questionados sobre o que ganhavam por pertencerem a uma facção, dois adolescentes foram enfáticos ao responder que ganhavam “a vida”. Diante da resposta firme, a primeira reação de um dos pesquisadores foi o estranhamento, tendo em vista que a vinculação com uma facção também está relacionada à maior exposição à violência, e, portanto, à morte. Por isso, os adolescentes foram perguntados se, ao se vincularem a uma facção, não estariam ganhando a morte, em vez da vida. Então, um dos socioeducandos, que parecia falar pelos demais, informou: “Os caras do nosso bairro são tudo Sindicato [do Crime], e se souberem que aqui dentro nós estamos com os boy do PCC, a gente vai ser cobrado”.

Essa resposta indica que os grupos criminosos têm poder em determinados territórios -geralmente associado ao monopólio do comércio ilegal de drogas na região5 5 Sobre a literatura que apresenta a relação de facções na gestão das periferias urbanas, conferir Machado da Silva (2008), Feltran (2010), Couto (2013), Pimenta (2015) e Miranda e Paiva (2019). - e, por meio desse poder, determinam quem pode ou não continuar vivendo. No caso, de acordo com o código do crime, devem morrer os sujeitos que, durante o cumprimento da medida socioeducativa, conviveram pacificamente com adolescentes oriundos de territórios “comandados” por uma facção rival. Conforme informa Neri (2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009., p. 95), referindo-se aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no estado do Rio de Janeiro:

Na vida do crime, dizem eles, você acaba tendo que se integrar a uma facção, por mais que não se trabalhe para traficantes. Quem não assumir uma facção é logo visto com desconfiança, pois pensa-se que essa pessoa pode ser “inimiga” ou “alemão” (...). Essa noção de pertencimento a facções é fluida e, na visão dos jovens, o pertencimento não prescinde de atuação efetiva nas atividades ilegais relacionadas ao comércio de drogas. Morar em uma área dominada por uma quadrilha pode ser o suficiente para declarar-se integrante do grupo (...). Muitos jovens que nunca trabalharam diretamente no tráfico de drogas assumem em seus discursos e em seus imaginários o pertencimento a uma facção, e acabam incorporando às suas identidades as rivalidades existentes na guerra do tráfico. Ele tem que “fechar com alguém”, e “fechar”, no mínimo, é se autodeclarar como integrante de um desses grupos criminosos.

Portanto, nesses casos, o que vincula os jovens ao grupo criminoso é o território. E uma das categorias analíticas para explicar as facções como elementos de construção da identidade juvenil é a autodefesa. Não se trata, por exemplo, de um processo de cooptação por meio do fornecimento de recursos materiais ou auxílio jurídico. Se fosse o caso, uma parcela substancial6 6 Dos 28 adolescentes que participaram da pesquisa, três haviam contratado advogado particular; os demais utilizavam os serviços da Defensoria Pública. dos adolescentes não necessitaria dos serviços da Defensoria Pública. Parece que, no caso de alguns dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, mais do que uma vinculação a uma ou outra facção, o que está em jogo é a negação da facção rival como tática para se manter vivo durante e após o cumprimento da medida.

Ou seja, a vinculação territorial ocorre quando o adolescente é constrangido a apoiar ou declarar-se membro de uma facção, sob pena de sofrer alguma sanção. Ademais, uma característica importante da vinculação territorial é que, quando não é adotada por meio de um cálculo estratégico do adolescente, a fim a reduzir seus riscos, esta apresenta um caráter compulsório, involuntário. Diferentemente da vinculação discursiva - que, como será exposto na próxima seção, parte do sujeito -, a vinculação territorial é atribuída pelo Outro, tal qual um estigma.

Sendo assim, não importa se o adolescente é ou não membro ou simpatizante de determinada facção: ele será lido socialmente como um faccionado em potencial, seja pela polícia, pelos operadores do sistema de justiça, pela facção de seu território ou pela facção rival. Isso aparece na fala do adolescente Marechal, ao relatar seu primeiro dia na unidade socioeducativa: “Quando eu cheguei já foram logo dizendo ‘esse daí é do PCC’, só por causa do lugar que eu moro”.

Um exemplo característico desse tipo de vinculação é descrito em Miranda e Paiva (2019)MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019., ao abordarem o caso de um jovem que, mesmo sem ter qualquer tipo de relação com práticas criminosas, viu-se ameaçado ao se mudar para um bairro cuja facção atuante era rival daquela que atuava no bairro onde ele morava antes. De acordo com o jovem, conforme registrado em Miranda e Paiva (2019MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019., p. 169) “mesmo que você diga ‘eu não tô’, você tá sim [vinculado à facção]. Só por estar lá [no bairro]. Isso é o que mais me irrita nisso. Você tem que se policiar sobre o que vai falar, postar na net, em tudo”.

