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Inter-relações da teoria ambientalista de Florence Nightingale e a teoria ecossistêmica

Interrelaciones entre la teoría ambientalista de Florence Nightingale y la teoría de los ecosistemas

Resumo

Objetivo

Refletir acerca das inter-relações da Teoria Ambientalista de Florence Nightingale e a Teoria Ecossistêmica e suas influências no processo reparativo das enfermidades e na saúde/doença/cuidado do ser humano.

Método

Reflexão teórico-filosófica acerca das inter-relações da Teoria Ambientalista de Florence Nightingale e a Teoria Ecossistêmica, com base em autores que discutem essa temática.

Resultados

As duas teorias assemelham-se em relação à busca do autoconhecimento, auto-organização/autopoiese e da forma de visualizar os componentes da realidade no viver humano e suas interações com o ambiente. Ambas envolvem a totalidade dos organismos vivos e não vivos do ambiente, consideram que se inter-relacionam, influenciam, cooperam e interferem no viver humano.

Conclusão e implicações para a prática

As inter-relações das duas teorias possibilitam construir, de forma integral, conhecimento novo acerca do pensar, ver, sentir e agir do ser humano no universo e do cuidado de enfermagem, apreendendo, assim, a totalidade das necessidades, a integração e o equilíbrio dinâmico do ser e viver saudável.

Palavras-chave:
Ecossistema; Enfermagem; Meio ambiente; Saúde; Teoria de enfermagem

Resumen

Objetivo

Reflexionar sobre las interrelaciones de la Teoría Ambientalista de Florence Nightingale y la Teoría de los Ecosistemas y sus influencias en el proceso reparador de las enfermedades y en la salud/enfermedad/cuidado del ser humano.

Método

Reflexión teórico-filosófica sobre las interrelaciones entre la Teoría Ambientalista de Florence Nightingale y la Teoría de los Ecosistemas, basada en autores que discuten este tema.

Resultados

Ambas teorías son similares en relación con la búsqueda del autoconocimiento, la autoorganización/autopoiesis y la forma de visualizar los componentes de la realidad en la vida humana y sus interacciones con el entorno. Ambas involucran la totalidad de organismos vivos y no vivos del medio ambiente, y consideran que se interrelacionan, influyen, cooperan e interfieren en la vida humana.

Conclusión e implicaciones para la práctica

Las interrelaciones de las dos teorías permiten construir, de manera integral, nuevos conocimientos sobre el pensar, ver, sentir y actuar del ser humano en el universo y del cuidado de Enfermería, aprehendiendo así la totalidad de las necesidades, la integración y el equilibrio dinámico del ser y vivir sano.

Palabras clave:
Ecosistema; Enfermería; Medio ambiente; Salud; Teoría de Enfermería

Abstract

Objective

To reflect on the interrelations between Florence Nightingale's Environmentalist Theory and the Ecosystem Theory and their influences on the reparative process of diseases and on the health/disease/care of human beings.

Method

A theoretical-philosophical reflection on the interrelations between Florence Nightingale's Environmentalist Theory and the Ecosystem Theory, based on authors who discuss this topic.

Results

Both theories are similar in relation to the search for self-knowledge, self-organization/autopoiesis and the way to visualize the components of reality in human life and its interactions with the environment. Both involve the totality of the environment's biotic and abiotic organisms, and consider that they interrelate, influence, cooperate and interfere in human life.

Conclusion and implications for the practice

The interrelations between both theories make it possible to construct, in a holistic way, new knowledge about human beings' thinking, seeing, feeling and acting in the universe and of Nursing care, thus apprehending the totality of the needs, and the integration and dynamic balance of being and living healthy.

Keywords:
Ecosystem; Environment; Health; Nursing; Nursing Theory

Introdução

Florence Nightingale, conhecida, mundialmente, como a pioneira da enfermagem moderna, desenvolveu, em 1854, durante a guerra da Crimeia, uma nova forma de cuidado ao ser humano, com foco no ambiente. Prosseguindo, neste intento, na segunda metade do século XIX, no ano de 1859, ampliou a Teoria Ambientalista (TA), na qual descreveu, expos, e destacou os princípios básicos, as características e sua influência no viver saudável do ser humano, considerando-os capazes de suprimir, prevenir, contribuir e aprimorar os processos de saúde, criando uma nova forma de cuidado ao ser humano.11 Nightingale F. Notes on nursing: what is and what is not. Nova York: Dover Publications; 1969.

