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Morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais representativa do surto de crescimento puberal

Morphology of the third and fourth cervical vertebrae representative of the adolescent growth spurt

Resumos

OBJETIVOS: determinar a morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais representativa dos estágios de pré-pico, pico e pós-pico de velocidade de crescimento estatural, definidos previamente pelos centros de ossificação do primeiro dedo em radiografias carpais ou do dedo polegar. MÉTODOS: foram utilizadas 120 telerradiografias em norma lateral de 106 pacientes selecionados da clínica de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP e Profis/HRAC-USP que apresentavam as correspondentes radiografias carpais ou do dedo polegar. As telerradiografias foram divididas em três grupos de 40 radiografias, de acordo com os estágios maturacionais pré-pico, pico e pós-pico, definidos pela imagem do primeiro dedo. A morfologia dos corpos das 3ª e 4ª vértebras cervicais foi determinada por dois examinadores devidamente calibrados em dois tempos diferentes. CONCLUSÕES: concluiu-se que o formato retangular horizontal com borda inferior reta foi representativo do estágio de pré-pico, independentemente da vértebra analisada. Já o formato retangular horizontal com borda inferior curva, especialmente se encontrado em C4, ou o formato quadrado com borda inferior reta caracterizaram o pico de velocidade de crescimento. O formato quadrado ou, principalmente, o retangular vertical com borda inferior curva determinaram o estágio de pós-pico de velocidade de crescimento da adolescência.

Determinação da idade pelo esqueleto; Ortodontia; Vértebras cervicais


AIM: To determine the morphology of the third and fourth cervical vertebrae which represent the pre-peak, peak and post-peak stages of statural growth, previously defined by ossification centers of the thumb in hand-wrist or thumb periapical radiographs. METHODS: The sample was comprised of 120 lateral cephalometric radiographs of 106 patients from the Interceptive Orthodontics Clinic of the School of Dentistry of Araçatuba/UNESP and from PROFIS /Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies/USP. All patients had hand-wrist or corresponding thumb periapical radiographs available. The lateral radiographs were divided into three groups of 40 radiographs according to the pre-peak, peak and post-peak maturational stages, defined by the radiographic image of the thumb. The morphology of the third and fourth cervical vertebrae was determined by two calibrated examiners in two different times. CONCLUSIONS: The findings show that the horizontal, rectangular-shaped vertebra with straight lower border represented the pre-peak stage, regardless of the analyzed vertebra. The horizontal, rectangular-shaped vertebra with curved lower border, mainly if found in C4, or the square-shaped vertebra with straight lower border was typical of the growth peak. The square-shaped or, mainly, the rectangular-shaped vertebra with curved lower border determined the post-peak stage of adolescent growth spurt.

Age determination by skeleton; Orthodontics; Cervical vertebrae


ARTIGO INÉDITO

Morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais representativa do surto de crescimento puberal

Morphology of the third and fourth cervical vertebrae representative of the adolescent growth spurt

Tulio Silva LaraI; Francisco Antônio BertozII; Eduardo César Almada SantosIII; André Pinheiro de Magalhães BertozIV

IMestre em Odontologia (área de concentração - Ortodontia) pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. Aluno do curso de doutorado em Odontologia (área de concentração - Ortodontia) Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. Professor do curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva - Profis, Bauru/SP

IIProfessor titular da disciplina de Ortodontia Preventiva da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP. Professor do programa de pós-graduação em Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP

IIIProfessor assistente doutor da disciplina de Ortodontia do departamento de Odontologia Infantil e Social da Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP

IVMestre e doutor em Odontologia (área de concentração - Ortodontia) pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tulio Silva Lara Rua Rio Branco, 20-81 - Altos da Cidade CEP: 17.014-480 - Bauru/SP E-mail: tuliolara@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: determinar a morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais representativa dos estágios de pré-pico, pico e pós-pico de velocidade de crescimento estatural, definidos previamente pelos centros de ossificação do primeiro dedo em radiografias carpais ou do dedo polegar.

MÉTODOS: foram utilizadas 120 telerradiografias em norma lateral de 106 pacientes selecionados da clínica de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP e Profis/HRAC-USP que apresentavam as correspondentes radiografias carpais ou do dedo polegar. As telerradiografias foram divididas em três grupos de 40 radiografias, de acordo com os estágios maturacionais pré-pico, pico e pós-pico, definidos pela imagem do primeiro dedo. A morfologia dos corpos das 3ª e 4ª vértebras cervicais foi determinada por dois examinadores devidamente calibrados em dois tempos diferentes.

