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EDITORIAL

Crescemos, na Ortodontia, vivenciando discussões apaixonadas sobre os braquetes ortodônticos. Durante a infância ortodôntica, observamos sistemas de tratamento que foram estampados como "o último e o melhor" - parafraseando Angle -, e que foram pulverizados antes mesmo de atingirmos a puberdade ortodôntica. Temas como as dimensões das canaletas, a influência do material utilizado para a sua fabricação e, mais recentemente, o sistema de ligação do conjunto braquete-fio são eloquentemente defendidos, tangenciando o êxtase da paixão adolescente. Alheio a discussões inebriadas, causa espanto o fato de termos tão poucas informações científicas sobre a influência da escolha dos braquetes na eficiência do tratamento ortodôntico. Devemos entender como eficiência: bom resultado ortodôntico em menor tempo.

Enquanto existe parca informação que nos proporcione uma maior segurança na escolha das dimensões das canaletas dos acessórios ortodônticos (0,018" ou 0,022"), ou ao optar por aparelhos Straight-Wire em detrimento dos braquetes Edgewise standard, a ciência ortodôntica tem produzido uma avalanche de estudos clínicos controlados, examinando a propagada eficiência dos sistemas autoligáveis.

No início, inúmeros estudos laboratoriais concluíram haver uma redução nas forças de atrito produzidas nos sistemas autoligáveis, em comparação ao sistema convencional. Isso é fato. Entretanto, a força da evidência produzida por esses estudos, assim como do presente editorial, é pequena demais para ratificar ou retificar uma conduta clínica, ou levar-nos a acreditar que poderíamos, por isso, reduzir o tempo do tratamento ortodôntico. Esse desenho de estudo apresenta limitações para reproduzir, com a fidelidade necessária, o que acontece na vida real: o ambiente intrabucal.

Qual seria, então, o desenho de estudo mais confiável para examinarmos os efeitos do sistema de ligação dos braquetes na eficiência do tratamento ortodôntico? O padrão ouro para investigações clínicas na área da Saúde é o estudo clínico randomizado. Como esses estudos são desenhados? Por que esse seria o desenho ideal de pesquisa?

Nos estudos clínicos randomizados, os pesquisadores selecionam um grupo de pacientes com características semelhantes quanto à má oclusão, denominadas de critérios de inclusão. A forma de tratamento - autoligável ou convencional, por exemplo - será determinada aleatoriamente (na maioria das vezes, por programas de informática). Até mesmo o ortodontista que irá tratar cada caso é selecionado randomicamente, de modo a se eliminar o efeito do operador. Assim, nem o paciente e nem o ortodontista irão exercer qualquer influência na escolha e no resultado do tratamento.

Após a alocação aleatória dos pacientes em seus grupos, os casos são acompanhados até a conclusão do tratamento. São coletados dados como: o tempo de tratamento e a qualidade dos resultados, além das desistências dos pacientes, entre outras variáveis. Admite-se, dessa forma, que toda diferença que possa existir, ao final do estudo, seja uma consequência exclusiva da escolha da modalidade de tratamento.

Eu não conheço nenhum estudo clínico randomizado que forneça informações confiáveis sobre os tratamentos com braquetes Straight-Wire serem mais eficientes do que aqueles realizados com braquetes Edgewise standard. O nível de evidência científica é o mesmo quando o ponto de discussão é a escolha entre braquetes com canaletas 0,018" ou 0,022". Mais ainda: Os braquetes metálicos produziriam um resultado de tratamento mais eficiente do que os aparelhos estéticos?

E quanto aos braquetes autoligáveis? Existem estudos clínicos randomizados sobre a sua eficiência? Sim, existem. Em números, atualmente, quase em excesso. E qual a informação que eles nos propiciam? Esses estudos têm consistentemente - e univocamente -, evidenciado que não existe benefício em utilizar braquetes autoligáveis quando o objetivo é reduzir o tempo de tratamento, mantendo-se a qualidade final do resultado. São diversos estudos randomizados, e não apenas um ou outro. E, até que esse editorial chegue às suas mãos, já haverá uma nova publicação replicando essa conclusão.

Na Ortodontia, infelizmente, na maioria das vezes os produtos são lançados, pelas indústrias, sem qualquer avaliação científica. Algo inconcebível na área médica. Por isso, causa-nos surpresa a crença de que um sistema de ligação do conjunto braquete-fio possa ser o redentor da questão carregada pelos nossos pacientes: - Doutor(a), quando eu vou tirar esse aparelho?

Mesmo que a paixão queira nos empurrar para ouvir uma doce resposta, a ciência nos imprime uma informação consistente de que a verdade ainda está por vir, e não parece esconder-se entre clips metálicos ou mesmo sob elastômeros deslizantes.

Resta-nos, então, debruçarmo-nos, ainda mais, na ciência e buscar outra maneira de reduzir o tempo do tratamento ortodôntico. Por enquanto - e na ciência há sempre espaço para o encanto do enquanto - não há motivo para mudarmos o nosso sistema de braquetes se a finalidade é, tão somente, diminuir o tempo de tratamento.

Porém, e que também cabe na ciência, há sempre algo de bom a se extrair de qualquer sistema de tratamento. No caso dos braquetes autoligáveis, há evidências científicas e clínicas consistentes de que eles reduzem o tempo de cadeira do paciente, por proporcionarem uma maior agilidade durante a abertura e o fechamento dos clips usados para unir o sistema braquete-fio. Estima-se que possamos reduzir cerca de dois minutos no tempo de atendimento de cada paciente. No final de um dia inteiro de trabalho, esse tempo será significativo se existirem muitos pacientes a serem atendidos, assim como será de pouca valia se a rotatividade no atendimento da sua clínica for pequena.

Há, ainda, outro motivo para usarmos braquetes autoligáveis quando a escolha do paciente apontar para acessórios estéticos: evitar a alteração de cor nas ligaduras estéticas, necessárias ao sistema convencional, e que são, constantemente, motivo de reclamações dos pacientes.

Há uma forte impressão de que o sistema autoligável é um caminho sem volta na Ortodontia, em razão do conforto gerado ao profissional. Os custos desse sistema de tratamento vêm reduzindo-se significativamente. Entretanto, a ciência ortodôntica não o credencia como uma ferramenta que produz uma significativa redução no tempo de tratamento. Infelizmente, muitos jovens ortodontistas que acreditaram nessa promessa, ou ainda acreditam, terão descoberto, tardiamente, a força da mensagem em epígrafe.

David Normando

Editor-Chefe

davidnormando@hotmail.com

  • Braquetes ortodônticos - entre paixão e ciência

    Paixão é o amor que se desequilibra.
    Ciência é o amor que investiga.
    Verdade é o amor que eterniza.
    (Chico Xavier)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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