2 Nightingale F. Notas sobre enfermagem: um guia para cuidadores na atualidade. Tradução de Telma Ribeiro Garcia e Ivone Evangelista Cabral. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2010.

3 Bezerra CMB, Silva BCO, Silva RAR, Martino MMF, Monteiro AI, Enders BC. Análise descritiva da teoria ambientalista de enfermagem. Enferm Foco. 2018 nov;9(2):79-83. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1105.
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-44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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Florence, ao visualizar o ser humano como um indivíduo integrante da natureza, formando um todo integrado, conferiu a essa propriedade terapêutica grande importância e lhe atribuiu valia contributiva respeitável e fundamental a sua teoria. Ela adverte que os resultados são considerados diretamente influenciados e decorrentes de um ambiente como um todo, saudável ou pernicioso. Portanto, a saúde, no que se refere aos princípios da TA, é influenciada pelos múltiplos fatores, físicos, psicológicos, espirituais, socioculturais, econômicos, vivos ou não vivos do espaço/ambiente de vivência do ser humano. Neste sentido, Nightingale considera a doença como um processo reparativo natural e tem sido dificultado pela falta de conhecimento ou de atenção de um ou de todos os elementos da natureza.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.

Essa concepção do processo reparativo de cura vai além de um fenômeno biológico e natural, que pode ser concebido como um evento multidimensional, sendo a função da enfermagem providenciar e fortalecer uma ambiência estimulante ao desenvolvimento de saúde, utilizando os múltiplos fatores capazes de influenciar o processo de cuidado/saúde/doença, empregado pela Teoria Ecossistêmica (TE). Dessa forma, Nightingale,55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010. em sua obra, já recomendava que a enfermagem deve pôr o paciente na melhor condição para que a natureza consiga agir sobre ele.

Assim sendo, o processo saúde/doença/cuidado, na visão da TE, deve ser realizado levando em consideração a função de equilibrar a natureza/ambiente e instigar a sua sustentabilidade, com o intuito de conservar, estimular, desenvolver e acrescer energia vital ao usuário, que é um dos seus elementos constituintes.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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Nesse contexto, Nightingale adverte que “em determinadas enfermidades, muito menos calor é produzido do que na saúde, e há uma tendência constante ao declínio e à extinção final da energia vital por causa do esforço feito para sustentar o calor do corpo”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:21

Nessa perspectiva, a TE, quanto ao princípio sistêmico da autopoiese/auto-organização, apoia-se em Maturana e Varela77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011. e se relaciona com o processo saúde/doença/cuidado, praticado pelo enfermeiro, com a finalidade de energizar o usuário com o conhecimento e cuidado necessário para instigar e compreender a sua coparticipação na manutenção, na sustentabilidade do equilíbrio e no bem-estar saudável.88 Paula SF, Siqueira HCH, Medeiros AC, Rangel RF, Rodrigues ST, Pedroso VSM. Health education provided by the nurse to the career in the light of ecosystem thinking. Res Soc Dev. 2020 mar;9(1):e63942854. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i4.2854.
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Portanto, esse processo, com base no conhecimento, possibilita desencadear mudanças de pensar, ver e agir do usuário, para levá-lo a compreender quão importante e envolvente é a sua colaboração nesse processo, e, assim, auxiliar nas adequações de atitudes e comportamentos pertinentes.77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.,99 Borson LAMG, Cardoso MS, Gonzaga MFN. A teoria ambientalista de Florence Nightingale. Rev Saúde Foco. 2018;10(2):25-56.

10 Dossey BM, Rosa WE, Beck DM. Nursing and the Sustainable Development Goals: from Nightingale to now. Am J Nurs. 2019 mai;119(5):44-9. http://dx.doi.org/10.1097/01.NAJ.0000557912.35398.8f. PMid:31033553.
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-1111 Rangel RF, Paula SF, Zamberlan C, Backes DS, Medeiros AC, Siqueira HCH. Comprehensive care from the perspective of nurses: an ecosystem approach. Rev Bras Enferm. 2020 dez;73(supl 6):e20190781. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0781. PMid:33338148.
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Em relação a TE, o termo ecossistema foi criado, proposto e usado, pela primeira vez, pelo botânico Arthur George Tansley, em 1935, que o definiu como a unidade básica da ecologia.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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,1212 Odum E. Fundamentos de ecologia. 6ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenklan; 2001.-1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014. Esse vocábulo, etimologicamente, origina-se de duas palavras: eco, prefixo grego oikos, que significa espaço/ambiente, acrescido da palavra sistema, do latim systema, que é entendido como um conjunto de elementos interligados, que exercem interações, influenciam-se mutuamente, cooperam entre si e são capazes de produzirem mudanças e transformações. Esse conceito sistêmico, quando acrescido da característica do espaço e tempo específico, constituem os aspectos que o diferenciam do sistema, formando o que é considerado o ecossistema, composto de organismos que interagem entre si, produzem energia e forças capazes de autopoiese, ou seja, de auto-organização.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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7 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.
-88 Paula SF, Siqueira HCH, Medeiros AC, Rangel RF, Rodrigues ST, Pedroso VSM. Health education provided by the nurse to the career in the light of ecosystem thinking. Res Soc Dev. 2020 mar;9(1):e63942854. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i4.2854.
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,1414 Bertalanffy LV. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. 8ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.