CONCLUSÕES: concluiu-se que o formato retangular horizontal com borda inferior reta foi representativo do estágio de pré-pico, independentemente da vértebra analisada. Já o formato retangular horizontal com borda inferior curva, especialmente se encontrado em C4, ou o formato quadrado com borda inferior reta caracterizaram o pico de velocidade de crescimento. O formato quadrado ou, principalmente, o retangular vertical com borda inferior curva determinaram o estágio de pós-pico de velocidade de crescimento da adolescência.

Palavras-chave: Determinação da idade pelo esqueleto. Ortodontia. Vértebras cervicais.

ABSTRACT

AIM: To determine the morphology of the third and fourth cervical vertebrae which represent the pre-peak, peak and post-peak stages of statural growth, previously defined by ossification centers of the thumb in hand-wrist or thumb periapical radiographs.

METHODS: The sample was comprised of 120 lateral cephalometric radiographs of 106 patients from the Interceptive Orthodontics Clinic of the School of Dentistry of Araçatuba/UNESP and from PROFIS /Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies/USP. All patients had hand-wrist or corresponding thumb periapical radiographs available. The lateral radiographs were divided into three groups of 40 radiographs according to the pre-peak, peak and post-peak maturational stages, defined by the radiographic image of the thumb. The morphology of the third and fourth cervical vertebrae was determined by two calibrated examiners in two different times.

CONCLUSIONS: The findings show that the horizontal, rectangular-shaped vertebra with straight lower border represented the pre-peak stage, regardless of the analyzed vertebra. The horizontal, rectangular-shaped vertebra with curved lower border, mainly if found in C4, or the square-shaped vertebra with straight lower border was typical of the growth peak. The square-shaped or, mainly, the rectangular-shaped vertebra with curved lower border determined the post-peak stage of adolescent growth spurt.

Key words: Age determination by skeleton. Orthodontics. Cervical vertebrae.

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

A capacidade de se predizer o momento oportuno para se instituir uma mecânica - seja com intenção ortopédica, ortodôntica compensatória ou orto-cirúrgica - em pacientes apresentando má oclusão com comprometimento esquelético, seguramente, tem sido uma preocupação do ortodontista. Neste contexto, torna-se importante a identificação do estágio maturacional de cada paciente, ou seja, a determinação de sua idade biológica20.

Dentre os parâmetros de idade biológica, o crescimento estatural representa a dimensão que melhor retrata o comportamento somático do indivíduo. Do nascimento à idade adultícia, os incrementos corporais expõem uma dinâmica ininterrupta, porém, não ocorrem de maneira uniforme nas diversas fases do desenvolvimento3. Como mostra a clássica curva de velocidade de crescimento estatural humano, publicada pela primeira vez em revista ortodôntica por Björk e Helm3, em 1967, e reproduzida no gráfico 1, o crescimento ocorre em taxas altas, mas que se declinam abruptamente na primeira infância, intervalo compreendido entre o nascimento e a irrupção dos dentes decíduos. Na segunda infância, as taxas de crescimento se mantêm num ritmo relativamente constante, demonstrando um declínio suave ao longo deste período, para, então, atingir o surto de crescimento puberal ou o surto de crescimento da adolescência6,8,10,11, que termina com a maturidade óssea.


O estágio que compreende a adolescência evidencia taxas de crescimento crescentes até alcançar a velocidade máxima de crescimento - o denominado pico de velocidade de crescimento estatural - e uma fase em que as taxas de crescimento anuais começam a se declinar. Os incrementos anuais a partir daí são cada vez menores, até que o indivíduo atinja a maturidade biológica3,5,8,11,18.

O ortodontista está preocupado em localizar o paciente na curva da adolescência, já que a época em que se sucede, sua duração e intensidade variam consideravelmente entre os indivíduos3,11. Uma vez que muitos dos pacientes que procuram por tratamento ortodôntico o fazem na infância ou adolescência, as más oclusões de caráter esquelético que se beneficiariam do tratamento realizado em épocas oportunas - como as más oclusões de Classe II com deficiência mandibular (Padrão II)20 - exigem do ortodontista uma responsabilidade extra: a determinação da época de tratamento de acordo com a idade biológica, visando tirar proveito do potencial de crescimento na correção da desarmonia esquelética. Isso porque o crescimento mandibular segue o mesmo padrão de crescimento estatural e ambos tendem a ocorrer aproximadamente na mesma época6,21,28.

