Elaboração e Validação de Conteúdo de um instrumento sobre as atividades dos Agentes Comunitários de Saúde

Elaboración y Validación de Contenido de un instrumento sobre las actividades de los Agentes Comunitarios de Salud

Resumo

Objetivo

elaborar e conduzir a validação de conteúdo e de aparência de um instrumento para identificação das atividades desempenhadas pelos agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família.

Método

trata-se de um estudo metodológico composto por três etapas: a primeira foi a elaboração do instrumento a partir da revisão de literatura; a segunda foi constituída pela validação de conteúdo por 10 juízes experts; e a terceira pela validação aparente pela população-alvo. Para a análise, calculou-se o Índice de Validade de Conteúdo.

Resultados

inicialmente, o instrumento foi composto por 45 itens dispostos em 10 dimensões. Os especialistas analisaram e sugeriram a modificação de termos e o acréscimo e o desmembramento de itens. Todas as sugestões foram acolhidas e a versão final do instrumento foi composta por 60 itens. O Índice de Validade de Conteúdo foi ≥ 0,90 para todos os itens. O instrumento abrangeu as atividades preconizadas pelas normativas ministeriais e pelas atribuições que fogem do escopo de atuação, mas que estão presentes na prática dos profissionais.

Conclusão e implicações para a prática

o instrumento apresentou validade satisfatória e refletiu a realidade do trabalho dos agentes comunitários de saúde, sendo seus itens compostos pela ampla gama de atividades desenvolvidas por esses profissionais.

Palavras-chave:
Agente Comunitário de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Competência Profissional; Estratégia Saúde da Família; Estudo de Validação

Resumen

Objetivo

desarrollar y realizar la validación de contenido y la apariencia de un instrumento para la identificación de las actividades realizadas por los agentes comunitarios de salud en la Estrategia de Salud de la Familia.

Método

se trata de un estudio metodológico compuesto por tres etapas: la primera fue la elaboración del instrumento, a partir de una revisión bibliográfica; la segunda consistió en la validación de contenido por 10 jueces expertos y la tercera en validación aparente por parte de la población objetivo. Para el análisis se calculó el Índice de Validez de Contenido.

Resultados

Inicialmente, el instrumento constaba de 45 ítems, ordenados en diez dimensiones. Los expertos analizaron y sugirieron la modificación de los términos y la adición y desmembración de elementos. Todas las sugerencias fueron aceptadas y la versión final del instrumento constó de 60 ítems. El Índice de Validez de Contenido fue ≥ 0,90 para todos los ítems. El instrumento abarcó actividades recomendadas por normas ministeriales y actividades que están fuera del ámbito de actuación, pero que están presentes en la práctica profesional.

Conclusión e implicaciones para la práctica

El instrumento presentó validez satisfactoria y refleja la realidad del trabajo de los agentes comunitarios de salud. Sus ítems están compuestos por la amplia gama de actividades desarrolladas por estos profesionales.

Palabras clave:
Agentes Comunitarios de Salud; Atención Primaria de Salud; Competencia Profesional; Estrategia de Salud de la Familia; Estudio de Validación

Abstract

Objective

to develop and validate the content and appearance of an instrument to identify activities performed by community health workers in Family Health Strategy.

Method

this is a methodological study composed of three stages: the first was the elaboration of the instrument based on a literature review, the second consisted of content validity by ten expert judges, and the third by apparent validity by the target population. For analysis, the content validity index was calculated.

Results

Initially, the instrument consisted of 45 items arranged in ten dimensions. The experts analyzed and suggested modification of terms and addition and dismemberment of items. All suggestions were accepted, and the final version of the instrument consisted of 60 items. The content validity index was ≥ 0.90 for all items. The instrument covered the activities recommended by ministerial regulations and activities that are outside the scope of action, but which are present in the practice of the community health workers.

Conclusion and implications for practice

The instrument presented satisfactory validity and reflected the reality of the community health workers, and its items are composed of the wide range of activities developed by these professionals.

