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Assistência em Enfermagem e Jean Watson: Uma reflexão sobre a empatia

Asistencia en Enfermería y Jean Watson: Una reflexión de empatía

Resumo

Objetivo:

Relacionar a empatia com a Teoria do Cuidado Humano, de Jean Watson, no contexto atual da Enfermagem.

Métodos:

Trata-se de um ensaio teórico-reflexivo que propõe uma discussão acerca da empatia e sua relação com a Teoria do Cuidado Humano, de Jean Watson, na prática contemporânea da Enfermagem.

Resultado:

É apresentado o processo Clinical Caritas e cada elemento de cuidado que o compõe visando propor e discutir as conexões com a empatia na assistência em Enfermagem. Torna-se imperioso aliar aspectos técnicos e humanísticos na oferta do cuidado de Enfermagem, além de resgatar a valorização da abordagem da empatia na formação de profissionais da saúde, bem como na continuidade dos estudos após a graduação.

Conclusão:

Entende-se que essa reflexão pode contribuir para a reorganização de ideias e conceitos sobre aprimoramentos essenciais que se mostram necessários à prática atual da Enfermagem, além de reforçar seu crescimento enquanto ciência.

Palavras-chave:
Empatia; Teoria de Enfermagem; Assistência de Enfermagem

Resumen

Objetivo:

Relacionar la empatía con la Teoría del Cuidado Humano, de Jean Watson, en el contexto actual de Enfermería.

Métodos:

Ensayo teórico y reflexivo que propone una discusión acerca de la empatía y su relación con la Teoría del Cuidado Humano.

Resultado:

Se presenta el proceso Clinical Caritas y cada elemento de cuidado que lo compone, con el fin de proponer y discutir las conexiones con la empatía en los cuidados de Enfermería. Es imprescindible combinar la atención técnica y humanística en la oferta del cuidado, además de rescatar la apreciación del enfoque de empatía en la formación de los profesionales de salud, como también en la continuación de los estudios después de la graduación.

Conclusión:

Este proceso puede contribuir para la reorganización de las ideas y conceptos acerca de adelantos esenciales que resulten necesarias a la práctica actual de la Enfermería.

Palabras clave:
Empatía; Teoría de Enfermería; Atención de Enfermería

Abstract

Objective:

To relate the empathy with the Theory of the Human Care, from Jean Watson, in the current context of Nursing.

Methods:

Theoretical and reflective essay that proposes a discussion about empathy and its relation with the theory of the human care.

Results:

It is presented the Clinical Caritas process and each element of care, in order to propose and discuss the connections with empathy in Nursing care. It is imperative to combine technical and humanistic care in the care offered, in addition to rescue the appreciation of the approach of empathy in the training of health professionals, as well as the continuation of the studies after graduation.

Conclusion:

This process can contribute to the reorganization of the ideas and concepts about essential advances that are necessary to the current practice of Nursing.

Keywords:
Empathy; Nursing Theory; Nursing Care

INTRODUÇÃO

A Enfermagem tem buscado se firmar como ciência, uma vez que, para embasar a assistência e fortalecer a profissão, vale-se de teorias para fundamentar a prática e sistematizar o cuidado. Neste contexto, as reflexões sobre os preceitos teóricos de Enfermagem configuram um importante aspecto para o desenvolvimento da profissão e delimitação de seu campo de atuação11 Mathias JJS, Zagonel IPS, Lacerda MR. Processo clinical caritas: novos rumos para o cuidado de enfermagem transpessoal. Acta Paul. Enferm. 2006 maio/jun; 19(3): 332-7..

As teorias de enfermagem proporcionam discussão e aprimoramento da prática profissional e orientam o cuidado elegível para cada ser humano, na medida em que, cada uma delas, enfoca uma perspectiva relacionada a um dos seguintes pontos centrais: paciente, interação paciente-ambiente, relação enfermeiro-paciente, terapêutica de enfermagem22 Sales LVT, Paixão MG, Castro O. Teoria do cuidado transpessoal - Jean Watson. In: Braga CG, Silva JV. Teorias de Enfermagem. São Paulo, Iátria, 2011. p 225-47..