A idade óssea tem sido, comumente, identificada por meio de radiografias de mão e punho, onde centros de ossificação conhecidos informam ao profissional em que fase da curva de crescimento da adolescência se encontra o paciente4,18. A radiografia do dedo polegar com um filme periapical surgiu como uma alternativa simplificada à radiografia carpal e agrega os mesmos princípios no tocante à avaliação de eventos de ossificação5,26,27.

A ossificação do osso sesamóide é a situação denunciadora do início do surto de crescimento da adolescência5,6,11. Via de regra, o aparecimento do sesamóide precede ou coincide com o pico de velocidade de crescimento estatural3,5,11. Quando o sesamóide começa a surgir na imagem radiográfica, o adolescente caminha ao longo da curva ascendente de crescimento17,27. Já o pico de crescimento, momento de maior velocidade nos incrementos estaturais, pode ser diagnosticado pela presença do osso sesamóide mineralizado por completo, acompanhado do estágio de capeamento da epífise da falange proximal do primeiro dedo8, enquanto o término do surto de crescimento puberal é marcado por indícios de fusão epífise-diáfise da referida falange5. Tratamentos com intenção ortopédica realizados nesta fase final da pubescência tendem a apresentar resultados mais pobres, quando comparados a tratamentos realizados próximo ao pico de velocidade de crescimento estatural20. A figura 1 ilustra as imagens radiográficas representativas dos estágios que antecedem a adolescência, quando o osso sesamóide ainda não pode ser visualizado e a epífise é menor do que a diáfise, bem como imagens representativas da adolescência (pré-pico, pico e pós-pico e, finalmente, da maturidade óssea).


Assim como as curvas ascendente e descendente compreendem períodos durante a adolescência, também o pico de crescimento não constitui um ponto isolado. Em um estudo longitudinal sobre o crescimento estatural e mandibular, Lewis, Roche e Wagner17 descreveram o pico como o período em que dois incrementos iguais e consecutivos em altura eram os maiores dentro dos registros semestralmente realizados. Este período dura, em média, dois anos. O acompanhamento por meio de radiografias do dedo polegar (Fig. 2) ilustra, num período de aproximadamente 1 ano e 4 meses, o pico de crescimento identificado pelo capeamento epifisário.


A Ortodontia poderia se contentar com o uso de indicadores presentes apenas na região de mão e punho, mas - como ciência em plena evolução - buscou outros métodos que fornecessem a mesma precisão e que pudessem ser aplicados utilizando a documentação ortodôntica padrão24.

A possibilidade de utilizar outros sítios que indicassem a idade óssea do paciente levou os profissionais a perceberem estruturas presentes nas telerradiografias em norma lateral como indicadores úteis e viáveis para este fim1,9,12,15,23. A análise das alterações morfológicas que ocorrem nas vértebras cervicais visualizadas numa radiografia que já faz parte da documentação ortodôntica de rotina evitaria uma exposição desnecessária do paciente à radiação, já que o pedido de uma radiografia carpal ou do dedo polegar se tornaria dispensável.

A coluna cervical é composta de sete vértebras, as quais recebem as denominações de C1 a C7, seqüencialmente, no sentido crânio-caudal29. De todas as vértebras cervicais, as duas primeiras, Atlas e Axis, respectivamente, são decididamente diferentes em sua forma e não seguem o padrão morfológico vertebral típico. Também a 7ª vértebra possui algumas particularidades e, usualmente, não pode ser visualizada na telerradiografia em norma lateral29.

Realizada criteriosamente, a telerradiografia em norma lateral pode fornecer a imagem das sete vértebras cervicais ou de pelo menos as quatro primeiras, nos casos em que o paciente estiver utilizando um colar protetor contra radiação1 ou quando o filme radiográfico impõe este limite. O rigor à técnica é fundamental para que a visualização das vértebras cervicais no filme radiográfico não seja prejudicada. Se o paciente não for posicionado de forma a aproveitar toda a extensão do filme ou se o filme não for inteiramente irradiado, o método de avaliação das vértebras cervicais se torna inutilizável.

