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O Instituto de Química em 1994

EXATAS E NATURAIS

O Instituto de Química em 1994

Walter Colli

O Instituto de Química da Universidade de São Paulo — IQUSP — foi formalmente constituído em 1970, em decorrência da reforma universitária. No entanto, já em 1966, haviam-se transferido para as novas dependências da Cidade Universitária todos os Departamentos, Cadeiras e Disciplinas de Química e Bioquímica e algumas afins pertencentes a seis Faculdades distintas. Esse fato, bastante significativo, mostrou que, antes da obrigatoriedade determinada pela legislação, alguns setores da Universidade já reconheciam a importância de aproximar grupos com objetivos idênticos mas dispersos pela cidade de São Paulo.

Constituiu-se o Instituto com dois Departamentos: o de Química Fundamental e o de Bioquímica. Para a formação do primeiro foi preponderante a contribuição do Departamento de Química da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras — FFCL —, além de importantes contingentes do Departamento de Física da FFCL, da Faculdade de Farmácia e Bioquímica, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica e do Laboratório de Química de Produtos Naturais criado por iniciativa da Fapesp em 1967. Para constituir o Departamento de Bioquímica, além de um pequeno grupo originário da FFCL, aportaram equipes das Faculdades de Medicina, Farmácia e Bioquímica, Medicina Veterinária e Odontologia.

A pesquisa no Instituto, desde a sua fundação, foi basicamente sustentada pela iniciativa individual dos docentes que captaram, em diversas épocas, recursos do CNPq, Capes, Finep, Fapesp, BNDes, STI/MIC, Unesco, OEA, OPAS, Fundação Volkswagen, OMS, Fundação Banco do Brasil, USP/BID entre outros, que permitiram não apenas prover os laboratórios de material e equipamento específicos e assegurar a atualização constante da biblioteca, mas também possibilitar o intercâmbio científico com a vinda de professores visitantes e o custeio de viagens ao exterior de docentes do Instituto.

Dois programas de envergadura, no entanto, merecem destaque. Um deles, de iniciativa da Fapesp e que abrangeu os vários laboratórios de bioquímica de São Paulo, denominado Bioq-Fapesp, beneficiou diretamente o Departamento de Bioquímica, no período de 1972-1976, aproximadamente. Caracterizado pelo rigor na avaliação dos projetos de pesquisa e a correspondente alocação de recursos, cuja gestão coube aos próprios cientistas, funcionou com acompanhamento de assessores internacionais de alto nível, um deles Prêmio Nobel. Através desse programa houve a possibilidade de se conseguir a renovação do equipamento e de se engajar na pesquisa uma nova geração de pesquisadores, catalisando o surgimento de novas lideranças. O outro, do qual participou o Departamento de Química Fundamental, foi patrocinado pelo CNPq, em conjunto com a Academia de Ciências dos Estados Unidos, no período de 1970-1976. Neste, alguns dos mais eminentes cientistas no campo da Química de universidades norte-americanas associaram-se a pesquisadores brasileiros, mantendo como elementos de ligação pesquisadores jovens que, em sua maioria, permaneceram de dois a três anos entre nós. Seis projetos tiveram desenvolvimento no Instituto, possibilitando abrir novas linhas de pesquisa em campos de grande atualidade e levando, em conseqüência, à formação de núcleos novos e à consolidação de outros já existentes.

A associação de Químicos e Bioquímicos no Instituto contrariou a tendência brasileira e mesmo internacional de alocar Departamentos de Bioquímica em Institutos de vocação biológica. Mais natural teria sido agregar o Departamento de Bioquímica ao também recém-constituído Instituto de Ciências Biomédicas. Entretanto, deve-se louvar a percepção dos fundadores que anteviram a crescente afinidade entre a Química e a Bioquímica, tendo em vista que ambas procuram, em última análise, relacionar estrutura molecular com reatividade ou função. A história do desenvolvimento dessas duas ciências mostrou que seus métodos e formas de raciocínio as aproximam, cada vez mais, uma da outra. Apesar dessas características comuns, o IQUSP beneficiou-se sensivelmente da interdisciplinaridade, pois, a ele aportaram docentes com diversas formações como químicos, engenheiros, farmacêuticos, físicos, médicos, biólogos, veterinários e odontólogos.