Keywords:
Community Health Workers; Family Health Strategy; Primary Health Care; Professional Competence; Validity Study

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) passou por importantes transformações nos últimos anos no Brasil e existem evidências do seu impacto positivo na saúde da população brasileira e na operacionalização dos princípios e das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).^1,2 A organização e o desenvolvimento da APS são regulamentados pela Política Nacional da Atenção Básica (PNAB), que tem a Estratégia Saúde da Família (ESF) como medida prioritária para a expansão e a consolidação da Atenção Básica (AB). Contudo, a PNAB reconhece outras estratégias de organização da AB nos territórios.³

A edição da PNAB de 2017 apresenta alterações significativas na dimensão organizativa e funcional, as quais indicam a flexibilização da modalidade de organização: ESF e AB tradicional. Adicionalmente, divulga mudanças nas atribuições dos profissionais e na composição da equipe, além do quantitativo de Agentes Comunitários de Saúde (ACS),⁴ com possibilidade de equipes compostas com apenas um ACS.⁵ Apesar de alguns autores considerarem essas mudanças um enfraquecimento, uma descaracterização e um retrocesso da APS,^4-7 o que se observa é uma expansão da ESF, com aumento de 11,6% de sua cobertura entre os anos de 2013 e 2019.⁸

Dentre os integrantes da equipe da ESF, o trabalho dos ACS se destaca por exercer um papel fundamental de aproximação entre a comunidade e o serviço de saúde.⁹ Esses profissionais são essenciais no compartilhamento de saberes entre a equipe de saúde e a comunidade, na abordagem da doença, na interação cotidiana, no reconhecimento de necessidades, na identificação de problemas, nas orientações, nos encaminhamentos, no acompanhamento e na realização de ações relacionadas à proteção e à promoção da saúde.^3,10,11

Em princípio, os ACS deveriam atuar nas equipes da ESF embasados nas competências profissionais que foram estabelecidas pela PNAB.³ No entanto, a versão mais recente dessa política apresenta alterações que promovem a descaracterização da natureza educativa do trabalho desses profissionais, além da conformação de uma concorrência equivocada entre a natureza preventiva e de promoção da saúde, própria da sua atuação, e a realização de procedimentos considerados mais curativos, até então atribuídos ao técnico em enfermagem.⁶

Pesquisas registraram a falta de delimitações claras nas atribuições dos ACS, o excesso de funções, a burocratização do trabalho, a realização de tarefas além do previsto para a sua atuação e a sobrecarga de atividades.^12-14 O ACS é visto como um trabalhador polivalente que, por conta da indefinição das margens das suas atribuições profissionais e da idealização do seu papel, tem o escopo de atuação constantemente alargado.¹² Um exemplo da incorporação de novas funções foi a inserção das atribuições comuns entre ACS e Agente de Combate a Endemias (ACE), proposta pela PNAB de 2017.^3,5

Esses fatos mostram uma necessidade de revisão das práticas do ACS e de um redimensionamento de suas ações, sobretudo para evitar o desvio e o excesso de funções.¹² O grande espectro de atribuições executadas pelo ACS pode ter um impacto significativo na saúde desse profissional e, consequentemente, na qualidade dos serviços prestados à comunidade.¹⁵ Essas questões justificam a necessidade de um instrumento que identifique as atividades realizadas por esses trabalhadores com o propósito de contribuir para a análise da sua prática laboral, podendo levar a melhorias na sua qualidade de vida e no seu trabalho e proporcionando o avanço dos cuidados oferecidos pela APS.

As funções desempenhadas pelos ACS têm sido tema de pesquisas desde o início da sua atuação na ESF; todavia, não foi identificado nenhum instrumento validado que abrangesse as diversas dimensões relacionadas às atividades desempenhadas por esse profissional.^16-18 O presente estudo busca suprir a mencionada lacuna da literatura, com o objetivo de elaborar e conduzir a validação de conteúdo e de aparência de um instrumento para a identificação das atividades desempenhadas pelos ACS na Estratégia Saúde da Família.

METODOLOGIA

O presente estudo, de caráter metodológico, é parte do projeto intitulado “Condições de trabalho e saúde de Agentes Comunitários de Saúde do Norte de Minas Gerais: estudo longitudinal”. Essa etapa da pesquisa foi desenvolvida em Montes Claros, uma cidade de grande porte localizada ao norte do estado de Minas Gerais, Brasil. O estudo foi conduzido no período de maio a julho de 2018, no qual o instrumento proposto foi submetido à validade de conteúdo e à validade aparente.

