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Em busca da escala local: Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha, atualidade e perspectivas

RESUMO

O artigo problematiza o ideário e a prática contemporâneos do Projeto Urbano, enfocando a Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha, Rio de Janeiro. A evolução dessa intervenção de 2009 até o presente permite argumentar que os descompassos entre planos e projetos que configuram a política urbana carioca impediram o desenvolvimento de uma escala local para a área de interesse dessa OUC, e seu Projeto Urbano. Identificando eventos, processos e resultados ambientais, evidencia-se a condição excludente e desigualdades socioterritoriais na área, obstando a escala local.

PALAVRAS-CHAVE:
Projeto urbano; Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha; Descompassos entre planos e projetos; Desenvolvimento da escala local

ABSTRACT

The article discusses the contemporary ideas and practices of Rio de Janeiro’s Urban Project, focusing on the Porto Maravilha Urban Operation Consortium (CUO). The evolution of this intervention from 2009 to the present makes it possible to argue that the mismatches between plans and projects that shape the urban policy of Rio de Janeiro prevented the development of a local scale for the area of interest of this CUO and its Urban Project. By identifying environmental events, processes and results, the exclusionary status and socio-territorial inequalities in the area become clear, hindering the attainment of a local scale.

KEYWORDS:
Urban Project; Urban Operation Consortium (CUO) Porto Maravilha; Mismatches between plans and projects; Development of local scale

Introdução

O ideário e a prática contemporâneos do Projeto Urbano podem ser problematizados na Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha, Rio de Janeiro. A evolução dessa intervenção de 2009 até o presente permite apresentar descompassos entre planos e projetos no âmbito da política urbana carioca, que impediram a escala local e a emergência de um projeto urbano para a área de interesse.

A metodologia identifica os principais processos e resultados da OUC, evidenciando sua incapacidade de desenvolver essa escala como espaço-tempo (Santos, 1996SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.), em que fluxos socioeconômicos e espaços vitais transformam uma peça urbana, beneficiando sua plena ocupação, e estimulando a permanência e o uso múltiplo.

Caracteriza-se a Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha (Rio de Janeiro) e seu desdobramento (2009-2019), identificando eventos, processos e resultados ambientais, que evidenciam a condição excludente e a produção de desigualdades socioterritoriais na área, obstando a escala local.

A OUC Porto Maravilha se encontra (2019) estagnada, com empreendimentos imobiliários inacabados ou sem uso. Imóveis corporativos de alto padrão estão vagos (Secovi-Rio, 2019) e a baixa procura e retração do mercado imobiliário na Zona Portuária acarretaram o menor valor do metro quadrado da cidade (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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).

Para além de fatores externos, como a crise política e econômica, são analisados três pontos que delineiam a intervenção no âmbito da política urbana:

  • A desmobilização do tecido residencial de baixa renda na área da OUC Porto Maravilha, com expulsão da população residente.

  • A falta de coordenação do planejamento urbano, desarticulando a transformação da área portuária de outros polos de desenvolvimento, e do interesse do mercado imobiliário. Analisa-se o fenômeno da Barra da Tijuca, como principal destino dos empreendimentos imobiliários imaginados para a região portuária.

  • A modelagem singular da OUC Porto Maravilha, uma intervenção em terras eminentemente públicas, utilizando fundos públicos para movimentar contrapartidas com a comercialização de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac),1 1 Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac), títulos comercializáveis na bolsa de valores, por meio dos quais os empreendedores constroem acima do coeficiente de aproveitamento do terreno ditado pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS). adquiridos em bloco e de uma vez por um agente igualmente público, a Caixa Econômica Federal (CEF). Enfatiza-se o benefício de um conjunto restrito de atores privados, em torno da sobreposição de uma Parceria Público-Provado (PPP), gerida pela Concessionária Porto Novo: as empreiteiras Odebrecht, Carioca Nielsen e OAS.

Como resultado, argumenta-se que a combinação desses processos, e disjunções decorrentes de externalidades e decisões setoriais endógenas, contribui para explicitar causas e processos da descoordenação entre Plano e Projeto Urbano, levando ao empobrecimento da OUC Porto Maravilha, e obstando a emergência da escala local.

Escala local, relações interescalares e desenvolvimento urbano

Na economia-mundo (Wallerstein, 2016WALLERSTEIN, I. El moderno sistema mundial. Madrid: Siglo XXI, 2016. 3v.), o território se conecta a escalas diversas: local, regional e global. Relações produtivas e atividades econômicas afetam os níveis urbano e metropolitano, diante da competividade territorial que o sistema impõe (Sànchez, 2001SÀNCHEZ, F. A Reinvenção das Cidades na Virada de Século: Agentes, Estratégias e Escalas de Ação Política. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v.16, p.31-49, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n16/a03n16.pdf>.
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). A transformação induzida de áreas urbanas em mudança de usos ganha relevância, a exemplo do Porto Maravilha, ao recriar a escala local, que define atividades e nova especialização produtiva.

