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Estudos italianos hoje na USP

ORIGENS E ATUAIS LINHAS DE PESQUISA

HUMANIDADES

Estudos italianos hoje na USP

Pedro Garcez Ghirardi

Sessenta anos de Universidade de São Paulo: sessenta anos de estudos italianos em nossa universidade. Não cabe aqui evocar a antiga cátedra de Italiano, nascida com a USP em 1934, e marcada pelas lições inesquecíveis de Ungaretti. Nestas páginas necessariamente limitadas se pode esboçar sequer nosso presente panorama universitário de estudos italianos. Ficam pois, estas notas sumárias sobre estudos que ultrapassam o âmbito do atual curso de Língua e Literatura Italiana, do Departamento de Letras Modernas, uma vez que a aspectos da cultura italiana se dedicam também outros departamentos de Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, além de diversas unidades universitárias.

A importante contribuição vinda de vários setores da USP não deve fazer esquecer, por outro lado, que no curso de Língua e Literatura Italiana se situa o cerne de nossos estudos italianos. Que seja possível tratar deste curso após sessenta anos de USP é algo que, por si só, honra nossa instituição universitária. Já há muito deixaram de existir entre nós importantes cátedras de Italiano: haja vista a da Universidade Católica de São Paulo, onde conquistou merecido respeito o trabalho do professor Giulio Davide Leone. O afã da produção contabilizável nem às universidades têm poupado. Vai sendo ameaçado e golpeado de morte um patrimônio desconhecido das estatísticas, mas de valor inestimável e insubstituível. Não se pense, aliás, que na USP não se façam sentir tais ameaças. Sobrevivendo, embora, o curso de Italiano aqui se acha reduzido a situação que, mesmo comparada à das demais combalidas humanidades, pode talvez parecer início de agonia. Descrevê-la requer espaço de que estas notas não dispõem. Baste haver lembrado a gravidade da hora. Duramente provado, o curso de Língua e Literatura Italiana resiste e continua a oferecer à comunidade universitária uma contribuição mais do que nunca indispensável.

Para perceber o alcance de tal contribuição, basta pensar no que representa o curso na formação intelectual de vasto número de universitários. Não somente de estudantes de todas as habilidades de Letras, mas de futuros economistas, médicos, jornalistas, advogados, arquitetos (para citar alguns deles) que, inscritos na área de Italiano como alunos de disciplinas ou de cursos extra-curriculares, ou nela admitidos como simples ouvintes, buscam as vantagens de uma formação acadêmica de amplos horizontes. Muitos deles voltam conosco a ser alunos, depois de já formados em outras ciências e de encaminhamentos em carreiras prestigiosas. A seu lado, sentam-se nos bancos acadêmicos os que pela primeira vez se encontram com a Universidade. Nem se imagina que todos esses estudantes sejam descendentes de italianos, empenhados em redescobrir a cultura dos antepassados. Empenho por certo louvável, até mesmo para preservação da memória do povo brasileiro. Empenho louvável, mas de modo algum exclusivo e nem mesmo predominante entre os que procuram o curso. Destes, quase todos vêm em busca daquilo que a cultura italiana, como poucas outras, soube preservar: a centralidade do humano nas expressões do pensamento e da arte. Em tempos de brutal desumanização, oferecer bem mais que diplomas ou promessas de emprego rendoso é serviço prestado pelo curso de Italiano à comunidade universitária e à sociedade toda.

São os próprios estudantes os primeiros a reconhecer o valor do que lhes dá o curso. Os que por ele iniciam a vida universitária lutam generosamente contra dificuldades de toda ordem (transporte, moradia, exigências de trabalho); os que por ele retornam à vida acadêmica dedicam-lhe horas que pediriam repouso, após um dia de compromissos profissionais. Todos, porém, dão muito de si para não perder aulas que, afinal, dificilmente lhes trarão dinheiro ou prestígio. Tal atitude só se explica em quem realmente busca virtude e conoscenza, para repetir as palavras de Dante.