Sob esse olhar, o ser humano compõe um dos elementos integrantes dessa comunidade, ou seja, da natureza/ambiente. Portanto, numa visão ampliada, pode-se considerar o ecossistema humano como um sistema multidimensional, com capacidade de adaptações e adequações às instabilidades, flutuações e perturbações constantes do ambiente, em busca da sustentabilidade ao longo de sua existência.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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,1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014.,1515 Prigogine I. Ciência, razão e paixão. 2ª ed. São Paulo: Livraria da Física; 2009.-1616 Salvati CO, Gomes CA, Haeffner LSB, Marchiori MRCT, Silveira RS, Backes DS. Humanization of the hospital: participatory construction of knowledge and practices on care and ambience. Rev Esc Enferm USP. 2021 ago;55:e20200058. http://dx.doi.org/10.1590/1980-220x-reeusp-2020-0058. PMid:34423797.
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Avançando nesta perspectiva, o equilíbrio dinâmico do ser humano, na abordagem ecossistêmica, realiza-se pela energia obtida pelas interações com as suas dimensões: física/biológica, social, psicológica e espiritual, que podem ser identificadas pelas reações do ser humano, segundo as perturbações e instabilidades que surgem no ambiente no qual está inserido. Ao buscar equilíbrio, por meio da energia produzida pelas inter-relações dos elementos constituintes, ele é capaz de produzir adaptações, mudanças e transformações necessárias para reorganizar-se.1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014. Assim, contata-se no ambiente, no qual o ser humano se encontra inserido, uma rede dinâmica de elementos que interagem entre si, com a finalidade de produzir mudanças e transformações necessárias ao equilíbrio dinâmico e à manutenção e sustentabilidade da vida.77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.

Portanto, autopoiese ou autopoiesis que etimologicamente se origina do grego auto, que denota “próprio”, acrescido de poiesis, que significa “criação”, é um termo criado na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Neste sentido, a teoria autopoiética pode ser conceituada como sistema organizado autossuficiente. Segundo esta teoria, o ser vivo é um sistema autopoiético, isto é, um sistema vivo, autônomo, que está, constantemente, autoproduzindo-se, autorregulando e inter-relacionando-se com o ambiente do qual faz parte integrante. Portanto, a conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu ambiente são condições sistêmicas para a vida.77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.

Olhando a TA e a TE, ambas pautam seus princípios básicos na ecologia que as sustentam, apoiam-se na natureza/ambiente e justificam as suas influências nas condições de saúde do usuário ou, conforme Nightingale,55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010. no paciente. Dessa forma, esse processo considera o ser humano um ser integrante da natureza, e, como tal, inter-relaciona-se, influência, é influenciado, sofre instabilidades e perturbações, produz energia por meio das interações entre o conjunto de elementos da realidade na qual vive, trabalha e se desenvolve e, consequentemente, por meio desta energia é capaz de fazer mudanças e transformações influenciadas pelo ambiente.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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-77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.

Com base no exposto, tem-se como objetivo de o estudo refletir acerca das inter-relações da Teoria Ambientalista de Florence Nightingale e a Teoria Ecossistêmica e suas influências no processo reparativo das enfermidades e na saúde/doença/cuidado do ser humano.

Método

O estudo envolve uma reflexão teórico-filosófica, com discussão acerca das inter-relações entre a Teoria Ambientalista de Florence Nightingale e a Teoria Ecossistêmica com base em autores que discutem essa temática. Essa reflexão foi desenvolvida no ano de 2023, como trabalho da disciplina de Seminários Integrados de Pesquisa em Enfermagem/Saúde II, do Curso de Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

Após leituras intensas, críticas-analíticas do material coletado em bases de dados online e das leituras instituídas no decorrer da disciplina, compôs-se um conjunto de ideias, conceitos e princípios articulados entre si, em que se estabeleceu uma discussão crítica reflexiva inter-relacional sobre a temática em pauta.

