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De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições

Resumos

Este artigo discute o processo de construção identitária dos profissionais da segurança prisional a partir da passagem da classificação ocupacional de carcereiro a policial penal. Parto da criação da Polícia Penal para problematizar a atuação, imagem social e as suas repercussões na vida desses profissionais. A pesquisa foi feita por meio de observação participante e de entrevistas com policiais penais em prisões cearenses. Por meio das narrativas dos policiais, a identidade social de violento e corrupto dá espaço à identidade policial em formação, cujas atribuições se relacionam as práticas repressivas, disciplinares e de vigilância, como elementos avigorados pela organização política sindical para afastar as representações sociais escusas atribuídas à função.

Palavras-chave:
Polícia Penal; identidade profissional; carcereiro; prisão; imagem social


From Jailer to Criminal Police: Between Nomenclatures, Social Image, and Attributions discusses the process of identity construction of prison security professionals from the transition from the occupational classification of jailer to criminal police officer. I start from the creation of the Criminal Police to problematize the performance, social image and its repercussions in the lives of these professionals. The research was carried out through participant observation and interviews with criminal police officers in Ceará prisons. Through the police narratives, the violent and corrupt social identity gives space to the police identity in formation, whose attributions are related to repressive, disciplinary and surveillance practices, as elements invigorated by the union political organization to remove the excuses social representations attributed to the occupation.

Keywords:
penal police; professional identity; jailer; prison; social image


Introdução

(...)

Somos um braço do Estado

Desse país varonil

Conquistamos o poder de polícia de direito

Para controlar o crime no Brasil

(...)

Da luta surgiu o gigante com amparo legal

E assim nasceu a Polícia Penal.

- Trecho do Hino da Polícia Penal

A população carcerária no Brasil aumentou vertiginosamente nas duas últimas décadas. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontam que em 2000 havia 137.710 pessoas encarceradas no país. Em 20 anos, esse número mais que quintuplicou, passando, em dezembro de 2019, para 755.274. Com essa taxa pouco airosa, o Brasil alcança a terceira maior população carcerária mundial, ficando atrás apenas dos EUA (mais de dois milhões) e da China (cerca de 1,6 milhão). Não obstante, apesar da ampliação do parque carcerário, a criação de novas vagas não tem acompanhado a mesma celeridade do encarceramento em território nacional. Estima-se que haja um déficit de 312.925 vagas, o que acarreta em superlotação em praticamente todos os estados federados (BRASIL, 2020).

Torquato e Barbosa (2020)TORQUATO, Cristiano Tavares; BARBOSA, Liliane Vieira Castro. “O sistema penitenciário brasileiro e o quantitativo de servidores em atividade nos serviços penais: avanços e desafios”. Revista Brasileira de Execução Penal, vol. 1, n. 2, pp. 251-272, 2020., partindo dos dados apresentados pelo Depen referentes a 2016DEPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias: Infopen. Atualização - Junho de 2016. Brasília, DF: Depen/MJSP, 2017. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/not...
(BRASIL, 2017), apresentam ainda uma estimativa de déficit de 65.375 policiais penais1 1 Neste texto, agentes penitenciários e policiais penais são duas nomenclaturas usadas para se referir aos profissionais da segurança prisional. A recente redenominação dessa categoria profissional para Polícia Penal se deu com a emenda constitucional no 104, aprovada em dezembro de 2019. , se levada em consideração a recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que prevê a proporção de um policial penal para cada cinco pessoas encarceradas. Segundo os autores, há 78.108 profissionais atuando na segurança prisional, quantidade exígua e diretamente relacionada às crises contumazes que se instalam nas prisões brasileiras.

Os policiais penais são responsáveis pela rotina prisional e reiteradamente são culpabilizados pelas mazelas do sistema prisional (MORAES, 2005MORAES, Pedro Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCrim, 2005.; SABAINI; 2009; TAETS, 2013TAETS, Adriana Rezende Faria. “Em trânsito: O cotidiano de algumas agentes de segurança penitenciária do estado de São Paulo”. Mediações: Revista de Ciências Sociais, vol. 18, pp. 246-259, 2013.). O exercício da função se dá por meio de um trabalho dúbio de repressão e cuidado, que envolve disciplina e vigilância, com a finalidade de manter a ordem (KAUFFMAN, 1981KAUFFMAN, Kelsey. “Prison Officers’ Attitudes and Perceptions of Attitudes: A Case of Pluralistic Ignorance”. Journal of Research in Crime and Delinquency, vol. 18, n. 2, pp. 272-294, 1981.; LOMBARDO, 1989LOMBARDO, Lucien X. Guards Imprisoned: Correctional Officers at Work. Nova York: Routledge, 1989.) e auxiliar atividades com vistas à ressocialização (MORAES, 2013MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013.; BANDEIRA e BATISTA, 2009BANDEIRA, Lourdes; BATISTA, Analia Soria. “Trajetórias profissionais e carreira dos agentes penitenciários: Distrito Federal e Goiás”. In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Subsídios para construção de um novo fazer segurança pública. Coleção Segurança com Cidadania, n. 1. Brasília: Senasp/Ministério da Justiça, 2009, pp. 255-286.; LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.) - apesar de a grande maioria desses profissionais não se identificar com as atribuições que têm como objetivo a ressocialização dos presos (CASTRO E SILVA, 2008; CRUZ et al., 2013CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013.).

A permanente proximidade desses profissionais com a população prisional (TAIT, 2011TAIT, Sarah. “A Typology of Prison Officer Approaches to Care”. European Journal of Criminology, vol. 8, n. 6, pp. 440-454.) requer habilidades para a resolução de conflitos que sobrevêm no cotidiano dos presos entre si e com os policiais penais, podendo se transformar em motins e rebeliões (KING, 2009KING, Sue. “Reconciling Custodial and Human Service Work: The Complex Role of the Prison Officer”. Current Issues in Criminal Justice, vol. 21, pp. 257-277, 2009.). Em alerta ininterrupto, dentro e fora das prisões, esses policiais se mantêm vigilantes o tempo todo (MORAES, 2005MORAES, Pedro Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCrim, 2005.; ROSEIRA, 2018ROSEIRA, Ana Pereira. A porta da prisão: Uma história dos meios de segurança e coerção penal na perspectiva dos guardas prisionais portugueses (1974-2014). Tese (Doutorado em Linguagens e Heterodoxias) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018.) e, por conta do risco iminente de violência, se esforçam para ocultar sua identidade profissional (CASTRO E SILVA, 2008; MORAES, 2013MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013.).

Na literatura brasileira, no que concerne às prisões, o trabalho desenvolvido pelos policiais penais tem sido caracterizado por sua complexidade (LOURENÇO, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. “Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte”. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, vol. 10, n. 3, pp. 11-31, 2010.), pelas condições materiais insalubres (SIQUEIRA, 2016SIQUEIRA, Ítalo Barbosa Lima. Aqui ninguém fala, escuta ou vê: Relatos sobre o cotidiano profissional dos agentes de segurança penitenciária em Manaus. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2016.; MOREIRA, 2018MOREIRA, Hélio Luiz F. “Agente não é gente: Trabalho e sofrimento no contexto da penitenciária estadual de Parnamirim/RN”. In: PINHEIRO, Jorge Augusto de Medeiros; FLIGUER, José Luis (orgs). Criminología y ciências penales. Buenos Aires: Uces, 2018, pp. 82-99.) e por expectativas, práticas e temores (CASTRO E SILVA; 2008; BANDEIRA; BATISTA, 2009) com consequências repulsivas (CHIES et al., 2005CHIES, Luiz Antônio Bago et al. “Prisionalização e sofrimento dos agentes penitenciários: fragmentos de uma pesquisa”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 5, pp. 309-335, 2005.) na saúde física, mental e no trabalho desses profissionais (VASCONCELOS, 2000VASCONCELOS, Ana Silvia Furtado. A saúde sob custódia: Um estudo sobre agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.; BEZERRA, 2018BEZERRA, Sergiana de Sousa. Saúde e trabalho de agentes penitenciários do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2018.), que, no cotidiano prisional, constituem uma identidade forjada na liminaridade da disciplina e ressocialização e entre os sentimentos de poder e vulnerabilidade (MORAES, 2005MORAES, Pedro Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCrim, 2005.; CRUZ et al., 2013CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013.; SABAINI, 2009SABAINI, Raphael. “Agentes penitenciários de Itirapina, SP: Identidade e hierarquia”. Ponto Urbe [Online], n. 5, 2009.; TAETS, 2012; MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.).

O intuito deste artigo é discutir o processo de construção identitária dos profissionais da segurança penitenciária a partir da passagem da classificação ocupacional de carcereiro a policial penal. Parto da recente aprovação da emenda constitucional no 104/2019, que criou a policial penal, para problematizar a atuação e a imagem social desses profissionais, bem como as repercussões em suas vidas. O artigo resulta de um afinco sistêmico de pensar a questão das prisões a partir de etnografias multissituadas (MARCUS, 1995MARCUS, George. “Ethnography in/of the World System: The Emergence of Mult-Sited Ethnography”. Annual Review of Anthropology, vol. 24, pp. 95-117, 1995.), centradas nas relações constituídas entre presos e policiais penais no sistema prisional do Ceará, onde atuo como policial penal e pesquisador desde 2013. Esse lugar relacional para com as prisões me possibilita interlocuções profícuas com os diversos atores institucionais e não institucionais nas unidades prisionais, assim como a extensão desses contatos a outros espaços por onde transitam os interlocutores de pesquisa (NASCIMENTO, 2018aNASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. “Pesquisa e trabalho no cárcere: Desafios da pesquisa e do trabalho dos agentes penitenciários na prisão”. Vivência: Revista de Antropologia, vol. 1, n. 51, pp. 180-201, 2018a., 2018bNASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. “Agente penitenciário e/ou pesquisador? Trabalho e pesquisa na prisão desde um lugar relacional”. Norus: Novos Rumos Sociológicos, vol. 6, n. 10, pp. 304-327, 2018b., 2021NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Fronteiras de guerra: gestão da vida e processos de Estado nas fronteiras entre policiais penais e presos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2021.).

O texto está dividido em quatro seções, além desta introdução. Na primeira, situo na literatura as discussões sobre o trabalho prisional e seus impactos na vida dos policiais penais. Na segunda, destaco as implicações éticas e metodológicas das pesquisas desenvolvidas a partir da dupla função de pesquisador e trabalhador das prisões cearenses. Por fim, na terceira e na quarta seção, detenho-me na luta sindical pela criação da Polícia Penal, que reverberou em uma identidade policial em formação, destacando como os próprios policiais penais percebem suas atribuições profissionais, em meio às recorrentes reclassificações ocupacionais de carcereiro a policial penal.