O espaço urbano é um fator de produção para o circuito do capital, nas várias escalas (Sassen, 2009SASSEN, S. Cities and City Regions in Today’s Global Age. SAIS Review, v.XXIX, n. 1, 2009. Disponível em: <https://www.telaviv.gov.il/About/DocLib4/Cities%20in%20Today%E2%80%99s%20Global%20Age.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2019.
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), e arquitetura, desenho urbano e planejamento desempenham papel central. Embora não se possa falar “na” economia global, redes de lugares multiplicam circuitos financeiros em áreas urbanas singulares, capazes de cruzar o globo, especializando-se na esfera local. O desafio do planejamento é incluir cidades nesses circuitos, cabendo definir a quem atendem e quem é beneficiado por tais fluxos.

A especialização produtiva, rol de atividades econômicas dos lugares, é meio para que cidades e regiões alcancem inclusão na economia global, e ainda coesão social, empregos e postos de trabalho. Escalas se conformam como lugares de projeto (Masboungi; Mangin, 2009MASBOUNGI, A.; MANGIN, D. Agir sur les grands territoires. Paris: Éditions Le Moniteur, 2009.), contando com atributos físicos e funcionais que as definem, e projetos urbanos conferem crescente protagonismo às cidades, integrando-as às dimensões social e econômica. Como cidade e região metropolitana podem se tornar locus de especializações produtivas, tal como se pretende para a região portuária do Rio de Janeiro, o processo envolve a colaboração das instituições locais, identificando especializações e vocações.

Soja (1993SOJA, E. Geografias Pós-Modernas. A reafirmação do espaço na teoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.) pontua a importância do espaço urbano e o papel político da cidade para orientar atividades socioeconômicas, valorizando a ação indutora que reconfigura o território. A especialização produtiva depende do espaço, e a acumulação, da produção social no território, sugerindo que Projetos Urbanos se convertam em estratégia para fixar populações no espaço intra- e extraurbano, definindo mediações da circulação do capital, com efeitos internos - urbanos (locais), regionais e globais (ibidem).

Santos (1996SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996., p.120) entende a escala como “um limite e um conteúdo que se transformam ao sabor das variáveis dinâmicas que decidem sobre o acontecer regional ou local”, um espaço-tempo incluindo o conjunto de atores, novos e antigos. Instrumentos urbanísticos como OUC operam na fronteira entre mecanismos financeiros de gestão e projetos urbanos, para definir lugares complexos. A realidade socioeconômica define seu espaço, mas políticas públicas, planejamento e projetos urbanos também elaboram escalas, definindo múltiplos usos e envolvendo a população afetada. A partir da escala local, projetos urbanos estabelecem conexões multiescalares, com vínculos tangíveis e intangíveis (Gorz, 2005GORZ, A. O imaterial: conhecimento, valor e capital. Trad. Celso Azzan Júnior. São Paulo: Annablume, 2005.).

Projetos urbanos e a escala local contribuem para mudanças sociais e produtivas, ao incluir populações nesse circuito. Saskia Sassen (2009SASSEN, S. Cities and City Regions in Today’s Global Age. SAIS Review, v.XXIX, n. 1, 2009. Disponível em: <https://www.telaviv.gov.il/About/DocLib4/Cities%20in%20Today%E2%80%99s%20Global%20Age.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2019.
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) pondera que cidades contribuem hoje mais para o mundo globalizado do que sob o keynesianismo de meados dos anos 1990, e como a especialização produtiva local supre os mercados global e interno (Abascal; Bilbao, 2018ABASCAL, E. H. S.; NOHARA, I. P. Operações urbanas consorciadas: impactos urbanísticos no Brasil (Soluções Livro 1). São Paulo: InHouse, 2018. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Operações-urbanas-consorciadas-impactos-urbanísticos-ebook/dp/B07B9KWT92/ref=sr_1_9?qid=1551621373&refinements=p_27%3AIrene+Patr%C3%ADcia+Nohara&s=books&sr=1-9>. Acesso em: 10 jan. 2019.
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).

A circulação econômica, industrial e de serviços é indissociável e relevante para a economia urbana. Embora a indústria siga imprescindível, intensificam-se a circulação financeira e os mercados fundiário e imobiliário (Harvey, 2013HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São. Paulo: Martins Fontes, 2013.), como renda da terra e valor. O planejamento é uma ação eminentemente pública (Lungo, 2004LUNGO, M. (Org.) Grandes proyectos urbanos. San Salvador: UCA Editores, 2004.), e atender a demanda social por ele imposta requer formas de regulação e equidade de oportunidades, em escalas diversas. A crescente produção da renda da terra exige, pois, uma economia política para o espaço urbano, e decisões técnico-políticas adequadas a esse fim.

A produção em escala local é a mais próxima à vida social e cotidiana, incluindo-se em circuitos financeirizados, que aportam em ativos imobiliários: “My argument is that these emergent inter-city geographies begin to function as an infrastructure for globalisation. And they increasingly urbanise global networks” (Sassen, 2009SASSEN, S. Cities and City Regions in Today’s Global Age. SAIS Review, v.XXIX, n. 1, 2009. Disponível em: <https://www.telaviv.gov.il/About/DocLib4/Cities%20in%20Today%E2%80%99s%20Global%20Age.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2019.
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, s. p.).