Do mesmo modo, ao analisarem o que denominamos neste artigo de vinculação territorial, Cecchetto, Muniz e Monteiro (2020)CECCHETTO, Fatima; MUNIZ, Jacqueline; MONTEIRO, Rodrigo. Envolvido(a)-com o crime: tramas e manobras de controle, vigilância e punição. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 7, n. 2, p. 108-140, 2020. problematizam a categoria envolvido-com. Para esses autores, nas periferias urbanas que têm como característica a existência de mercados ilícitos, um aperto de mão, um olhar desinteressado, a escuta de alguma informação, uma mensagem recebida em um aplicativo de mensagem instantânea ou simplesmente estar na rua em um momento determinado pode se constituir como uma razão para ser etiquetado como envolvido com o crime.

Além disso, marcadores sociais como classe e raça também costumam ser acionados para indicar algum tipo de vinculação criminosa. No frigir dos ovos, a categoria envolvido-com funciona como uma ferramenta de incriminação e legitimação da morte de sujeitos pobres, negros e moradores da periferia, aqueles que carregam o estigma de terem se envolvido, estarem envolvidos ou potencialmente se envolverem no futuro (CECCHETTO, MUNIZ e MONTEIRO, 2020CECCHETTO, Fatima; MUNIZ, Jacqueline; MONTEIRO, Rodrigo. Envolvido(a)-com o crime: tramas e manobras de controle, vigilância e punição. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 7, n. 2, p. 108-140, 2020.).

Por sua vez, no que concerne ao sistema socioeducativo, esse tipo de etiquetamento criminal em razão do território também foi identificado por Rodrigues (2020)RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020., em sua pesquisa realizada em unidades de internação de Alagoas. De acordo com o autor, a partir de 2017, “a triagem do ‘sistema’ tinha como principal preocupação saber a localidade do jovem e inferir ou supor a relação entre ‘seu’ território e o senso de pertencimento a uma das duas facções” (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020., p. 5).

Desse modo, é possível inferir que a vinculação territorial se expressa basicamente de duas maneiras. Em uma delas, a vinculação do adolescente com determinada facção é atribuída tomando como critério o seu território de origem. Na outra, o socioeducando, a fim de garantir sua segurança durante e após o cumprimento da medida socioeducativa, informa preferir ser alojado com os adolescentes da mesma facção que tem atuação em seu território de origem. Em ambos os casos, o sujeito tem sua liberdade de escolha coagida e é submetido a um contexto de insegurança, tendo em vista que é exposto às consequências de um pretenso pertencimento a grupos criminosos.

A vinculação discursiva

Em um cenário marcado pela escassez de oportunidades de alcançar prestígio social - que, na sociabilidade capitalista, ocorre sobretudo pela via do consumo -, pertencer a uma facção parece ser, pelo menos no imaginário de alguns adolescentes, um modo de ascender socialmente ou de se inserir de alguma maneira na sociedade de consumo (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, Fernando de Jesus. “Corro com o PCC”, “corro com o CV”, “sou do crime”: facções, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, p. 1-21, 2020.; COSCIONI et al., 2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.; NERI, 2009NERI, Natasha Elbas. “Tirando a cadeia dimenor”: A experiência da internação e as narrativas de jovens em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Antropologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; ZALUAR, 1994ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Revan, 1994.). Ora, assim como o jovem recém-contratado busca receber uma promoção em seu emprego e o jovem estudante busca ingressar no ensino superior, esses adolescentes almejam conseguir visibilidade entre “os bandidos mais velhos7 7 Em referência à música Fórmula mágica da paz, do grupo de rappers paulistanos Racionais MC’s. ”, os membros da facção, já que outras possibilidades não lhe foram apresentadas ou, se foram, restringiam-se a subempregos e trabalhos localizados nas bases da estrutura social brasileira, geralmente associados a uma experiência de humilhação e precarização (ROCHA e TORRES, 2009ROCHA, Emerson; TORRES, Roberto. O crente e o delinquente. In: SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 205-240.; MACIEL e GRILLO, 2009MACIEL, Fabrício; GRILLO, André. O trabalho que (in)dignifica o homem. In: SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 241-277.; BRAGA, 2012BRAGA, Ruy. A política do precariado: Do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.).

Destarte, o contexto social de precariedade das condições gerais de vida da classe trabalhadora em um país de capitalismo dependente representa uma peça-chave na constituição das facções criminosas como coletivos atrativos para os setores mais pauperizados da sociedade brasileira, principalmente para os jovens, que veem limitadas as possibilidades de traçar trajetórias de vida lícitas em que possam encontrar retorno financeiro e condições de existência dignas. Somado a isso, reside o fato de que esses jovens são bombardeados pelos imperativos do consumo cada vez mais difundidos pela lógica mercantil associada ao avanço do neoliberalismo (KEHL, 2007KEHL, Maria Rita. A juventude como sintoma da cultura. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo. Juventude e sociedade: Trabalho, educação, cultura e participação. 2.ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007.; SCHERER, 2013SCHERER, Giovane Antonio. Serviço social e arte: Juventudes e direitos humanos em cena. São Paulo: Cortez, 2013.).

Nesse contexto, identificar-se como parte de um grupo criminoso pode, além de “garantir a vida”, conforme pontuado pelos próprios socioeducandos na pesquisa, significar a única possibilidade, identificada por eles, de “sentir-se alguém” e se inserir de forma mais incisiva no mercado de consumo (ZALUAR, 1994ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Revan, 1994., 2000ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: As organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2000.). Isso significa que as condições de vida desses sujeitos contribuem para a construção de uma racionalidade que compreende as facções como “redentoras” e objeto de desejo e sucesso pessoal.