O trabalho prisional e seus efeitos: breves apontamentos na literatura

Nas duas últimas décadas, o encarceramento tem despertado o interesse de estudiosos em diversas áreas do conhecimento. No campo das ciências sociais, pesquisadores brasileiros têm se empenhado nas inúmeras vertentes da problemática das prisões. Em conformidade com Godoi e Mallart (2017)GODOI, Rafael; MALLART, Fábio. “Apresentação do dossiê Dados e atualidade da pesquisa em prisão do Brasil”. Aracê: Direitos Humanos em Revista, vol. 4, n. 5, pp. 8-13, 2017, o empenho de pesquisadores e pesquisadoras em analisar a problemática das prisões no Brasil fez surgir um campo de estudos consistente, diversificado e em crescimento. Para os autores, a diversidade teórico-metodológica e temática destaca as prisões como cenário consentâneo para experimentações epistemológicas, analíticas e metodológicas. Em balanço recente das pesquisas desenvolvidas nos últimos 20 anos, Lourenço e Alvarez (2017)LOURENÇO, Luiz Claudio; ALVAREZ, Marcos César. “Estudos sobre prisão: um balanço de estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017)”. BIB, vol. 84, n. 2, pp. 216- 236, 2017. observam um robusto número de pesquisas acerca das prisões em todas as regiões do país. Entretanto, estudos dissertando sobre profissionais da segurança prisional ainda são bastante parcos.

Ainda na década de 1970, Thompson alertou para a necessidade de se investigar os profissionais responsáveis pela segurança prisional, desde suas complexas e contraditórias atribuições na função punitiva e terapêutica da pena. Segundo o autor, os profissionais da segurança e as relações constituídas por eles no cotidiano do aprisionamento são questões que “quase ninguém se preocupa em investigar” (THOMPSON, 1991THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991., p. 18). De modo análogo, Chies et al. (2005)CHIES, Luiz Antônio Bago et al. “Prisionalização e sofrimento dos agentes penitenciários: fragmentos de uma pesquisa”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 5, pp. 309-335, 2005. destacam que a complexidade do debate sobre as prisões só pode ser analisada a partir da multiplicidade de questões que se apresentam no entorno de sua estrutura, processos e dinâmicas. Tal análise não pode centrar-se apenas nas pessoas presas, mas deve levar em conta os profissionais e toda a heterogeneidade das interações entre eles e suas atuações e relações sociais nas dinâmicas que se instituem nas prisões.

De igual modo, testificando acerca de estudos mais aprofundados sobre agentes penitenciários, Sabaini (2009)SABAINI, Raphael. “Agentes penitenciários de Itirapina, SP: Identidade e hierarquia”. Ponto Urbe [Online], n. 5, 2009. argumenta que pouco se conhece sobre a vida e a atuação desses profissionais, apesar de serem recorrentemente identificados como violentos, corruptos e torturadores. Nessa mesma linha argumentativa, Harkot-de-La-Taille (2008)HARKOT-DE-LA-TAILLE, Elizabete. “O discurso citado na construção do efeito de sentido de identidade em agentes de segurança penitenciária”. Discurso & Sociedad, vol. 2, pp. 475-502, 2008., Castro e Silva (2011)CASTRO E SILVA, Anderson Morais. Participo que... Desvelando a punição intramuros. Rio de Janeiro: Publit, 2011. e Moraes (2013)MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013. argumentam que o preconceito para com os agentes penitenciários demanda esforço desses, a fim de manterem suas identidades em absoluto sigilo; quando reveladas, eles são alvo de olhares hesitosos e acusações. Segundo os autores, a categoria profissional é reconhecida por uma parcela da sociedade como responsável por todas as mazelas do processo de encarceramento. Agentes penitenciários dificilmente se orgulham do trabalho que exercem. Assim, em meio aos conflitos próprios do exercício da profissão, procuram manter o anonimato, para a sua própria segurança e/ou a de seus familiares.

Bandeira e Batista (2009)BANDEIRA, Lourdes; BATISTA, Analia Soria. “Trajetórias profissionais e carreira dos agentes penitenciários: Distrito Federal e Goiás”. In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Subsídios para construção de um novo fazer segurança pública. Coleção Segurança com Cidadania, n. 1. Brasília: Senasp/Ministério da Justiça, 2009, pp. 255-286. e Taets (2013)TAETS, Adriana Rezende Faria. “Em trânsito: O cotidiano de algumas agentes de segurança penitenciária do estado de São Paulo”. Mediações: Revista de Ciências Sociais, vol. 18, pp. 246-259, 2013. argumentam que o desconhecimento da sociedade sobre o trabalho dos agentes penitenciários promoveu a criação de representações negativas desses profissionais, que amiudadamente são identificados como despreparados, repressivos, violentos e, por vezes, percebidos como torturadores, carrascos e desumanos. A natureza do seu trabalho e sua proximidade com pessoas socialmente consideradas párias os colocam em perigo constante de “contaminação” (FREITAS, 1985FREITAS, Renan S. “Reversões hierárquicas e eclosão de conflitos em prisões”. Revista de Administração Pública, vol. 19, n. 4, pp. 27-37, 1985.). Em decorrência dos aspectos supramencionados, a representação do trabalho dos agentes penitenciários é socialmente produzida por meio do estigma do comportamento violento e/ou do envolvimento em práticas ilícitas junto à população prisional (LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.; CASTRO E SILVA, 2011CASTRO E SILVA, Anderson Morais. Participo que... Desvelando a punição intramuros. Rio de Janeiro: Publit, 2011.; SABAINI, 2009SABAINI, Raphael. “Agentes penitenciários de Itirapina, SP: Identidade e hierarquia”. Ponto Urbe [Online], n. 5, 2009.; LOURENÇO, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. “Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte”. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, vol. 10, n. 3, pp. 11-31, 2010.).

Pautando a complexidade do trabalho prisional, Monteiro (2018)MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. destaca que os agentes de segurança mobilizam ações que ultrapassam as técnicas disciplinares e os mecanismos de segurança, a fim de construir uma racionalidade própria que lhes possibilite lidar com as relações, vulnerabilidades e dinâmicas do contexto carcerário. Em meio às regras formais e informais que operacionalizam sua atuação, as relações constituídas em meio aos conflitos, ameaças e riscos dão sentido à busca pela sensação de segurança dentro e fora das prisões, pautada no viés policialesco; por outro lado, dão consistência a um modo de atuação que, por vezes, parece bastante pessoalizado, a despeito da atuação racional. Essas questões moldam as identidades desses agentes e ressoam na própria edificação das prisões como instituições de controle.

De acordo com Castro (1991)CASTRO, Myriam Mesquita Pugliese de. “Ciranda do medo: controle e dominação no cotidiano da prisão”. Revista da USP, São Paulo, n. 9, pp. 57-64, 1991., agentes penitenciários e presos são os dois grupos que mais conhecem as prisões. Certamente, as relações de aproximação e distanciamento entre esses atores, em um conjunto de ações que movimentam as prisões, não se resumem à violência, à corrupção, ao medo e à tortura. Pelo contrário, é o contato e a tensão, sob uma mescla de regras, normas e rotina, que possibilita o funcionamento das prisões.

Policiais penais e presos são os dois grupos que, intermitentemente, ocupam as prisões. Um se esforça para conceber o outro, por meio de estereótipos hostis (DIUANA et al., 2008DIUANA, Vilma et al. “Saúde em prisões: representações e práticas dos agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro, Brasil”. Cadernos de Saúde Pública, vol. 24, n. 8, pp. 1.887-1.896, 2008.; MORAES, 2013MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013.), construindo papéis, códigos, discursos e linguagens incorporados como efeitos e sentidos de suas identidades (HARKOT-DE-LA-TAILLE, 2008HARKOT-DE-LA-TAILLE, Elizabete. “O discurso citado na construção do efeito de sentido de identidade em agentes de segurança penitenciária”. Discurso & Sociedad, vol. 2, pp. 475-502, 2008.; LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.; CRUZ et al., 2013CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013.; TAETS, 2013TAETS, Adriana Rezende Faria. “Em trânsito: O cotidiano de algumas agentes de segurança penitenciária do estado de São Paulo”. Mediações: Revista de Ciências Sociais, vol. 18, pp. 246-259, 2013.), com base em elementos de distinção e separação, em “concepções mútuas irreconciliáveis” (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. Oficina do diabo e outros escritos prisionais. Rio de Janeiro: Record, 2005., p. 88). Os guardas encaram como missão o trabalho da vigilância na fiscalização das normas de conduta impostas aos presos, mantendo sempre um “distanciamento” necessário (MONTEIRO e ARAÚJO, 2018MONTEIRO, Rodrigo Padrini; ARAÚJO, José Newton Garcia. “Manicômio judiciário e agentes penitenciários: Entre reprimir e cuidar”. Psicologia: Ciência e Profissão, vol. 38, pp. 144-158, 2018.), devido ao perigo iminente de contaminação (FREITAS, 1985FREITAS, Renan S. “Reversões hierárquicas e eclosão de conflitos em prisões”. Revista de Administração Pública, vol. 19, n. 4, pp. 27-37, 1985.).

A atmosfera tensa das prisões requer, também, por parte dos profissionais, habilidades de negociação e resolução rápida de conflitos (LOMBARDO, 1989LOMBARDO, Lucien X. Guards Imprisoned: Correctional Officers at Work. Nova York: Routledge, 1989.), posto que tomar a cabo o poder do “exercício da autoridade” (HEPBURN, 1985) implica insatisfações por parte da população carcerária (LIEBLING, 2000LIEBLING, Alison. “Prison Officers, Policing and the Use of Discretion”. Theoretical Criminology, vol. 4, n. 3, pp. 333-357, 2000.) e, por vezes, a ebulição de motins e rebeliões (KING, 2009KING, Sue. “Reconciling Custodial and Human Service Work: The Complex Role of the Prison Officer”. Current Issues in Criminal Justice, vol. 21, pp. 257-277, 2009.). Embora o medo esteja presente em diversos momentos da atuação profissional, absconder as emoções (ansiedade, angústia, medo) é um fator indispensável para que os agentes penitenciários não sejam avistados, tanto pelos presos como por seus pares, como frágeis ou inaptos ao exercício profissional (TAIT, 2011TAIT, Sarah. “A Typology of Prison Officer Approaches to Care”. European Journal of Criminology, vol. 8, n. 6, pp. 440-454.). Os cuidados em esconder as emoções devem ser especialmente levados em conta diante dos eventos de subversão da ordem, em que há possibilidade propínqua de se tornarem reféns (SIQUEIRA, 2016SIQUEIRA, Ítalo Barbosa Lima. Aqui ninguém fala, escuta ou vê: Relatos sobre o cotidiano profissional dos agentes de segurança penitenciária em Manaus. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2016.).

