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Moldagens digitais e manuseio de modelos digitais: o futuro da Odontologia

O QUE HÁ DE NOVO NA ODONTOLOGIA

Moldagens digitais e manuseio de modelos digitais: o futuro da Odontologia

Waldemar D. Polido

Doutor e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela PUCRS. Residência em CTBMF na Universidade do Texas, Southwestern Medical Center at Dallas. Clínica Particular em Porto Alegre/RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Waldemar D. Polido E-mail: cirurgia.implantes@polido.com.br

Introdução

Novas modalidades de moldagem digital já estão disponíveis no mercado e, em breve, um dos mais desagradáveis momentos para o paciente nas clínicas odontológicas, a tomada de moldagens, será substituído por escaneamentos intrabucais digitais.

Tanto em Ortodontia quanto na área restauradora (Prótese e Dentística, em especial), o uso de modelos de gesso é fundamental, e prática diária nas clínicas dessas especialidades. A possibilidade de se digitalizar os modelos de gesso, ou mesmo de escanear os dentes diretamente da boca do paciente, sempre foi uma busca da Odontologia. Evitar desconforto, agilizar o trabalho, melhorar a comunicação entre colegas e com os laboratórios de prótese, e reduzir os espaços físicos necessários para o arquivamento desses modelos são algumas das alegadas vantagens dessa tecnologia.

Desde a introdução do primeiro scanner digital para realizar moldagens dentárias, engenheiros de desenvolvimento de produtos em várias empresas criaram scanners, para uso em clínicas, que são cada vez mais amigáveis para o usuário, produzindo imagens e restaurações com precisão cada vez maior. O uso desses produtos representa uma mudança de paradigma na forma que as moldagens são realizadas.

O presente artigo abordará os aspectos técnicos e de aplicações das moldagens digitais em Odontologia, com ênfase na Ortodontia.

Evolução dos sistemas digitais de moldagem

A aquisição de uma cópia de um dente ou vários dentes preparados, de dentes íntegros adjacentes e antagonistas, e o estabelecimento de uma relação interoclusal correta, assim como a conversão dessa informação em réplicas precisas da dentição - sobre as quais restaurações indiretas possam ser realizadas -, são os objetivos principais do processo de moldagem na Odontologia Restauradora.

Em Ortodontia, e em suas associações com a Cirurgia Ortognática, o uso de modelos de gesso precisos é condição imprescindível para a realização de um diagnóstico e de um plano de tratamento adequados, assim como para o acompanhamento da evolução do tratamento.

As técnicas amplamente utilizadas atualmente para obter moldagens com elastômeros e criar modelos de gesso a partir delas estão em uso desde 19371. O primeiro material elastomérico especificamente produzido para uso em Odontologia foi o Impregum, um material do tipo poliéter introduzido pela empresa ESPE em 1965.

Muitos dentistas relutam em se envolver com novas tecnologias de moldagens porque simplesmente acreditam que os materiais e técnicas com elastômeros estão em uso há tanto tempo, e funcionam tão bem, que são insubstituíveis. Ou que as tecnologias 3D de scanners digitais são tão novas que ainda não estão prontas para o uso clínico. Na verdade, a moldagem com elastômeros, com seus problemas inerentes, tem sido usada em Odontologia por 72 anos!

Os sistemas digitais de moldagem e escaneamento em Odontologia foram introduzidos na metade dos anos 80, e têm evoluído tanto que artigos já preveem que em 5 anos a maioria dos dentistas nos EUA e Europa estará usando scanners digitais para moldagens2.

Na Ortodontia, as moldagens digitais têm sido usadas com sucesso por vários anos, em sistemas como o Cadent IOC/OrthoCAD, Dentsply/GAC OrthoPlex, Stratos/Orametrix SureSmile, e EMS RapidForm.

Os sistemas CAD/CAM (Computer Aided Design e Computer Aided Manufacture) que estão disponíveis atualmente são capazes de alimentar dados obtidos através de escaneamentos digitais precisos feitos de modelos de gesso diretamente para sistemas de confecção capazes de esculpir restaurações em blocos de cerâmica ou resina, sem a necessidade de uma cópia física dos dentes preparados, dentes adjacentes e dentes antagonistas.

Com o desenvolvimento de novos materiais restauradores com alta resistência e propriedades estéticas, tais como a zircônia, técnicas de laboratório têm sido desenvolvidas nas quais modelos mestres obtidos através de moldagens com materiais elásticos são digitalmente escaneados para criar modelos estereolíticos (prototipagens), sobre os quais as restaurações são realizadas. Mesmo com tais melhoramentos "high-tech", é evidente que esses modelos de segunda geração não são tão precisos como os modelos estereolíticos feitos diretamente a partir de dados obtidos de escaneamentos 3D digitais dos dentes, realizados com o uso de scanners 3D especialmente criados para esse fim.

Hoje, duas modalidades de sistemas encontram-se disponíveis no mercado: os sistemas CAD/CAM e os sistemas de moldagem digital tridimensional (3D) dedicados. Nesse artigo, revisaremos as características dos sistemas dedicados de moldagem digital 3D, pois são os que mais representam o presente e as perspectivas de futuro na Odontologia, com uso na área restauradora e nas áreas de Ortodontia e Cirurgia Ortognática.