De acordo com Pessoa et al. (2017PESSOA, Alex Sandro Gomes; COIMBRA, Renata Maria; NOLTEMEYER, Amity; BOTTRELL, Dorothy. The applicability of hidden resilience in the lives of adolescents involved in drug trafficking. In: DELL´AGLIO, Débora Dalbosco; KOLLER, Silvia Helena (Orgs.). Vulnerable Children and Youth in Brazil: Innovative Approaches from the Psychology of Social Development. Nova York: Springer, 2017. p. 247-260.), o envolvimento nas atividades do tráfico de drogas se mostrou, para os adolescentes, associado não apenas a questões estritamente econômicas, como o acesso a bens de consumo e apoio financeiro à família, mas também ao aumento das possibilidades de desenvolver relações heterossexuais. Dinheiro e sexo representam, portanto, um reforço da afirmação da masculinidade dos adolescentes. Se, por um lado, assumir algum tipo de vínculo com o crime reforça elementos associados ao ideário hegemônico de masculinidade - como agressividade, coragem e apelo à violência - (ZALUAR, 1994ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: Revan, 1994.), as expectativas e a possível concretização de sucesso sexual e acesso a bens e serviços alargam a ideia de “não ser menino”, “ser sujeito homem” e, assim, gozar do poder associado à performance de um ethos masculino.

Além disso, embora no discurso midiático as facções sejam recorrentemente apresentadas a partir de um juízo de valor negativo, cabe mencionar que esses coletivos armados, a fim de tornarem o território mais apropriado para o comércio ilegal de drogas, instituem mecanismos de governança que reduzem as taxas de crimes patrimoniais e contra a vida (LESSING e WILLIS, 2019LESSING, Benjamin; WILLIS, Graham Denyer. Legitimacy in Criminal Governance: Managing a Drug Empire from Behind Bars. American Political Science Review, v. 113, n. 2, p. 584-606, 2019.; MIRANDA e PAIVA, 2019MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019.). Desse modo, tal cenário contribui para a consolidação dos criminosos como figuras ideais de masculinidade a serem alcançadas pelos adolescentes e jovens, sobretudo quando estes estão inseridos em posições de baixo ou nenhum reconhecimento social.

Ao observar a literatura especializada, é possível encontrar estudos empíricos que, ao utilizarem como fonte de dados entrevistas realizadas com familiares de adolescentes privados de liberdade, com os próprios socioeducandos e com adolescentes em envolvimento com mercados ilegais de drogas, reforçam a ideia da vinculação discursiva. Entre esses estudos, destacam-se, por exemplo, os trabalhos de Carvalho (2020)CARVALHO, Lauriston Araújo. Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo no RN e o envolvimento em facções. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020., Nogueira et al. (2020)NOGUEIRA, Jailson Alves; OLIVEIRA, Ramon Rebouças Nolasco de; BRITO, Lauro Gurgel de; GÓIS, Veruska Sayonara de. Poder, masculinidade e participação em facções criminosas a partir de relatos adolescentes privados de liberdade pela prática de atos infracionais. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 1, p. 337-353, 2020. e Oliveira et al. (2019)OLIVEIRA, Lucas Caetano Pereira; MOREIRA, Jacqueline de Oliveira; SILVA, Bráulio Figueiredo Alves da; MARINHO, Frederico Couto; SOUZA, Juliana Marcondes Pedrosa. Curso de vida, adolescentes e criminalidade: uma leitura a partir do PIA. Psicologia & Sociedade, v. 31, n. 80, p. 1-18, 2019..

Carvalho (2020CARVALHO, Lauriston Araújo. Trajetórias de vida de adolescentes do sistema socioeducativo no RN e o envolvimento em facções. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2020., p. 143), que também pesquisou as trajetórias de adolescentes privados de liberdade no sistema socioeducativo do Rio Grande do Norte, mostrou que o status, a busca por respeito e o reconhecimento do grupo de amigos impulsionam o adolescente a buscar uma vinculação com as facções, conforme exemplificado no diálogo entre o pesquisador e Marilena, namorada de um socioeducando:

- Sobre os meninos entrarem na facção, por que você acha que eles entram? (Pesquisador)

- Olha, pelo que eu vejo lá no bairro, dos meninos que andam por lá, acho que é por status, sabe? (Marilena)

- Reconhecimento? (Pesquisador)

- É, reconhecimento, querem ser respeitados lá pelos outros meninos, que a liderança os conheça, essas coisas... (Marilena)