Por um lado, o modelo biomédico e cartesiano, em muitos momentos, mostra-se limitado, ao não ser capaz de oferecer suporte às necessidades mais profundas do ser humano e atender às inquietações da alma33 Silva CMC, Valente GSC, Bitencourt GR, Brito LN. A teoria do cuidado transpessoal na Enfermagem: Análise segundo Meleis. Cogitare enferm. 2010 jul/set; 15(3): 548-51.. Por outro, a Enfermagem tem procurado possibilidades de compreensão e formas de cuidar que possam ultrapassar os limites construídos por essa corrente de pensamento, de forma que exista valorização de condições pessoais, subjetivas e culturais dos envolvidos no processo de cuidado44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5..

Na atualidade, questões que envolvem o atendimento em saúde de forma mais atenta e humanizada por parte dos profissionais têm ganhado enfoque. Diversos países têm investido em pesquisas e treinamentos para que médicos e enfermeiros comportem-se de maneira menos impessoal durante a avaliação de pacientes, de modo que o foco estrito no tratamento de questões físicas seja estendido para as demais dimensões humanas55 Davison N, Williams K. Compassion in nursing 1: defining, identifying and measuring this essential quality. Nurs. Times 2009 set; 105 (36): 16-8.

6 Ak M, Cinar O, Sutcigil L, Congologlu ED, Haciomeroglu B, Canbaz H, et al. Communication skills training for emergency nursing. Int. J. Med. Sci. 2011 maio; 8(5): 397-401.

7 Bos N, Sizmur S, Graham C, van Stel HF. The accident and emergency department questionnaire: a measure for patients' experiences in the accident and emergency department. BMJ Qual Saf. 2013 Feb; 22: 139-46.

8 Cypress BS. The emergency department: experiences of patients, families and their nurses. Adv. Emerg. Nurs. 2014 Apr/Jun; 636 (2): 164-76.
-99 Moss C, Nelson K, Connor M, Wensley C, McKinlay E, Boulton A. Patient experience in the emergency department: inconsistencies in the ethic and duty of care. J. Clin. Nurs. 2014 Jan; 24(1-2):275-88..

Assim, coerentemente com sua capacidade de unir fatores humanísticos com conhecimento científico para desenvolver a assistência mais adequada e alinhada às tendências mundiais, a prática da assistência de enfermagem, que se amplia para além do cuidado biológico, é reforçada para que seja possível o atendimento de diversas necessidades do paciente e família55 Davison N, Williams K. Compassion in nursing 1: defining, identifying and measuring this essential quality. Nurs. Times 2009 set; 105 (36): 16-8.,88 Cypress BS. The emergency department: experiences of patients, families and their nurses. Adv. Emerg. Nurs. 2014 Apr/Jun; 636 (2): 164-76.,1010 Pytel C, Fielden MSN, Meyer KH, Albert N. Nurse-patient/visitor communication in the emergency department. J. Emerg. Nurs. 2009 Set; 35(5): 406-11.,1111 Burley D. Better communication in the emergency department. Emerg. Nurse. 2011 Mai; 19(2): 32-6..

Margaret Jean Watson desenvolveu a Teoria do Cuidado Humano, que considera o cuidado efetivo por meio do relacionamento transpessoal, ou seja, o cuidado que transcende tempo, espaço e matéria de paciente e profissional para que formem um único elemento em sintonia, além do momento pontual da interação, de maneira a favorecer a restauração (healing)11 Mathias JJS, Zagonel IPS, Lacerda MR. Processo clinical caritas: novos rumos para o cuidado de enfermagem transpessoal. Acta Paul. Enferm. 2006 maio/jun; 19(3): 332-7.,44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5..

Por mais que o atendimento de enfermagem privilegie, muitas vezes, a dimensão física, com a execução de procedimentos técnicos, em um nível mais avançado do cuidado, a enfermagem é capaz de acessar os aspectos emocionais e subjetivos, de forma a objetivar a transpessoalidade, por meio da comunicação e da empatia, que podem desenvolver e manter a harmonia e a confiança necessárias para este processo11 Mathias JJS, Zagonel IPS, Lacerda MR. Processo clinical caritas: novos rumos para o cuidado de enfermagem transpessoal. Acta Paul. Enferm. 2006 maio/jun; 19(3): 332-7.,44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5..