Sistemas dedicados de moldagem digital

Os sistemas dedicados de moldagem digital eliminam várias etapas de atendimento em um consultório odontológico, incluindo seleção de moldeiras, preparação e uso de materiais, desinfecção de moldagens e envio dessas ao laboratório. Além disso, o laboratório reduz seu tempo de trabalho, por não ter que vazar gesso nas moldagens, colocar pinos e réplicas, recortar e modelar troquéis ou articular modelos.

Com esses sistemas, as restaurações finais são produzidas em modelos criados a partir de dados dos escaneamentos digitais, ao invés de em modelos de gesso feitos a partir de moldagens físicas. O conforto do paciente, a aceitação do tratamento e orientação sobre o caso são benefícios adicionais. Os escaneamentos digitais podem ser indefinidamente armazenados em discos rígidos, enquanto modelos convencionais, que podem quebrar ou lascar, devem ser armazenados fisicamente, o que requer um espaço adicional nos consultórios.

O scanner da iTero (Cadent Inc., EUA) (Fig. 1) entrou no mercado em 2007. Ele usa um sistema de imagem confocal paralela para realizar rapidamente a moldagem digital, capturando 100 mil pontos de luz laser e produzindo imagens com foco perfeito de mais de 300 profundidades focais das estruturas dentárias. Todas essas profundidades focais são espaçadas entre si por no máximo 50 micrômetros (50μm). O escaneamento confocal digital paralelo captura todos os elementos e materiais presentes na boca sem a necessidade de uso de produtos que recubram os dentes, e sua precisão permite capturar preparos em nível supra e subgengivais (Fig. 2, 3).




Devido às suas características de possibilidade de escaneamento direto, sem o uso de materiais em pó aplicados sobre os dentes, o scanner iOC da Cadent (EUA) proporciona a ortodontistas e assistentes a flexibilidade necessária para dar um espectro completo de aplicações clínicas. Ele proporciona um escaneamento ortodôntico altamente preciso, com visualização em tempo real, tanto em pacientes adultos como em adolescentes, em pacientes com variadas aberturas de boca e em situações de arcada total e parcial. Além disso, a arquitetura do software do iOC permite que os dados sejam exportados e usados em integração com outros softwares de gerenciamento de clínicas ortodônticas, como o OrthoCAD (Fig. 4).


Outra possibilidade de moldagem digital é o sistema Lava® Chairside Oral Scanner (C.O.S.), da 3M ESPE. Ele consiste em um sistema de um cart móvel contendo uma CPU, um monitor do tipo "touch screen" e um aparelho escaneador que tem uma extremidade de aproximadamente 13mm de largura. A câmera na ponta do aparelho contém 192 leds e 22 sistemas de lentes.

O método usado para a captura das moldagens em 3D envolve uma tecnologia chamada Active Wavefront Sampling. O conceito Lava® de "3D em movimento" incorpora um design óptico revolucionário, algoritmos de processamento de imagem e uma reconstrução de modelo que captura os dados 3D em uma sequência de vídeo e modela os dados em tempo real. A ponta escaneadora contém um complexo sistema óptico que compreende múltiplas lentes e células em led azul. Assim, o sistema Lava C.O.S. pode capturar aproximadamente 20 dados 3D por segundo, ou próximo de 2.400 dados por arcada, para um escaneamento preciso e em alta velocidade.

Vantagens ao clínico e aos laboratórios

Talvez a maior vantagem, para o técnico de laboratório dentário e para o dentista, em adotar a tecnologia digital seja a eliminação de muitos processos com base química. Por virtualmente eliminar esses processos, o acúmulo de erros no tratamento e no ciclo de fabricação deixa de ser um fator significativo. Alguns desses processos são: presa do material de moldagem, presa do gesso e da base, presa do material de revestimento em troquéis de restaurações, e retração ou encolhimento de materiais cerâmicos feldspáticos convencionais.

Ao eliminar o processo de moldagens convencionais, os clínicos não precisam mais se preocupar com a possibilidade de erro devido a bolhas de ar, ruptura dos materiais de moldagem, deslocamento e movimento da moldeira, deflecção da moldeira, pouco material de moldagem, adesivo de moldagem inadequado, ou distorção resultante de procedimentos de desinfecção.3

Além disso, e de real importância em casos de Ortodontia e de Cirurgia Ortognática, o registro oclusal (oclusão cêntrica) tem historicamente sido realizado através do uso de materiais de silicone ou mordida em cera. Quando realizado digitalmente, não há material colocado entre os dentes superiores e inferiores. Isso reduz significativamente o risco de se obter uma relação interoclusal inadequada (Fig. 5).


Discussão

Assim como, por exemplo, na Implantodontia e na Cirurgia Bucomaxilofacial, onde imagens digitais obtidas por tomografias do tipo Cone-Beam são importadas para softwares especiais de planejamento em 3D e de realização de cirurgias virtuais, o uso de modelos digitais em Ortodontia é comprovadamente uma excelente técnica e, possivelmente, o futuro do manuseio de modelos digitais nessa área da Odontologia.