A leitura crítica e reflexiva dos textos teve a finalidade de selecionar as abordagens de maior aderência e significância quanto aos conceitos, às características e aos princípios constituintes das duas teorias, explorando, especialmente, os aspectos inerentes às inter-relações e influências no processo reparativo das enfermidades da TA e o da saúde/doença/cuidado da TE. As leituras levaram ao aprofundamento da temática, à apreensão das ideias expressas pelos autores, que nortearam a discussão do assunto e auxiliaram a direcioná-lo ao encontro do objetivo.

Nesta acepção, o interesse pela temática ampliou-se na medida do aprofundamento das leituras de textos sobre a TA e o referencial teórico-filosófico da TE, os quais originaram alguns questionamentos em relação às inter-relações existentes entre essas teorias, o que possibilitou conjecturar sobre a prática profissional do enfermeiro e sua aplicabilidade na enfermagem e saúde. Portanto, são apresentados conceitos, princípios e características entendidos como fundamentais, para o entendimento da temática e do objetivo em pauta.

Por se tratar de um estudo teórico, sem envolvimento de seres humanos, foi dispensada a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

O ser humano, na presente proposição, deixa de ser visto na ótica cartesiana, ou seja, fragmentado, rígido, não contextualizado, das certezas e exatidões, do estudo do objeto em si e com ênfase na quantidade em detrimento da qualidade. Desta forma, ele passa a ser considerado em sua multidimensionalidade, integralidade/totalidade, que se inter-relaciona e se encontra inserido no ambiente onde vive, trabalha e se desenvolve.

Essa mudança paradigmática, da Teoria Geral dos Sistemas foi publicada em 1950 por Ludwig Von Bertalanffy, para atender as exigências do conhecimento científico do mundo em mudança, especialmente, por tornar imprescindível considerar as necessidades individuais e coletivas do ser humano e associá-las às inter-relações com os demais componentes da realidade, que influenciam, interferem, interdependem e cooperam entre si no processo de viver e necessitam ser atendidas para manter o equilíbrio da saúde, sua sustentabilidade e o bem-estar humano.1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014.

A reflexão acerca do ser humano multidimensional, neste contexto, é compreendida como um desafio, pois engloba diferentes conceitos e áreas do conhecimento e leva a considerá-lo complexo na sua constituição, seu pensar, ser e fazer num espaço/ambiente, cheio de perturbações, incertezas e instabilidades. A complexidade se dá por meio das inter-relações, ou seja, das trocas que são feitas no decorrer da vida. Dessa forma, cada ser humano é um indivíduo único, constituído de trocas singulares, cuja complexidade também é única.

Nesta nova ótica, é preciso ponderar o conceito de complexo de forma contextualizada, abrangente, completa e irreversível. Significa entender o ser humano nas suas múltiplas dimensões: biológicas, psicológicas, espirituais e socioculturais, entre outras constituintes do ser humano e de suas inter-relações com o espaço/contexto/ambiente, no qual produz energia e forma uma totalidade/unidade interdependente.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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,88 Paula SF, Siqueira HCH, Medeiros AC, Rangel RF, Rodrigues ST, Pedroso VSM. Health education provided by the nurse to the career in the light of ecosystem thinking. Res Soc Dev. 2020 mar;9(1):e63942854. http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i4.2854.
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,1111 Rangel RF, Paula SF, Zamberlan C, Backes DS, Medeiros AC, Siqueira HCH. Comprehensive care from the perspective of nurses: an ecosystem approach. Rev Bras Enferm. 2020 dez;73(supl 6):e20190781. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0781. PMid:33338148.
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Com base na TE, entende-se que na vida do ser humano existem instabilidades, inconstâncias, perturbações contínuas no espaço/ambiente, movidas pelos elementos que o compõem e suas conexões e interações. Esse contexto precisa ser considerado para encontrar caminhos favoráveis para processar a reorganização/autopoiese, para as adaptações necessárias para a sustentabilidade do lócus/ambiente e sobrevivência do ser humano.77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.,1212 Odum E. Fundamentos de ecologia. 6ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenklan; 2001.