A validade de conteúdo é, em grande parte, uma questão de julgamento envolvendo esforços, a priori, para análise prévia de cada item do instrumento e, a posteriori, para avaliar a relevância e a compreensão do conteúdo.^19,20 Esse estudo incide sobre as fases desse processo, sendo composto por 3 etapas.

Etapa 1 - elaboração dos itens para compor o instrumento

A elaboração dos itens sobre as atividades desempenhadas pelos ACS foi baseada nas diretrizes nacionais contidas na PNAB,³ um documento que estabelece a revisão de diretrizes para a organização da AB no âmbito do SUS e traz em seu conteúdo as atribuições dos profissionais das equipes que atuam na AB, entre eles o ACS. Além disso, foi realizada a revisão de literatura de artigos que abordam o assunto através de uma pesquisa na Biblioteca Virtual em Saúde, filtrando artigos brasileiros produzidos a partir de 2013, considerando os cinco anos anteriores à condução desse projeto, em 2018. Para tanto, foram utilizados os descritores em ciências da saúde “agentes comunitários de saúde”, “estratégia saúde da família” e “competência profissional” e selecionados os artigos que apresentavam descrição e análise das atividades desempenhadas pelo ACS. Apesar de a atuação do ACS despertar interesse no mundo científico, existem diferenças quanto às atividades realizadas e em relação à inserção no mercado de trabalho em saúde tanto no Brasil como em outros países.²¹ Por esse motivo, a busca pela literatura em base de dados nacional foi valorizada, optando-se por referências que abordavam o conhecimento produzido na literatura acerca das atividades realizadas pelos ACS no Brasil.

Após a análise do material pesquisado, os principais itens dentro do assunto foram identificados para a composição do instrumento. O processo de construção do documento ficou a cargo dos próprios pesquisadores, que possuíam experiência teórica e prática com a temática. Foram elaborados 45 itens correspondentes às principais atividades desempenhadas pelos ACS. Após a elaboração, os itens foram organizados por áreas afins a partir da similaridade das atividades, definindo-se 10 dimensões que expressavam as funções preconizadas pelas diretrizes nacionais, além daquelas que não são previstas nesses documentos, mas que estão presentes na rotina de trabalho do ACS, como evidenciam alguns estudos nacionais sobre o tema.^{9,12,16,21,22}

Os itens foram elaborados visando explorar a ampla gama de atividades exercidas na realidade do trabalho dos ACS. Para todos os itens, prezou-se a clareza e a objetividade, optando por uma linguagem acessível e usualmente empregada no cotidiano da ESF. Para a finalização do instrumento, foi inserida uma opção de frequência em escala tipo Likert diante de cada item para medir a realização da atividade descrita: 0 = nunca; 1 = raramente; 2 = às vezes; 3 = quase sempre; 4 = sempre. Adicionalmente, foi solicitado ao ACS que identificasse a concordância com a realização da atividade.

Etapa 2 - validade de conteúdo

Após a sua construção, o instrumento foi submetido à validade de conteúdo por um grupo de juízes experts. A avaliação de conteúdo é um passo essencial no desenvolvimento de novas medidas porque representa o início de mecanismos para associar conceitos abstratos com indicadores observáveis e mensuráveis,²³ envolvendo procedimentos qualitativos e quantitativos. Os dados qualitativos coletados com respondentes familiarizados com determinado conceito ajudam a enriquecer e a ampliar o que se sabe sobre o tema, servindo como uma fonte valiosa de contribuição.²⁴ Para a análise quantitativa, os desenvolvedores de escalas fornecem evidências de validade de conteúdo por meio do cálculo do Índice de Validade de Conteúdo (IVC), usando classificações de relevância do item feitas por especialistas no assunto estudado.²⁵

A escolha dos integrantes do grupo de juízes experts foi feita de forma intencional através da técnica SnowBall, que utiliza cadeias de referência, onde é solicitado que as pessoas identificadas indiquem novos contatos com as características desejadas.²⁶ Foram definidos como critérios de inclusão a titulação mínima de mestre, o desenvolvimento de pesquisas na área da APS e a experiência de trabalho e/ou gestão na ESF.