Do mesmo modo, ao analisarem os relatos de adolescentes internados no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Mossoró, no Rio Grande do Norte, Nogueira et al. (2020NOGUEIRA, Jailson Alves; OLIVEIRA, Ramon Rebouças Nolasco de; BRITO, Lauro Gurgel de; GÓIS, Veruska Sayonara de. Poder, masculinidade e participação em facções criminosas a partir de relatos adolescentes privados de liberdade pela prática de atos infracionais. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 10, n. 1, p. 337-353, 2020.) concluíram que “as facções criminosas constituem terreno fértil para os adolescentes buscarem (re)significar sua concepção de poder e sua masculinidade em troca de reconhecimento social” (p. 350). Ratificando tal conclusão, o trabalho de Oliveira et al. (2019)OLIVEIRA, Lucas Caetano Pereira; MOREIRA, Jacqueline de Oliveira; SILVA, Bráulio Figueiredo Alves da; MARINHO, Frederico Couto; SOUZA, Juliana Marcondes Pedrosa. Curso de vida, adolescentes e criminalidade: uma leitura a partir do PIA. Psicologia & Sociedade, v. 31, n. 80, p. 1-18, 2019. mostra, por meio da análise dos Planos Individuais de Atendimento (PIAs) de adolescentes em uma cidade de Minas Gerais, que “a carreira no tráfico de drogas aparece como um meio de alcançar reconhecimento e ascensão social, ocupando também o lugar de ambição profissional do adolescente” (p. 10).

Por sua vez, ao desenvolver uma investigação com trabalhadores do comércio ilegal de drogas em uma zona de Oslo conhecida como The River, Sandberg (2009)SANDBERG, Sveinung. Gangster, Victim or Both? The Interdiscursive Construction of Sameness and Difference in Self-Presentations. British Journal of Sociology, v. 60, n. 3, p. 523-542, 2009. analisa os discursos que esses sujeitos evocam sobre si mesmos. Ao fazê-lo, o autor aglutina um conjunto de narrativas em torno daquilo que denomina como discurso gangster, isto é, um discurso marcado pela ênfase no reforço de padrões de masculinidade violenta e de demais características que possam contribuir para se impor no universo do crime, como ser inteligente, “durão” e sexualmente atrativo. De acordo com Sandberg (2009)SANDBERG, Sveinung. Gangster, Victim or Both? The Interdiscursive Construction of Sameness and Difference in Self-Presentations. British Journal of Sociology, v. 60, n. 3, p. 523-542, 2009., “o discurso gangster pode ser utilizado por membros de uma cultura de rua para ganhar respeito próprio e respeito dos outros”8 8 Tradução dos autores. (p. 533).

De forma semelhante, é recorrente que o discurso de rivalidade entre facções seja permeado pela reafirmação do poder por meio do exercício da violência. Mas, além disso, também há a negação do outro como humano, como um igual, e afirmação deste como um inimigo a ser abatido. Em um dos grupos de discussão realizados em nossa pesquisa, Brigadeiro, de 17 anos, mencionou: “PCCU9 9 Expressão pejorativa utilizada para se referir ao PCC. tem que morrer. Os caras são safado: assalta ônibus, aceita estuprador. Os cara cola com a polícia. Bandido assim não se cria. Você acha isso certo?”. Nesse sentido, é possível observar que o discurso do adolescente é permeado tanto pela reafirmação de si por meio da violência como pela negação de um outro que não compartilha com ele “valores morais do crime” e, portanto, não é digno de permanecer vivo.

Logo, se admitirmos que, subjacente a esse discurso gangster, há uma busca pelo reconhecimento que foi negado a esses sujeitos por outros meios, como o sucesso em uma atividade laboral lícita ou o acesso a determinados bens de consumo, é possível inferir que os adolescentes que mais buscam se expor como “membros de facção” são justamente os que mais sentem necessidade de reconhecimento.

Ao longo da pesquisa, encontramos um jovem que, embora identificado pela equipe técnica da unidade socioeducativa como um sujeito com influência no crime, negava todas as acusações que lhe eram atribuídas e evocava constantemente uma narrativa de denúncia das violações de direitos que sofrera ao longo do cumprimento da medida socioeducativa. Não foi possível obter indícios concretos, além das opiniões dos funcionários da unidade, de que aquele adolescente tivesse, de fato, influência entre os criminosos do seu bairro. Contudo, se a narrativa dos funcionários estivesse em consonância com a realidade, a tese de que aqueles que têm uma trajetória e reconhecimento no crime são os que menos sentem a necessidade de evidenciar esse tipo de discurso seria reforçada, assim como também se reforçaria um pressuposto metodológico básico da pesquisa qualitativa e da criminologia discursiva: o discurso não revela o que o sujeito é, mas como ele deseja ser visto.

Ora, o discurso de membro da facção produz uma aura de superioridade que permite aos adolescentes assumirem uma posição de protagonismo que lhes foi negada ao longo da vida, permitindo a eles, também, que escapem da posição de vítimas (SANDBERG, 2009SANDBERG, Sveinung. Gangster, Victim or Both? The Interdiscursive Construction of Sameness and Difference in Self-Presentations. British Journal of Sociology, v. 60, n. 3, p. 523-542, 2009.) - afinal, “ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”10 10 Em referência a música Da ponte pra cá, do grupo de rap Racionais MC’s. . Nesse sentido, a vinculação discursiva proporciona uma dose de reconhecimento e autoconfiança para grupos marginalizados, funcionando como forma de enfrentamento da constante exposição à violência e humilhação social constitutiva de uma sociedade profundamente hierarquizada, como a brasileira.