O sucesso do Instituto deve-se ao fato de que, não obstante as diferentes origens, suas lideranças estavam e estão imbuídas de iguais propósitos, em razão de uma mentalidade forjada no trabalho experimental, árduo e persistente, e na continuidade da pesquisa, praticada em tempo integral, de modo a torná-la cada vez mais abrangente e profunda com vistas à sua inserção na literatura científica internacional.

Por essas razões é indubitável, no que concerne ao IQUSP, que a reforma universitária de 1970, criando os Institutos Básicos, promoveu resultados altamente positivos.

Organização e produção atuais

O atual Instituto de Química, com 120 professores e um corpo técnico e administrativo de 232 membros, centraliza, no campus da Cidade Universitária, na Capital, o ensino e a pesquisa em Química e Bioquímica. Dispõe de 35.000 m2 de área, onde se distribuem laboratórios didáticos e de pesquisa, um conjunto circular de anfiteatros, salas de aula, escritórios, além do almoxarifado, biotério, oficinas de vidro, mecânica e manutenção em prédio próprio. Recentemente, agregou-se a esse complexo um prédio de 1.700 m2 de Biotecnologia e Química Fina que abrigará, dentre outras atividades, as instalações da Central Analítica, uma iniciativa, em funcionamento desde 1988, destinada a aglutinar equipamentos de grande porte necessários a análises refinadas de substâncias químicas, atividade essa cada vez mais procurada pelas indústrias químicas e pelas demais universidades do país.

A Biblioteca — compartilhada com a Faculdade de Ciências Farmacêuticas —, em prédio novo de 2.500 m2, foi classificada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico como Biblioteca principal de Química do país: conta com um acervo, entre livros e periódicos, de 68.394 volumes tombados e cerca de 80.000 fascículos sem encadernação. As publicações periódicas do acervo perfazem o total de 2.769 títulos, dos quais 816 são correntes. Desse total 574 são subscrições adquiridas e 262 permutados ou doados. A Biblioteca é, ainda, depositária de aproximadamente 55.000 patentes americanas em microfichas, e é muito freqüentada não só pelos docentes e estudantes mas também por profissionais da indústria química.

No âmbito da graduação, registrando média semestral de 2.800 matrículas por disciplinas, o IQUSP ministra disciplinas obrigatórias para 18 currículos diferentes de 13 Unidades da USP sediadas no campus da Capital, além de atender cerca de 400 alunos matriculados sob sua responsabilidade em cursos que levam à formação de bacharéis em Química, licenciados em Química e Químicos com atribuições tecnológicas. No âmbito da pós-graduação, com aproximadamente 400 alunos regularmente matriculados em cursos de mestrado e doutoramento, credenciados pelo Conselho Federal de Educação, forma professores universitários e pesquisadores em Química e Bioquímica.

Desde a sua criação, em 1970, até o final de 1993, registra vigorosa produção científica, expressa em 2108 publicações, computando-se somente as publicações completas em revistas de circulação internacional e 1034 títulos de pós-graduação expedidos: 460 mestrados e 574 doutoramentos.

A grande explosão de conhecimentos e a crescente interdisciphnaridade com outras ciências torna impossível uma descrição pontual das atividades de dezenas de grupos de pesquisa no IQUSP. Parece-nos mais útil descrever os principais objetivos da Química moderna e a sua relação com as atividades de pesquisa na instituição.