Nessa perspectiva, foram identificados 10 juízes para a realização da avaliação do instrumento. Esse número está em consonância com a proposta de Lynn (1986), que aconselhou um mínimo de cinco e um máximo de dez especialistas participando desse processo.²⁰

O contato com os especialistas foi estabelecido por endereço eletrônico, pelo qual foi enviado um questionário on-line de avaliação construído via Google Docs®, além do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e de uma carta convite explicando a proposta do estudo. Conseguiu-se acesso aos endereços eletrônicos por diferentes vias, incluindo contato pessoal ou telefônico quando não estavam disponíveis em publicações científicas.

Após a concordância dos juízes em participar do estudo, eles avaliaram o instrumento a partir de um questionário específico de avaliação, que permitia que os especialistas analisassem cada item com relação à relevância e à qualidade semântica. A relevância foi avaliada por meio de uma escala de Likert: irrelevante, pouco relevante, relevante, muito relevante. A clareza de cada item foi avaliada positiva ou negativamente (sim ou não). Havia também um espaço para a formulação de sugestões referentes à necessidade de acrescentar, modificar ou retirar algum item. No final do questionário, os especialistas fizeram uma avaliação global do instrumento por meio de uma questão aberta, que permitia a discussão e a formulação de sugestões para o instrumento como um todo. Esse processo de avaliação e de debate realizado pelos juízes sobre os itens do instrumento ocorreu via e-mail em um processo de três rodadas. Quando havia demora para a resposta da análise do instrumento, os autores providenciavam contato telefônico, cujo número foi fornecido na comunicação inicial com os juízes.

Os dados foram inseridos em uma planilha eletrônica e foi verificada a concordância dos especialistas quanto à relevância dos itens por meio do Índice de Validade de Conteúdo (IVC), calculado a partir da divisão do número de juízes que julgaram o item como relevante ou muito relevante pelo número total de juízes. Nesse estudo, considerou-se como adequado o valor do IVC acima de 0,90 para cada item, uma vez que o índice de concordância aceitável entre os membros do comitê de especialistas deve ser de no mínimo 0,80, mas preferencialmente maior que 0,90.²⁵

Etapa 3 – validade aparente

Finalizada a etapa da avaliação pelos juízes e da realização dos ajustes propostos, o instrumento foi submetido à validação aparente (validade de face) pela população alvo, com um grupo de 15 ACS. Esses ACS compunham a amostra de participantes para o estudo piloto do trabalho maior no qual esse estudo está inserido e foram selecionados aleatoriamente dentre aqueles que não atendiam aos critérios de inclusão do projeto matriz: trabalhar como ACS há mais de 6 meses e estar em exercício ativo da função.

A validade aparente ou validade de face permite verificar se o instrumento proposto é aparentemente adequado para aferir o que se pretende segundo o olhar de quem efetivamente utilizará o instrumento. Não é considerada uma avaliação sofisticada ou obrigatória, mas é complementar à validade de construto, sendo imprescindível para avaliações posteriores.²⁷ Nessa fase, o intuito foi de avaliar entendimento, clareza, tamanho do instrumento (número de questões), tempo para preenchimento e sugestões de melhoria. A inclusão de pessoas relacionadas com a população do estudo é importante e assegura a correção de frases e de termos que não estão muito claros.²⁸

A Figura 1 apresenta um fluxograma do processo de elaboração e de validação, com o detalhamento das etapas citadas.

Figura 1
– Fluxograma das etapas de elaboração e de validação do instrumento “Identificação das atividades desempenhadas pelos ACS”.

Aspectos éticos

A presente pesquisa atende ao que determina a Resolução n. 466 de 2012, que regulamenta pesquisas envolvendo seres humanos, tendo sido cadastrada sob o CAAE 80729817.0.0000.5146 e aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) com o Número do Parecer 2.425.756 de 8 de dezembro de 2017.

RESULTADOS

O instrumento, na sua versão preliminar, foi desenvolvido a partir da análise da literatura sobre o tema, resultando em 45 itens compostos pelas principais atividades realizadas pelos ACS. Esses itens foram divididos em 10 dimensões, a saber: reconhecimento da área/população adscrita; ações de atenção à saúde; processo de regulação a partir da atenção básica; informações para fins de planejamento e acompanhamento das ações em saúde e programas; vigilância em saúde; sistemas de informação; gerenciamento de insumos necessários para o adequado funcionamento da Unidade Básica de Saúde (UBS); procedimentos; trabalhos interdisciplinares e em equipe; e outras ações, de acordo com as necessidades locais.

