Resumo
Objetivo avaliar a qualidade de aplicativos sobre saúde sexual e ginecológica da mulher.
Metodologia estudo com quatro etapas: definição do objetivo, critérios de inclusão e exclusão, estratégia de busca e avaliação; busca nas plataformas (outubro de 2024); avaliação dos aplicativos; e construção dos resultados. Foram incluídos aplicativos voltados para saúde sexual e ginecológica da mulher, excluindo-se aplicativos para profissionais ou de uso em ambiente hospitalar, duplicados, pagos ou de uso restrito, ou voltados para jogos.
Resultados de 741 aplicativos, 32 foram incluídos, predominando aplicativos com foco no ciclo menstrual e uma média de qualidade de 3,5. O “Calendário Menstrual – Cycles” obteve a maior nota (4,6). Textos apresentaram baixa credibilidade e baixa adoção de evidências científicas.
Conclusão e implicações para a prática os aplicativos analisados promovem autocuidado, mas são limitados, deixando lacunas em outras condições ginecológicas. Há necessidade de ferramentas atualizadas, educativas e baseadas em evidências. Os aplicativos avaliados focam principalmente no ciclo menstrual e apresentam qualidade mínima ou aceitável. As lacunas encontradas nos resultados trazem a necessidade do desenvolvimento de tecnologias de educação em saúde da mulher.
Palavras-chave:
Aplicativos Móveis; Saúde da Mulher; Saúde Sexual; Tecnologia
Abstract
Objective to assess the quality of applications on women’s sexual and gynecological health.
Methodology a four-stage study: objective definition, inclusion and exclusion criteria, search strategy, and assessment; platform search (October 2024); application assessment; and analysis of results. Applications focused on women’s sexual and gynecological health were included, excluding applications for professionals or for use in hospital settings, duplicates, paid or restricted-use applications, or games.
Results of the 741 applications, 32 were included, predominantly applications focusing on the menstrual cycle and with a mean quality score of 3.5. “Cycles: Period & Cycle Tracker” received the highest score (4.6). The texts presented low credibility and low adoption of scientific evidence.
Conclusion and implications for practices the applications analyzed promote self-care but are limited, leaving gaps in other gynecological conditions. There is a need for updated, educational, and evidence-based tools. The applications assessed primarily focus on the menstrual cycle and present minimal or acceptable quality. The gaps found in the results highlight the need for the development of women’s health education technologies.
Keywords:
Mobile Applications; Women’s Health; Sexual Health; Technologies
Resumen
Objetivo evaluar la calidad de las aplicaciones sobre salud sexual y ginecológica de la mujer.
Metodología estudio con cuatro etapas: definición de objetivos, criterios de inclusión y exclusión, estrategia de búsqueda y evaluación; búsqueda en plataformas (octubre de 2024); evaluación de apps; y elaboración de resultados. Se incluyeron apps centradas en la salud sexual y ginecológica de la mujer, excluyéndose las apps para profesionales o para uso hospitalario, las duplicadas, las apps de pago o de uso restringido, y los juegos.
Resultados de 741 aplicaciones, se incluyeron 32, con predominio de aplicaciones centradas en el ciclo menstrual y una calidad promedio de 3,5. El “Calendario Menstrual – Cycles” obtuvo la puntuación más alta (4,6). Los textos presentaban baja credibilidad y adopción de evidencia científica.
Conclusión e implicaciones para la práctica las aplicaciones analizadas promueven el autocuidado, pero son limitadas, dejando vacíos en otras condiciones ginecológicas. Se necesitan herramientas actualizadas, educativas y basadas en evidencia Las aplicaciones evaluadas se centran en el ciclo menstrual y presentan una calidad mínima o aceptable. Las lagunas encontradas en los resultados plantean la necesidad de desarrollar tecnologías de educación para la salud de las mujeres.
