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Braquetes autoligáveis: futuro da Ortodontia?

O QUE HÁ DE NOVO NA ODONTOLOGIA

Braquetes autoligáveis - futuro da Ortodontia?

Marcos A. Lenza

Chefe do departamento de Crescimento e Desenvolvimento (Ortodontia e Odontopediatria) e coordenador do programa de pós-graduação em Ortodontia (mestrado e doutorado) da Faculdade de Odontologia da Universidade de Nebraska

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcos A. Lenza University of Nebraska Medical Center College of Dentistry Department of Growth and Development 40th & Holdrege Lincoln - Nebraska - USA 68583 E-mail: mlenza@unmc.edu

O interesse em se corrigir uma má posição dentária esteve presente mesmo antes da era Angle. Este interesse veio sempre associado a novas invenções tecnológicas. Kingsley (1825-1896) desenvolveu a tração occipital e o plano inclinado. Farrar (1839-1913) já desenvolvia um interesse mais aguçado pela biologia da movimentação dentária e pelo estudo da mecânica dos movimentos. Da mesma forma, desenvolveu dispositivos para a correção de rotações dentárias e expansão da maxila com parafuso expansor. Angle (1855-1930) não só contribuiu para a Ortodontia como ciência, mas patenteou inúmeros aparelhos ortodônticos (Fig. 1), a iniciar pelo arco-E (1900), depois pelo aparelho pino e tubo (1910), arco de cinta (1916) e culminando com o modelo final do aparelho Edgewise, em 19261. Desta forma, a Ortodontia como especialidade evoluiu muito, cientificamente, e esteve sempre associada a uma constante procura por inovações tecnológicas que viessem a viabilizar o avanço da ciência. Com os anos, o empirismo inicial foi sendo substituído por fundamentos que hoje se difundem em nossos conhecimentos sobre a Ortodontia.


Nestes últimos 10 anos, pode-se observar uma proliferação de aparelhos pré-ajustados com tecnologia de dispositivos autoligáveis. Segundo os seus idealizadores, quando associados ao uso de fios superelásticos com formato mais expansivo, permitem ao profissional a obtenção de excelentes resultados, sem a necessidade de extração de pré-molares, além de propiciarem uma força "fisiológica" leve e contínua para movimentação dentária, gerando baixo nível de atrito e resultando em um tratamento finalizado em um menor período de tempo.

Apesar do seu uso ser relativamente recente, os braquetes autoligáveis não são novidade na Ortodontia, tendo sido descrito pela primeira vez por Stolzenberg, em 193511. Hoje, ganharam enorme popularidade em todo o mundo, pois, na era digital, as "novidades" são transmitidas muito mais rapidamente12.

Toda uma filosofia de tratamento em Odontologia deveria estar alicerçada em evidências científicas, como vem acontecendo desde os primórdios da Ortodontia6. Entretanto, atualmente, por força de uma campanha de marketing agressiva por parte dos fabricantes, tem-se observado a indicação de um novo tipo de braquete - autoligáveis, associados a fios ortodônticos de formato mais expansivo - para todos os indivíduos, independente do padrão facial ou tipo de má oclusão2,4,5. Em apinhamentos severos, por exemplo, a sua indicação iria resultar na expansão dos arcos, no aumento da inclinação vestibular dos incisivos, de forma a alinhar e nivelar todos os dentes no arco, em detrimento de um diagnóstico e plano de tratamento adequados, e, certamente, num prognóstico de estabilidade duvidoso.

Por este motivo, não se pode condenar a total utilização dos braquetes autoligáveis com arcos expansivos. Nos tradicionais estudos sobre estabilidade do tratamento ortodôntico realizados na Universidade de Washington, Little8 não encontraram diferenças significativas no grau de recidiva com ou sem a extração de pré-molares. Inicialmente, a ênfase do tratamento ortodôntico estava apenas nos componentes dentários e esqueléticos da má oclusão. Hoje, tem-se uma preocupação muito maior com a estética facial do indivíduo, o que está refletindo numa tendência a uma filosofia de tratamento mais expansionista e sem extração. Por este motivo, a utilização de braquetes autoligáveis associados a fios superelásticos expansivos de alta tecnologia tem ganho grande popularidade7.

Entretanto, não podemos generalizar o seu uso para todos os pacientes, independente do grau de apinhamento, em detrimento da estabilidade pós-ortodôntica. A quantidade de expansão transversal que pode ocorrer nestes casos tem levantado algumas dúvidas, devido ao risco de induzir danos iatrogênicos aos tecidos periodontais na forma de recessões gengivais e deiscências na cortical óssea que poderiam, em longo prazo, comprometer o prognóstico do tratamento9,10. Na cavidade bucal, os dentes se encontram em um estado de equilíbrio. Embora o ortodontista promova alterações nas posições dentárias durante o tratamento, o problema é estimar que quantidade de alteração permanecerá estável por um longo período de tempo13.