A análise das vértebras cervicais na tentativa de identificar o estágio maturacional do paciente é um dos temas atuais dentro da literatura ortodôntica. Estudos têm sido realizados acerca do assunto e a proposta de modificações no método original, proposto por Lamparski (1972)15 é uma constante até os dias de hoje1,2,12. Talvez isto se deva à dificuldade de memorização dos diferentes estágios propostos ou mesmo pela subjetividade que envolve os diversos critérios de classificação sugeridos na literatura25.

De uma maneira geral, todos os métodos que avaliam a idade óssea pelas vértebras cervicais se baseiam nas alterações morfológicas que ocorrem nos corpos das vértebras, como o início do desenvolvimento de concavidades nas bordas inferiores e aumentos sucessivos na altura vertical total dos corpos vertebrais1,2,12,14. O corpo vertebral primeiramente apresenta-se de forma trapezoidal, passa para um formato mais retangular e alcança um formato quadrado, até atingir a altura maior que a largura, o que pode ser denominado formato retangular vertical (Fig. 3).


Considerando como padrão de referência a identificação dos estágios pré-pico, pico e pós-pico de velocidade de crescimento estatural definidos, previamente, em centros de ossificação do primeiro dedo em radiografias carpais ou do dedo polegar, a proposta do presente estudo transversal foi determinar a morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais representativa de cada um dos três estágios.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram selecionadas, nos arquivos da Clínica de Ortodontia preventiva e interceptiva da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP e Profis/HRAC-USP (Bauru/SP), telerradiografias em norma lateral de pacientes que apresentavam radiografias carpais ou do dedo polegar no estágio de pico de velocidade de crescimento estatural (PVCE), pré-pico e pós-pico.

As radiografias carpais e do dedo polegar foram analisadas por dois examinadores com formação em Ortodontia, devidamente calibrados. Cada avaliação foi realizada separadamente e repetida após um período de três semanas para a identificação do erro do método. Foram selecionadas somente radiografias que apresentavam boa qualidade de revelação e fácil visualização das estruturas destinadas à análise. No total, conseguiu-se reunir quarenta radiografias em cada grupo: pré-pico, pico e pós-pico. A amostra totalizou 120 radiografias carpais ou do dedo polegar de 106 pacientes, com idade média de 12 anos e 3 meses, variando entre 8 anos e 1 mês e 17 anos e 1 mês, sendo 26 do gênero masculino e 80 do gênero feminino. Foram selecionadas somente as radiografias que não apresentaram dúvidas com relação à idade óssea determinada, comparando as avaliações feitas entre os examinadores e as duas avaliações realizadas por um mesmo examinador.

No pré-pico, foram consideradas as radiografias que apresentavam a imagem do osso sesamóide e que a epífise da falange proximal do primeiro dedo era menor ou do mesmo tamanho da diáfise, antes da fase de capeamento5,6,11. No estágio de pico de velocidade de crescimento, consideraram-se as radiografias carpais ou do dedo polegar que apresentavam a imagem do osso sesamóide e capeamento epifisário da falange proximal do primeiro dedo8,13. Já as radiografias que exibiam algum indício de fusão epífise-diáfise da falange proximal do polegar foram consideradas indicativas de que o paciente se encontrava na curva descendente ou no término do surto de crescimento da adolescência4,5 (Fig. 1).

As telerradiografias correspondentes foram, então, analisadas, com atenção reservada às 3ª e 4ª vértebras cervicais (Fig. 4).


A morfologia das vértebras C3 e C4 foi avaliada visualmente por dois examinadores com formação em Ortodontia (Ex1 e Ex2) em dois tempos diferentes (t1 e t2). Duas variáveis foram consideradas para a determinação de suas características morfológicas1: (1) presença ou ausência de concavidade na borda inferior; e (2) forma do corpo das referidas vértebras. No presente estudo, considerou-se os formatos: retangular horizontal, quadrado ou retangular vertical.

A freqüência dos formatos das vértebras C3 e C4 foi observada entre os estágios pré-pico, pico e pós-pico de velocidade de crescimento estatural e sua associação determinada pelo teste de qui-quadrado, sendo adotado nível de significância de 5% (p < 0,05).

A confiabilidade entre as avaliações das radiografias carpais ou do dedo polegar e telerradiografias foi determinada pela estatística de kappa (Quadro 1)16.


Por se tratar de uma pesquisa que envolvia seres humanos, o projeto foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP e recebeu parecer favorável, Processo FOA 2005-00944.