Observa-se, portanto, o efeito simbólico de se assumir vínculo com uma facção criminosa, pois esse discurso representa uma forma de reagir aos processos de inferiorização que infligem esses adolescentes. Tal efeito também foi observado na investigação desenvolvida por Rivera (2016)RIVERA, Nelly Erandy Reséndiz. Violencia cotidiana, marginación, limpieza social y pandillas en Guatemala. URVIO: Revista Latinoamericana de Estudios de Seguridad, v. 19, n. 1, p. 111-127, 2016., que analisou a vinculação de jovens a coletivos criminosos denominados pandillas, na Guatemala (país, como o Brasil, com alta desigualdade socioeconômica), e identificou que as atividades ilegais e violentas se caracterizavam, para aqueles sujeitos, como estratégias de resistência e autoafirmação.

Por sua vez, ao realizar grupos focais com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação, Coscioni et al. (2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.) identificaram que os socioeducandos atribuíram ao “mundo do crime” a possibilidade de estabelecer trocas afetivas com outros membros do grupo, de exercer uma atividade laboral e de pertencer a um grupo respeitado na comunidade. Tais sentidos, atribuídos pelos adolescentes, indicam que fazer parte ou dizer fazer parte de uma facção responde a demandas daquele sujeito que foram construídas socialmente e que o Estado não conseguiu atender. Nas palavras de Coscioni et al. (2019COSCIONI, Vinicius; FARIAS, Bruno Graebin; ROSA, Edinete Maria; KOLLER, Sílvia Helena. Significados do mundo do crime para adolescentes em medida socioeducativa de internação. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 17, n. 2, p. 1-20, 2019.), “a pertença ao mundo do crime possibilita também o acesso a recursos materiais e simbólicos ausentes em um contexto pregresso de exclusão, configurando-se, pois, como um modo de enfrentamento e superação da adversidade” (p. 17).

Admite-se que a vinculação discursiva, tratada como tipo ideal, representa uma forma de associação em que o adolescente se identifica com a facção, mas não é, ainda, parte dela na condição de um membro regular, isto é, não é “batizado”11 11 Ritual de passagem para ingresso formal em uma facção. Não à toa, o nome dado ao ritual de ingresso na facção utiliza como referência o sacramento da Igreja Católica que consagra, de forma irreversível, o indivíduo como cristão, submetido, portanto, aos códigos morais daquela religião. . Isso ocorre porque o código moral das facções com atuação no RN não admite que crianças e adolescentes sejam, de fato, faccionados. E, ainda que possam, eventualmente, colaborar com o grupo criminoso, o “batismo” e a ocupação de alguma posição na hierarquia da facção só pode ocorrer após o sujeito completar 18 anos de idade (AMARANTE, 2019AMARANTE, Natália Firmino. “O certo pelo certo e o errado será cobrado”: Narrativas políticas do Sindicato do Crime do RN. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.).

A vinculação efetiva

Quando defrontados com a interpelação “Mas, então, se vocês não têm 18 anos, vocês não são da facção, não é?!”, um dos adolescentes respondeu: “E o cara não pode colar não, é?”. O emprego da expressão “colar” diz respeito à ideia de estar junto, apoiar, ainda que não como um membro formalizado. Desse modo, a declaração de vínculo com uma facção pode funcionar como estratégia de autopreservação, de fortalecimento do ethos criminal que o adolescente busca construir e, ao mesmo tempo, pode constituir-se como uma atuação concreta.

Na vinculação efetiva, além de o adolescente afirmar estar aliado à facção, ele participa efetivamente das atividades do grupo. Esse é o caso de General, socioeducando de 18 anos que, ao ser perguntado sobre os motivos que o levavam a estar em uma facção, respondeu:

- E eu vou fazer o quê? Não sei ler, não sei fazer conta. Vou fazer o quê? Com a facção eu pelo menos tiro o meu dinheiro sem depender de ninguém, tá ligado?

O discurso de Almirante, socioeducando de 17 anos, também contribui para elucidar o debate em torno da vinculação efetiva:

- A gente começa assim: primeiro, vai comprar um lanche para a galera da boca e ganha uns trocados. Depois, recebe 20 conto para deixar uma parada ali. Aí a gente já tá colado com a facção. Depois, se você ganhar moral, pode pegar algum cargo na facção e desenrolar uma grana mais alta.

Nos dois discursos supracitados, fica evidente a menção ao retorno financeiro - ainda que modesto - das atividades na facção. O imperativo da necessidade se expressa em trechos como “tiro o meu dinheiro”, “ganha uns trocados”, “recebe 20 conto”. Isso indica que, para os adolescentes, as atividades desenvolvidas no tráfico de drogas se constituem como um mecanismo de obtenção de renda que não seria possível obter por meio do mercado lícito - em razão das próprias limitações deste e da quase inexistente qualificação profissional dos adolescentes - ou do Estado, tendo em vista que a rede de proteção social brasileira não consegue oferecer soluções para as contradições que acometem as vidas desses sujeitos (FARIA e BARROS, 2011FARIA, Ana Amélia Cypreste; BARROS, Vanessa de Andrade. Tráfico de drogas: uma opção entre escolhas escassas. Psicologia & Sociedade, v. 23, n. 3, p. 536-544, 2011.).