A OUC Porto Maravilha reinventaria o espaço portuário, produzindo uma escala local conectada às escalas regional e global, atuando como polo de atividades econômicas em uma rede global de cidades. Atividades econômicas especializadas para modificar o perfil da área portuária do Rio, sediadas em edifícios corporativos para empresas nacionais ou estrangeiras, seriam acompanhadas da requalificação de espaços públicos, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental e socioeconômica (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2009).

A oportunidade de revalorizar o centro, atrair empreendimentos corporativos, residenciais e comerciais, e adensar a região se deparou, no entanto, com a ausência de usos diversos para que o lugar emergisse. A OUC optou por concentrar “novas atividades” em empreendimentos culturais e corporativos, praticamente dando as costas ao Morro da Providência, e demais áreas populares.

Operação Urbana Consorciada e Projeto Urbano: disjunção no Porto Maravilha

O ideário e a prática contemporâneos do projeto urbano, no contexto brasileiro recente, e as disjunções entre plano, projetos e a política urbana podem ser criticamente analisados por meio da Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha.

Planos, instrumentos urbanísticos como OUC e projeto urbano podem coparticipar da transformação da cidade (Sabaté, 2003), como projetos urbanos estratégicos (Faludi, 1994FALUDI, A. Rule and Order. Dutch Planning Doctrine in the Twentieth Century. Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1994.). Sob essa noção reside um complexo significado, valorizando o projeto urbano como mediação para o desenvolvimento. Busquets (2007BUSQUETS, J. Cities: 10 Lines - A New Lens for the Urbanistic Project. Cambridge: Harvard Graduate School of Design, 2007.), ao conceituar a integração do Plano ao Projeto Urbano, define essa relação como um projeto de projetos, e intervir na cidade iria além da atuação em partes do tecido urbano, desaconselhando dissociar planejamento urbano e projetos, evitando-se perder a totalidade da dimensão do urbano.

Operações urbanas consorciadas são “[...] intervenções pontuais realizadas sob a coordenação do Poder Público e envolvendo a iniciativa privada, empresas prestadoras de serviços públicos, moradores e usuários do local, buscando alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental” (Prefeitura de São Paulo, 2019). O sucesso das Operações Urbanas Consorciadas implica que planos e projetos urbanos estabeleçam entre si um diálogo e não se confundam, pressupondo implementação sincrônica de projetos que se justapõem sem colidir, produzindo escalas e atividades.

A região portuária carioca experimenta hoje transformação de usos, e decadência iniciada na década de 1960, em razão de mudanças no setor de armazenagem e transportes. Antigos galpões e terrenos em áreas portuárias do mundo foram liberados pelo uso de containers (Bentes, 2010BENTES, J. C. da G. Análise dos Planos Urbanísticos Recentes para a Região Portuária do Rio de Janeiro. In: I ENANPARQ. Arquitetura, cidade e paisagem e território: percursos e prospectivas. Simpósio temático Reflexões sobre Desafios e Perspectivas para as Áreas Portuárias do Rio de Janeiro e Niterói. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2010. Disponível em: <https://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/129/129-639-2-SP.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2019.
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), e cidades que vivenciaram transformação similar incluíram-se no imaginário urbanístico do Rio de Janeiro: Boston e Baltimore (Estados Unidos), e na América Latina, Valparaíso (Chile), Porto Madero e Santa Fé, na Argentina.

A região central é uma conexão multiescalar, revelando-se pela localização do Porto Maravilha, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que motivou planos para enfrentar o abandono e degradação dos bairros que a integram, Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte de São Cristóvão e Caju. A localização privilegiada possibilita interligações com os principais acessos à cidade, a Avenida Brasil, com intenso afluxo de veículos das rodovias Rio-Santos (BR101), Presidente Dutra (BR-116) e BR-040 (Belo Horizonte e Brasília), e com importantes eixos viários metropolitanos, a Perimetral e Linha Vermelha, e a Ponte Rio-Niterói, em direção do Nordeste do país (ibidem). Tal localização e relevância histórico-cultural da região portuária evidenciam sua importância multi- e interescalar, como continuidade do centro e nó estratégico de mobilidade.

O uso residencial é uma característica histórica relevante, e já no século XIX, a primeira comunidade do Rio e o primeiro cortiço instalaram-se no Morro da Providência, que assistiam ao desembarque de escravos, à exportação de café e chegada de navios de maior calado. O aterro de uma grande área e a construção do Porto do Rio de Janeiro, inaugurado em 1910, o mais moderno do país, valorizaram a capital da República, embora os bairros portuários tenham prosseguido à margem do desenvolvimento do centro e da cidade. Enquanto outras áreas se modernizaram, Saúde, Gamboa e Santo Cristo viram formas de vida e padrões habitacionais de baixa renda se consolidarem.