Destarte, o cotidiano hostil do trabalho nas prisões brasileiras influencia na falta de entusiasmo e no sofrimento físico e psíquico que acometem os policiais penais (VASCONCELOS, 2000VASCONCELOS, Ana Silvia Furtado. A saúde sob custódia: Um estudo sobre agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.; LOPES, 1998; BEZERRA, 2018BEZERRA, Sergiana de Sousa. Saúde e trabalho de agentes penitenciários do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2018.), exigindo deles um ajuste das emoções, a fim de lidar com as demandas próprias da convivência com as pessoas presas, mas também com seus pares (MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.). Tais efeitos na vida desses profissionais se dão pela longa permanência na prisão, onde desempenham atribuições de vigilância, guarda, repressão e controle dos presos (MORAES, 2013MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013.; OLIVEIRA et al., 2015OLIVEIRA, Victor N.; RIBEIRO, Ludmila; BASTOS, Luiza M. “Os agentes penitenciários em Minas Gerais: quem são e como percebem a sua atividade”. Sistema Penal & Violência, vol. 7, pp. 175-192, 2015.), mediadas por relações moldadas pelo que é permitido, o que promove segurança e poder e minimiza as vulnerabilidades (MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.). Além disso, esses efeitos se devem ao fato de que os policiais penais vivenciam as agruras dos espaços prisionais junto com os presos, embora de forma bastante diferente (NASCIMENTO, 2018bNASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. “Agente penitenciário e/ou pesquisador? Trabalho e pesquisa na prisão desde um lugar relacional”. Norus: Novos Rumos Sociológicos, vol. 6, n. 10, pp. 304-327, 2018b.; OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. “Mudanças na administração prisional: os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais”. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, vol. 11, n. 3, pp. 412-434, 2018.). É imprescindível reconhecer que a atuação dos policiais penais no interior das prisões causa conflitos que se estendem para além do ambiente dessas instituições, permeando seus trânsitos (CASTRO E SILVA, 2011CASTRO E SILVA, Anderson Morais. Participo que... Desvelando a punição intramuros. Rio de Janeiro: Publit, 2011.), limitando seus contatos à própria rede profissional (RIBEIRO et al., 2019RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes; OLIVEIRA, Victor Neiva; CREPALDE, Neylson; BASTOS, Luiza Meira; MAIA, Yolanda Campos. “Agentes penitenciários aprisionados em suas redes?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v 34, n. 101, pp. 01-25, 2019.) e se desdobrando em situação de alerta constante nas ruas (ROSEIRA, 2018ROSEIRA, Ana Pereira. A porta da prisão: Uma história dos meios de segurança e coerção penal na perspectiva dos guardas prisionais portugueses (1974-2014). Tese (Doutorado em Linguagens e Heterodoxias) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2018.). A dificuldade de sair do papel profissional tem consequências em suas vidas, sendo estresse, ansiedade, depressão, cansaço, insônia, alcoolismo, paranoia, medo, insegurança e distúrbios de várias ordens os problemas apontados nos estudos sobre essa profissão (VASCONCELOS, 2000VASCONCELOS, Ana Silvia Furtado. A saúde sob custódia: Um estudo sobre agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.; LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.; BEZERRA, 2018BEZERRA, Sergiana de Sousa. Saúde e trabalho de agentes penitenciários do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2018.; MOREIRA, 2018MOREIRA, Hélio Luiz F. “Agente não é gente: Trabalho e sofrimento no contexto da penitenciária estadual de Parnamirim/RN”. In: PINHEIRO, Jorge Augusto de Medeiros; FLIGUER, José Luis (orgs). Criminología y ciências penales. Buenos Aires: Uces, 2018, pp. 82-99.; GENEST et al., 2021GENEST, Christine; RICCIARDELLI, Rosemary; CARLETON, R. Nicholas. “Correctional Work: Reflections Regarding Suicide”. Int. J. Environ. Res. Public Health, vol. 18, n. 8, pp. 1-10, 2021.).

No Ceará, esses efeitos da ocupação na vida dos policiais penais são identificados pelos próprios profissionais pela expressão “cadeia pesando”, que indica uma situação de adoecimento, estresse, paranoia, embrutecimento, entre outros, em decorrência do trabalho na prisão. Uma observação mais atenta do uso dessa expressão explicita, ainda, a qualificação dos atributos de gênero exigidos para o exercício da profissão. Ou seja, a suscetibilidade ao adoecimento pela atividade profissional é localizada pelos próprios profissionais em torno de categorizações de fraqueza e fragilidade como atributos rechaçados ao desempenho da função. Em contraposição, a coragem, a virilidade e a bravura seriam os atributos por excelência designados aos policiais penais. Eles localizam pessoas hábeis ou não ao exercício da profissão, relacionando, de um lado, fraqueza, fragilidade e cuidado à feminilidade e, de outro, coragem, bravura e virilidade à masculinidade (MCELHINNY, 2017MCELHINNY, Bonnie. An economy of affect: Objectivity, masculinity and the gendering of police work. In: CORNWALL, Andrea; LINDISFARNE, Nancy (orgs). Dislocating masculinity: Comparative Ethnographies. 2.ed. Nova York: Routledge, 2017, pp. 149-160.; RICCIARDELLI, 2016). Evidentemente, os profissionais com atributos condizentes à masculinidade seriam os mais hábeis ao desempenho do trabalho na prisão. Não é à toa que, correntemente, ao se dirigir a outro policial penal, utiliza-se o termo “guerreiro”, sugerindo a bravura e a coragem como qualidades inerentes ao desempenho da função.

Diante das questões apresentadas, a multiplicidade do trabalho prisional, o desprestígio social da função, a falta de reconhecimento por parte do Estado e suas repercussões na vida dos trabalhadores são destacados nesta discussão devido à urgência de uma identidade policial, em formação, mobilizada pela organização política sindical, que elege as atribuições repressivas, disciplinares e de vigilância como elementos constitutivos e identificatórios dessa categoria profissional. Argumento que o próprio cenário violento das prisões e os estigmas sociais atribuídos à função repercutem no interior da categoria profissional para o rechaço da identificação como carcereiro e na reiteração do papel de polícia como superação da imagem social depreciativa da profissão.

O lugar relacional e suas implicações éticas e metodológicas

Os dados apresentados neste artigo resultam de um percurso relacional de trabalho e pesquisa em prisões cearenses. Desde 2013, esse percurso me possibilita vivências no cotidiano prisional e interlocuções com policiais penais recém-ingressos ou com larga experiência nas prisões, gestores das unidades prisionais, lideranças sindicais, presos e seus familiares, entre outras pessoas com entradas diversas nas unidades prisionais2 2 As interlocuções com esses atores, assim como a liberação para a realização das pesquisas, seguiram as diretrizes éticas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (Conep), dispostas nas resoluções no 466/2012 e no 510/2016. Ao longo dos últimos oito anos, realizei três pesquisas no sistema prisional cearense. Duas delas passaram pelo crivo do Sistema CEP/Conep e estão cadastradas pelos Certificados de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) no 44925015.5.0000.5053 e no 40762620.0.0000.5534 (NASCIMENTO, 2015, 2021). A terceira pesquisa (NASCIMENTO, 2018), apesar de não ter sido apreciada pelo comitê de ética, foi autorizada pela Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus-CE). Em todas elas, o esclarecimento das questões éticas, por meio da apreciação do Termo de Livre Consentimento Esclarecido, foi uma etapa incontornável para a manutenção dos contatos entre o pesquisador e os interlocutores. .

A observação participante e as entrevistas realizadas ao longo dos últimos nove anos, como parte do trabalho de campo desenvolvido no Presídio Irmã Imelda Lima Pontes, no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis) e, principalmente, na Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS), unidade prisional em que atuo, me possibilitaram contatos com policiais penais ingressantes na profissão em momentos distintos e atuantes em diversas regiões do Ceará. As interlocuções com parte deles se estenderam para fora das prisões, nos espaços por onde transitam, e desdobraram-se em relações afetivas e de respeito mútuo. Ao longo do trabalho de campo, diversos diálogos e situações cotidianas foram registrados em caderno de campo e pelo menos 23 entrevistas individuais foram realizadas com auxílio de gravador.

Embora com implicações éticas e metodológicas bastante específicas e diretamente ligadas ao lugar relacional que ocupo nas prisões, sendo ao mesmo tempo policial penal e pesquisador, estudos realizados por pesquisadores brasileiros valendo-se de lugares relacionais são desenvolvidos pelo menos desde a década de 1990. Em um levantamento das pesquisas sobre profissionais da segurança prisional, Taets e Sabaini (2011)TAETS, Adriana Rezende Faria; SABAINI, Raphael Tadeu. “Escondendo ou mostrando o uniforme? Dinâmicas urbanas específicas que envolvem os agentes prisionais em diferentes cidades do Estado de São Paulo”. Anais do 35o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2011. identificaram que a maioria foi realizada por estudiosos atuando em unidades prisionais como psicólogos (LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.), assistentes sociais (VASCONCELOS, 2000VASCONCELOS, Ana Silvia Furtado. A saúde sob custódia: Um estudo sobre agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2000.), ex-agentes prisionais (CASTRO E SILVA, 2008) ou servidores da administração prisional (LOPES, 1998). Os autores notaram que a vinculação institucional dos pesquisadores não apenas foi imprescindível para a formulação dos incômodos que fundamentaram as pesquisas, como facilitou sua inserção nas unidades prisionais para o trabalho de campo, concedendo acesso a documentos restritos e possibilitando interlocuções com os agentes penitenciários (TAETS e SABAINI, 2011TAETS, Adriana Rezende Faria; SABAINI, Raphael Tadeu. “Escondendo ou mostrando o uniforme? Dinâmicas urbanas específicas que envolvem os agentes prisionais em diferentes cidades do Estado de São Paulo”. Anais do 35o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2011.).

Condições de pesquisa bastantes díspares são relatadas por pesquisadores sem vínculo institucional com a prisão. A difícil inserção nas prisões e a falta de acesso aos agentes penitenciários são problemas reincidentes, descritos por pesquisadores da temática. Sabaini (2009)SABAINI, Raphael. “Agentes penitenciários de Itirapina, SP: Identidade e hierarquia”. Ponto Urbe [Online], n. 5, 2009. menciona a aparente e insistente desconfiança dos profissionais para com seus interesses de pesquisa, enquanto Taets (2010)TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010. desaprova as respostas curtas e pontuais durante as entrevistas que realizou com esses agentes em seus espaços de trabalho. De acordo com Moraes (2005MORAES, Pedro Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCrim, 2005., 2013MORAES, Pedro Bodê. “A identidade e o papel de agentes penitenciários”. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, vol. 25, n.1, pp. 131-147, 2013.), as dificuldades de interlocuções com os trabalhadores da segurança prisional estão diretamente relacionadas à pressuposição, por parte deles, de que o pesquisador reafirma ainda mais os estigmas de violentos, corruptos e despreparados associados à profissão. Nos relatos dos pesquisadores, essas dificuldades só puderam ser ultrapassadas mediante a extensão dos contatos com os agentes penitenciários fora das prisões e em caráter mais informal, nos permitindo perceber que as relações hierárquicas e de poder nessas instituições, entre grupos diversos, posicionam o próprio pesquisador e o conhecimento socioantropológico em um complexo campo de disputas.