Nesse sentido, o adolescente, ainda que acredite estar, por meio de atividades ilícitas, exercendo a liberdade que lhe foi negada por outras vias, encontra-se subordinado ao poder do mercado, do Estado e do crime. Primeiro, é coagido pelos imperativos do mercado, pois sua participação em atividades ilícitas decorre da necessidade de obtenção de renda. E, em decorrência dessas atividades, o sujeito assume uma posição de maior vulnerabilidade às práticas violentas estatais e dos agentes do crime.

A fim de tratar dos adolescentes que “colam”, “correm” ou “fecham” com os coletivos criminosos armados atuantes no comércio ilegal de drogas, ou, em uma única palavra, facções, são possíveis algumas reflexões preliminares sobre a condição desses sujeitos. Para o pensamento marxiano, a categoria exército industrial de reserva ou superpopulação relativa diz respeito, em termos gerais, a um conjunto de trabalhadores que estão aptos a integrar o processo produtivo, mas, ainda assim, permanecem desempregados. A utilidade desses trabalhadores para o capital reside em manter a lei da oferta e da procura favorável ao capitalista, que sempre terá mais força de trabalho disponível do que o necessário e, com isso, uma quantidade de profissionais dispostos a admitirem condições precárias de trabalho, pois essa seria a única alternativa ao desemprego (MARX, 2011MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política (Livro I). 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2011.).

Os adolescentes supracitados, que assumem “colar” com a facção, podem ser compreendidos como o exército industrial de reserva do crime, pois estão servindo a essas organizações criminosas como mão de obra flutuante, disponível para ser utilizada como e quando necessário. Outra possível analogia compreende o adolescente como um “estagiário” que está apto ou disposto a realizar as mesmas funções de um trabalhador regular, diferenciando-se deste apenas por estar regido por um regime contratual distinto - no caso, o fato de não estar “batizado”, e, portanto, não gozar do mesmo estatuto de um membro da facção.

Os motivos que levam os adolescentes a estabelecer esse tipo de vinculação também foram descritos ao tratarmos das vinculações territorial e discursiva, ou seja, trata-se de uma busca por reconhecimento e de uma tentativa de obter retorno financeiro diante das escassas e precárias formas de inserção no mercado formal de trabalho de uma economia dependente. No Rio Grande do Norte, a inserção no crime foi abordada pelos adolescentes como uma oportunidade entre escolhas escassas. O desabafo de Soldado, de 16 anos, é ilustrativo a esse respeito:

- E eu vou fazer o quê? Não estudei, não sei ler. Aqui dizem que o caba vai aprender, mas não tem isso não, homi. A aula é uma vez por semana e não tem um curso pra ensinar o caba a consertar moto, fazer uma coisa que, tá ligado, o caba possa trabalhar depois?

Tal discurso revela que o ingresso na facção se apresenta como uma possibilidade para esse jovem, que não sabe ler ou escrever, e, ao mesmo tempo, que a medida socioeducativa falha ao não incidir de maneira a reduzir as vulnerabilidades do adolescente - no caso, por meio de um processo formativo. De todo modo, o que tal situação evidencia é que a facção se apresenta como uma instituição que preenche as lacunas deixadas pelo Estado brasileiro no que diz respeito à proteção social. Ou seja, na ausência de escolas de qualidade, de um sistema robusto de assistência social e de um mundo do trabalho com oportunidades dignas de inserção, o ingresso nas facções se apresenta como uma alternativa atraente.

Nesse contexto, ao desenvolverem uma atuação concreta de apoio a essas organizações, seja realizando pequenas missões, como alertar sobre a entrada de polícia no bairro, seja vendendo drogas, extrapola-se o nível da vinculação pelo discurso com vistas a adquirir status ou do mero estigma da vinculação territorial, ainda que esses elementos também possam estar presentes e constituam o adolescente que “cola” com a facção. Dependendo da trajetória infracional do adolescente, o reconhecimento dele por parte dos membros da facção pode ocorrer de formas distintas, mas, geralmente, ele é reconhecido como um “menor que fecha pelo certo”, um aliado, ou, em outros casos, como um “soldado de baixíssima patente”, um membro em potencial. Diante do exposto, é possível inferir que, mesmo no mundo do crime, a perspectiva adultocêntrica se apresenta como uma barreira para o reconhecimento desses sujeitos.

É mister demarcar que, durante a pesquisa, foi registrada uma situação atípica, em que um jovem de 18 anos em cumprimento de medida foi conduzido até a delegacia por ter cometido o crime de dano ao patrimônio público na unidade socioeducativa. De acordo com esse jovem, enquanto estava na delegacia, em contato com outras pessoas que haviam sido detidas, ele foi batizado pela facção. Sendo assim, ao retornar para a unidade socioeducativa, o jovem utilizava essa experiência para reivindicar uma posição de liderança em relação aos outros socioeducandos, que a aceitaram.