Pesquisa e pós-graduação

Grande ênfase foi dada à vinculação da pós-graduação com a pesquisa, na convicção de que não pode existir verdadeira pós-graduação sensu stricto sem atividade de investigação e é essencialmente da qualidade desta que se afere o nível global. Pesquisa e pós-graduação têm caminhado juntas e se beneficiado reciprocamente, refletindo-se este fato de maneira marcante na produção científica do Instituto.

O desenvolvimento da investigação moderna em Bioquímica levou o Departamento a concentrar-se principalmente em três grandes áreas do conhecimento biológico: bioquímica, biologia celular e biologia molecular. Os grupos do Departamento — aproximadamente 20 — dedicam-se ao estudo de fotobiologia no escuro; bioquímica, biologia molecular e diferenciação em microorganismos, insetos e vertebrados; expressão gênica; fatores de crescimento; síntese de peptídios; catalise micelar; estrutura de lipídies complexos; toxicologia de policlorados; modelos de membrana, dentre outros, podendo-se aglutinar essas linhas em quatro grandes correntes: estrutura e função de proteínas; controle da expressão gênica; espécies reativas em Biologia; modelos e membranas. Para a execução de seus trabalhos os professores recorrem às técnicas mais modernas oferecidas pela engenharia genética bem como a procedimentos analíticos sofisticados como cromatografia líquida de alta pressão, ressonância paramagnética eletrônica, eletroforese de campo pulsado, ultracentrifugação entre outras.

O Departamento de Química Fundamental tem o dobro de docentes do Departamento de Bioquímica e atua em diversas linhas da Química moderna. Um dos objetivos centrais da Química é a compreensão do fenômeno da reatividade química. A conseqüência da compreensão detalhada dos mecanismos que controlam a reatividade em nível molecular seria o desenvolvimento de novos catalisadores e novos métodos de síntese, bem como o planejamento de novos fármacos, além de fornecer subsídios moleculares para a compreensão de disfunções biológicas que determinam as doenças. Outra vertente na Química moderna diz respeito ao desenvolvimento de novos materiais com propriedades específicas visando a aplicações nas áreas de polímeros condutores, polímeros biocompatíveis e supercondutores. Nesse campo é fundamental controlar a pureza das diversas substâncias, o que é possível com o desenvolvimento e a aplicação de técnicas cromatográficas, emissão atômica, termoanálise e técnicas eletroanalíticas, campos intensamente trabalhados no Instituto. Métodos de análise para algumas substâncias chegam a detectar picogramas (um trilionésimo do grama) com contaminantes na faixa de femtogramas (um quatrilionésimo do grama).

Para que esses grandes objetivos sejam alcançados, uma condição essencial deve ser satisfeita: o conhecimento detalhado da estrutura molecular e, em alguns casos, da estrutura supramolecular. Para isso, o IQUSP dispõe de equipamentos denominados espectrômetros — de ressonância magnética nuclear, paramagnética eletrônica, Raman acoplado a laser, de massa — que ajudam a conhecer a disposição espacial dos átomos numa molécula. Esse trabalho exige também o conhecimento das energias envolvidas nas ligações químicas o que permite deduzir quais os melhores pontos de rompimento da molécula ou de sua reatividade.

Pode-se ainda compreender porque certas moléculas têm a sua reatividade alterada na presença de luz — o objeto da fotoquímica — que, entre outras abordagens, procura entender o mecanismo de uma reação química vital para o planeta — a fotossíntese — modelo ideai de produção de energia eficiente e não poluente.

Na tentativa de entender mais detalhadamente a reatividade química, os pesquisadores passaram a utilizar lasers que podem ser sintonizados para se colocar a energia luminosa em determinadas ligações químicas da molécula, tornando possível reações seletivas que dão origem ao produto desejado. Esse velho sonho dos alquimistas, ainda longe de ser realizado, alcança resultados impressionantes. O IQUSP possui lasers pulsados acoplados a espectrômetro de ressonância ciclotrônica de íons utilizado nessa área, conhecida como Dinâmica Química.