Seguindo nesta lógica, depara-se na trajetória histórica de Florence, nascida em 12 de maio de 1820, a qual elencou a importância de os enfermeiros serem capazes de pensar crítica e holisticamente para lidar com situações de adversidades, como foi o caso na Guerra da Criméia. Florence vivenciou cenários de incertezas, adversos e contextos múltiplos de cuidados individualizados e específicos aos soldados da guerra, para os quais necessitou aplicar conhecimento e seu pensamento crítico e apurado, muito desenvolvido para os moldes e padrões femininos da época.44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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Nightingale identificou que “apreensão, incerteza, espera, expectativa e medo da surpresa causam mais danos a um paciente do que qualquer esforço”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:53

Ver Florence nessa perspectiva, ressalta-se o extraordinário trabalho realizado que se refletiu e influenciou em diversas áreas, além da enfermagem, tais como estatística, matemática, administração/gerenciamento em saúde, saúde pública, fisioterapia e espiritualidade, entre outras. Sua obra influenciou na reformulação de hospitais, administração sanitária, em elaborações de políticas públicas e lançou as bases da enfermagem como profissão para o mundo todo. Além disso, cunhou preceitos de valorização do ambiente adequado para o processo saúde/doença/cuidado, trabalho em equipe com divisão social do trabalho em enfermagem e pregou e estabeleceu autoridade e domínio do enfermeiro sobre o cuidado a ser prestado. Os compêndios escritos por Florence ainda continuam a orientar a construção da ciência de enfermagem, qualificando o ensino, a pesquisa, a gestão e a assistência.44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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,1010 Dossey BM, Rosa WE, Beck DM. Nursing and the Sustainable Development Goals: from Nightingale to now. Am J Nurs. 2019 mai;119(5):44-9. http://dx.doi.org/10.1097/01.NAJ.0000557912.35398.8f. PMid:31033553.
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A Enfermagem, para Nightingale, era uma arte (ciência) que demandava habilidade, prático-científica. A enfermeira deveria ser capacitada e qualificada a servir nos processos reparativos de enfermidades, utilizando princípios integrais, baseados nos conhecimentos, nas teorias, na pesquisa e nos aspectos subjetivos, e visualizar a realidade no viver do doente e suas interações com o ambiente, com base na intuição e na criatividade. Esses aspectos instituídos por Florence foram decisivos no modo como constituiu o processo de cuidado reparativo de cura das enfermidades.44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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Prosseguindo na reflexão, tem-se a TE entendida como o conjunto de componentes vivos e não vivos do espaço/contexto/ambiente, onde o ser humano vive, trabalha e se desenvolve, interligados, cooperam entre si, influenciam-se mutuamente, cujos efeitos mobilizam, interferem e repercutem no sistema como um todo.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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,1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014. Destarte, para facilitar a visualização das semelhanças e respectivas inter-relações entre a TA e TE apresenta-se, a seguir, no Quadro 1.

Quadro 1
Similaridades e inter-relações da Teoria Ambientalista e Teoria Ecossistêmica, Rio Grande, RS, Brasil, 2023.

Discussão

Nesse âmbito, a TA e a TE assemelham-se na busca do autoconhecimento, auto-organização/autopoiese e na forma de visualizar a complexidade do ser humano, a significância da saúde e o viver humano. Enquanto a TE integra um conjunto de elementos de um determinado espaço/contexto/ambiente interligados que exercem interações e se influenciam mutualmente. A TA, por sua vez, também, defende o conceito relativo às interações com a natureza e o ambiente, com influência no processo do cuidado reparativo de cura das enfermidades.

De forma semelhante, ambas abordam o ambiente, formado de seres bióticos vivos e abióticos não vivos, que pode ser interpretado como a natureza. Na TE corresponde ao contexto/espaço/ambiente e seus elementos constituintes, formando uma totalidade/unidade.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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Todos os elementos da natureza/ambiente, do qual o ser humano constitui um dos elementos, tanto na TA como na TE são percebidos como fatores/elementos interdependentes, interconectados e inter-relacionados, que influenciam no processo saúde/doença/cuidado e do cuidado reparativo de cura das enfermidades e bem-estar dos enfermos.44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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,1010 Dossey BM, Rosa WE, Beck DM. Nursing and the Sustainable Development Goals: from Nightingale to now. Am J Nurs. 2019 mai;119(5):44-9. http://dx.doi.org/10.1097/01.NAJ.0000557912.35398.8f. PMid:31033553.
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Nessa perspectiva, apreende-se que a TE e a TA possuem muitas similitudes. Enquanto a TA aborda mais especificamente o processo de cura dos enfermos, aproxima-se e compreende que existem interações do ambiente com influência direta no viver saudável. Nesse sentido, a TE, de forma semelhante, acerca-se com mais profundidade e especificidade ao conceito em relação às instabilidades, perturbações próprias do espaço/contexto/ambiente. Entretanto, nessa linguagem específica, a TE aponta as possíveis flexibilidades necessárias que permitem e levam, por meio da energia produzida pelas inter-relações dos elementos que o compõem, a realizar adequações, readaptações, mudanças em vista da autopoiese no viver do ser humano.77 Maturana HR, Varela FJ. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 9ª ed. São Paulo: Palas Athenas; 2011.,1313 Capra F, Luisi PL. A visão sistêmica da vida: uma concepção unificada e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. São Paulo: Cultrix; 2014.,1515 Prigogine I. Ciência, razão e paixão. 2ª ed. São Paulo: Livraria da Física; 2009.