Conforme Godoi (2017)GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017., as desconfianças e os estigmas no mundo social acompanham qualquer pesquisador que faz trabalho de campo em instituições de encarceramento. Por conta disso, os interesses dos pesquisadores, assim como seus posicionamentos em relação aos desdobramentos da pesquisa, dão conta das “linhas de ação como consequência de suas pesquisas” (TAETS e SABAINI, 2011TAETS, Adriana Rezende Faria; SABAINI, Raphael Tadeu. “Escondendo ou mostrando o uniforme? Dinâmicas urbanas específicas que envolvem os agentes prisionais em diferentes cidades do Estado de São Paulo”. Anais do 35o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2011., p. 5). No caso das pesquisas em prisões, o desconhecimento da rotina de trabalho dos policiais penais, devido ao caráter restrito das prisões e à sua segregação moral, leva muitas vezes os pesquisadores a caracterizá-los de forma bastante pejorativa, fazendo com que os profissionais tenham dúvidas sobre as intenções das pesquisas.

É relevante destacar que as pesquisas sobre prisões no Brasil predominantemente abordam o aprisionamento e suas perversas condições concentrando-se na população prisional. Na medida em que se pauta a defesa dos direitos dos presos, pelas insuficientes condições materiais e violências vivenciadas na prisão, os policiais penais, como operadores da execução da pena, são responsabilizados por alguns estudiosos como causadores das violências e agruras às quais as pessoas privadas de liberdade estão submetidas. Nessa seara, dificilmente as pesquisas sobre prisões situam o policial penal “como mais um ator envolvido na disputa de forças, não apenas como representante do Estado, mas como um segmento que, apesar de representar a instituição, também reage a ela, e sofre as suas consequências” (TAETS, 2010TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010., p. 14).

Assim como os estudiosos que se serviram do lugar relacional ocupado na instituição prisional, devo dizer que meu percurso como pesquisador das prisões cearenses já se iniciou afetado (FRAVET-SAADA, 2005FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser afetado”. Cadernos de Campo, n. 13, pp. 155-161, 2005.) por minhas experiências como policial penal. Esse é um elemento importante para a agilidade dos trâmites burocráticos para a liberação das pesquisas e o acesso a documentos restritos e aos interlocutores e interlocutoras dentro e fora das unidades prisionais. Mesmo fazendo trabalho de campo em unidades prisionais em que não atuo, a relação de justaposição com os policiais penais era sempre alçada por frases como esta: “Esse aqui é o policial penal Melo! Nosso irmão, que tá desenvolvendo pesquisa aqui”. Essa identificação ressoava em um alinhamento moral na relação com os policiais penais e gestores, posicionando-me como alguém de dentro, conhecedor e participante da rotina prisional, e também insuspeito, alguém que pode transitar nas unidades prisionais com pouca vigilância, a despeito das frequentes queixas dos pesquisadores que realizam trabalho de campo nessas instituições.

Minha função como policial penal, bem mais que os documentos carimbados e assinados utilizados como credenciais para a liberação formal das pesquisas - que “servem como amuletos modernos que abrem portas e, na sua ausência, fecham-nas” (PEIRANO, 2011PEIRANO, Marisa. “Identifique-se! O caso Henry Gates versus James Crowley como exercício antropológico”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 26, n. 77, pp. 63-77, 2011., p. 63) -, implicava um grau elevado de cumplicidade (CRUZ et al., 2013CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013.) e agenciava minhas interlocuções e as circulações nas prisões que escolhi como campo de pesquisa. Apesar de os primeiros contatos com os interlocutores e as interlocutoras terem sido feitos nas unidades prisionais, as interlocuções se estenderam aos mais diversos espaços por onde transitam, sendo os clubes recreativos, bares, praças e a organização sindical espaços de profícuas interações.

Uma experiência de campo semelhante à minha foi relatada por Castro e Silva (2008), a partir de seu trabalho realizado em prisões do Rio de Janeiro. De acordo com o autor, seu lugar de ex-agente penitenciário era sempre alçado nas relações com os profissionais e gestores, o que gerou expectativas de que sua pesquisa pudesse beneficiar de algum modo a categoria. Apesar de não mais atuar como agente penitenciário, sua experiência de outrora, no cotidiano prisional, o forjou como alguém que conhece as dificuldades e os riscos do exercício profissional. Por conseguinte, na visão dos profissionais, ele jamais reafirmaria os estigmas imputados aos agentes. No meu caso, em pleno exercício da função, as expectativas de que as pesquisas pudessem beneficiar a categoria eram mobilizadas não apenas porque eu conhecia o cotidiano de trabalho da segurança prisional, mas, precipuamente, porque estou em justaposição na relação com os policiais penais, sou identificado como um “irmão de farda”.

No imaginário das pessoas que pertencem a uma categoria profissional com recente denominação de polícia, o compartilhamento da farda vai muito além das vivências no cotidiano da prisão. Ele é, antes de tudo, a constituição de parentesco por meio de uma substância que gera relações de intimidade e posição de alinhamento político (CARSTEN, 2004CARSTEN, Janet. Ofter Kinship. Nova York: Cambridge University Press, 2004.), fazendo com que pessoas com experiências diferentes estejam ligadas por uma simbologia que promove partilhas, dentro e fora das prisões.

Os laços de parentesco entre policiais penais parecem ser intensificados em momentos de tensão ou risco iminentes, quando alguém da “família” aparece como suposta vítima. Durante as pesquisas, pelo menos 11 policiais penais foram executados a bala no Ceará e seis ceifaram a própria vida, sendo um dos assassinatos executado por um policial penal em surto psicótico durante o plantão. Em cada caso, a comoção da categoria se dividia entre o luto pela perda e a sensação de ser caçado para morrer. Em meio à pandemia de Covid-19 e os assassinatos, muitas das vítimas eram pessoas do meu convívio. Em agosto de 2020, um interlocutor de pesquisa e colega de equipe foi mais uma vida ceifada, sendo atingido por cinco disparos de arma de fogo. Seu cortejo fúnebre e as homenagens com salvas de tiros foram, sem dúvidas, a experiência mais dolorosa que vivi, para além do indivíduo pesquisador e trabalhador das prisões, tão somente humano.

Destarte, minhas afetações no campo de pesquisa são bem diferentes daquelas dos demais etnógrafos, que fazem trabalho de campo nas prisões com relativo distanciamento após a imersão. Fazer observação participante em instituições agenciadas pelo papel de policial me rendeu problemas de pesquisa em âmbitos complexos e variados, como as inseguranças comuns dos pesquisadores inexperientes e os entraves à relativização do cotidiano dos profissionais em que me encontrava inserido. Ao mesmo tempo, experimentei ser um “estranho”, alguém que via o cotidiano prisional e a si mesmo como objetos. Tive a experiência incomum de ao mesmo tempo ser policial penal e observar os outros e a mim mesmo como trabalhadores da prisão. Eu fazia parte da cena, ainda que de fora dela.

Esse lugar relacional ocupado nas prisões me possibilita uma visão privilegiada da atuação dos policiais penais e do funcionamento das prisões escolhidas para as pesquisas. Nesse transcurso, também me permitiu o firmamento de relações de confiança com policiais penais, pessoas presas e seus familiares, nas quais, isocronicamente, sou identificado e produzido por meio de relações polissêmicas em lugares diferentes e com tensões diversas (NASCIMENTO, 2018aNASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. “Pesquisa e trabalho no cárcere: Desafios da pesquisa e do trabalho dos agentes penitenciários na prisão”. Vivência: Revista de Antropologia, vol. 1, n. 51, pp. 180-201, 2018a., 2018bNASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. “Agente penitenciário e/ou pesquisador? Trabalho e pesquisa na prisão desde um lugar relacional”. Norus: Novos Rumos Sociológicos, vol. 6, n. 10, pp. 304-327, 2018b., 2021NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Fronteiras de guerra: gestão da vida e processos de Estado nas fronteiras entre policiais penais e presos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2021.). A complexidade das pesquisas em espaços de confinamento dinamizam estruturalmente todas as relações que firmam a pesquisa etnográfica; isso implica modos específicos de comportamentos, afeições perante os preceitos éticos e políticos na polissemia do campo e na escrita etnográfica.

Múltiplas vozes ecoam nos corredores, nas alas e celas, mas pouco ou nada é audível a quem esporadicamente frequenta as prisões, com acesso limitado a esses espaços e aos atores pessoalizados na figuração de agente penitenciário e de preso. As pesquisas multissituadas (MARCUS, 1995MARCUS, George. “Ethnography in/of the World System: The Emergence of Mult-Sited Ethnography”. Annual Review of Anthropology, vol. 24, pp. 95-117, 1995.) nas prisões cearenses, a partir do lugar relacional ocupado por mim, exigem um deslocamento em relação às estratégias de inserção de pesquisadores para a realização de trabalho de campo nas prisões. Por outro lado, contribuem para o campo de pesquisas que versam sobre os profissionais da segurança prisional, com análises ainda bastante incipientes.

Identidade policial em formação

Punir e ressocializar são os dois objetivos da pena privativa de liberdade, previstos na Lei de Execução Penal (LEP). Objetivos semelhantes são atribuídos aos trabalhadores da segurança penitenciária, responsáveis diretos pela execução da pena, disciplina e operacionalização das atividades que têm por finalidade a ressocialização, caráter dúbio que gera repercussões sobre o real papel desempenhado por esses trabalhadores.

Para Sabaini (2009)SABAINI, Raphael. “Agentes penitenciários de Itirapina, SP: Identidade e hierarquia”. Ponto Urbe [Online], n. 5, 2009., a posição de liminaridade entre o status de civil e militar faz com que a identidade profissional dos agentes de segurança seja atravessada por questões particulares da rotina prisional. Nessa perspectiva, violência, criminalidade, desconfiança, corrupção e conflitos são algumas das questões pautadas nas posturas desses profissionais em relação à estrutura física, às relações de poder e à hierarquia, que consistem em elementos simbólicos da identificação da vigilância e da disciplina como os aspectos centrais do trabalho dos agentes penitenciários junto às pessoas encarceradas.