Morros e comunidades no Porto Maravilha abrigam habitação de baixa renda, apresentando imóveis antigos e precários, como cortiços, e são palco de importantes manifestações culturais como o Samba. Hoje, realizações imobiliárias e infraestruturais na área não dialogam com a ocupação residencial característica, podendo-se afirmar que o novo dá as costas às formas de apropriação e uso preexistentes. Toda a região experimenta um esvaziamento, com a crise econômica, política e social que acometeu o Rio de Janeiro e fez o mercado imobiliário se retrair (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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).

O esvaziamento da escala local e autonomia da OUC em análise se explicam por sua modelagem, e a maneira como as relações com entes gestores, como a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro (CDurp) (Lei Complementar n.102, de 23 de novembro de 2009), com implementadores (Concessionária Porto Novo), e formas de regulação foram engendrados. A adoção de uma Parceria Público-Privada (PPP) para contribuir na gestão, consiste na maior Parceria Público-Privada em uma intervenção urbana que conta com um Contrato de Concessão Administrativa (Concessionária Porto Novo).2 2 Lei n.11.079/04, Art.2°. §2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (Direito Diário, 2019). Disponível em: <https://direitodiario.com.br/concessao-administrativa-e-patrocinada-qual-a-diferenca/>. “[...] é a modalidade de parceria público-privada que, em função do contexto do serviço de interesse público a ser prestado pelo parceiro privado, não é possível ou conveniente a cobrança de tarifas dos usuários de tais serviços. Nesse caso, a remuneração do parceiro privado é integralmente proveniente de aportes regulares de recursos orçamentários do poder público com quem o parceiro privado tenha celebrado o contrato de concessão” (Observatório das Parcerias Público-Privadas, 2019). Disponível em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/concess%C3%A3o-administrativa>. Acesso em: 19 jan. 2019.

É possível dizer que a OUC abordou a área como fragmento, desconectado de suas preexistências e do desenvolvimento de outros bairros e importantes vetores de expansão imobiliária, como a Barra da Tijuca, desarticulando planos, instrumento urbanístico e projetos urbanos. Resulta dessa disjunção a fragilidade da escala local, impedindo vínculos com outras escalas ao desmobilizar a transformação socioterritorial não apenas da área, mas da cidade e da região metropolitana.

Especificidades, dificuldades e desafios, estagnação e incompletude da OUC como projeto urbano, integram um frágil quadro em que um tecido vital de uso múltiplo e a revitalização jamais foram o foco, e o Porto Maravilha ficou isolado do planejamento da cidade, sobrepondo-se a outros planos, projetos e decisões técnico-políticas. Um modelo reducionista, desvinculado dos atores e da problemática social da intervenção faz questionar resultados, diante da esperada complexidade do plano.

Singularidades, processos e externalidades da OUC Porto Maravilha como causas da desmobilização da escala local (2009-2018)

A Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha foi regulamentada em novembro de 2009 (Lei Complementar n.101), modificando o Plano Diretor do Rio de Janeiro, e definindo uma Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU). Deveria ser coordenada pelo Município, com participação de proprietários, moradores, usuários e investidores (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2009). Criou-se em 2009 a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDurp), empresa de economia mista controlada pela prefeitura, para implementar e gerir obras e serviços públicos, e administrar recursos patrimoniais e financeiros do projeto (CDurp, 2019).

A Lei da OUC possibilitou alterar índices de uso e ocupação do solo fixados no Plano Diretor do Rio de Janeiro, como o Coeficiente de Aproveitamento Básico e Coeficiente de Aproveitamento Máximo, instituindo usos mediante pagamento da Outorga Onerosa de Alteração de Uso, e Outorga Onerosa do Direito de Construir. O mecanismo legal prevê que os recursos obtidos com a venda do potencial adicional de construção, na forma de Cepac, fossem utilizados na própria área. Infraestruturas, redes de urbanização e novo sistema viário, drenagem, água, esgoto, gás natural, eletricidade, iluminação pública e telecomunicações, conservação e prestação de serviços, devem contar com esses recursos, e com programa de desenvolvimento socioeconômico para a população afetada.

Num prazo de trinta anos, pretendia-se revitalizar cinco milhões de metros quadrados, quase um terço do centro do Rio de Janeiro, onde residem cerca de trinta mil pessoas, abrigando comunidades como Morro da Providência, Pedra Lisa, Morro da Conceição, Morro do Livramento, Morro do Pinto, São Diogo, e bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Central do Brasil, Cidade Nova e São Cristóvão (Bentes, 2010BENTES, J. C. da G. Análise dos Planos Urbanísticos Recentes para a Região Portuária do Rio de Janeiro. In: I ENANPARQ. Arquitetura, cidade e paisagem e território: percursos e prospectivas. Simpósio temático Reflexões sobre Desafios e Perspectivas para as Áreas Portuárias do Rio de Janeiro e Niterói. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2010. Disponível em: <https://www.anparq.org.br/dvd-enanparq/simposios/129/129-639-2-SP.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2019.
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).

A transformação da área portuária e a OUC Porto Maravilha foram motivadas pelos Jogos Olímpicos de 2016, e potencial valorização fundiária (ibidem). Apostou-se de início na área central para sediar os jogos, valendo-se do desenvolvimento econômico previsto com a revitalização. Vilas de mídia e árbitros, unidades administrativas, centro de tecnologia e logística e centro de mídia não credenciada seriam implantados no Porto Olímpico, reunindo a Vila de Mídia e de Árbitros e instalações operacionais (CDurp, 2019).