RESULTADOS

A confiabilidade do método

Em relação à idade óssea determinada pelos centros de ossificação da região metacarpofalangeana do dedo polegar, a avaliação do estágio maturacional do paciente em pré-pico, pico ou pós-pico se mostrou confiável, já que os valores da estatística de kappa variaram entre 0,78 e 0,83 (Tab. 1). Isto significa que a concordância variou de substancial a quase perfeita.

A análise do formato das 3ª e 4ª vértebras cervicais

Avaliando o formato do corpo das vértebras C3 e C4, foi possível definir cinco diferentes tipos morfológicos (Fig. 5). A concordância na definição dos formatos vertebrais encontra-se expressa na tabela 2.


Correspondência entre a morfologia das 3ª e 4ª vértebras cervicais e os estágios maturacionais

A freqüência dos formatos de C3 e C4 entre os estágios pré-pico, pico e pós-pico de velocidade de crescimento estatural foi, então, determinada e os resultados estão expressos no gráfico 2, para a vértebra C3, e gráfico 3, para a vértebra C4. O teste de qui-quadrado demonstrou uma associação significante entre os cinco formatos vertebrais e os três estágios maturacionais, tanto para C3 (χ2 = 71,18; p < 0,001) quanto para C4 (χ2 = 72,75; p < 0,00).



Independente da vértebra analisada, o formato RHR (Fig. 5A) esteve mais freqüentemente associado ao estágio pré-pico (Gráf. 2, 3). O formato RHC (Fig. 5B) esteve associado tanto ao pré-pico como ao pico, numa porcentagem muito próxima, como pode ser constatado nos gráficos 2 e 3. Entretanto, se esta característica for encontrada em C4, a probabilidade de o paciente se localizar no pico de crescimento encontra-se sensivelmente aumentada. O formato QR (Fig. 5C), quando presente na amostra, esteve mais associado ao pico de velocidade de crescimento estatural (Gráf. 2, 3). Quando o formato do corpo da 3ª vértebra for quadrado, com borda inferior curva - QC (Fig. 5D), o paciente encontra-se, possivelmente, no estágio de pico ou pós-pico de velocidade de crescimento estatural (Gráf. 2). Já quando a 4ª vértebra apresentar esta morfologia, o paciente provavelmente vai estar no estágio de pós-pico (Gráf. 3). A característica morfológica RVC foi exclusiva do pós-pico. Ou seja, se C3 ou C4 apresentar o formato retangular vertical com borda inferior curva (Fig. 5E), seguramente o paciente já se localiza na curva descendente do surto de crescimento puberal (Gráf. 2, 3).

DISCUSSÃO

A necessidade de se encontrar um parâmetro morfológico que representasse fiel e didaticamente os estágios de maturação de maior interesse para o ortodontista, que são o pico de velocidade de crescimento estatural, bem como o estágio que o antecede e o sucede, foi o motor propulsor do presente estudo. O desenho anatômico das vértebras cervicais representativo destes estágios certamente, quando bem definido, teria grande utilidade, praticidade e, conseqüentemente, aceitabilidade entre os ortodontistas. Esta nomenclatura - pré-pico, pico e pós-pico -, se utilizada para as vértebras cervicais, evitaria o uso de designações que consideram algarismos arábicos2,12 ou romanos1 para classificar o paciente, mas que não tornam objetiva ou, pelo menos, de fácil memorização a aplicação do método como detector do estágio maturacional do paciente dentro do surto de crescimento.

O primeiro passo visando a simplificação da técnica consistiu na diminuição do número das estruturas analisadas. Desta forma, a atenção se voltou apenas para duas vértebras cervicais, C3 e C4 (Fig. 4). Não abrangeu o processo odontóide de C2, estrutura comumente avaliada em outros métodos que consideram a presença ou ausência de concavidade em sua borda inferior como característica distinta entre dois estágios maturacionais diferentes2,12,22. A vértebra C2 foi descartada do estudo pela justificativa de que apresenta alterações morfológicas muito sutis e de difícil medição19. A escolha de C3 e C4 recaiu na possibilidade de visualização destas estruturas mesmo quando um avental protetor para tireóide era utilizado durante a tomada radiográfica12. Além disso, o contorno dos corpos destas vértebras pode ser facilmente visualizado, o que garante maior acuidade à análise29.