Na práxis de Florence, quanto a TA, pode-se entender que ela, também, praticava a autopoiese ao incentivar, orientar e estimular os soldados a participarem dos cuidados, em busca de suas recuperações e/ou adaptações necessárias para o alcance da saúde. Ela demonstrou a aplicabilidade da sua teoria, especialmente, durante a guerra da Crimeia e ficou reconhecida e renomada, mundialmente, por ser pioneira na prática de enfermagem, considerando-a ciência e arte ao abordar a importância dos fatores da natureza/ambiente no processo de cura dos enfermos. Segundo ela, “a variedade da forma e do brilho da cor dos objetos apresentados aos pacientes são meios reais que afetam a recuperação”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:87

Seu trabalho exercido durante a guerra da Crimeia, em 1854, resultou na redução da mortalidade de 40% a 2% dos soldados, utilizando, especialmente, práticas como: promoção de ambientes limpos e arejados; oferta de ar puro; iluminação, claridade e luz solar direta; higiene pessoal; rede de esgoto/sanitária adequada; diminuição de ruídos, entre outras.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010. Assim sendo, Nightingale considerava o ambiente como o principal meio para o cuidado reparativo de cura das enfermidades e o bem-estar do paciente, por meio do qual garantiu assistência humanizada com qualidade e promoveu o bem-estar dos enfermos.

Prosseguindo na reflexão, emana a imagem de Florence conhecida como a “Dama da Lâmpada”, alcunha recebido por servir-se deste instrumento para auxiliar na iluminação ao visitar e assessorar os feridos durante a noite. Esse cuidado demostra, também, simbolicamente, a dedicação e o zelo em relação aos aspectos espirituais e emocionais dos pacientes, onde a luz trazia esperança e motivação para os pacientes, incentivando-os na participação da sua recuperação. Conforme disse Florence: “quase todas as pessoas doentes, exercitam mais o autocontrole em cada momento de seu dia do que você jamais saberá - até que fique doente”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:90

Esse cuidado é representado na TE pela autopoiese/auto-organização, motivada pelo conhecimento que deve ser oferecido ao ser humano, conscientizando-o a compartilhar na recuperação de sua saúde. Outro fato que essa analogia trouxe para a enfermagem é a interligação entre pesquisa, teoria/ensino e prática, que devem funcionar de forma interdependente na construção do conhecimento da enfermagem no processo saúde/doença/cuidado.

Evidencia-se que Nightingale, em suas práticas, conseguiu a redução de doenças infecciosas, a diminuição da gravidade dos ferimentos e do contágio de outras patologias, além da melhoria da saúde mental e psicossocial dos soldados. Essa forma do cuidado corrobora com a importância de considerar o ser humano nas suas necessidades multidimensionais, dando atenção aos aspectos biológicos, socioculturais, psicológicos e espirituais. Florence exibia o quanto o ambiente influenciava no estado depressivo dos pacientes: “a maioria dos casos de depressão será observada entre aqueles doentes sujeitos a uma longa monotonia dos objetos ao seu redor”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:85

Enquanto a TE assinala que a multidimensionalidade do ser humano deve ser considerada e atendida nas suas necessidades, a TA também corrobora com os aspectos sociais, ao entender que as sequelas e a invalidez dos soldados no pós-guerra interferem na sua vida.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010. Neste sentido, torna-se importante conhecer o espaço/ambiente do usuário e as pessoas que fazem parte do convívio social e do cuidado, para conseguir inseri-los no processo de recuperação e, assim, auxiliar na auto-organização do usuário no viver de seu ambiente no pós-guerra.99 Borson LAMG, Cardoso MS, Gonzaga MFN. A teoria ambientalista de Florence Nightingale. Rev Saúde Foco. 2018;10(2):25-56.