O grupo de juízes que avaliou o instrumento foi composto por 10 experts na área, com média de idade de 41 anos, sendo sete enfermeiras e três médicos, todos com registro de experiência e produção científica na área, aferida a partir dos respectivos Currículos Lattes. Entre esses profissionais, seis eram mestres; quatro eram doutores; cinco possuíam especialização na modalidade Residência em Saúde da Família; e três tinham experiência na gestão municipal das equipes de Saúde da Família.

A definição final dos itens ocorreu após três rodadas, nas quais os especialistas avaliaram o instrumento e sugeriram o acréscimo de questões, bem como o desmembramento e a modificação de termos para melhorar a compreensão. Na terceira rodada, o IVC foi igual ou superior a 0,90 em todos os itens, de modo que não houve a necessidade de exclusão nessa fase. Os itens acrescidos pelos juízes versavam sobre agendamento de consultas médicas programadas; agendamento de consulta odontológica; agendamento de visita para os profissionais de nível superior; acompanhamento do tratamento diretamente observado (dose supervisionada) dos pacientes com tuberculose; atualização dos dados do Cartão Nacional de Saúde (CNS); entrega de medicamentos e receitas em domicílio; execução de tarefas fora do horário de trabalho; visitas domiciliares em área descoberta; e atividades de zeladoria da unidade. Foi recomendado o esclarecimento dos termos “vulnerabilidade” e “classificação de risco, além da substituição da expressão “educação em saúde” por “realização de atividade coletiva voltada para educação em saúde”. No item referente à atividade de “atualização de dados antropométricos das crianças”, foi proposto o desmembramento para os seguimentos adultos, idosos e gestantes, o que se repetiu no item “verificação do cartão de vacina”.

Todas as sugestões feitas pelos juízes foram acolhidas e o instrumento foi acrescido de 15 itens. A versão do instrumento com 60 itens foi reencaminhada aos especialistas e alcançou o nível de concordância aceitável (IVC ≥ 0,90).

Após essa etapa, o instrumento foi validado por representantes da população-alvo em uma análise conhecida como validação de face ou validação aparente.²⁷ Para essa fase, 15 ACS atuantes em três equipes da ESF do município responderam o instrumento. Esses ACS apresentavam faixa etária de 18 a 41 anos, eram predominantemente do sexo feminino e foram selecionados por não atenderem aos critérios de inclusão do estudo matriz (no momento da coleta, estavam em desvio de função, afastados por licença ou atuavam na categoria há menos de seis meses).

O tempo médio utilizado para o preenchimento foi 15 minutos e não foi referida nenhuma dificuldade no que tange à compreensão das questões e ao preenchimento do instrumento.

O instrumento na sua versão final, assim como o IVC de cada item, está apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Instrumento de identificação das atividades desempenhadas pelos ACS e Índice de Validade de Conteúdo (IVC) dos itens.