Durante a realização da pesquisa, essa foi a única incidência que apontava para uma vinculação de um socioeducando como membro efetivo de alguma facção. De todo modo, a relação das facções com os adolescentes ainda merece ser aprofundada em outros estudos. Embora não tenhamos encontrado outros socioeducandos que se afirmassem batizados por alguma facção, não se pode excluir a possibilidade de que adolescentes com trajetórias infracionais mais robustas tenham se faccionado antes de completarem 18 anos.

Considerações finais

Como é próprio da metodologia weberiana, é possível que mais de um tipo ideal seja evocado para compreender a experiência de um mesmo adolescente. Por exemplo, um socioeducando pode compartilhar traços da vinculação discursiva, territorial e efetiva. Inclusive, não é atípico que as formas de vinculação, aqui descritas de modo independente, apresentem-se relacionadas. Afinal, o sujeito pode pertencer a um território marcado pela atuação de determinada facção (vinculação territorial), evocar o pertencimento a esse grupo como forma de responder a uma demanda por reconhecimento (vinculação discursiva) e colaborar efetivamente com ele (vinculação efetiva).

Contudo, optamos pela estruturação da análise em tipos ideais porque esse esquema metodológico permite demonstrar que não é possível tratar a vinculação entre adolescentes e grupos criminosos de forma homogênea. Por detrás da narrativa de “adolescentes faccionados” há distintas formas de vinculação e diferentes razões para que elas ocorram. Ainda assim, reconhecer essa realidade implica renunciar ao populismo penal, que visa apenas reforçar a narrativa criminalizante contra os adolescentes oriundos dos setores mais pauperizados da classe trabalhadora brasileira.

Portanto, diante da suposta ligação entre adolescentes e facções, é preciso, de antemão, identificar se existe, de fato, alguma relação. Havendo, é necessário buscar descobrir qual e por que ela existe. Ao longo do artigo, foram propostos três tipos ideais de vinculação: discursiva, territorial e efetiva. No primeiro caso, a vinculação com a facção não existe senão no discurso do adolescente e daqueles que acreditam nele. Sabe-se, contudo, que os usos dos discursos extrapolam os seus objetivos originais. Desse modo, os adolescentes, na tentativa de se afirmarem como sujeitos, evocam manifestações de pertencimento às facções, que são, por sua vez, apropriadas e utilizadas como arma política por figuras públicas, policy makers e setores da mídia para intensificar o processo de criminalização desses jovens e, com isso, fortalecer o Estado de exceção penal-necropolítico brasileiro.

Ademais, a vinculação de tipo territorial engloba o conjunto de situações nas quais o adolescente ou é coagido ou é reconhecido como um membro da facção em razão do seu território de origem. Diferentemente da vinculação discursiva, o que está em jogo nesse tipo é a redução da agência do sujeito, que se declara apoiador da facção a fim de não ser visto por seus membros como um inimigo e ter sua vida ameaçada. Também é característico da vinculação territorial o processo em que agentes externos atribuem ao adolescente uma ligação com a facção, criminalizando-o, portanto, em função de uma discriminação territorial. Por fim, a vinculação efetiva é aquela em que o sujeito participa concretamente de algumas ações que constituem as atividades da facção, ainda que, pela condição de adolescente, ocupe as bases da hierarquia da organização criminosa ou seja reconhecido apenas como um apoiador.

Os grupos criminosos conhecidos como facções são, de longa data, problemas reais. O Brasil e sua política de segurança pautada no aprisionamento em massa produziu as condições propícias para o crescimento dessas organizações e, agora, não sabe o que fazer para livrar-se delas. Assim como n’O aprendiz de feiticeiro, um problema foi criado e não se sabe como resolvê-lo. Contudo, diferentemente do que acontece no poema de Goethe, nenhum mágico experiente aparecerá para solucioná-lo.

É válido mencionar esse aspecto, sobretudo em tempos em que emergem diversas figuras públicas que se aproveitam do cenário de insegurança urbana para aplacar discursos alinhados com o populismo penal, apresentando saídas fáceis no campo da segurança pública - geralmente políticas públicas atreladas à exacerbação do punitivismo e dos processos de criminalização da pobreza - como forma de angariar votos. Tais políticas, como redução da idade penal, aumento do aparato policial-militar no território urbano e endurecimento penal, podem cumprir a função de conquistar votos, mas não enfrentam, de forma efetiva, os problemas da insegurança urbana no Brasil.

Diante da questão dos adolescentes e sua vinculação com as facções, é possível saber que alguns caminhos não são, de modo algum, adequados para lidar com essa situação. Não se pode simplesmente ignorar as facções e fazer uso da autoridade conferida pelo Estado para alojar adolescentes rivais em um mesmo núcleo, por exemplo. É provável que, assim como aconteceu nas unidades prisionais, tal medida termine em derramamento de sangue. Do mesmo modo, também é equivocado ofertar na unidade socioeducativa espaços apenas para adolescentes que se autodeclaram membros de facções. É preciso haver sempre uma terceira via para que a unidade socioeducativa não assuma um caráter criminogênico e tampouco coloque em risco a segurança dos socioeducandos.