No final de 2011, como preparação do evento olímpico, deu-se início às obras da Operação Urbana, mas uma mudança de rumos do projeto original fez os equipamentos ligados aos Jogos se deslocarem para a Barra da Tijuca, deflagrando um percurso para o Porto Maravilha orquestrado eminentemente por concessionários privados.

A União previra uma parceria com outras esferas governamentais para implementar o projeto, devido à predominância de terrenos públicos em sua área-alvo (ibidem). Um Consórcio Público integrado pelos três níveis de governo (União, estado e município), consistia no momento no principal instrumento gestor. O Ministério das Cidades criou o “Programa de Reabilitação de Áreas Centrais da Secretária Nacional de Programas Urbanos”, prevendo habitação na região portuária (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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), e a participação popular, permanência dos moradores e habitação de interesse social ocupando imóveis públicos vazios. Sob gestão do consórcio, a operação urbana promoveria o interesse coletivo priorizando o transporte público, habitação e preservando o patrimônio histórico e cultural.

O consórcio público foi então descartado, e uma gestão e modelagem apoiadas em outra composição de forças, desviou o projeto dos primeiros desígnios. A Parceria Público-Privada recebeu nova roupagem, restringindo-se à Concessionária Porto Novo, e a execução das obras foi contratada por meio de uma Concessão Administrativa, modalidade de Parceria Público-Privada (PPP) em que a remuneração do parceiro privado implica contraprestações e repasse de verbas públicas (Abascal; Nohara, 2018ABASCAL, E. H. S.; NOHARA, I. P. Operações urbanas consorciadas: impactos urbanísticos no Brasil (Soluções Livro 1). São Paulo: InHouse, 2018. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Operações-urbanas-consorciadas-impactos-urbanísticos-ebook/dp/B07B9KWT92/ref=sr_1_9?qid=1551621373&refinements=p_27%3AIrene+Patr%C3%ADcia+Nohara&s=books&sr=1-9>. Acesso em: 10 jan. 2019.
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).

A intervenção definiu regras, gestores, e compromissos sociais, como fixar os atuais moradores na própria área portuária. No entanto, destinou 3% das contrapartidas onerosas pagas por empreendedores imobiliários para investir na valorização do patrimônio material e imaterial, e em programas variados e habitação de interesse social (Faulhaber; Azevedo, 2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de Janeiro: Ed. Morula, 2015.). A discreta contribuição a esses programas se apequena diante de percentagens em OUC paulistanas, destinando de 10% a 25% de recursos de Cepac para habitação de interesse social, incomparáveis aos 3% -objetivos amplos pagos com recursos escassos.

A Vila Olímpica finalizada em 2014, obra da Carvalho Hosken em sociedade com Odebrecht Realizações Imobiliárias, foi, no entanto, implementada no vetor da Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro. O Comitê Olímpico pressionou a empresa a ceder o terreno para a construção do condomínio de alto luxo Ilha Pura. Os apartamentos para atletas deveriam servir pós-Olimpíadas ao uso residencial de alto padrão, localizado em uma área distante do centro, o que reduziu a escala local do Porto Maravilha ao deslocar de lá o foco das obras olímpicas (Revista Exame, 2017).

A proposta era condizente com o perfil dos moradores, pois a maioria recebe baixos salários; mais de 50% dos moradores/as (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE, 2010) possuem renda mensal domiciliar per capita inferior a um salário-mínimo, e 26% dos moradores recebe de um a dois salários-mínimos. De acordo com o Censo de 2010, dos 10.098 domicílios da região, 611 apresentam renda maior que três salários-mínimos. A favela mais antiga do Brasil, o Morro da Providência, reúne a maioria dos moradores, totalizando 1.237 domicílios. Significa que um dos principais focos da intervenção deveria ser a provisão de recursos para melhoria de espaços públicos e habitação.

O acesso à terra urbana e seus detentores é central para analisar projetos urbanos e seus efeitos, assim como a reserva de terras para habitação social. A OUC ocupa solos da União, e a escala local urgia habitação popular. A adoção da PPP em uma intervenção urbana, para além dos mecanismos usuais desse instrumento, suscita dúvidas quanto a preservação do interesse coletivo. Na ocasião da lei aprovada, o Ministério das Cidades idealizava implementá-la enfatizando o uso habitacional, com modalidades diversas de habitação, sobretudo de proteção oficial.

Os terrenos, no entanto, integraram negociação entre fundos imobiliários, e vendidos a atores privilegiados para usos rentáveis, e para aumentar a arrecadação, a fim de pagar a PPP de obras e serviços (Sarue, 2018SARUE, B. Quando grandes projetos urbanos acontecem? Uma análise a partir do Porto Maravilha no Rio de Janeiro. Dados [online], v.61, n.3 [cited2019-03-14], p.581-616, 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582018000300581&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0011-5258. http://dx.doi.org/10.1590/001152582018154. Acesso em: 27 jan. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). A maior parte da área do Porto Maravilha é propriedade pública: 6% do solo pertencem ao estado do Rio de Janeiro; 6%, ao município; e 63%, à União, totalizando 75% de área pública; e 25% de propriedade privada (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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).