O conceito de empatia possui várias vertentes, no entanto todas consideram a capacidade de compreender os sentimentos de outra pessoa e comunicá-la de tal experiência1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
http://www.psicologia.pt/artigos/textos/...
, sempre baseada nos pilares cognitivos, afetivos e comportamentais1313 Paro HBMS, Silveira PSP, Perotta B, Gannam S, Enns SC, Giaxa RRB et al. Empathy among medical students: Is there a relation with quality of life and burnout? PLOSOne [on line] 2014 Apr; [citado em 10 dez 2014]; 9(4):[aprox 15 telas]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3976378/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
.

Para desenvolvimento do comportamento empático, destaca-se a real vontade em se preocupar com o sofrimento alheio, representando um processo consciente, que visa ao aprimoramento das relações interpessoais por meio da consolidação do vínculo afetivo e das habilidades comunicacionais1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
http://www.psicologia.pt/artigos/textos/...
.

Existem recomendações para a inclusão e o aprimoramento deste conteúdo na formação inicial e permanente de profissionais de saúde, uma vez que a empatia proporciona tanto a satisfação dos pacientes quanto a dos trabalhadores66 Ak M, Cinar O, Sutcigil L, Congologlu ED, Haciomeroglu B, Canbaz H, et al. Communication skills training for emergency nursing. Int. J. Med. Sci. 2011 maio; 8(5): 397-401.,1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
http://www.psicologia.pt/artigos/textos/...
,1414 Scarpellini GR, Capellato G, Rizzatti FG, Silva GA, Baddini-Martinez JA. Escala CARE de empatia: tradução para o português falado no Brasil e resultados iniciais de validação. Medicina (Ribeirão Preto), 2014 jan/mar; 47(1): 51-8., todavia suas articulações teórico-práticas na enfermagem e nas demais áreas da saúde ainda são escassas em nosso meio.

A partir dessas considerações, o presente artigo, vinculado ao projeto de mestrado do Programa de Mestrado Profissional em Enfermagem, do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, tem como objetivo relacionar a empatia com a Teoria do Cuidado Humano, de Jean Watson, no contexto atual da prática de Enfermagem.

MÉTODOS

Trata-se de um ensaio teórico-reflexivo que propõe uma discussão acerca da empatia e sua relação com a Teoria do Cuidado Humano, de Jean Watson, na prática contemporânea da Enfermagem.

O ensaio teórico tem como fundamentos a exposição lógica e reflexiva, além da argumentação minuciosa, com elevado grau de interpretação e julgamento pessoal1515 Severino AJ. Metodologia do trabalho científico. 22ª ed. São Paulo: Cortez; 2002..

EMPATIA E A TEORIA DO CUIDADO HUMANO

Watson tem aperfeiçoado sua teoria constantemente e, desde 1979, ano de sua primeira publicação, alguns aspectos evoluíram e foram aprimorados, sempre culminando na valorização de dimensões para além do campo concreto, com ênfase nas percepções subjetivas e experiências do outro44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5..

Atualmente, a teoria de Watson é adotada em diversas instituições de saúde, como hospitais, centros médicos e universidades com cursos na área da saúde, nos EUA e no México. O Watson Caring Science Institute foi criado pela própria autora para divulgação dos princípios da teoria e auxílio na implantação e manutenção dos pressupostos nos serviços de saúde, além de oferecer treinamentos profissionais, promover pesquisas e eventos científicos e formar doutores em cuidado que considerem a dimensão sagrada humana1616 Watsoncaringscience.org [página da internet]. Boulder: Watson Caring Science Institute & International Caritas Consortium; 2014 [acesso 2014 Jul 22]. Disponível em: http://watsoncaringscience.org/
http://watsoncaringscience.org/...
.

Segundo Watson, um dos instrumentos mais adequados para estabelecer e manter a importante relação de ajuda-confiança entre profissional e paciente é a empatia. A partir da verdadeira intenção de cuidar, é possível desenvolver uma relação empática, quando se reconhece o outro como quem vivencia sua experiência única de ser paciente e se expressa entendimento e aceitação através de linguagem verbal e não verbal44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5..