Ao tratar da construção identitária do agente penitenciário, Monteiro (2018)MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. aponta que a convivência e a interação com as pessoas presas são as principais atribuições desses profissionais. Para a autora, elas possibilitam um modo singular de saber constituído pela experiência no cotidiano de trabalho nas prisões, implicado no sentido de ser agente, na ideia do que seja o preso e nos sentimentos de vulnerabilidade e poder que permeiam as relações constituídas no cotidiano prisional. Esse processo de construção identitária se inicia ainda nas etapas do concurso, sendo o efetivo exercício funcional nas prisões mobilizado por relações e estratégias que fornecerão elementos imprescindíveis para lidar com as contingências do papel da manutenção da ordem e as expertises para lidar com crises. Assim, as noções de experiência e expectativa e as dimensões relacionais e emocionais modulam a razão de ser dessa categoria profissional, principalmente no seu aspecto político, com influência na “estrutura, funcionamento e nas percepções sobre a prisão e os presos” (MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 19).

De acordo com Cruz et al. (2013)CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013., os latentes conflitos e tensões entre quem custodia e quem é custodiado faz com que os agentes penitenciários se identifiquem mais com os mecanismos repressivos, baseados no papel de polícia, do que com os mecanismos ressocializadores. Esses dois grupos se constroem como inimigos, constituindo relações de aproximação e distanciamento constantes nas dinâmicas entre o ambiente dentro e fora das prisões. Em face disso, o estado de alerta constante é uma das características mais marcantes do trabalho dos agentes de segurança, que, mesmo durante a folga, não conseguem se desligar da função que exercem.

Esses profissionais são os únicos trabalhadores que permanecem 24 horas por dia na prisão, sendo responsáveis pela rotina de vigilância, por escoltas, disciplina, atividades administrativas, revistas em celas, visitantes, materiais e controle do que adentra e sai das unidades prisionais. A busca pela profissão está ligada à estabilidade de um emprego público com um salário razoável, em relação ao baixo nível educacional exigido (CASTRO E SILVA, 2011CASTRO E SILVA, Anderson Morais. Participo que... Desvelando a punição intramuros. Rio de Janeiro: Publit, 2011.; LOURENÇO, 2011LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere. Curitiba: Juruá, 2011.; CRUZ et al., 2013CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da; BATTITUCI, Eduardo C.; FÉLIX-SILVA, Sérgio; SOUZA, Letícia. G. “Agente penitenciário: em busca da identidade? Notas de pesquisa no sistema prisional de Minas Gerais”. Anais do 37o Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, 2013.; MORAES, 2005MORAES, Pedro Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCrim, 2005.; OLIVEIRA et al., 2015OLIVEIRA, Victor N.; RIBEIRO, Ludmila; BASTOS, Luiza M. “Os agentes penitenciários em Minas Gerais: quem são e como percebem a sua atividade”. Sistema Penal & Violência, vol. 7, pp. 175-192, 2015.). O regime de trabalho por plantões, proporcional a 12 horas de trabalho e 36 horas de folga3 3 Essa especificação pode variar entre os estados, porém geralmente continua nessa proporção. O regime de plantões no Ceará, por exemplo, é de 24h de trabalho para 72h de descanso. , também é outro atrativo, principalmente por possibilitar a conciliação com outra atividade informal remunerada como complementação da renda (TAETS, 2013TAETS, Adriana Rezende Faria. “Em trânsito: O cotidiano de algumas agentes de segurança penitenciária do estado de São Paulo”. Mediações: Revista de Ciências Sociais, vol. 18, pp. 246-259, 2013.).

Os agentes penitenciários se queixam da falta de reconhecimento social da profissão, por vezes confundida com o caráter moral do público-alvo do seu trabalho. Taets (2010)TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010. afirma que a luta desses profissionais para serem reconhecidos pelo Estado e pela sociedade mobiliza imagens da profissão, levando-se em conta diferentes pontos de vista. Ao perguntar “quem é o agente penitenciário?” para o presidente do sindicato desses trabalhadores de São Paulo, a resposta teve teor de desabafo: “Para a sociedade, o agente é ladrão, para o ladrão, o agente é polícia, e para o governo, o agente é apenas mais um número” (TAETS, 2010TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010., p. 2).

A autoidentificação dos agentes penitenciários como policiais não é uma novidade no contexto da organização política sindical dos profissionais da segurança penitenciária. Desde 2004, pelo menos, com a proposta de emenda à Constituição (PEC) no 308, esses trabalhadores pleitearam a inclusão formal da categoria no art. 144 da Constituição Federal, como profissão da segurança pública, argumentando que o trabalho executado nas prisões se caracteriza pelo desempenho do papel de polícia.

De acordo com Carvalho e Vieira (2020)CARVALHO, Vilobaldo Adelídio de; VIEIRA, Acácio de Castro. “Polícia Penal no Brasil: realidade, debates e possíveis reflexos na segurança pública”. Revista Brasileira de Execução Penal, vol. 1, n. 2, pp. 273-297, 2020., a ideia da criação da Polícia Penal surgiu na década de 1990, no contexto da luta sindical, sendo a formulação da PEC 308 inspirada no modelo italiano de Polícia Penal. Para tanto, a organização dos sindicatos estaduais na criação da Federação Nacional Sindical dos Servidores Penitenciários (Fenaspen) teve papel importante nas estratégias de luta pela criação da Polícia Penal.

Taets (2010)TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010. discute a ansiedade dos agentes penitenciários pela criação da Polícia Penal, sugerindo que o esforço pelo reconhecimento do papel de polícia está muito mais ligado ao reconhecimento e à visibilidade dessa categoria profissional do que à sua identificação com as demais polícias existentes. Isso fica mais evidente pelo desejo de autonomia e valorização de uma profissão que é reiteradamente confundida/identificada moralmente com o público que custodia.

Quando ingressei como agente penitenciário do Ceará em 2013, o debate da criação da Polícia Penal gerava controvérsias entre os próprios profissionais. Apesar de muitos não se reconhecerem no papel de polícia, afirmavam que a aprovação da PEC 308 poderia implicar independência, reconhecimento por parte do Estado e profissionalização da categoria. A imagem socialmente depreciativa da profissão, bem como as péssimas condições de trabalho, eram pautas amiudadas nas conversas mantidas com profissionais durantes os plantões.

Fernando4 4 Todos os interlocutores e interlocutoras são identificados, neste texto, com nomes fictícios. , agente penitenciário de 47 anos, ingressante na profissão em 2008, relatou a sensação de insegurança de trabalhar com a população carcerária, sendo morador da periferia e não tendo sequer o porte de arma reconhecido. Miguel, por sua vez, agente penitenciário de aproximadamente 35 anos, ingressante na profissão em 2013, se mostrava indignado por trabalhar em uma unidade prisional sem qualquer armamento e treinamento. Sua indignação se voltava para a dependência da Polícia Militar para executar atividades que exigem o uso de armamentos, particularmente as externas, como escoltas, vigilância da muralha e intervenções em momentos de crises. Roberto, agente penitenciário de aproximadamente 60 anos, ingressante em 1994, complementou os relatos, dizendo, em tom jocoso: “O próprio nome já diz: agente. Ou seja, nem gente nós somos”.

A insatisfação dos agentes penitenciários com a falta de reconhecimento por parte do Estado e os estigmas sociais atribuídos à profissão atravessavam os discursos dos profissionais a favor da aprovação da PEC 308. Na visão de parte deles, a criação da Polícia Penal representaria uma nova formação identitária, espantando de uma vez por todas a representação negativa do carcereiro. Outra parcela, todavia, não vislumbrava que o reconhecimento por parte do Estado, com melhores condições de trabalho, salariais e treinamento, viria da aprovação da PEC. A discussão, repercutida pela organização política sindical, ressoou fortemente nas narrativas dos agentes que desempenham suas atribuições no cotidiano prisional, produzindo uma noção de unicidade não apenas em prol da criação da polícia das prisões, mas também elegendo a repressão, a disciplina e a vigilância como as reais atribuições dos agentes de segurança. Essa defesa foi propagada em campanhas sindicais cujo próprio fardamento de parte dos profissionais foi grafado com a frase “Polícia Penal, já!”.

Emílio, policial penal, ingressante na profissão em 2008, com cargo de diretoria na Fenaspen e histórico de envolvimento na luta sindical, relatou sua participação ativa nas mobilizações pela aprovação da EC 104/2019, que criou a Polícia Penal. O interlocutor destaca que a luta iniciou com a PEC 308 na Câmara dos Deputados, mas não teve progresso por falta de articulação política. Em 2009, na Conferência Nacional de Segurança Pública, a PEC 308 foi a mais votada nos estados e em Brasília. Porém, conta Emílio, esbarrava em “um governo que tinha a frente da gestão um pessoal ligado à Igreja Católica, aos movimentos sociais, enfim, a questão dos direitos humanos, e isso dificultou muito a tramitação da nossa PEC”.

Ainda de acordo com Emílio, a falta de articulação política com os deputados em Brasília era uma das principais dificuldades enfrentadas. Contudo, com a regulamentação da Fenaspen em 2015, esse entrave foi superado, graças à presença semanal dos representantes sindicais dos estados em Brasília, que buscavam apoio dos deputados de cada estado. Para ele, vários atores políticos foram importantes na luta pela criação da Polícia Penal, mas Fenando Anunciação, atual presidente da Fenaspen, teria sido o principal responsável na produção de alianças no Congresso. Em meio ao investimento pesado de articulação política, os sindicalistas perceberam que o texto originalmente apresentado da PEC carecia de “desidratação” para ser aprovado e, por meio de uma articulação política com o senador Cássio Cunha Lima, vice-presidente do Senado em 2018, com o argumento de que a criação da Polícia Penal era fundamental para o combate às “organizações criminosas” nas unidades prisionais, a PEC 308 teve aprovação em votação nos dois turnos no Senado. Na Câmara, mais uma vez, a articulação política encabeçada pela Fenaspen garantiu a aprovação da nova polícia. Emílio destaca: “Essa PEC é importantíssima, podemos dizer que ela é nossa certidão de nascimento”.

Em todo o percurso de luta relatado pelo sindicalista, dois elementos são imprescindíveis para a compreensão da relevância da criação da Polícia Penal em 2019, e não em 2004, quando foi inicialmente proposta. O primeiro deles é o papel que a Fenaspen desempenhou na organização política dos profissionais da segurança penitenciária em nível nacional, transformando o debate da criação da polícia da prisão, isolado a nível sindical em alguns estados, em uma bandeira de luta política com forte adesão da categoria.

A narrativa em defesa da PEC não estava vinculada apenas a uma possível mudança da imagem social e ao reconhecimento da categoria por parte do Estado, mas se voltava principalmente para melhorias nos salários e nas condições de trabalho e para barrar a privatização e a terceirização das unidades prisionais.

Dessa maneira, a criação de uma polícia das prisões e sua formação identitária no interior da categoria profissional se deu em meio a disputas entre diversos grupos com interesses nessas instituições, mas também com divergências entre os próprios profissionais. Em razão disso, o debate da criação da Polícia Penal, animado pela organização política sindical da categoria, somente ganhou força diante da organização em nível nacional, uma vez que a criação de laços de identidade é também permeada pelo “mapeamento mais amplo de diversos grupos em disputa, estabelecendo redes de parceria e redes de disputa, ambientes de hostilidade e ambientes de relaxamento e cumplicidade” (TAETS, 2010TAETS, Adriana Rezende Faria. “Pesquisando agentes penitenciárias: O dentro e o fora como pontos de partida para construção de identidades”. Anais do 34o Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, 2010., p. 4).