É para esses jovens ou adultos que se volta, principalmente, o curso de Língua e Literatura Italiana da USP. Mas os graduados estão longe de ser os únicos que procuram o curso. Já se fez menção às disciplinas extra-curriculares, cujos interessados muitas vezes nem sequer tiveram como freqüentar a universidade. Nem se podem esquecer os vários cursos de aperfeiçoamento, ministrados muitas vezes em colaboração com diferentes áreas de Letras ou mesmo com outros órgãos públicos (lembre-se os dirigidos ao magistério da rede oficial, no qual em boa hora se voltou a admitir o ensino da língua italiana. Tampouco podem passar em silêncio outras atividades patrocinadas pelo curso: exposições, promoções da vinda de intelectuais estrangeiros, publicação de livros e revistas... Menção à parte mereceria o Centro de Estudos Italianos. Seria aqui descabido tratar das razões que levaram à paralisia do Centro e ao despejo de sua biblioteca, outrora abrigada, em virtude de convênio, por entidade cultural particular. Resta esperar que a Universidade tome a peito a causa do Centro, que tantos serviços já prestou a São Paulo e ao Brasil.

Se tais atividades mostram o largo alcance dos trabalhos do curso de Italiano, é sobretudo a pós-graduação que lhe permite expandir plenamente sua capacidade de contribuição à pesquisa universitária. Uma das únicas em seu gênero no Brasil, a pós-graduação em Língua e Literatura Italiana da USP vem formando pesquisadores e professores de ensino superior atuantes em vários estados do país. Suas linhas de pesquisa procuram percorrer questões que também digam respeito à cultura brasileira. Haja vista projetos, em andamento ou já concluídos, sobre lingüística aplicada ao ensino de italiano para brasileiros ou a questões de tradução de textos italianos. Os clássicos italianos, sobretudo os que maior importância tiveram na formação da cultura brasileira, recebem especial atenção em cursos e projetos de pesquisa. Dentre estes projetos, não faltam os que propõem novos rumos. Pioneira em plano internacional foi a pesquisa sobre a literatura escrita pelo imigrante italiano, cujos primeiros resultados foram publicados na USP em 1982 (note-se que só a partir de 1987 a literatura do imigrante italiano passou a ser objeto de pesquisa na Europa).

Estas breves considerações procuraram mostrar algo do que vem sendo, no presente, o trabalho do curso de Língua e Literatura Italiana da USP. Para encerrá-las, haveria de insistir nas difíceis condições em que se realiza esse trabalho, desvalorizado tantas vezes pela política de ensino e pelos órgãos de apoio à pesquisa. Desenvolver o assunto, repita-se, não é possível neste espaço. As dificuldades externas somam-se outras, que cabe ao curso mesmo enfrentar. Entre estas, a principal barreira é talvez a ilusão de tornar conhecido o curso mediante concessões a modismos, ainda que revestidos da etiqueta made in Italy. A Itália de hoje, que se sobressai em inúmeros campos de ciências e da técnica, importa-nos indagar não tanto como falar ou que novidades procurar. Importa-nos antes indagar-lhe que subsídios nos pode oferecer para prosseguir e aprofundar a tradição, mais atual do que nunca, de diálogo entre nossas culturas. Diálogo em que devemos ser interlocutores críticos e não meros receptores subservientes. Para tanto, mais nos valem recentes estudos da crítica italiana sobre a língua de Bembo, engenho, tam raro (dizia Sá Miranda, em sua Égloga Basto) que investigações sobre a língua de Oggi ou de Panorama, vale-nos mais saber como hoje se analisam as canções de Petrarca ou as cançonetas de Mestastasio do que discutir a linguagem de Canzonissima. A nossos interlocutores italianos, por sua vez, mais devem interessar estudos que revelem a origem brasileira do que arremedos do que se diz e faz na Itália de hoje.

A Universidade como um todo, porém, cabera tornar possível que o curso vença as maiores dificuldades e prossiga seu trabalho. Estará a USP disposta a assumir com vigor o seu curso de Italiano? Estará disposta a lhe conceder, ao menos, o que não nega aos demais cursos de letras modernas? Em uma palavra: terá o curso de Língua e Literatura Italiana um lugar, e um lugar digno, na USP centenária de 2034? Na vontade política da própria USP está a chave da resposta.

Pedro Garcez Ghiradi é professor do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 1994
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