Ao longo das últimas décadas, métodos computacionais para o cálculo de propriedades moleculares têm se tornado crescentemente importantes. Os cálculos baseiam-se em modelos teóricos derivados da Mecânica Quântica, cujos princípios regem o comportamento de átomos e moléculas. A existência de grupos de pesquisa nesta área no IQUSP somente tornou-se possível graças à existência de recursos computacionais de grande porte na Universidade e de facilidades computacionais menores na instituição.

Extensão de serviços à sociedade

O IQUSP mantém-se aberto às interações com a Indústria. Criou a Central Analítica, que executa analises sofisticadas para as empresas e para as demais universidades brasileiras. Em 1993, somente na área de Ressonância Magnética Nuclear, a Central Analítica atendeu a 436 pedidos de empresas, outras universidades e institutos de pesquisa, além dos 4103 espectros solicitados pelos cientistas do próprio IQUSP. O laboratório de microanálises que quantifica carbono, hidrogênio, nitrogênio, enxofre, cloro e bromo atendeu, em 1993, a 1085 pedidos de empresas e universidades e 2305 pedidos de professores do IQUSP: No total dos serviços prestados, a Central Analítica executou, em 1993, 40 análises por dia. Além disso, alguns grupos de pesquisa, por meio de cursos promovidos em conjunto com as sociedades representativas da Química e da Bioquímica, tentam atualizar o conhecimento do maior número possível de profissionais da empresa privada bem como trocam informações importantes para ambas as partes.

Atividades de organização do ensino

Finalmente, o IQUSP mantém alguns grupos dedicados ao ensino da Química seja ensinando estudantes de pós-graduação a ensinar, seja reciclando de forma sistemática profissionais do ensino secundário, ou ainda estudando e experimentando propostas — com elaboração de manuais para professores e estudantes — que promovam a modernização do currículo, integrando-o cada vez mais ao perfil exigido pela indústria, sem descurar-se da formação básica requerida por uma ciência exata, não só para incutir no jovem o maior número de elementos de racionalidade em sua formação como também proporcionar aos estudantes meios para que se desempenhem a contento em face de problemas de resolução desconhecida.

Conclusões

Em resumo, na Bioquímica, a preocupação fundamental dos diversos grupos de pesquisa é relacionar a estrutura molecular com a função biológica. As moléculas podem ser pequenas ou grandes e estas chegam a ter tamanhos de milhões de peso molecular, podendo até ser visíveis ao microscópio eletrônico. Na Química, a preocupação é relacionar a estrutura com a reatividade, havendo grupos preocupados com métodos analíticos e sintéticos, métodos extrativos de produtos naturais, análise de poluentes e purificação e determinação de estruturas moleculares, trabalhando com substâncias orgânicas e inorgânicas.

Não caberia neste simples resumo, destinado a não-especialistas, proceder a relato sobre linhas específicas de abordagem experimental, por ser tedioso e longo. Pelo exposto, entretanto, vê-se que a Química moderna, praticada nos laboratórios de pesquisa básica ou aplicada do IQUSP, está bastante distante da noção que cada um de nós tem da Química, tal qual nos foi ensinada no curso secundário. Ela está longe de ser uma ciência fenomenológica ou empírica. O IQUSP, através de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão tem, mesmo com as dificuldades por que passa a Universidade brasileira, correspondido às expectativas como um dos mais importantes centros da Iberoamérica nas áreas de Química e Bioquímica.

Walter Colli é professor de Bioquímica, diretor do Instituto de Química da USP e membro do Conselho Deliberativo do IEA-USP. Este resumo foi escrito com inestimáveis subsídios dos professores Paulo Sérgio Santos, Hernán Chaimovich, Ornar El Seoud, Ivano Gutz, João Valdir Comasseto, Massayoshi Yoshida e Paschoal Ernesto Américo Senise.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1994
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