Pode-se afirmar que Florence Nightingale foi pioneira na Enfermagem ao introduzir técnicas/práticas integrativas e complementares (PICs) no contexto do cuidado, como: as cores, a luz, a música, os animais de estimação, o exercício, as flores, a utilização de óleos essenciais de Lavanda, entre outras. Essas práticas amparam o cuidado integral ao indivíduo, considerando-o como corpo/mente/alma.1717 Dalmolin IS, Heidemann ITSB, Freitag VL. Integrative and complementary practices in the Unified Health System: unveiling potentials and limitations. Rev Esc Enferm USP. 2019 dez;53:e03506. http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018026603506. PMid:31800806.
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Todas essas técnicas que Florence utilizava tinham a finalidade de acalmar os doentes, favorecer um ambiente em busca da cura, servir de estímulo, premissas de sua teoria, a qual afirma que o ambiente influencia na saúde das pessoas. Ela relatou em seu livro, “a forma e a cor livrarão seu paciente de suas ideias dolorosas melhor do que qualquer argumento”.55 Nightingale F. Anotações de enfermagem: o que é, e o que não é. Tradução de Janaína Belem. São Paulo: Rideel; 2010.:89

Essas atitudes impactaram na sociedade ao considerar não apenas os aspectos físicos da pessoa humana, mas também a interconexão entre as dimensões biológicas/físicas, sociais, psicológicas e espirituais de cada indivíduo e suas inter-relações com o contexto/espaço/ambiente no qual vive, trabalha e se desenvolve. Tanto a TA como a TE consideram e apontam os aspectos culturais, os valores e as crenças conectados ao ato de cuidar e assinalam a capacidade de considerar a pessoa em sua totalidade/unidade e a necessidade de incentivá-la a participar na sua recuperação. Na vertente da TE, como já apontado, essa participação expressa-se de forma mais visível com o princípio da autopoiese/auto-organização que corrobora com esse aspecto.44 Riegel F, Crossetti MGO, Martini JG, Nes AAG. Florence Nightingale’s theory and her contributions to holistic critical thinking in nursing. Rev Bras Enferm. 2021 mai;74(2):e20200139. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0139. PMid:33950115.
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,66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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Essa reflexão também remete ao atual cenário mundial de saúde vivenciado, em tempos de pandemia pelo COVID -19.1818 Santos TCF, Peres MAA, Almeida Fo AJ, Aperibense PGGS, Alcántara EL. Florence Nightingale’s legacy: a reflection from Pierre Bourdieu’s perspective. Texto Contexto Enferm. 2022 fev;31:e20210200. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2021-0200.
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Faz-se necessário reafirmar o compromisso científico, humano, ético e social da ciência de enfermagem em reconhecer o valor dos princípios da TA interligado com o referencial teórico-filosófico da TE, cujos conceitos e princípios se interligam ao apontar o ambiente como elemento importante no processo de cuidado reparativo de cura das enfermidades e bem-estar dos enfermos (TA) e no processo saúde/doença/cuidado (TE).1111 Rangel RF, Paula SF, Zamberlan C, Backes DS, Medeiros AC, Siqueira HCH. Comprehensive care from the perspective of nurses: an ecosystem approach. Rev Bras Enferm. 2020 dez;73(supl 6):e20190781. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0781. PMid:33338148.
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,1919 Dios-Aguado MM, Gómez-Cantarino S, Queirós PJP, Peres MAA. The light of Florence Nightingale in the care for COVID-19 patients in primary health care. Rev Gaúcha Enferm. 2021 set;42(spe):e20200303. http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200303. PMid:34586331.
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Nessa acepção, para um processo de saúde/doença/cuidado de qualidade, é necessário conhecer o ambiente no qual o ser humano vive e verificar os elementos que interferem nesse processo e tentar alcançar o equilíbrio dinâmico, incentivando a autopoiese/auto-organização do usuário. Essa forma de cuidado leva ao autoconhecimento e, assim, pode se transformar em possibilidades de auto-organização para promover o bem-estar, a qualidade de vida e consequentemente, obter mais saúde.66 Siqueira HCH, Thurow MRB, Paula SF, Zamberlan C, Medeiros AC, Cecagno D et al. Health of human being in the ecosystem perspective. Rev Enferm UFPE On Line. 2018 fev;12(2):559-64. http://dx.doi.org/10.5205/1981-8963-v12i2a25069p559-564-2018.
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Portanto, essa maneira de construção do conhecimento, por meio do processo/saúde/cuidado, auxilia no alcance da sustentabilidade, tanto do ser humano como do ambiente do qual é um dos componentes, em que se inter-relaciona com os demais, produzindo energia no coletivo para a recuperação da saúde, a manutenção e a melhoria do ecossistema, assim como bem-estar e qualidade de vida para o usuário e a coletividade.