Palabras clave:
Aplicaciones Móviles; Salud de la Mujer; Salud Sexual; Tecnologías
INTRODUÇÃO
Cerca de 53,6% da população mundial possui acesso à internet. No Brasil, o dispositivo mais utilizado para acessar a internet é o celular (89%).1,2 Essa ampla difusão do uso de smartphones tem causado mudanças profundas nos costumes, hábitos, relações sociais e pessoais, impactando também os comportamentos e as emoções da população.3 Com a incorporação de recursos computacionais aos celulares, esses dispositivos deixaram de ser utilizados prioritariamente para comunicação por voz, tornando-se ferramentas multifuncionais que influenciam cada vez mais a forma como as pessoas interagem e se conectam.4
Desse modo, o smartphone passa a ser empregado na rotina diária dos usuários, e as mídias sociais e os aplicativos móveis surgem como ferramentas atrativas que elevam o engajamento dos usuários. A construção de aplicativos móveis alcançou diversos públicos por meio de jogos, ferramentas de interação social e instrumentos para busca de dados e informações. A saúde também passou a ser campo de atuação, surgindo, assim, as mobile health (mHealth), termo que se refere a práticas de saúde auxiliado por assistentes virtuais, aplicativos ou aparatos móveis.5
Tais inovações tecnológicas têm gerado impactos em diagnósticos, tratamentos e fluxos assistenciais, promovendo uma recuperação mais rápida da população. No cenário brasileiro, tem-se adotado ferramentas como prontuários eletrônicos, teleconsultas e softwares assistenciais, tornando o planejamento do cuidado mais eficiente.6
Além disso, o uso de mHealth tem transformado o ensino-aprendizagem, enquanto a Inteligência Artificial revoluciona a tecnologia e a saúde ao capacitar sistemas computacionais para decisões inteligentes.7,8 Portanto, o uso crescente de aplicativos móveis na saúde tem contribuído para melhorar a eficácia dos tratamentos, com profissionais e pacientes buscando aprimoramento contínuo e informações atualizadas.6 Este dado é corroborado ao observar que, quando combinados aos cuidados tradicionais, aplicativos voltados à saúde podem gerar resultados clínicos positivos.6,9
Entre as inúmeras etapas previstas na construção de uma tecnologia, encontra-se a seleção do público-alvo. Para que um aplicativo tenha êxito em seus objetivos, os desenvolvedores devem entender a população para qual a tecnologia se direciona. Para o gênero feminino, o celular surge como uma ferramenta para autoexpressão e meio facilitador para o convívio social.
Destaca-se que, no cenário mundial, 48% das mulheres possuem acesso ao smartphone, assim a adoção do celular como instrumento de educação em saúde para público feminino é uma importante aliada no letramento dessa população quanto ao autocuidado e boas práticas de saúde.1 Contudo, há escassez de aplicativos voltados para educação em saúde desse público. Ademais, a disponibilização majoritariamente em inglês e para Android implica limitações que dificultam o acesso e o engajamento. Incluir os usuários no desenvolvimento pode ajudar a criar aplicativos mais adequados e eficazes para suas necessidades.10
Com os avanços tecnológicos, surgem novas possibilidades para o acompanhamento, a orientação e o empoderamento feminino na área da saúde. O uso de aplicativos como canal modificador de hábitos de vida por meio do letramento em saúde é uma ferramenta inovadora e eficaz.11 Portanto, torna-se essencial avaliar a qualidade desses mHealth, garantindo que sua adoção seja embasada em evidências científicas.
Ao mapear e analisar os estudos disponíveis, este trabalho pode subsidiar a tomada de decisão do gênero feminino e profissionais de saúde, assegurando que as tecnologias recomendadas atendam a critérios científicos rigorosos e contribuam para a melhoria do cuidado. Diante disto, este estudo tem como objetivo avaliar a qualidade de aplicativos sobre saúde sexual e ginecológica da mulher.
MÉTODO
Estudo descritivo de cunho avaliativo foi construído em quatro etapas:
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1- Definição do objetivo, critérios de inclusão e exclusão, estratégia de busca e avaliação;
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2- Busca nas plataformas;
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3- Avaliação dos aplicativos; e
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4- Construção dos resultados.
Na primeira etapa, definiu-se como questão norteadora: “Qual a qualidade dos aplicativos que abordam a saúde sexual e ginecológica da mulher?”. Visando sanar este questionamento, selecionaram-se as palavras “mulher”, “saúde sexual”, “saúde da mulher”, “women’s health”, “health-woman” como buscadores nas plataformas. Além disso, com o intuito de afunilar a busca e a resolução da questão alvo, o seguinte critério de inclusão foi adotado: aplicativos voltados para saúde sexual e ginecológica da mulher. Os critérios de exclusão foram aplicativos para profissionais ou de uso em ambiente hospitalar, aqueles duplicados, pagos ou de uso restrito, ou voltados para jogos.
