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Ciência, valores e alternativas - Apresentação

CIÊNCIA, VALORES E ALTERNATIVAS I

Ciência, valores e alternativas - Apresentação

Hugh LaceyI; Pablo Rubén MaricondaII

ISwarthmore College, Pensylvania, Estados Unidos da América

IIFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil

ESTE DOSSIÊ, "Ciência, valores e alternativas", está composto por duas partes. A primeira parte, "Aportes teóricos", é publicada neste número de Estudos Avançados (n.82), e a segundo parte, "Agroecologia, saúde e biodiversidade", no próximo n.83. Seu objetivo e sua estrutura dependem do modelo da interação entre as atividades científicas e os valores (M-CV) que tem sido desenvolvido nos últimos anos por integrantes do "Grupo de Pesquisa de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia" do IEA/USP, no âmbito do Projeto Temático Fapesp 2011/51614-3, "Gênese e significado da tecnociência: das relações entre ciência, tecnologia e sociedade". Este dossiê apresenta uma parte dos resultados alcançados pelos participantes do "XXIV Seminário Internacional de Filosofia e História da Ciência e da Tecnologia", realizado no IEA, durante março-junho de 2013, e organizado por Hugh Lacey como pesquisador visitante Fapesp. O conjunto de seminários foi planejado para desenvolver uma versão padronizada do M-CV e para ilustrar tanto a potencialidade de seus recursos conceituais críticos quanto sua capacidade de fornecer alternativas efetivas. O dossiê, composto de duas partes, é complementado por outro dossiê, publicado em Scientiae Studia, que contém artigos que consideram a ligação da ciência moderna com o controle da natureza e a reavaliação, ocasionada pela adoção do M-CV, da ideia da racionalidade da ciência.

Esperamos que os artigos de ambos os dossiês sirvam para demonstrar que o M-CV fornece ferramentas tanto para criticar as atividades científicas contemporâneas quanto para identificar possibilidades alternativas e importantes da pesquisa que não estão recebendo o devido reconhecimento nas instituições científicas predominantes.

No primeiro artigo da Parte 1, recapitulamos matéria desenvolvida em detalhe em vários artigos publicados nos últimos anos em Scientiae Studia. Apresentamos (1) um sumário das principais ideias do M-CV que são detalhadamente desenvolvidas por Lacey e Mariconda no dossiê de Scientiae Studia; (2) um esboço do argumento de que há uma incoerência profunda no autoentendimento da tradição da ciência moderna; e (3) uma descrição de dois tipos ideais contrastantes: a tecnociência comercialmente orientada e a pesquisa multiestratégica; esses tipos caracterizam as principais opções atualmente disponíveis para preservar a continuidade do legado das realizações positivas da tradição científica (Lacey, também no dossiê de Scientiae Studia). A tecnociência comercialmente orientada predomina nas instituições científicas atualmente dominantes; mas a pesquisa multiestratégica satisfaz melhor os ideais, afirmados ao longo da tradição científica, de imparcialidade, neutralidade, abrangência e autonomia. A predominância da tecnociência comercialmente orientada conduz ao fortalecimento dos valores do progresso tecnológico, bem como aos valores do capital e do mercado e, em grau importante, ao custo do enfraquecimento dos valores da justiça social, da democracia participativa e da sustentabilidade ambiental e local, enquanto a pesquisa multiestratégica pode servir para fortalecer esses valores.

Os artigos de Marcos Barbosa de Oliveira e Ivan Domingues exploram algumas das consequências problemáticas que seguem da hegemonia da tecnociência comercialmente orientada nas instituições científicas contemporâneas, enquanto Sylvia Gemignani Garcia apresenta uma concepção alternativa à inovação tecnocientífica, analisando o projeto das cisternas desenvolvido pela tecnologia social.

Os outros artigos da Parte 2 exploram a visão positiva fornecida pela pesquisa multiestratégica nas áreas da agroecologia (Hugh Lacey, Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra), da saúde pública (Nicolas Lechopier), e da interação da ciência moderna com maneiras tradicionais e indígenas de obter conhecimento, particularmente quanto à sustentabilidade e ao manejo florestal (Ana Tereza Reis da Silva). A promessa da pesquisa multiestratégica não se limita apenas a essas áreas, mas pode motivar investigações em áreas tais como comunicação, informática, energia, transporte, conservação e uso da água etc.

O conjunto de artigos deste dossiê faz parte da tentativa de fornecer uma firme sustentação filosófica e metodológica para a pesquisa multiestratégica, e de ilustrar o potencial da sua agenda positiva, contribuindo com os críticos da tecnociência comercialmente orientada. A partir do M-CV, mostramos a plausibilidade e a promessa da pesquisa multiestratégica em várias áreas. Entretanto, é evidente que mais pesquisa multiestratégica precisa ser conduzida para confirmar essa promessa e contribuir para a consolidação de alternativas mais concordes com os valores da justiça social, da democracia participativa e da sustentabilidade ambiental. Mesmo assim, pensamos que essa promessa é suficiente para lançar o desafio às instituições científicas, e às universidades como a USP, de expandir suas políticas internas de pesquisa tornando possível propor e desenvolver pesquisa multiestratégica, oferecendo assim amplas oportunidades de participação nesse tipo promissor de investigação.

Recebido em 26.5.2014

Aceito em 31.7.2014

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014
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