A integração de modelos digitais com imagens digitais obtidas por tomografias do tipo Cone-Beam, simulando movimentos ortodônticos/cirúrgicos em casos de Cirurgia Ortognática, por exemplo, facilitará em muito o diagnóstico e planejamento desses casos complexos.

Rheude et al.5 compararam o uso de modelos digitais com os modelos de gesso tradicionais no diagnóstico e plano de tratamento em Ortodontia. A conclusão é de que, na vasta maioria dos casos, os modelos digitais podem ser usados com sucesso na documentação ortodôntica. De interesse foi o fato de que, à medida que os observadores usavam os modelos digitais, mais os diagnósticos se tornavam semelhantes aos feitos com modelos convencionais. Isso indica que há uma pequena curva de aprendizado até que os modelos digitais possam ser comparados aos convencionais.

Leifert et al.4; ao realizar medidas de espaço em modelos convencionais (de gesso) e modelos digitais (sistema OrthoCad, Cadent, EUA), concluíram que a precisão do software para análise de espaço em modelos digitais é clinicamente aceitável e reproduzível, quando comparada com análises convencionais em modelos de gesso.

A incorporação de um scanner digital na clínica diária não requer quaisquer procedimentos ou processos adicionais ao ortodontista ou à assistente ortodôntica. As consultas para a realização de documentação permanecem semelhantes em tempo e objetivo, embora com uma satisfação maior por parte do paciente.

Em termos de custo, o investimento inicial pode parecer maior, em um primeiro momento. Porém, analisando-se sob um ponto de vista comercial, a médio prazo o uso de moldagens digitais traz lucratividade ao consultório. A exemplo das radiografias digitais diretas intrabucais, a possibilidade de se reduzir o custo operacional com materiais e de se visualizar em tempo real a qualidade do procedimento diminui o índice de repetição de atendimentos e, por consequência, o tempo do paciente na cadeira do dentista. E esse tempo é o maior custo em um consultório. Sem contar o fator do marketing agregado, pois o comentário favorável de um paciente a respeito de uma moldagem digital, ao invés das desconfortáveis moldagens convencionais com alginatos ou outros materiais, traz um benefício imensurável.

A possibilidade de armazenar digitalmente as moldagens e com isso minimizar o uso de espaços nas clínicas, que podem ser aproveitados de outra forma, reduzindo custos ou transformando esse espaços de armazenamento em mais áreas de atendimento, é outro benefício agregado.

Conclusão

Ao eliminar do dia a dia dos consultórios os problemas acima descritos, não temos dúvida de que as vantagens significativas da moldagem digital vão tornar essa forma de escaneamento intrabucal um procedimento rotineiro na maioria dos consultórios nos próximos anos. Além disso, as moldagens digitais tendem a reduzir retornos e retratamentos, assim como aumentar a eficiência do tratamento. Os pacientes se beneficiarão do maior conforto e da experiência muito mais positiva de ir ao dentista. Através do uso de moldagens digitais, os produtos fabricados em laboratórios de prótese tornam-se mais consistentes e requerem menor tempo de consultório para sua colocação.

Desde bem antes da Revolução Industrial, o homem tem fabricado milhões de produtos através de processos de manufatura de forma artesanal e análoga. Nos últimos 30 anos, muito desses produtos têm sido convertidos à fabricação digital - de peças de automóveis a construções civis -, devido à consistência da qualidade e ao custo. Assim, não é surpresa que as soluções digitais estejam agora sendo integradas em muitos dos procedimentos odontológicos.

Com a popularização dos sistemas digitais, e com o grande crescimento de duas áreas da Odontologia que potencialmente podem ter benefício no uso da tecnologia de moldagens e modelos digitais (a Ortodontia e a Implantodontia), sem dúvida podemos prever que, nos próximos anos, veremos uma verdadeira revolução digital nos consultórios odontológicos, trazendo benefícios aos pacientes em termos de planejamentos mais eficientes, redução no desconforto e eficiência nos tratamentos.

  • 1. Sears AW. Hydrocolloid impression technique for inlays and fixed bridges. Dent Dig. 1937;43:230-4.
  • 2. Birnbaum N, Aaronson HB, Stevens C, Cohen B. 3D digital scanners: A high-tech approach to more accurate dental impressions. Inside Dentistry. 2009:5(4). Available from: http://www.insidedentistry.net
  • 3. Birnbaum N. The revolution in dental impressioning. Inside Dentistry. 2010;6(7). Available from: www.insidedentistry.net
  • 4. Leifert MF, Leifert MM, Efstratiadis SS, Cangialosi TJ. Comparison of space analysis evaluations with digital models and plaster dental casts. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2009;136(1):16e1-16e4.
  • 5. Rheude B, Sadowsky PL, Ferriera A, Jacobson A. An evaluation of the use of digital study models in orthodontic diagnosis and treatment planning. Angle Orthod. 2005;75:300-4.
  • Endereço para correspondência:

    Waldemar D. Polido
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010
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