A segunda etapa ocorreu em outubro de 2024, por meio da busca por aplicativos nas principais plataformas para dispositivos móveis, como Apple Store e Play Store. A consulta foi realizada por meio de três smartphones, sendo estes um Moto G 52 e Redmi Note 12, na plataforma Play Store (Android, Google), e um iPhone 12 pro MAX, na plataforma Apple Store (iOS, Apple).
Para concretização da avaliação de aplicativos, terceira etapa, adotou-se o uso do instrumento validado Mobile Application Rating Scale (MARS), desenvolvido com objetivo de avaliar aplicativos que sejam mHealth. Este instrumento contém 23 itens em três seções: classificação; qualidade do aplicativo; e satisfação. Cada área tem uma pontuação que vai de 1 a 5, obtendo uma média e, ao final, uma média geral de qualidade, sendo a área subjetiva avaliada isoladamente (1 = inadequado, 2 = ruim, 3 = aceitável, 4 = bom e 5 = excelente). A MARS é pontuada calculando as pontuações médias das subescalas de qualidade do aplicativo e a pontuação média total.12
A construção dos resultados foi realizada de forma descritiva e quantitativa. Após avaliação de qualidade, os resultados foram discutidos com a literatura atual acerca da temática.
O estudo dispensou submissão ao comitê de ética em pesquisa, pois usou apenas dados públicos.
RESULTADOS
A busca efetuada nos sistemas operacionais resultou em 741 aplicativos; quatro foram excluídos por serem duplicados, restando 737. Desses, 658 foram excluídos por abordarem outras temáticas, e outros 38 aplicativos foram excluídos por efetuarem cobrança para uso. Dos 41 aplicativos remanescentes, dois foram deletados por incompatibilidade com os sistemas operacionais dos smartphones usados na coleta de dados e sete, por apresentarem recursos pagos que inviabilizaram a análise do aplicativo. Por fim, 32 aplicativos foram incluídos neste estudo. A Figura 1 representa o fluxograma de seleção.
Nas tecnologias incluídas, o idioma predominante foi português (n= 23), seguido por inglês (n=08), e apenas um aplicativo adotou espanhol como idioma principal (Maya - Menstrual & Salud). O “WomanLog Calendário Menstrual” apresentou versão em inglês e português. Quanto ao sistema operacional adotado, 18 aplicativos estavam disponíveis na Play Store para sistema Android e 14 na Apple Store para iOS. A classificação mais frequente foi livre (n= 16), seguida de 12 anos (n= 09), quatro anos (n= 03), nove anos (n= 02), 14 anos (n= 01) e 17 anos (n= 01). Quanto à avaliação por usuários, a máxima registrada foi de 4,9 (n= 09), seguida de 4,8 (n= 05), 4,7 (n= 05), 4,6 (n= 05), 4,4 (n= 02), 4,3 (n= 01), 4,2 (n= 02), 4,0 (n= 01) e a mínima de 2,0 (n= 01). Ademais, um aplicativo não possuía avaliações registradas. Quanto ao número de downloads, os registros mais frequentes foram de 10.000 (n= 04) e 5.000.000 (n= 04) acessos, em sequência de 10.000.000 acessos (n= 03), 10.000 (n= 02), 1.000.000 (n= 02), 100.000.000 (n= 02). Por fim, foram registrados 500.000 (n= 01). Os aplicativos disponíveis para sistema iOS não relataram o número de downloads.
Na amostra que compôs o estudo, 29 aplicativos apontaram o monitoramento do ciclo menstrual como principal objetivo; para isto, as tecnologias adotaram o uso de calendário personalizado que permitia o usuário acompanhar as diferentes fases do seu ciclo, incluindo a presença de notas e lembretes. No eixo “saúde sexual”, apenas três tecnologias foram identificadas: uma com objetivo educacional; outra para monitorar e acompanhar a evolução clínica da síndrome do ovário policístico (SOP); e aplicativo voltado para exercícios do assoalho pélvico. Apenas 6,5% (n=02) aplicativos possuíam propósito educativo (Figura 2).