Quem hoje chega à Praça Mauá, epicentro da área renovada, nota o impacto do Museu do Amanhã (obra de Santiago Calatrava), bem como pode visitar nas proximidades o aquário marinho (Áqua Rio), e circular pelo Boulevard Olímpico (Orla Conde) no Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que atravessa parte da cidade e região portuária. Verificam-se atividades culturais promovidas pela prefeitura que agencia a população ligada ao samba, em meio à precariedade de serviços essenciais no entorno, moradia digna e qualidade de vida.

Fundos originados da venda de Cepac foram parcialmente destinados à conservação de infraestrutura, limpeza urbana, coleta de lixo e operação de trânsito. Mas a CDurp terceirizou a própria função, e delegou ao Consórcio Porto Novo parte dos serviços, passando à concessionária, um ente privado, a decisão sobre uma área pública.

A intervenção atendeu ao Ministério das Cidades adotando Cepac, mas toda negociação ocorreu entre empreiteiras e municipalidade. Um projeto urbano das três empresas foi desenvolvido paralelamente ao do consórcio público, descartando o controle dos principais projetos e decisões urbanísticas. As empresas tomaram a liderança, priorizando grandes obras de infraestrutura urbana e empreendimentos corporativos, “uma operação imobiliária executada por empresas privadas, mas financiada, de forma engenhosa, com recursos públicos, em terrenos públicos” (Rolnik, 2015ROLNIK, R. Guerra dos Lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.). O projeto ganhou novos contornos em 2016, e as empreiteiras venceram editais para as obras do Programa Morar Carioca (R$ 32 milhões) e a PPP para operar o veículo leve sobre trilhos, o VLT (R$ 1,1 bilhão) (Belisário, 2018).

Na modelagem dos concessionários privados, terras portuárias deveriam ser cedidas a prefeitura, cabendo-lhes a incorporação imobiliária, com total segurança ao empreendedor. Impedia-se negociar Cepac livremente no mercado, pois os mesmos atores eram responsáveis pelas interlocuções com a população, e incorporação de empreendimentos atraentes, contrariando a reabilitação integral da área.

A viabilidade da operação urbana também é questionável, pois para antecipar recursos e iniciar obras, a Prefeitura do Rio emitiu no mercado Cepac comprados por R$ 3,5 bilhões pelo Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha (FIIPM), criado com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF), o Fundo adquiriu todos os títulos no leilão de junho de 2011 (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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).

A CEF passou a ter exclusividade na comercialização dos títulos, e prioridade em adquirir parcelas fundiárias. Tornou-se desnecessário que investidores diversos participassem dos leilões de títulos, pois a prioridade era do grupo de empreendedores titulares da PPP. A Caixa Econômica assumiu todos os custos iniciais, em troca da aquisição dos títulos e terrenos públicos. A maior parte dos recursos foi aplicada nos cinco primeiros anos, consumindo R$ 5 bilhões em infraestruturas de maior porte, como demolição da Avenida Perimetral, para restabelecer a ligação e permeabilidade entre o Porto e o centro da cidade.

Para regulamentar novos investimentos do FGTS, o Ministério das Cidades foi acionado (Instrução Normativa n.33, de 17 de dezembro de 2014), aprovando a obrigatoriedade de um Plano de Habitação de Interesse Social (PHIS), em caso de intervenções urbanas que se valessem do FGTS. Pretexto para movimentar mais recursos pela CDurp, utilizando-se dessa Instrução Normativa (Rolnik, 2015ROLNIK, R. Guerra dos Lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.).

Mesmo aguardando que a valorização dos terrenos públicos e Cepac fossem suficientes para honrar o compromisso da CEF de R$ 8 bilhões (corrigidos somam hoje R$ 9,9 bilhões) (ibidem), o interesse do mercado ficou abaixo do esperado. Em 2017, novo aporte do FGTS de R$ 1,5 bilhão financiou a PPP, movimentando recursos públicos para a parceria.

Com baixo interesse do mercado, atento à Barra da Tijuca (Werneck et.al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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), a produção imobiliária na região portuária segue aquém da necessidade, com risco de novos financiamentos do FGTS. Os Cepac não acionaram a Operação Urbana para além do andamento emergencial, e de 77 empreendimentos de mercado mapeados na área da OUC, 35 são construções novas, e 35 reformas de imóveis existentes. Grande parte das reformas incide em pequenos estabelecimentos comerciais (57 dos 77 empreendimentos), e de 35 aprovadas, 14 não foram iniciadas e 13 estão concluídas e em funcionamento (Belisário, 2018).

O mercado imobiliário não demonstrou interesse em investir no ritmo desejável, contribuindo para desmobilizar a escala local, e realizações pontuais, como a Praça Mauá e o Museu do Amanhã, definiram algumas obras emblemáticas. A Orla Conde, com antigos galpões portuários ainda desativados, onde se localiza o Aqua Rio, destinando-se complementar a transformação do Pier Mauá com o Museu do Amanhã, segue desmotivando condições a plena permanência.