Identificação das atividades desempenhadas pelo Agente Comunitário de Saúde
					IVC
A seguir estão listadas algumas atividades realizadas pelo Agente Comunitário de Saúde na Equipe / Unidade de Saúde.
- Indique a frequência com que você realiza estas atividades em sua equipe:
0	1	2	3	4
Nunca	Raramente	Às vezes	Quase sempre	Sempre
- Indique também se você concorda ou discorda com realização desta atividade pelo Agente Comunitário de Saúde.
(1) Sim (2) Não
Reconhecimento da área / população adscrita
1	Cadastramento dos indivíduos e famílias da microárea				1,00
2	Atualização dos cadastros individual e domiciliar				1,00
3	Identificação de grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades (suscetíveis, em situação de fragilidade e que vivem em condições precárias)				1,00
Ações de Atenção à Saúde
4	Visitas domiciliares mensais para todas as famílias da microárea				1,00
5	Acompanhamento dos indivíduos cadastrados, com ênfase nos grupos prioritários (crianças, gestantes, portadores de doenças crônicas ou outro agravo à saúde)				1,00
6	Realização de Atividade Coletiva voltada para a Mobilização social (estímulo a participação da comunidade na gestão local dos serviços, como por exemplo, conselho gestor)				1,00
7	Realização de Atividade Coletiva voltada para a Educação em Saúde				1,00
8	Participação em grupo de atividade Física				0,90
9	Participação em atividades do Programa Saúde na Escola (PSE)				0,90
10	Orientações à comunidade sobre sintomas, riscos e agentes transmissores de doenças				1,00
11	Orientações à comunidade sobre medidas de proteção individual e coletiva				1,00
12	Orientações quanto ao uso adequado dos serviços de saúde				1,00
13	Realização de acolhimento aos usuários				1,00
14	Identificação dos pacientes que necessitam de atendimento prioritário (Classificação de risco)				1,00
15	Agendamento de consultas médicas para a demanda espontânea				0,90
16	Agendamento de consultas médicas programadas				0,90
17	Agendamento de consultas de enfermagem (Prevenção de câncer cérvico-uterino, pré-natal, puericultura, planejamento familiar, hipertensos, diabéticos e outros)				0,90
18	Agendamento de consultas odontológicas				0,90
19	Agendamento de visita domiciliar com profissional de nível superior				0,90
20	Divulgação dos grupos, eventos e demais ações promovidos pela ESF				1,00
Processo de Regulação a partir da Atenção Básica
21	Agendamento de consultas e exames dos usuários para outros pontos da rede de atenção				0,90
22	Informação aos usuários sobre datas de consultas e exames agendados				0,90
Informações para fins de planejamento e acompanhamento das ações em saúde e programas
23	Acompanhamento e registro das condicionalidades (exigências) de saúde das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família				1,00
24	Atualização dos dados antropométricos (peso e altura) das crianças				0,90
25	Atualização dos dados antropométricos (peso e altura) dos Adultos				0,90
26	Atualização dos dados antropométricos (peso e altura) dos idosos				0,90
27	Verificação do cartão de vacina das crianças				0,90
28	Verificação do cartão de vacina dos adolescentes				0,90
29	Verificação do cartão de vacina dos adultos				0,90
30	Verificação do cartão de vacina dos idosos				0,90
31	Verificação do cartão de vacina das gestantes				0,90
Vigilância em Saúde
32	Ações de combate à Dengue por meio de vistoria das residências em busca de focos do Aedes aegypti				0,90
33	Realização de busca ativa de doenças e agravos				1,00
34	Notificação de doenças e agravos de notificação compulsória				0,90
35	Notificação de casos de diarreia para o Programa de Monitorização de Doenças Diarreicas Agudas (MDDA)				1,00
36	Identificação de Sintomáticos Respiratórios durante as visitas domiciliares				0,90
37	Confecção do Mapa de Sintomáticos Respiratórios da Unidade				0,90
38	Acompanhamento do tratamento diretamente observado (dose supervisionada) dos pacientes com tuberculose				0,90
Sistemas de Informação em Saúde
39	Registro no E-SUS – Ficha de Visita Domiciliar				1,00
40	Registro no E-SUS – Ficha de Atividade Coletiva				1,00
41	Registro no E-SUS – Marcadores de Consumo Alimentar				1,00
42	Atualização dos dados do Cartão Nacional de Saúde (CNS)				0,90
Gerenciamento de insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS
43	Confecção do Mapa de Materiais da Unidade				0,90
44	Confecção do Mapa de Preservativos da Unidade				0,90
45	Confecção do Mapa de Vitamina A da Unidade				0,90
Procedimentos
46	Aferição da Pressão Arterial				0,90
47	Medição de glicemia capilar				0,90
48	Aferição de temperatura axilar				0,90
49	Realização de Curativo				0,90
Trabalhos interdisciplinares e em equipe
50	Participação em reuniões de equipe				1,00
51	Participação de Matriciamento (suporte realizado à equipe por profissionais de diversas áreas que possibilita a ampliação e a qualificação das suas ações)				1,00
52	Participação de Educação Permanente				1,00
53	Realização de discussão de casos com a equipe				1,00
Outras atividades de acordo com as necessidades locais
54	Plantões na recepção da Unidade de Saúde				0,90
55	Entrega de receitas e medicamentos em domicílio				0,90
56	Execução de tarefas fora do horário de trabalho				0,90
57	Realização de visitas domiciliares em área descoberta				0,90
58	Organização de fichas de atendimento e envelopes família				0,90
59	Organização dos consultórios/reposição de materiais				0,90
60	Realização de atividades de zeladoria da Unidade				0,90

• Fonte: Próprios autores

DISCUSSÃO

O presente estudo desenvolveu e realizou a validação de conteúdo e a validação aparente de um instrumento autoaplicável, composto de 60 itens, com o propósito de identificar as atividades realizadas pelos ACS nas equipes da ESF.