Por meio da análise de aplicativos segundo a MARS, constatou-se que o aplicativo “Calendário Menstrual - Cycles”, desenvolvido por Perigee, obteve a maior nota na média geral de qualidade (n= 4,6), seguido de “Período, Calendário Menstrual”, de Prutvi (n=4,3), e “Eve Calendário Menstrual”, de Glow. A média geral de qualidade entre os aplicativos incluídos na pesquisa foi de 3,5, e somente três tecnologias registraram médias inferiores à pontuação mínima de aceitabilidade (n=3,0), como “Calendário de Ovulação” (n=3,9), “Woman App - Calendário Ciclo Feminino” (n=2,8) e “Mile Calendário Menstrual” (n=2,6).
Ademais, não foi possível aplicar o item 19 da MARS, pois este observa a adoção de evidências científicas na construção das tecnologias, e os aplicativos presentes no estudo não contemplavam este item; contudo, isto não afetou os resultados obtidos (Tabela 1).
Escores da avaliação conforme a Mobile Application Rating Scale. Redenção, CE, Brasil, 2024.
Na categoria “engajamento”, a média obtida pelos aplicativos foi de 3,5, com a máxima de 4,6 e mínima de 2,2. Nesta seção, são avaliados aspectos de engajamento, interatividade e direcionamento. Observa-se também se o conteúdo está adequado e direcionado para o público-alvo, com adoção de medidas interativas como notificações de lembretes, permitindo a personalização de recursos. Os aplicativos adotaram o lembrete como uma ferramenta de alerta para período menstrual, e o cálculo de previsão é realizado com base no histórico que o usuário informava.
Na seção “funcionalidade”, a média obtida foi de 4,1, com máxima de 5 e mínima de 2,2. As mHealth avaliadas apresentaram uma navegação intuitiva com um fluxo adequado entre as telas, de fácil aprendizagem, além de não apresentarem falhas técnicas como lentidão ou interrupção de funcionamento. Esta categoria apresentou o melhor desempenho quando correlacionada com as demais. Quanto à qualidade estética dos aplicativos, foram analisados apelo visual, design gráfico, esquema de cores e consistência estilística. A média dessa categoria foi de 3,4, com máxima de 4,6 e mínima de 2,0. Embora o design visual fosse consistente, a qualidade gráfica era moderada, apresentando falhas para visualização de itens nos gráficos de acompanhamento. O apelo visual se apresentava coerente para público-alvo, mas era pouco atrativo.
Na seção “informação”, a média foi de 3,2, a máxima, 5,0, e a mínima, 2,2. Nesta categoria, avaliaram-se a qualidade dos textos disponibilizados e suas fontes. As informações disponibilizadas eram coerentes, mas pouco abrangentes, e as fonte das informações apresentaram pouca credibilidade quando encontradas e avaliadas. A descrição realizada nas plataformas era precisa, e os aplicativos apresentavam alguns dos conteúdos citados. Além disso, os objetivos e metas eram alcançáveis.
DISCUSSÃO
O uso de tecnologias da informação e comunicação no âmbito da saúde digital é uma crescente, diante do número de usuários com acesso à internet e smartphones.13 As aplicações móveis em saúde ou mHealth surgem como ferramentas para ampliação de conhecimento e letramento em saúde e/ou auxiliar em ações de autocuidado. Os resultados deste estudo destacam que, entre os 32 aplicativos incluídos na amostra, 29 possuíam como objetivo ou função principal o monitoramento do ciclo menstrual feminino.
Diante da disparidade entre os resultados no eixo “saúde sexual e ginecológica”, a busca por mHealth nas plataformas adotadas proporcionou aos pesquisadores a identificação de uma lacuna nas tecnologias disponibilizadas para saúde sexual e ginecológica da mulher. A escassez de aplicativos voltados para afecções como infecções sexualmente transmissíveis, câncer de colo do útero, climatério e/ou infecções ginecológicas revela a necessidade de construção de mHealth com enfoque para além do ciclo menstrual.