A ausência de escala local se agrava pela impossibilidade de a operação urbana arcar com os custos da Parceria Público-Privada antes mesmo da crise econômica, e durante o desaquecimento do mercado imobiliário. Evidencia-se o frágil regime de PPP por concessão administrativa no âmbito do projeto urbano, pois o pagamento do concessionário depende da rentabilidade da operação urbana desaquecida pela recessão, acarretando ônus público.

Empreendimentos imobiliários de alto padrão, corporativos ou hoteleiros caracterizam a região portuária, e o mercado imobiliário privilegia segmentos que fragilizam a vitalidade da OUC, ressentindo-se da falta de projeto urbano para equilibrar usos com diversidade.

Habitação de interesse social, creches, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e escolas, integração entre diversos modais de transportes, facilitando a mobilidade e comunicação com outras áreas da cidade, e qualidade ambiental com apoio a comunidade (Cdurp, 2018), orientaram o discurso. Entretanto, constatou-se a desmobilização do tecido residencial de baixa renda, com expulsão da população residente (Faulhaber; Azevedo, 2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de Janeiro: Ed. Morula, 2015.), sobretudo das favelas da Providência e entorno.

O mercado de HIS não se desenvolveu, enfrentadas sucessivas remoções e ampla política gentrificadora (Smith, 2007SMITH, N. Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online), n.21, p.15-31, 2007. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2007.74046>. Acesso em: 18 jan. 2019.
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), gerando exclusão e ausência de tecido urbano vital. A Habitação de Interesse Social foi substituída (Faulhaber; Azevedo, 2015FAULHABER, L.; AZEVEDO, L. SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de Janeiro: Ed. Morula, 2015.) pela transformação da composição social da área, com valorização fundiária. A aplicação da OUC Porto Maravilha, com recursos do FGTS operados pela Caixa Econômica Federal, adquirindo Cepac, previa valorização dos títulos e terrenos públicos para garantir retorno ao investimento, e ao fracassar, exigiu movimentar um novo montante do FGTS.

O Conselho Curador do FGTS exigiu do Ministério das Cidades normas para uso do Fundo em Operações Urbanas e a Instrução Normativa 33 definiu que recursos públicos poderiam ser aplicados em áreas de OUC se vinculados a um Plano de Habitação de Interesse Social. O PHIS Porto incluía cinco eixos: produção habitacional; equipamentos e inclusão socioprodutiva; locação social; melhoria habitacional e assistência técnica; e criação e regularização fundiária de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) (Werneck, 2017_______. Os infames termos aditivos e o mico do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, 2017(b). Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/wp/falacia-do-porto-maravilha-ppps-cepacs-e-o-onus-para-o-poder-publico/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
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b).

O PHIS entregou apenas 24 unidades habitacionais da meta de 5.000 (ibidem), aquém do exigido para a revitalização urbana. A HIS para populações carentes na área portuária nunca foi o foco da política urbana, e a operação urbana e a política habitacional municipal se contradisseram, esvaziando a escala local.

Das oito ocupações na área do Porto Maravilha, apenas Quilombo das Guerreiras conseguiu um terreno público para 119 unidades habitacionais na Gamboa. Uma transformação urbana voltada ao interesse público nunca foi prioridade, afastando a OUC Porto Maravilha de um Projeto Urbano, caracterizando-a como operação imobiliária.

A modelagem da OUC Porto Maravilha, além da compra de todos os Cepac pela CEF com recursos do FGTS, também é questionável quanto à salvaguarda dos interesses coletivos pela CDurp. A PPP por concessão administrativa terceirizou parte da manutenção legando à Concessionária Porto Novo 87,8% das obras, totalizando R$ 6,2 bilhões para o Boulevard Olímpico (Orla Conde), Museu do Amanhã e túneis subterrâneos que substituíram o Elevado da Perimetral (Centro de Tecnologia de Edificações, 2018), contribuindo para privilegiar o grupo de empreiteiras.

Outro questionamento cabível é o emprego de uma PPP em uma OUC, mesmo não havendo impedimento legal para que uma Operação Urbana utilize o instrumento em sentido restrito, conforme a Lei n.11.079/2004 (Abascal; Nohara, 2018ABASCAL, E. H. S.; NOHARA, I. P. Operações urbanas consorciadas: impactos urbanísticos no Brasil (Soluções Livro 1). São Paulo: InHouse, 2018. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Operações-urbanas-consorciadas-impactos-urbanísticos-ebook/dp/B07B9KWT92/ref=sr_1_9?qid=1551621373&refinements=p_27%3AIrene+Patr%C3%ADcia+Nohara&s=books&sr=1-9>. Acesso em: 10 jan. 2019.
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). O Consórcio Porto Novo, além de prover obras de infraestrutura, incluiria prestar serviços, com base nas obrigações legais. Assim,