Dada a realidade exposta, é comum se questionar sobre o que fazer. Conforme pontuamos, não há um feiticeiro que irá nos salvar. Os profissionais do sistema socioeducativo, por vezes sobrecarregados, tampouco serão aqueles responsáveis por apontar saídas mágicas, até porque é equivocado pensar uma unidade socioeducativa isolada do espaço e do tempo e atribuir a ela mais do que ela pode oferecer, enxergando-a como panaceia para a assim chamada “questão social”.

Pensar ações efetivas para o enfrentamento às facções envolve atacar, sobretudo, as bases que fazem com que essas organizações sejam atrativas para esses jovens, isto é, a abissal desigualdade socioeconômica, que deixa os indivíduos cativos na base da pirâmide social, sujeitos a todo tipo de violência estatal e com um futuro que, quando muito, reserva postos de trabalho precários e degradantes. Individualizar o problema na gestão socioeducativa não fornecerá a solução, pois a vinculação dos adolescentes com as facções é expressão das particularidades da sociabilidade capitalista brasileira.

Afinal, embora se pretenda discutir a vinculação dos socioeducandos com as facções, é sabido que a questão não se encerra nessa relação, que é mediada por diversos fatores, entre eles o modo de produção capitalista e sua forma dependente, o avanço do neoliberalismo e o esfacelamento das políticas sociais, a política proibicionista de drogas, que contribui para a constituição do inimigo nacional na figura do jovem pobre que trabalha no varejo de drogas ilícitas, o racismo - ou seja, a hierarquização material e simbólica entre brancos e negros - e muitos outros que não puderam ser devidamente abordados ao longo deste artigo.

Ainda assim, à guisa de conclusão, é mister demarcar que, no que concerne à execução da medida socioeducativa de internação, algumas ações podem ser tomadas a fim de reduzir a vulnerabilidade dos adolescentes diante das facções. Entre elas, destacam-se a garantia de alojamentos para adolescentes que não manifestem interesse em estar com membros ou simpatizantes de uma facção, a oferta de atividades educacionais e profissionalizantes que funcionem como alternativas reais ao trabalho no comércio ilegal de drogas, o desenvolvimento do Plano Individual de Atendimento (PIA) centrado no socioeducando e sua família, bem como a construção de uma rede garantia de direitos que auxilie o adolescente egresso do sistema socioeducativo.

  • 1
    Alojamento, no sistema socioeducativo, é o termo que define o espaço de cárcere do adolescente em cumprimento de medida de internação e semiliberdade. Embora possua diferenças significativas, dadas as determinações do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), é o equivalente, no sistema penitenciário, a uma cela.
  • 2
    Para Barbosa e Quintaneiro (2002)BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 83-123., “um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços considerados essenciais para a determinação da causalidade, segundo os critérios de quem pretende explicar um fenômeno” (p. 89).
  • 3
    Ao estabelecer uma distinção entre gangue e facção, pretende-se considerar as gangues, seguindo os debates de Wood (2006) e Maitra (2020)MAITRA, Dev Rup. “If You’re Down with a Gang Inside, You Can Lead a Nice Life”: Prison Gangs in the Age of Austerity. Youth Justice, v. 20, n. 1-2, p. 128-145, 2020., como grupos com atuação restrita aos espaços de privação de liberdade. Por outro lado, as facções se constituem como coletivos criminosos cuja atuação e projetos dizem respeito tanto às instituições de privação de liberdade quanto a questões fora delas.
  • 4
    Conforme mencionado anteriormente, a fim de garantir o anonimato e a segurança dos socioeducandos que participaram da pesquisa, foram utilizados pseudônimos.
  • 5
    Sobre a literatura que apresenta a relação de facções na gestão das periferias urbanas, conferir Machado da Silva (2008)MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Vida sob cerco: Violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., Feltran (2010)FELTRAN, Gabriel de Santis. Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São Paulo. Caderno CRH, v. 23, n. 58, p. 59-73, 2010., Couto (2013)COUTO, Aiala Colares. Redes criminosas e organização local do tráfico de drogas na periferia de Belém. Revista Brasileira de Estudos em Segurança Pública, v. 5, n. 1, p. 2-13, 2013., Pimenta (2015)PIMENTA, Melissa de Mattos. Relações de poder e controle social em áreas de grande exposição à violência. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 15, n. 1, p. 84-105, 2015. e Miranda e Paiva (2019)MIRANDA, Gabriel; PAIVA, Ilana Lemos. Juventude, crime e polícia: Vida e morte na periferia urbana. Curitiba: CRV, 2019..
  • 6
    Dos 28 adolescentes que participaram da pesquisa, três haviam contratado advogado particular; os demais utilizavam os serviços da Defensoria Pública.
  • 7
    Em referência à música Fórmula mágica da paz, do grupo de rappers paulistanos Racionais MC’s.
  • 8
    Tradução dos autores.
  • 9
    Expressão pejorativa utilizada para se referir ao PCC.
  • 10
    Em referência a música Da ponte pra cá, do grupo de rap Racionais MC’s.
  • 11
    Ritual de passagem para ingresso formal em uma facção. Não à toa, o nome dado ao ritual de ingresso na facção utiliza como referência o sacramento da Igreja Católica que consagra, de forma irreversível, o indivíduo como cristão, submetido, portanto, aos códigos morais daquela religião.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    14 Jul 2022
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