No âmbito da saúde sexual, apenas três tecnologias foram localizadas, e entre essas, apenas uma adotou a educação sexual como foco principal. O aplicativo acatou como principal ferramenta a exibição de vídeos educacionais sobre práticas sexuais saudáveis, prevenção de doenças e agravos, sexualidade e outras. Porém, não apresentava referências para conteúdo exposto, dificultando avaliar a seguridade das informações. Sendo os mHealth ferramentas para promoção ao autocuidado e educação em saúde, a realização de testes e análise do conteúdo disposto é imprescindível para que esta ferramenta seja disponibilizada para o público.14
Ademais, o aplicativo voltado para monitorar a SOP se limitava ao registro de sinais e sintomas, com poucas informações de cunho informativo ou educacional. A SOP acomete cerca de 10% das mulheres em idade fertil,15 sendo considerada um problema de saúde pública devido ao seu impacto na saúde da mulher.16 O uso de tecnologia para educação sobre a etimologia das doenças e educação sobre fatores de risco para desenvolvimento desta síndrome possibilitaria o alcance precoce de mulheres acometidas.
Por fim, o último aplicativo avaliado no eixo da saúde sexual tinha o objetivo de promover a prática de exercícios para fortalecimento do assoalho pélvico por meio da exibição de vídeos e envio de lembretes para notificar o período destinados às práticas, e o aplicativo também disponibilizava interação entre os usuários por meio de comentários. A prática de exercícios para assoalho pélvico atua na prevenção e tratamento de disfunções como incontinência urinária e dispareunia, melhorando a consciência corporal da mulher e suas atividades sexuais.17 Esses dados revelam a importância de uma tecnologia com enfoque nesses exercícios.
Quanto ao eixo “saúde ginecológica”, todos os aplicativos encontrados se propuseram a acompanhar o ciclo menstrual, detectando sinais da fase de ovulação e chances de gestação. O cálculo do ciclo era realizado de forma individual, onde o software era alimentado pelas informações dispostas pelas usuárias e a previsão do ciclo tornava-se mais precisa. Todavia, esses aplicativos possuíam cunho informativo. Embora fornecesse explicações sobre normalidade do ciclo, a usuária não saberia detectar sinais de alerta com base nas elucidações disponibilizadas.
Em síntese, os aplicativos incluídos na pesquisa não apresentavam cunho educativo, diante da baixa disposição de informação e enfoque no monitoramento, controle do ciclo menstrual, temperatura basal, e índices de fertilidade. Sendo o ciclo menstrual um indicador fisiológico do sistema reprodutivo feminino e a identificação de sinais de irregularidades uma ferramenta para detecção de alterações, a ausência de recursos educacionais nesses aplicativos evidencia uma lacuna nas tecnologias encontradas.18
O expressivo número de downloads, como os 100 milhões registrados por dois aplicativos, comprova a relevância e o potencial impacto dessas tecnologias. A alta avaliação percebida por usuários (nove aplicativos com nota 4,9/5,0) reflete um padrão geral de qualidade e adesão pelos usuários. Porém, a ausência de avaliações em um dos aplicativos sugere fragilidades que devem ser investigadas, especialmente no que diz respeito à confiabilidade e adesão por novos usuários.
Todos os achados foram submetidos a uma análise de qualidade por meio da MARS. Na categoria “informação” desta escala, foi registrada a menor média: 3,2. Embora alcançassem o valor mínimo de aceitabilidade (n=3), os conteúdos dispostos em suas interfaces eram pouco abrangentes e apresentavam baixa fundamentação teórica, não relatando a realização de testes das tecnologias. A ausência da integração de evidências científicas compromete a confiabilidade dos aplicativos para uso em saúde, indicando que muitas ferramentas disponíveis no mercado ainda não atendem aos padrões exigidos para intervenções de saúde fundamentadas.
Para que o usuário seja receptivo ao uso de tecnologia, o conteúdo deve ser adequado para ele, e o aplicativo deve se mostrar atrativo por meio recursos dinâmicos. A seção “engajamento” avaliou tais quesitos nos aplicativos inclusos. Observou-se a adoção de artifícios que visam à personalização dos mHealth, como o uso de lembretes e a previsão do período menstrual com base nas informações inseridas por usuários. A regressão linear é usada no cálculo para previsão do período menstrual, diante da capacidade de gerar previsões no tempo com base em variáveis dependentes e independentes, porém a inexatidão desses cálculos frente a presença de outliers ou alimentação inadequada do banco produz previsões incorretas,19 acarretando o sentimento de ansiedade e angústia nos usuários.