Do ponto de vista do objetivo de melhoria social, no entanto, se pode constatar que nem sempre a concertação desejada ocorre de forma harmônica, sendo que as parcerias mais elitizantes se focam mais na atração de investidores privados, em modelos no qual o Poder Público municipal se volta a negociar com construtoras, inclusive com o uso de fundos públicos, como ocorreu, por exemplo, no caso do projeto do Porto Maravilha. (ibidem, p.40)

A Operação Urbana Porto Maravilha foi acossada por dimensões e custos, e dificuldades para honrar o consórcio da Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, onerando cofres públicos (Werneck, 2017_______. Os infames termos aditivos e o mico do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, 2017(b). Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/wp/falacia-do-porto-maravilha-ppps-cepacs-e-o-onus-para-o-poder-publico/>. Acesso em: 26 jan. 2019.
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b). Nos últimos cinco anos, a CDurp recomprou mais de 168 mil Cepac com recursos municipais, adquirindo documentos emitidos pelo próprio município, para garantir continuidade. Se a compra dos títulos pela CEF trouxe segurança aos primeiros investidores, não foi suficiente, esperando-se que sua negociação e dos terrenos compensassem o investimento realizado (Werneck, 2017b). Até 2017, 8,74% dos Cepac foram recomprados por investidores privados, e apesar do discurso de envolvimento desses atores, o Estado assumiu todos os riscos (Queiroz; Diniz, 2017QUEIROZ, L. C. R.; DINIZ, N. Financeirização, mercantilização e reestruturação espaço-temporal: reflexões a partir do enfoque dos ciclos sistêmicos de acumulação e da teoria do duplo movimento. São Paulo, Cadernos Metrópole, v.19, n.39, p.351-77, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cm/v19n39/2236-9996-cm-19-39-0351.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2019.
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).

O fundo controlado pela CEF declarou, em maio de 2016, iliquidez para pagar a PPP e as empreiteiras. Em julho de 2017, por não serem pagas, as empreiteiras suspenderam atividades, retomadas em novembro, mas as perspectivas dessa forma de gestão seguem incertas (Werneck et al., 2018WERNECK, M. et al. A estagnação da dinâmica imobiliária e a crise da operação urbana do Porto Maravilha. Observatório das Metrópoles, Informe Crítico, 2018. Disponível em: <http://observatoriodasmetropoles.net.br/download/informe_criseportomaravilha_2018.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2019.
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).

Considerações finais

Impossibilitada de produzir a escala local, a frágil Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha perde a oportunidade de vínculo com outras escalas, e apequena-se um tecido de uso múltiplo, anunciado como um de seus principais objetivos.

A modelagem singular da OUC Porto Maravilha envolveu recursos públicos, investimentos em terras eminentemente públicas, eliminando riscos para poucos atores privados. O modelo de PPP por Concessão Administrativa aprofundou o favorecimento de investidores, consagrando um circuito financeirizado baseado nos Cepac que contraria uma Operação Urbana Consorciada.

Apesar de circunstâncias pouco favoráveis e externalidades, a OUC evidencia desmobilização gentrificadora da população de baixa renda residente na área. Verifica-se descoordenação do planejamento da cidade do Rio de Janeiro, que desarticulou a transformação da área portuária de outros polos de desenvolvimento, e do interesse do mercado imobiliário, deslocado para a Barra da Tijuca. A modelagem orientada por uma intervenção em terras públicas, fazendo uso de fundos públicos e beneficiando um conjunto de atores privados são os principais motivos de enfraquecimento da escala local.

Verificam-se condições adversas da OUC para atrair um parque imobiliário residencial, de Habitação de Interesse Social (HIS) como de médio e de alto padrões, com projetos capazes de consumir potencial construtivo e Cepac. Morar na região portuária conflita com o imaginário das classes médias e altas, que realizam seu sonho de residência na Barra da Tijuca, zona sul. A ausência de serviços na região portuária, para atender a uma nova população trabalhadora e usuária demonstra inexistência de um projeto urbano integrador, capacitando a região portuária a partir de suas potencialidades. A percepção de que se experimenta é de profunda cisão entre instrumento urbanístico e projeto urbano, e sociedade e estado, convidando repensar suas relações na transformação do espaço urbano.

Referências

Notas

  • 1
    Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac), títulos comercializáveis na bolsa de valores, por meio dos quais os empreendedores constroem acima do coeficiente de aproveitamento do terreno ditado pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS).
  • 2
    Lei n.11.079/04, Art.2°. §2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (Direito Diário, 2019). Disponível em: <https://direitodiario.com.br/concessao-administrativa-e-patrocinada-qual-a-diferenca/>. “[...] é a modalidade de parceria público-privada que, em função do contexto do serviço de interesse público a ser prestado pelo parceiro privado, não é possível ou conveniente a cobrança de tarifas dos usuários de tais serviços. Nesse caso, a remuneração do parceiro privado é integralmente proveniente de aportes regulares de recursos orçamentários do poder público com quem o parceiro privado tenha celebrado o contrato de concessão” (Observatório das Parcerias Público-Privadas, 2019). Disponível em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/concess%C3%A3o-administrativa>. Acesso em: 19 jan. 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2019
  • Aceito
    22 Ago 2019
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