Um estudo clínico prospectivo randomizado em adolescentes com grau de apinhamento moderado foi realizado na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, por Carlsson e Thorgeirsson3, com o objetivo de avaliar o grau de movimentação transversal dos dentes superiores, as alterações na inclinação dentária e a quantidade de tecido ósseo nos segmentos laterais após o tratamento com um sistema de braquetes autoligáveis passivo e ativo. O desenvolvimento da tomografia computadorizada de feixe cônico (CBCT) aplicada a estes casos permite obter a análise tridimensional das alterações do osso alveolar em uma amostra relativamente grande, o que seria impensável anteriormente, por razoes éticas (Fig. 2).


Os resultados demonstram haver redução na quantidade de osso alveolar por vestibular após o tratamento, embora em nenhum caso tenham sido observadas deiscências ósseas. A quantidade de expansão mais acentuada foi detectada na região de pré-molares, seguida por caninos e em menor magnitude nos molares. Embora estes resultados pareçam promissores quanto ao uso do sistema de braquetes autoligáveis, ressalta-se que foram tratados apenas adolescentes com má oclusão de Classe I e II, com moderado grau de apinhamento. A estabilidade destes casos será objetivo de pesquisa futura.

Há necessidade de novos estudos para avaliar o efeito desta expansão promovida pela técnica dos braquetes autoligáveis com arcos expansivos14. A falta de mais evidências científicas não nos permite apenas contemplar os resultados estéticos. A Ortodontia como ciência tem a sua história. Não se pode permitir que haja a substituição dos princípios fundamentais que são inerentes a esta história pelo modismo atual de uma nova técnica. É preciso se preocupar...

AGRADECIMENTOS

Dr. Hideo Mitani e Kim Carlsson por terem cedidos as figuras 1 e 2, respectivamente.

  • 1
    ANGLE, E. H. The treatment of malocclusion of the teeth 7th ed. Philadelphia: SS White, 1907.
  • 2
    BURROW, S. To extract or not to extract: a diagnostic decision, not a marketing decision. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 133, no. 3, p. 341-342, 2008.
  • 3
    CARLSSON, K. H.; THORGEIRSSON, T. Active and passive self-ligating systems: evaluation of transversal expansion, bucco-lingual tooth inclination and buccal bone quality. 2007. (Thesis)-University of Aarhus, Dennmark, 2007.
  • 4
    DAMON, D. H. Damon system: the workbook. Glendora: Ormco.
  • 5
    DAMON, D. H. The rationale, evolution and clinical application of the self-ligating bracket. Clin. Orthod. Res., Copenhagen, v. 1, no. 1, p. 52-61, Aug. 1998.
  • 6
    GRABER, T. M.; VANARSDALL, R. L.; VIG, K. W. L. Orthodontics: current principles and techniques. 4th ed. St. Louis: Elsevier-Mosby, 2005.
  • 7
    HARRADINE, N. W. T. Self-ligating brackets: where are we now? J. Orthod., London, v. 30, no. 3, p. 262-273, Sept. 2003.
  • 8
    LITTLE, R. M. Stability and relapse of mandibular anterior alignment: University of Washington studies. Semin. Orthod., Philadelphia, v. 5, no. 3, p. 191-204, Sept. 1999.
  • 9
    PECK, S. So what's new? Arch expansion, again. Angle Orthod., Appleton, v. 78, no. 3, p. 574-575, May 2008.
  • 10
    RINCHUSE, D. J.; MILES, P. G. Self-ligating brackets: present and future. Am. J. Orthod. Dentofacial Orthop., St. Louis, v. 132, no. 2, p. 216-222, Aug. 2007.
  • 11
    STOLZENBERG, J. The Russell attachment and its improved advantages. Int. J. Orthod. Dent. Child., [s.l.], v. 21, p. 837-840, 1935.
  • 12
    ZACHRISSON, B. U. Global trends and paradigm shifts in clinical Orthodontics. World J. Orthod., Carol Stream, v. 6, no. 1, p. 3-7, 2005. Supplement.
  • 13
    ZACHRISSON, B. U. Use of self-ligating brackets, superelastic wires, expansion/proclination and permanent retention: a word of caution. World J. Orthod., Carol Stream, v. 7, no. 2, p. 198-206, Summer 2006.
  • 14
    ZACHRISSON, B. U. Proper quality Orthodontics vs the new mechanical "systems". World J. Orthod., Carol Stream, v. 8, no. 4, p. 412-419, Winter 2007.
  • Endereço para correspondência:
    Marcos A. Lenza
    University of Nebraska Medical Center College of Dentistry
    Department of Growth and Development
    40th & Holdrege
    Lincoln - Nebraska - USA 68583
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
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