O registro de usuários e solicitação de login é um recurso de personalização adotado em alguns mHealth. Nos 32 aplicativos avaliados, não foram identificadas solicitações de login para acesso a interface, embora oito solicitassem o cadastro de usuário. Aplicativos de acompanhamento menstrual solicitam informações como data da última menstruação, sinais e sintomas, características de secreção vaginal, registro de relação sexual, uso de preservativo ou não, temperatura basal, entre outros dados. Aplicativos com eixo na saúde sexual continham informações em saúde e dados de acompanhamento, tornando o acesso por meio senha uma ferramenta indispensável para o uso seguro dessas tecnologias, pois é fundamental garantir a segurança dos dados das usuárias.20
Para que o emprego de tais funções mantenha-se eficaz, o desenvolvedor deve estar atento a necessidade de atualização com base no feedback dos usuários. Além disso, atualizações nos sistemas adotados para os aplicativos garantem uma boa funcionalidade nestas tecnologias. Nos aplicativos avaliados, não foram identificados erros ou falhas operacionais no período de teste, sendo a seção funcionalidade a que registra a maior média (4,1). Todavia, ressalta-se que a tecnologia que obteve a menor média de qualidade geral (n=2,6) teve sua última atualização realizada há quatro anos. A realização de upgrades em aplicativos visa, além de garantir sua funcionalidade e correção de erros, inserir informações e protocolos segundo as evidências científicas mais recentes.21
O uso do aplicativo deve ser intuitivo; para isto, os desenvolvedores elaboram interfaces simplificadas, com boa visualização e sequência de telas lógicas; o conhecimento do usuário sobre o modo de uso dessa tecnologia é construído por meio do uso direto.22,23 No seção qualidade geral pela MARS, os resultados evidenciam disparidades, em que a tecnologia “Calendário Menstrual – Cycles” se destacou como a mais robusta (nota 4,6), enquanto o “Mile Calendário Menstrual” apresentou a menor pontuação (2,6), evidenciando inconsistências nas funcionalidades e no atendimento às expectativas das usuárias. Essa variação reflete a diversidade de padrões no desenvolvimento de aplicativos, reforçando a necessidade de validação de qualidade para a adoção segura dessas ferramentas.
A acessibilidade linguística em português presente em 23 dos 32 aplicativos selecionados é um ponto positivo, pois facilita a usabilidade para o público-alvo, enquanto a distribuição equilibrada entre sistemas Android e iOS amplia o alcance dos usuários. No entanto, a exclusão prévia de aplicativos incompatíveis demonstra que barreiras tecnológicas ainda persistem e podem limitar o acesso em contextos diversificados.
CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
Este estudo proporcionou uma avaliação da qualidade de aplicativos voltados à saúde sexual e ginecológica da mulher nos sistemas operacionais Android e iOS. Porém, a adoção de uma escala disponível apenas em inglês e não validada no Brasil é uma limitação presente na pesquisa. A média geral de qualidade atingiu o valor mínimo de aceitabilidade, e apenas duas tecnologias não alcançaram os critérios para esta. Isso implica que os aplicativos incluídos apresentavam boa qualidade segundo a MARS.
Ressalta-se que todos os aplicativos encontrados tinham enfoque no ciclo menstrual e seu monitoramento, revelando a necessidade do desenvolvimento de aplicativos para outras afecções ao sistema sexual e ginecológico feminino e a criação de tecnologias que empreguem o letramento em saúde com base nas evidências científicas mais recentes.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por financiar este estudo, e ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, por estimular e auxiliar seus discentes na produção de pesquisa.
DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no artigo.
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FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
REFERÊNCIAS
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Editado por
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EDITORA ASSOCIADO
Candida Primo https://orcid.org/0000-0001-5141-2898
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EDITOR CIENTÍFICO
Marcelle Miranda da Silva https://orcid.org/0000-0003-4872-7252
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
24 Mar 2025 -
Aceito
15 Jul 2025