O segundo elemento a ser destacado foi o argumento de que a criação de uma polícia das prisões tem um papel fundamental no “combate às organizações criminosas” atuantes nas instituições prisionais. Ao longo das duas últimas décadas, a “guerra às drogas” e o “combate ao crime organizado” têm sido mobilizados para fundamentar a criação de políticas de segurança pública que atuam incisivamente nas áreas periféricas, provocando a intensificação do encarceramento, bem como a expansão e atuação dos coletivos prisionais dentro e fora das prisões (MARQUES, 2018MARQUES, Adalton. Humanizar e expandir: Uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo: IBCCrim, 2018.). Nesse sentido, a narrativa do “combate ao crime organizado”, criada pelo sistema de justiça e difundida pela mídia, funcionou estrategicamente como base de sustentação para a criação da Polícia Penal.

A narrativa do enfrentamento do “crime organizado” sustenta o discurso da oposição entre as práticas de Estado e as práticas dos coletivos criminais. Antonio Rafael Barbosa (2006BARBOSA, Antonio Rafael. “O baile e a prisão: Onde se juntam as pontas dos segmentos locais que respondem pela dinâmica do tráfico de drogas no Rio de Janeiro”. Cadernos de Ciências Humanas: Especiaria, vol. 9, n. 15, pp. 119-135, 2006., pp. 123-124) nos alerta para o uso indevido do termo “crime organizado” nas práticas discursivas de agentes de Estado e o papel da mídia na propagação da violência desmedida e na produção do caos nas áreas urbanas pela atuação das facções. De acordo com o autor, os discursos em torno dessas narrativas têm produzido sensação de insegurança e demandas sociais e apelos por mais políticas repressivas. No que concerne à discussão aqui proposta, a produção e propagação da narrativa do combate às “organizações criminosas” pelo Estado deram sustentação ao debate da criação da Polícia Penal na Câmara e no Senado.

A criação dessa polícia representa um mote de expectativas dos profissionais para com o Estado, mas também indica a formulação de uma identidade coletiva que, embora disputada e impulsionada pela organização sindical, teve êxito na criação da polícia das prisões. Os profissionais, contudo, ainda esperam reconhecimento pelo Estado de suas demandas por melhorias nas condições de trabalho e salariais. A aprovação da Polícia Penal criou um segmento da justiça penal independente, que não mais é apenas uma categoria profissional da prisão. Mesmo ainda não constando na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) como seguimento profissional, a formação de uma identidade de polícia afasta as incertezas sobre a identidade e o ethos do agente penitenciário apontadas por Cruz et al. (2013). Contudo, trouxe novos desafios para a atuação desses agentes, que não apenas têm ressonâncias no modo da organização sindical, tendo em vista a impossibilidade de reivindicação por meio de greve, como também impacta diretamente no próprio modelo organizacional das prisões. Essa identidade em formação é resultado do forte apelo da organização política sindical, em que elementos identificatórios do trabalho de polícia são sempre realçados pelo discurso sindical.

‘Aqui é Polícia Penal, porra!’: o que mudou na prática?

A criação da Polícia Penal gerou forte repercussão no cotidiano prisional, sendo comemorada pelos sindicalistas, maiormente, pela inclusão da profissão no rol da segurança pública e pela previsibilidade de que “o preenchimento do quadro de servidores das polícias penais será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes” (BRASIL, 2019BRASIL. Emenda constitucional no 104, de 4 de dezembro de 2019: Altera o inciso XIV do caput do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc104.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, art. 4o). Essa previsão constitucional significou para os sindicalistas uma conquista histórica dos servidores prisionais no enfrentamento e contenção da privatização e terceirização das prisões nos estados.

De acordo com Fernando Anunciação, presidente da Fenaspen, em entrevista ao Programa Justiça e Cidadania (2020)PROGRAMA JUSTIÇA E CIDADANIA. Secretaria de Comunicação Social e Eventos Institucionais do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região. “Presidente da Fenaspen fala sobre a nova Polícia Penal - PGM 620”. Justiça e Cidadania, 4 fev. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SnvIzG94ECQ
https://www.youtube.com/watch?v=SnvIzG94...
, “[a] criação da Polícia Penal é apenas o reconhecimento jurídico do trabalho policial que já era realizado nas prisões. Podemos dizer que a aprovação desta PEC é o projeto mais importante da segurança pública dos últimos dez anos”. O sindicalista afirma ainda que com aprovação da lei os policiais penais assumirão todas as atividades que dizem respeito à segurança e manutenção da ordem nas prisões e em seus arredores, inclusive com prerrogativa legal para a criação e atuação dos grupos especiais de intervenção prisional, permitindo que policiais civis e militares atuantes nas prisões, principalmente na segurança externa e em escoltas, retornem para as funções nas quais foram capacitados. Anunciação (2020) destaca ainda: “Após a aprovação da PEC, a luta da Fenaspen está direcionada para a regulamentação da Polícia Penal nos estados e para a criação da lei orgânica da Polícia Penal em nível federal”.

Não obstante, diante da criação da Polícia Penal em nível federal, a articulação dos sindicatos nos estados e no Distrito Federal foi imprescindível para que a regulamentação ocorresse. No Ceará, a PEC no 04/2020, que criou a Polícia Penal estadual, foi aprovada em 13 de agosto de 2020. A aprovação foi comemorada por vários colegas policiais penais em publicações nas redes sociais e pelos plantonistas que, concomitantemente à promulgação da lei, exigiram dos presos mudanças na forma de tratamento aos profissionais de “seu agente” para “seu policial penal”.

Para a atual gestão do Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp-CE), a aprovação da Polícia Penal do Ceará é um momento histórico para a categoria e resultado de uma luta árdua de muitos anos. Logo após a aprovação da PEC, em vídeo direcionado à categoria profissional, postado na página eletrônica do Sindasp-CE (2020)SINDASP-CE. “Polícia Penal: Conheça a campanha Polícia Penal já!”. Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará, Polícias Penais, 2020. Disponível em: http://sindaspce.org.br/policia-penal
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, um dos diretores do sindicato parabenizou os servidores prisionais, ressaltando:

É muito importante a aprovação da PEC da Polícia Penal no Brasil, principalmente por conta do lobby da privatização das prisões, que é muito forte no País. Nós somos o sexto estado a aprovar a PEC da Polícia Penal, então é uma vitória para a nossa categoria, pois afastamos de vez o fantasma da terceirização em nosso estado (SINDASP-CE, 2020SINDASP-CE. “Polícia Penal: Conheça a campanha Polícia Penal já!”. Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará, Polícias Penais, 2020. Disponível em: http://sindaspce.org.br/policia-penal
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).

No período da apreciação da lei na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), o Sindasp-CE realizou uma campanha pública entre os profissionais da segurança prisional, com participação em programas de televisão aberta, com o intuito de conseguir adesão da categoria e apoio da sociedade. Em declarações públicas, principalmente em impressos circulados entre os servidores prisionais e disponíveis na página eletrônica do sindicato, os sindicalistas defendem a aprovação da Polícia Penal do Ceará, assim como esclarecem para a sociedade o papel desses profissionais.

Com o reconhecimento na Constituição Federal, os trabalhadores da segurança prisional passam a ter a proteção contra a privatização das suas atividades. Sem a especulação em torno da possibilidade de se terceirizar função, o Estado terá que investir na sua organização, carreira e funcionamento, sem os improvisos de gestão que historicamente foram utilizados. A Polícia Penal é, sobretudo, a polícia da execução penal, um braço do Estado na administração da execução da pena e na segurança penitenciária.

Defender a aprovação da proposta é fazer justiça com o reconhecimento constitucional dos agentes penitenciários como Polícia Penal. Uma categoria que cumpre uma função de segurança pública sob grandes riscos, cuidando de presídios com celas superlotadas e sem política pública de recuperação dos detentos (SINDASP-CE, 2020SINDASP-CE. “Polícia Penal: Conheça a campanha Polícia Penal já!”. Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará, Polícias Penais, 2020. Disponível em: http://sindaspce.org.br/policia-penal
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).

Na visão dos sindicalistas, a criação da Polícia Penal viabiliza a possibilidade de conferir uma nova imagem social à profissão, aumentando, por extensão, seu poder no trato punitivo da execução da pena, da expectativa de melhoria na qualidade de vida e do trabalho nas unidades prisionais. A aprovação da lei significou, ainda, o reconhecimento do trabalho de polícia, que já era executado por esses profissionais nas unidades prisionais, como apreensão de drogas, armas e demais materiais ilícitos, além da colaboração nas investigações sobre assassinatos e investigação de crimes.

Por sua vez, alguns policiais penais plantonistas criticam o fato de que a aprovação da Polícia Penal não veio acompanhada de melhores condições de trabalho e aumento salarial, sendo justamente esses pontos o alvo da “desidratação” da proposta original da PEC. Em relação às críticas, o policial penal Roberto disse: “Eu preferia ser chamado de carcereiro, tendo condições de trabalho e um salário digno, a ser chamado de policial sem qualquer reconhecimento deste tipo”. Sua crítica teve apoio de alguns dos policiais penais que conversavam em grupo no corredor central da PIRS após a aprovação da lei. A fala foi rechaçada por outros, por conta da utilização do termo carcereiro que, em regra, é considerado ofensivo ao trabalhador da segurança prisional.

Em outro momento, distante dos espaços de trabalho, eu e outros policiais penais estávamos reunidos em um espaço de lazer com amigos e, entre uma e outra conversa sobre questões envolvendo a prisão, alguém da mesa disse: “Então vocês são todos carcereiros, né?”. Imediatamente, Cíntia, policial penal de 24 anos, ingressante na profissão em 2018, corrigiu: “Carcereiros não, nós somos policiais penais”. Alan, outro policial penal, de 31 anos, ingressante na profissão em 2013, disse, em tom de descontração: “Aqui é Polícia Penal, porra!”. O uso indevido do termo carcereiro para nomear os profissionais da segurança prisional foi pauta de uma longa discussão.