A validade, de maneira geral, refere-se ao grau que um instrumento realmente mede a variável que se pretende mensurar. Entre os tipos de validade, destaca-se a de conteúdo, que indica em que medida o instrumento possui uma amostra apropriada de itens para medir o constructo específico e cobrir adequadamente o seu domínio.²⁵

O processo de validação do instrumento, contando com a participação de juízes experientes e de estudiosos da área, apresenta um avanço e um apoio às discussões referentes a essa temática. O instrumento pode favorecer a análise das atividades realizadas e auxiliar na condução de uma melhor definição do escopo de trabalho do ACS, uma vez que as fragilidades na delimitação das tarefas desenvolvidas por essa profissão impõem contradições e dificultam a construção profissional dos ACS.¹⁴

O trabalho do ACS e a sua função na ESF são assuntos muito pesquisados, com estudos mostrando a complexidade da atuação desse profissional na APS. No entanto, há uma carência, na literatura, de um instrumento que tenha sido submetido a alguma etapa do processo de validação para realização dessa análise. Na pesquisa bibliográfica, foram encontrados artigos que versam sobre o tema com abordagem qualitativa^{9,12,15,21,22,29,30} e questionários não validados, construídos a partir de estudos observacionais.^16-18

A validação de conteúdo compreende a análise psicométrica viável para estudos dessa natureza, onde não se objetiva a redução de fatores ou de dimensões, mas uma avaliação qualitativa positiva e idônea do conteúdo expresso, sendo uma fase importante no desenvolvimento de instrumentos na área da saúde.²⁸

Na validação de conteúdo do instrumento proposto, os juízes fizeram críticas e sugestões, bem como avaliaram a pertinência das questões e a clareza dos enunciados. Essa foi uma etapa muito importante pois, a partir dos ajustes sugeridos por aqueles que tinham expertise na área, a qualidade do instrumento pôde ser melhorada, visando adequar e aprimorar as questões ao público-alvo. Dentre os itens acrescidos pelos juízes, destacaram-se aspectos que não estão previstos nas normativas federais, tendo sido inseridas atividades administrativas e burocráticas que não fazem parte da competência profissional, mas que são ordinariamente adicionadas às atividades dos ACS.

Suscitou-se uma ampla discussão sobre a necessidade de inserção das atividades que estavam fora do escopo de atuação dos ACS. Como essas atividades são observadas na prática diária desses profissionais, além de serem identificadas por alguns estudos,^{12,21,22,29,30} os juízes opinaram pela manutenção desses itens e acrescentaram outros que possuíam essa característica. Tal inclusão contou com a experiência que os membros do comitê de especialistas possuíam na área.

Outro fator decisório para a incorporação das atividades que excedem as funções do ACS ao instrumento é que elas geram sobrecarga ao trabalho e podem ser a causa do adoecimento e do sofrimento desse profissional.^13,15 A realização dessas atividades mostra que existe uma falta de clareza e de limites nas atividades realizadas pelos ACS, o que descaracteriza o trabalho desse profissional, gerando distorções e indefinição do seu papel.²² A consequência desse processo é a desmotivação, uma das principais dificuldades vivenciadas no cotidiano do ACS, uma vez que ele não se sente feliz e não consegue perceber que o objetivo do seu trabalho está sendo cumprido.²⁹

A terceira edição da PNAB, publicada em 2017 e vigente no momento da realização desse trabalho, atualiza e indica as atribuições dos profissionais da APS, entre eles os ACS. No entanto, esse mesmo documento trouxe que o profissional poderá exercer suas atribuições em equipes de Atenção Básica (eAB) ou em equipes de Saúde da Família (eSF) de acordo com as prioridades locais definidas pelos gestores. Além dessa possibilidade de acréscimo de outras atividades previstas pela PNAB,³ o documento, ao descrever as atribuições comuns a todos dos membros da equipe, ainda deixou impreciso quais seriam os limites de atuação de cada profissional, inclusive do ACS.