Conclusão

Essa reflexão teórica-filosófica evidenciou aspectos importantes em relação a contribuições do legado de Florence Nightingale para a TE. Identificou-se que as inter-relações entre as duas teorias possibilitam aprofundar o conhecimento relacionado, especialmente, à dimensão integral na execução do processo de cuidado de enfermagem. Pontua-se que o estudo das inter-relações das TA e TE possibilitou o emergir de novos conhecimentos sobre os aspectos presentes em ambas as teorias, e enfatizam e colaboram para entender a importância do cuidado integral ao usuário.

Ressalta-se que ficou evidenciado que o cuidado integral ao usuário une as duas teorias, tanto em relação aos aspectos das dimensões singulares da multidimensionalidade do ser humano quanto as interligações e influências entre os componentes bióticos e abióticos do ambiente, do qual o usuário constitui um elemento integrante, formando uma totalidade/unidade que influencia no viver humano de forma interdependente.

Por fim, as inter-relações do referencial teórico-filosófico da TE com a TA gerou uma abordagem positiva no direcionamento de apontar possibilidades para uma nova forma de ver a ciência de enfermagem, nos aspectos educativos e nas práticas assistenciais, gerenciais e investigativas. Desse modo, inovar em enfermagem pressupõe resgatar, interligar e enaltecer os princípios e conceitos de Nightingale com teorias emergentes de impacto na atualidade; no presente caso, a TE que percebe o universo/planeta, o ambiente e o ser humano de forma interligada, inter-relacionada, interdependente e interconectada, formando assim uma totalidade/unidade.

Ao concluir, destaca-se que a reflexão teórico-filosófica sobre a TA de Florence e a TE viabilizou compreender que os princípios e as características de ambas possuem semelhanças entre si e que as suas inter-relações e influências mútuas se processam de maneira análoga na enfermagem e saúde do ser humano e auxiliam no cuidado integral ao usuário. Assim, para o domínio integral pela enfermagem, as teorias trazem subsídios pertinentes, apropriados e interconectados, que possibilitam avançar no domínio da sustentabilidade, como parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Das limitações dessa reflexão, denota-se escassez de pesquisas publicadas abordando as inter-relações e influências da TA de Nightingale e a TE. Esse aspecto denota uma lacuna do conhecimento a ser preenchida, haja visto a importância dessa temática para a formação, o cuidado, a pesquisa e a gestão de enfermagem. Em relação às implicações para a prática, destaca-se a possibilidade de produzir impactos na prática profissional no campo da pesquisa, do ensino e da gestão, por meio do conhecimento produzido e pelo reconhecimento do legado de Florence nas diversas áreas do conhecimento, especialmente da enfermagem. Além disso, esse estudo possibilita compreender as inter-relações acerca da TA de Nightingale e a TE.

Essa reflexão levou a evidenciar que existem muitas similaridades entre a TA e a TE e que as inter-relações entre os elementos constituintes de cada uma possibilitam criar uma nova forma de pensar, ver, sentir e agir do homem no universo/natureza, o que significa instituir novos conhecimentos e novas práticas na enfermagem inter-relacionadas e integralizadas.

Entretanto, em relação aos acontecimentos, às mudanças, às transformações, e aos avanços científicos decorrentes em relação ao distanciamento, em termos de tempo, desde 1854 da guerra da Crimeia ao período atual, 2023, existe um hiato, uma perplexidade entre os motivos e os fatores que levaram Florence a ideia da mudança do cuidado ao ser humano doente. Qual teria sido a inspiração de Florence, ao traçar a TA, para conseguir cumprir uma missão tão nobre e inspiradora, cujos princípios continuam atuais e conseguem entrelaçar-se com teorias emergentes que buscam atender as necessidades humanas na atualidade? Quais foram os maiores feitos de Florence que continuam, de forma extraordinária, a inspirar o enfermeiro em relação a relevância profissional? Quais são os aspectos da TA e TE de maior valia, na perspectiva dos enfermeiros docentes e assistenciais?

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Fabio da Costa Carbogim https://orcid.org/0000-0003-2065-5998

EDITOR CIENTÍFICO

Ivone Evangelista Cabral https://orcid.org/0000-0002-1522-9516

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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