Ainda nesse momento de descontração, Amadeu, policial penal de 36 anos, ingressante na profissão em 2018, mencionou a série Carcereiros5 5 A série é baseada no livro de mesmo nome escrito por Drauzio Varella (2012). , transmitida nacionalmente pela Rede Globo entre 2018 e 2021, destacando que ela contribuiu para que o termo continuasse sendo utilizado pela sociedade para se referir aos trabalhadores da segurança prisional. Para Amadeu, apesar de o carcereiro Adriano, protagonista, transmitir a imagem de integridade e aversão à violência e de a trama demonstrar os problemas físicos, psíquicos e nas relações pessoais e sociais ocasionados pelo trabalho na prisão, a série também produziu e disseminou uma imagem bastante desatualizada da função exercida pelos policiais penais. O próprio termo utilizado para nomear esses profissionais remonta à imagem social de uma função atrasada, limitada e mal vista e, portanto, combatida pelos policiais penais que, apesar do status de polícia, ainda amargam o estigma social do carcereiro.

O debate puxado por Amadeu nos permite pensar o papel das mídias de massa no enquadramento da memória social e na produção de identidades. Sobre o assunto, Pollak (1989)POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, pp. 3-15, 1989. afirma que o enquadramento da memória se alimenta do material produzido pela história, sendo guiado não apenas “pela preocupação de manter as fronteiras sociais, mas, também, de modificá-las” (p. 11). Segundo o autor, “esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro” (POLLAK, 1989POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, pp. 3-15, 1989., p. 11). Ele destaca, ainda, que “o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo” (POLLAK, 1989POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, pp. 3-15, 1989., p. 11).

Pollak sublinha a importância do filme na formação e reorganização da memória individual e coletiva, pois a obra se dirige não apenas às capacidades cognitivas, mas capta as emoções, podendo suscitar questões para sua compreensão, inclusive subsidiando nossas pesquisas como acadêmicos. O autor defende, portanto, que o “filme-testemunho e documentário tornou-se um instrumento poderoso para os rearranjos sucessivos da memória coletiva e, através da televisão, da memória nacional” (POLLAK, 1989POLLAK, Michel. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, pp. 3-15, 1989., p. 12). A memória coletiva enquadrada por um trabalho especializado pode funcionar como aglutinador ou ser um ingrediente importante na conformação de uma visão social ou institucional de um grupo, a exemplo dos policiais penais.

Dessa forma, as disputas políticas em torno de uma identidade policial em formação, a despeito das distintas nomenclaturas atribuídas aos trabalhadores da segurança prisional, não se remetem apenas às mudanças das atribuições do cargo, mas à própria conformação de uma imagem social para o grupo que reivindica que o locus de sua atuação nas prisões não seja remetido ao passado, como sinônimo de menosprezo à função desempenhada.

O carcereiro é o personagem que sempre esteve ligado à prisão em dependência mútua. Sua existência atravessou séculos na história da prisão, como instituição por excelência da punição, sempre representada pela ação monolítica de abrir e fechar portões. Nos dizeres de Lopes (1998), a função do carcereiro, desde sua origem, foi reiteradamente discriminada, desvalorizada e pouco procurada, por se tratar de um trabalho de relevância social minorada.

No Ceará, o carcereiro é identificado entre os profissionais da segurança prisional pela imagem de subalternidade no espaço que lhe é fundamento de existência, a prisão. Por conta disso, é apontado como a representação mais primitiva da profissão. A imagem do policial penal, por sua vez, é representativa da expansão das suas atribuições pelo uso de armamentos, pela criação de grupos especializados e pelo aprimoramento das técnicas disciplinares utilizadas, com a finalidade da execução da pena privativa de liberdade, na prisão e fora dela. Se, de fato, o status de polícia não extinguiu a missão de guardião das fronteiras, cristalizada na função de abrir e fechar portões, esse profissional expandiu sua própria fronteira de atuação quando foi reconhecido por seu papel de polícia da prisão.

De acordo com Carvalho e Vieira (2020)CARVALHO, Vilobaldo Adelídio de; VIEIRA, Acácio de Castro. “Polícia Penal no Brasil: realidade, debates e possíveis reflexos na segurança pública”. Revista Brasileira de Execução Penal, vol. 1, n. 2, pp. 273-297, 2020., a criação da Polícia Penal aponta para a consolidação integrada do sistema de segurança pública, reparando uma lacuna do poder constituinte, no que versa à execução da pena. Espera-se que a lei que regulamentará a profissão expanda a atuação desses profissionais não apenas na prisão, mas para o acompanhamento das medidas cautelares substitutivas a ela. Para os autores, a indefinição da competência de quem deve fiscalizar as penas alternativas ao cárcere, previstas pela lei no 12.403/2011 (BRASIL, 2011BRASIL. Lei no 12.403, de 4 de maio de 2011: Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), poderá ser corrigida pela designação desses profissionais no desempenho da função, com a regulamentação da Polícia Penal, uma vez que essa fiscalização e monitoramento não estão elencados no escopo de atribuições das polícias Militar e Civil.

Pensando com meus colegas policiais penais, a imagem de um trabalho que se moderniza e não mais está centrado apenas na ação subalterna de abrir e fechar cadeados pode ser percebida pela mudança do perfil profissional e das representações e atribuições localizadas em momentos distintos da história dessa profissão. Se observados os estudos sobre prisão no Brasil desenvolvidos nas décadas de 1980 e 1990, a identificação dos agentes penitenciários se dava pelo uso exacerbado da violência, baixa escolaridade, baixo salário e desqualificação para o exercício do cargo (RAMALHO, 2008RAMALHO, José Ricardo. Mundo do crime: A ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: Biblioteca de Ciências Humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.; ADORNO e BORDINI, 1986; CASTRO, 1991CASTRO, Myriam Mesquita Pugliese de. “Ciranda do medo: controle e dominação no cotidiano da prisão”. Revista da USP, São Paulo, n. 9, pp. 57-64, 1991.; BITENCOURT, 1993BITENCOURT, Cézar R. Falência da pena de prisão: Causas e alternativas. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993.). No entanto, essa categoria profissional passou por transformações em diversos aspectos, inclusive no perfil exigido para o ingresso na função, por meio de concurso público bastante disputado.

De acordo com Moreira (2018)MOREIRA, Hélio Luiz F. “Agente não é gente: Trabalho e sofrimento no contexto da penitenciária estadual de Parnamirim/RN”. In: PINHEIRO, Jorge Augusto de Medeiros; FLIGUER, José Luis (orgs). Criminología y ciências penales. Buenos Aires: Uces, 2018, pp. 82-99., o reconhecimento da necessidade de formação específica para o exercício da função pelos órgãos do Ministério da Justiça - Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias (CNPCP) - reverberou na criação de escolas de formação penitenciária em todos os estados e no Distrito Federal. A criação do sistema penitenciário federal, a aprovação da lei do porte de armas, melhorias nos proventos e a recente criação da Polícia Penal em nível federal, estadual e distrital também são apontadas como ações que expandiram a atuação e a qualificação desses profissionais.

O contraste entre as imagens do carcereiro e do policial penal é nitidamente observado pela importância alçada pelos profissionais na política prisional, que passaram a ocupar cargos relacionados não apenas à operacionalização das prisões, mas à gestão da política prisional6 6 A recente criação da Revista Brasileira de Execução Penal (RBEP), pelo Depen, é um forte exemplo do reconhecimento do trabalho desses profissionais, mas também nos permite perceber a alteração do perfil dos policiais penais, que se apresentam cada vez mais qualificados, contando sua versão da história a partir da inserção no campo acadêmico e na produção e publicação do saber em revista científica. . Especificamente no Ceará, são os policiais penais que ocupam todos os cargos de gestão das unidades prisionais, nos grupos de intervenção e na gestão administrativa da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP)7 7 É importante destacar que mesmo antes da identificação da Polícia Penal, parte significativa das pessoas que ocupavam cargos administrativos vinham das bases dos concursos públicos voltados para agentes de segurança penitenciários, promovidos aos setores administrativos, virando inclusive dirigentes de unidades. . Eles produzem a própria política que operacionalizam.

Mediante o exposto, o trabalho do policial penal rompeu as muralhas da prisão e atingiu outros meios da execução da pena. O monitoramento eletrônico pelo uso de tornozeleira eletrônica é um exemplo dessa ruptura que estende a atuação desses profissionais à rua, em ações conjuntas com outros órgãos da segurança pública do estado. Por outro lado, tratando-se especificamente do Ceará, as alterações no interior da profissão implicam novas formas de lidar com os conflitos inerentes ao cotidiano do trabalho carcerário, estreitamente ligados às alterações na rotina prisional pelo caráter militarizado assumido, mas também à alteração no perfil de presos e profissionais. Isso tem repercutido em mudanças nas posturas individuais e coletivas e vem afetando a saúde física e mental dos policiais penais.

A forte adesão das pessoas privadas de liberdade aos coletivos prisionais atuantes no Ceará8 8 O Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC), a Família do Norte (FDN) e a Guardiões do Estado (GDE) são facções prisionais com forte atuação dentro e fora das prisões cearenses. reverberou em esforços dos policiais penais para lidar com novas dinâmicas criminais em um conjunto de negociações visando à manutenção da ordem nas unidades prisionais, provocando o aumento das tensões no exercício da função e aumentando os riscos de sofrer um atentado a bala na folga. Tais tensões foram ainda mais intensificadas com a implementação de uma rotina disciplinar militarizada nas prisões a partir da criação da SAP em 2019, quando policiais penais foram recrutados para a linha de frente da “guerra entre facções e Estado”, sob o discurso governamental da “retomada do poder do Estado nas prisões” (NASCIMENTO, 2021NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Fronteiras de guerra: gestão da vida e processos de Estado nas fronteiras entre policiais penais e presos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2021.; NASCIMENTO e SIQUEIRA, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo; SIQUEIRA, Ítalo Barbosa Lima. “Dinâmicas faccionais e políticas estatais entre o dentro e fora das prisões do Ceará”. Tomo, n. 40, pp. 123-164, 2022.).

A militarização das prisões cearenses criou um regime disciplinar não apenas para as pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade, mas também para os policiais penais. A necessidade do uso de armamentos em tempo integral, dentro e fora das prisões, é o resultado mais imediato das tensões envolvendo presos faccionados e esses profissionais, como relata Fábio, policial penal de 36 anos, ingressante na profissão em 2018 “Dentro da unidade prisional a doze9 9 A doze é uma espingarda, uma arma de cano longo carregada com munições “menos letais” (de borracha), utilizada por policiais penais em praticamente todas as ações no cotidiano prisional. A arma leva esse nome por conta do seu calibre. O modelo mais comum, presente nas unidades prisionais cearenses, é o CBC Military 3.0 Tactical, calibre 12 GA, com capacidade para sete munições na câmara e mais sete encaixadas em um suporte fixado do lado da alça de mira. é utilizada em todas as atividades de rotina e, fora da prisão, a pistola ponto 40 é a única possibilidade de reação que temos diante de um ataque surpresa. Por isso as armas são tão importantes para os servidores prisionais”.