A consequência natural da indefinição do papel e das funções do ACS é que ele acaba assumindo para si responsabilidades que seriam de toda a equipe de saúde³⁰ ou executando as funções de outros profissionais, como técnicos de enfermagem e ACE,^5,6 não se mostrando capaz de discernir os seus próprios limites.³⁰ Em geral, o ACS é encarregado de desempenhar tarefas que o aproximam de um auxiliar genérico dos demais profissionais. Por vezes, essas ações podem ser realizadas para suprir a ausência de outros trabalhadores ou por estarem incorporadas à dinâmica de organização do trabalho. Uma das implicações diretas dessa configuração do trabalho do ACS é o perigo de ele se tornar um instrumento avançado de uma ação com traços acentuadamente medicalizadores no território, com impacto questionável sobre a qualidade de vida da população.⁹

É possível que existam outros métodos para analisar as atividades desenvolvidas pelos ACS. No entanto, o objetivo desse estudo foi construir um instrumento que identificasse quais são as tarefas que estão sendo executas pelos ACS, com enfoque nas principais atividades, contemplando as previstas e as não previstas. É preciso enfatizar a dificuldade de se construir um instrumento que identifique as ações realizadas pelos ACS, considerando a grande quantidade e variedade de atividades realizadas, pois, conforme alguns autores, o campo de atuação é abrangente e complexo.^17,18 O instrumento, agora validado, tem o potencial de auxiliar gestores de saúde e membros da própria equipe da ESF, na medida em que os ACS podem responder o instrumento e registrar sua atuação em cada item, assinalando seu nível de concordância na realização da referida atividade.

Estudos realizados em diferentes regiões do país^9,22,31 têm identificado problemas no trabalho do ACS, de modo que a falta de conhecimento sobre as atividades realizadas por esses profissionais é identificada como um dificultador do trabalho.^29,30 A partir do instrumento elaborado, será possível conhecer as atividades realizadas pelos ACS e analisar o seu trabalho. Estudos como esse são importantes porque ajudam a mensurar de forma fidedigna o construto estudado, a fim de que haja uma identificação com a realidade do trabalho desses profissionais. A análise das respostas dos ACS poderá promover debates e discussões produtivas, com implementação de medidas e de esclarecimentos sobre a atuação do ACS tanto para os membros da equipe de saúde quanto para a comunidade.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

A versão final do instrumento apresentou validade de conteúdo e de aparência satisfatória, bem como reflete a realidade do trabalho do ACS, sendo seus itens compostos pela ampla gama de atividades desenvolvidas por esses profissionais. Trata-se de um instrumento inovador e com potencial para ser aplicado em vários ambientes da APS no país, uma vez que propicia o reconhecimento das atribuições desenvolvidas que são regulamentadas e aquelas que extrapolam as atividades desse profissional, permitindo conhecer possíveis geradores de sobrecarga de trabalho. Esse instrumento poderá promover o desencadeamento de ponderações sobre a forma como o trabalho do ACS está sendo realizado, possibilitando que as instituições, os gestores e os próprios trabalhadores desenvolvam um olhar atento sobre a temática, estimulando-os a refletirem sobre melhorias no trabalho desses profissionais, no apoio às equipes e na prestação de serviços à comunidade. É importante que a análise dessas questões seja inserida em um contexto maior de discussão sobre o processo de trabalho das equipes da ESF e as atribuições de seus integrantes.

As limitações desse estudo se relacionam ao fato de a análise de conteúdo ser um processo subjetivo, de modo que sua utilização não exclui a necessidade de realização de outras medidas. Além disso, os participantes pertencem a uma única cidade do país analisado, na qual algumas questões podem ser bem específicas, como as características do serviço e da forma de trabalho dos profissionais, dos gestores e dos coordenadores das equipes de Saúde da Família, bem como as questões culturais dos próprios participantes.

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EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Set 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  28 Mar 2022
• Aceito
  01 Ago 2022