A concordância na avaliação intra-examinador e interexaminadores na determinação da idade óssea pela região metacarpofalangeana do primeiro dedo demonstrou que o método é confiável. Os valores obtidos para a análise do formato das vértebras cervicais revelaram a mesma tendência, embora para a segunda avaliação entre os examinadores 1 e 2, o nível de concordância tenha sido moderado (Tab. 2). As cinco categorias morfológicas observadas na amostra (RHR, RHC, QR, QC, RVC), quando determinadas em dois tempos diferentes por um mesmo examinador ou por dois examinadores diferentes, apresentaram bons índices de concordância (Tab. 2). Tais constatações evidenciam que, embora um certo grau de subjetividade exista na definição da morfologia das vértebras ou dos estágios maturacionais a partir de indicadores carpais, a pequena variação existente não compromete a utilização destes indicadores na clínica ortodôntica. Esta afirmativa se baseia, ainda, no fato de que, quando havia uma discordância, a variação relacionava-se a estágios de ossificação ou morfologias vertebrais próximas. Possivelmente, esta variação entre dois estágios consecutivos foi encontrada em pacientes que se situavam em estágios maturacionais limítrofes, não constituindo um problema de relevância clínica. O fato de se evitar uma dose desnecessária de radiação para o paciente pode justificar o uso de indicadores vertebrais, em detrimento de indicadores presentes em radiografias carpais7.

A correspondência entre os estágios maturacionais definidos por indicadores carpais e os aspectos morfológicos apresentados por C3 e C4 foi estabelecida conforme a freqüência observada para cada morfologia dentro de cada estágio, pré-pico, pico e pós-pico. Uma associação significante entre formato da vértebra e estágios maturacionais foi encontrada para ambas as vértebras, C3 (p < 0,001) e C4 (p < 0,001). Não se observou um desenho vertebral que fosse específico para cada estágio maturacional, mas uma freqüência maior de determinados formatos em cada estágio.

Os dados encontrados neste estudo não se traduzem como algo inédito na literatura. A forma de discuti-los é que traz a inovação. As características morfológicas observadas seguiram o mesmo padrão já descrito em outros estudos2,12 e a diferença centra-se na maneira de apreciá-las. Um formato retangular horizontal com borda inferior reta em C3 ou C4 situa o paciente adolescente na curva ascendente do surto de crescimento. O ganho em altura sofrido pelo corpo vertebral e a aquisição de uma concavidade em sua borda inferior indicam, provavelmente, que a fase de pico de crescimento se iniciou ou é iminente. O mesmo pode ser afirmado se o formato quadrado foi adquirido pelas vértebras C3 e C4, mesmo se ainda não houve a formação de uma concavidade nítida na borda inferior. Agora, se uma concavidade estiver presente e nítida num corpo de formato quadrado ou, especialmente, retangular vertical, em que a altura é maior que a largura, o paciente possivelmente se encontra na curva descendente do surto de crescimento ou já atingiu a maturidade óssea (Fig. 6).


Pela freqüência observada na amostra, propõe-se um método simplificado de avaliação das vértebras cervicais, contendo apenas três estágios: pré-pico, pico e pós-pico (Fig. 7). A característica retangular horizontal com borda inferior reta é representativa do primeiro estágio (pré-pico). O formato retangular horizontal com borda inferior curva indica que o paciente se encontra no pico de velocidade de crescimento estatural. Já o formato retangular vertical com borda inferior curva representa o estágio final do surto de crescimento ou a maturidade óssea. Para a validação deste método, torna-se necessária sua aplicação em outros grupos amostrais.


CONCLUSÕES

Foi encontrada uma associação significante entre formatos vertebrais e estágios maturacionais, demonstrada tanto para C3 (χ2 = 71,18; p < 0,001) quanto para C4 (χ2 = 72,75; p < 0,001).

O formato retangular horizontal com borda inferior reta pode ser considerado representativo do estágio pré-pico, de acordo com a freqüência observada.

O formato retangular horizontal com borda inferior curva, especialmente se encontrado em C4, ou o formato quadrado com borda inferior reta pode ser indicativo de que o pico de velocidade de crescimento já se iniciou ou é iminente.

O formato quadrado ou, principalmente, o retangular vertical, com borda inferior curva pode ser considerado típico do estágio pós-pico de velocidade de crescimento da adolescência.

Enviado em: junho de 2006

Revisado e aceito: novembro de 2006

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  • Endereço para correspondência:
    Tulio Silva Lara
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      Nov 2006
    • Recebido
      Jun 2006
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