A lógica da militarização incidiu ainda na criação e capacitação de grupos táticos altamente especializados em intervenções de crises, provocando segmentações e hierarquizações na própria categoria profissional. Nessa lógica, os policiais penais que assumem cargos de gestão e/ou integram os grupos especiais de intervenção prisional já não se reconhecem como executores finais das atividades de rotina (abrir e fechar celas, liberar os internos para o banho de sol, acompanhar a distribuição da alimentação, fazer vistorias em celas e nos presos etc.), mas se posicionam como fiscalizadores da atuação dos profissionais plantonistas, apontando excessos de truculência, relaxamento das obrigações de vigilância e inabilidade para a execução das atividades conforme o regulamento institucional.

A hierarquização do trabalho da segurança penitenciária, principalmente pela atuação dos grupos especiais e dos gestores, causa conflitos, rixas e disputas entre os próprios policiais penais no cotidiano prisional, apresentando graus de complexidades bastante diferentes das relações de tensão entre profissionais e presos. Esses conflitos no interior da própria categoria profissional têm impactado negativamente a organização política e sindical, sobretudo no tocante às demandas por melhores condições salariais e de trabalho, e a regulamentação da profissão. Policiais plantonistas acusam os grupos táticos e os gestores de cooptação pela atual gestão da SAP, e as queixas e denúncias de assédio moral se proliferam, na medida em que os gestores utilizam mecanismos administrativos para ajustes disciplinares dos plantonistas, inclusive quando se trata de posicionamentos contrários à gestão proferidos em grupos de aplicativo de mensagens. A transferência compulsória de servidores para unidades prisionais localizadas longe de suas residências é um dos mecanismos mais utilizados pela atual gestão para conter as manifestações de insatisfações dos policiais penais plantonistas.

Essas insatisfações e o cenário de alerta constante dentro e fora das prisões, por conta da expansão da atuação das facções, têm impactado diretamente a saúde física e mental dos policiais penais, resultando em afastamentos por doenças psicossomáticas relacionadas à atividade profissional e em suicídios. Para Samuel, policial penal de 38 anos, ingressante na profissão em 2013, o regime disciplinar implementado a partir de 2019 “repercutiu diretamente na profissionalização e capacitação dos policiais penais, porém a intensidade das transformações causou também dificuldades na adaptação das novas dinâmicas de trabalho, sendo os suicídios de colegas sentidos com muita dor”. Cíntia complementa: “São visíveis as alterações emocionais de colegas porque é muita pressão, tanto das facções como da gestão. Chega uma hora que o policial não aguenta mais. Isso pode ser identificado pela quantidade alarmante de suicídios na categoria no ano de 2021”. As falas de Samuel e Cíntia abordam os impactos das transformações da rotina prisional e expansão das facções na vida dos policiais penais, versando, principalmente, sobre os seis suicídios ocorridos nos últimos três anos (2019, 2020 e 2021) e os dez assassinatos à bala registrados de 2015 a 2020.

Diante das recorrentes transformações do trabalho na segurança prisional, os policiais penais se posicionam como atores fundamentais para o funcionamento das prisões. Suas histórias de luta por reconhecimento e valorização são transmitidas entre as várias gerações de profissionais no próprio cotidiano de trabalho e nos espaços de lazer. Dessa forma, a transmissão histórica de feitos, perrengues e glórias é localizada a partir das trajetórias de atores do sistema prisional e é compartilhada nos circuitos por onde transitam os policiais penais; reuniões sindicais e mesa de bar são bons exemplos desses espaços. Porém, essas transferências ocorrem principalmente no cotidiano de trabalho, em que, entre uma e outra atividade, se relembra todo o percurso bravio e de lutas quase anedóticas dos profissionais mais antigos, diante das mudanças ocorridas no contexto do aprisionamento e da profissão. A transmissão cuidadosa das lembranças nos círculos profissionais e de amizade, construídas nas prisões e por meio delas, se instaura como posição política de luta e resistência de uma categoria profissional que se diz carente de reconhecimento do Estado e com uma identidade policial em formação.

Considerações finais

Como se pode observar nas discussões aqui suscitadas, os efeitos do trabalho na vida dos policiais penais são destacados na literatura aplicada pelos prejuízos à saúde física e mental desses trabalhadores. Certamente, as agruras dos espaços prisionais pelas insuficientes condições de vida proporcionadas e o cenário violento de disputas e conflitos, especialmente com a emergência e expansão de coletivos prisionais dentro e fora desses ambientes, exigem que esses profissionais estejam em constante de alerta, não apenas no interior do cárcere, mas também em suas circulações fora das prisões. Dessa forma, a sensação de insegurança, medo e ansiedade provocada pelo desempenho da função acompanha esses sujeitos ao longo de suas vidas, interferindo diretamente em suas relações com outros policiais penais e com as pessoas presas, a administração prisional, familiares, amigos e a comunidade onde vivem.

No entanto, a angústia de seguir na profissão não está relacionada apenas aos conflitos entre quem custodia e quem é custodiado, mas, pelo desprestígio social conferido aos trabalhadores da segurança prisional. A identidade policial em formação no interior da categoria profissional, com afeição às atribuições repressivas, disciplinares e de vigilância, mobilizada pela organização política sindical, reforça que a criação e a regulamentação da Polícia Penal constroem uma nova imagem social para a profissão, espantando o estigma histórico do carcereiro como profissão desvalorizada socialmente e remetida à posição de subalternidade nas prisões. Embora mudanças estruturais tenham sido sentidas em torno do reconhecimento da importância do trabalho dessa categoria, as rotineiras denúncias de violência, tortura e corrupção, bem como a proximidade desses profissionais com a população carcerária, alimentam o imaginário social de que presos e policiais penais pertencem a um único segmento moral. Por isso, o apartamento da imagem produzida para o carcereiro por meio da criação da Polícia Penal surge como uma possibilidade de ressignificação social da imagem atribuída à profissão.

Policiais penais, por meio das representações sindicais, são atores que, insistentemente, denunciam as péssimas condições de vida e trabalho nas prisões nos veículos comunicacionais de massa, porém, se utilizam desse mecanismo de difusão social para se eximir da responsabilização das mazelas das prisões. Em meio à sensação de desprestígio e desvalorização por parte do Estado, a organização política dessa categoria foi fundamental para a criação da Polícia Penal e a proteção constitucional pela inclusão desses trabalhadores no rol da segurança pública.

Apesar da criação da Polícia Penal significar avanço para esses trabalhadores, melhorias nas condições salariais e de trabalho ainda não se concretizaram. Na última década, a profissão vem passando por intensas alterações que exigiram desses profissionais adaptações, pela diversificação dos perfis dos próprios policiais e das pessoas presas, principalmente as ligadas aos coletivos prisionais que atuam dentro e fora das prisões cearenses. Em contrapartida, vimos surgir e se expandir grupos especializados de intervenção de crises entre os próprios profissionais, com apoio da SAP, e rotinas disciplinares nunca antes experimentadas nas prisões desse estado têm impactado negativamente a saúde física e mental desses profissionais, provocando segmentações e conflitos entre os próprios policiais, danos à saúde física, mental e suicídios.

Em suma, a expectativa da lei que regulamentará a profissão é que se apresentem mecanismos que possibilitem a realização de um trabalho com menores danos aos policiais penais, incluindo não apenas a segurança prisional, mas práticas que beneficiem o acolhimento desses profissionais pelos mais diversos problemas psicossociais e físicos ocasionados pela atividade laborativa que exercem. Espera-se que a lei forneça elementos formais para a padronização dos procedimentos de segurança em nível nacional, em termos de competências, estrutura, princípios e diretrizes para o trabalho desses profissionais.

Notas

  • 1
    Neste texto, agentes penitenciários e policiais penais são duas nomenclaturas usadas para se referir aos profissionais da segurança prisional. A recente redenominação dessa categoria profissional para Polícia Penal se deu com a emenda constitucional no 104, aprovada em dezembro de 2019.
  • 2
    As interlocuções com esses atores, assim como a liberação para a realização das pesquisas, seguiram as diretrizes éticas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (Conep), dispostas nas resoluções no 466/2012 e no 510/2016. Ao longo dos últimos oito anos, realizei três pesquisas no sistema prisional cearense. Duas delas passaram pelo crivo do Sistema CEP/Conep e estão cadastradas pelos Certificados de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) no 44925015.5.0000.5053 e no 40762620.0.0000.5534 (NASCIMENTO, 2015NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Entre grades, muralha e vivências: Uma etnografia da ressocialização na Penitenciária Industrial Regional de Sobral. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Instituto Superior de Teologia Aplicada, Sobral, 2015., 2021NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Fronteiras de guerra: gestão da vida e processos de Estado nas fronteiras entre policiais penais e presos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2021.). A terceira pesquisa (NASCIMENTO, 2018NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. Travestilidades aprisionadas: Narrativas de experiências de travestis em cumprimento de pena no Ceará. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2018.), apesar de não ter sido apreciada pelo comitê de ética, foi autorizada pela Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus-CE). Em todas elas, o esclarecimento das questões éticas, por meio da apreciação do Termo de Livre Consentimento Esclarecido, foi uma etapa incontornável para a manutenção dos contatos entre o pesquisador e os interlocutores.
  • 3
    Essa especificação pode variar entre os estados, porém geralmente continua nessa proporção. O regime de plantões no Ceará, por exemplo, é de 24h de trabalho para 72h de descanso.
  • 4
    Todos os interlocutores e interlocutoras são identificados, neste texto, com nomes fictícios.
  • 5
    A série é baseada no livro de mesmo nome escrito por Drauzio Varella (2012)VARELA, Drauzio. Carcereiros. São Paulo: Companhia das Letras, 2012..
  • 6
    A recente criação da Revista Brasileira de Execução Penal (RBEP), pelo Depen, é um forte exemplo do reconhecimento do trabalho desses profissionais, mas também nos permite perceber a alteração do perfil dos policiais penais, que se apresentam cada vez mais qualificados, contando sua versão da história a partir da inserção no campo acadêmico e na produção e publicação do saber em revista científica.
  • 7
    É importante destacar que mesmo antes da identificação da Polícia Penal, parte significativa das pessoas que ocupavam cargos administrativos vinham das bases dos concursos públicos voltados para agentes de segurança penitenciários, promovidos aos setores administrativos, virando inclusive dirigentes de unidades.
  • 8
    O Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC), a Família do Norte (FDN) e a Guardiões do Estado (GDE) são facções prisionais com forte atuação dentro e fora das prisões cearenses.
  • 9
    A doze é uma espingarda, uma arma de cano longo carregada com munições “menos letais” (de borracha), utilizada por policiais penais em praticamente todas as ações no cotidiano prisional. A arma leva esse nome por conta do seu calibre. O modelo mais comum, presente nas unidades prisionais cearenses, é o CBC Military 3.0 Tactical, calibre 12 GA, com capacidade para sete munições na câmara e mais sete encaixadas em um suporte fixado do lado da alça de mira.

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Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2021
  • Aceito
    24 Jan 2022
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