Clinical Caritas é a denominação atual do processo por ela desenvolvido e aprimorado. Inicialmente, era formado por Fatores de Cuidado, dez preceitos que objetivavam a ampliação do cuidado unicamente biológico, coerentes com sua teoria inicial. Em 2007, então, ela construiu o Clinical Caritas, constituído por dez elementos que consideram o ser cuidado como sagrado (integrante do universo e do divino) e, por isso, merece ser reconhecido com delicadeza, sensibilidade e amor. Os dez elementos deste cuidado são11 Mathias JJS, Zagonel IPS, Lacerda MR. Processo clinical caritas: novos rumos para o cuidado de enfermagem transpessoal. Acta Paul. Enferm. 2006 maio/jun; 19(3): 332-7.,22 Sales LVT, Paixão MG, Castro O. Teoria do cuidado transpessoal - Jean Watson. In: Braga CG, Silva JV. Teorias de Enfermagem. São Paulo, Iátria, 2011. p 225-47.,1717 Watson J. Caritas Nursing: Taking time/Making time [gravação de video]. John C Lincoln North Mountain Hospital, Phoenix, EUA; 2012. 70 min.:

  1. Praticar bondade e equanimidade, inclusive para si;

  2. Estar presente e valorizar o sistema de crenças do ser cuidado;

  3. Cultivar práticas espirituais próprias, aprofundando o conhecimento individual;

  4. Manter o cuidar autêntico por meio de um relacionamento de ajuda-confiança;

  5. Apoiar expressão de sentimentos positivos e negativos;

  6. Utilizar conhecimento e intuição de forma criativa na resolução de problemas;

  7. Vincular-se verdadeiramente na experiência de ensino-aprendizagem;

  8. Proporcionar um ambiente de restauração física, emocional e espiritual;

  9. Promover alinhamento de corpo, mente e espírito a fim de atender às necessidades do indivíduo;

  10. Considerar os aspectos espirituais e de vida e morte.

Diversos desses elementos guardam relação com a empatia. Praticar bondade consigo (elemento 1), previamente à oferta de cuidado ao outro, está atrelado ao reconhecimento da humanidade existente no profissional, que também possui emoções em suas relações. Para Watson, todos os envolvidos no processo de cuidado devem expressar seus sentimentos, de forma que a relação empática se construa mutuamente44 Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5.. Desta forma, cria-se um espaço para relações horizontais de cuidado que favorecem o respeito mútuo.

Na prática assistencial, temos percebido dificuldades entre muitos enfermeiros em alinhar conceitos relacionados ao cuidado com as Teorias de Enfermagem. A adoção de elementos mais sutis nas Teorias, como é o caso da proposta por Jean Watson, parece incorrer em maiores dificuldades ainda, tendo em vista redes precárias de atenção à saúde pelo país. Entretanto, um exercício no estabelecimento das práticas de cuidado com as teorias se faz necessário. Por exemplo, encontramos profunda ressonância entre este primeiro elemento e o conceito de humanização hospitalar proposto no Programa Nacional de Humanização Hospitalar pelo Humaniza SUS, como o "[...] processo de transformação da cultura institucional que reconhece e valoriza os aspectos subjetivos, históricos e socioculturais dos atores sociais - usuários e profissionais* * Grifo dos autores. São considerados atores sociais das políticas de saúde os usuários e os profissionais dos serviços. - envolvidos nas práticas de saúde, melhorando" as condições de trabalho e a qualidade do atendimento [...]"1818 Portaria n. 881 de 19 de junho de 2001. Dispõe sobre o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). Diário Oficial da União, 21 jun 2001; Seção 1:1..

Estar presente nas relações (elemento 2) representa o fundamento da empatia. É a partir do foco e da atenção dispensada ao outro que o processo empático se inicia e que torna possível a compreensão da experiência alheia1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
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. Estamos presentes onde está nossa atenção. Se ao cuidarmos estivermos preocupados com outras questões e ou situações não relacionadas ao outro que está a nossa frente, dificilmente conseguiremos desenvolver e demonstrar empatia.

O terceiro elemento do cuidado diz respeito ao cultivo de práticas que melhorem o autoconhecimento. A manutenção de atividades que desenvolvam o autoconhecimento é incentivada por teoristas da empatia, pois ele é fundamental para o movimento interno que proporciona a capacidade de se colocar no lugar do outro1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
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Como temos visto isso entre os profissionais de saúde, em particular os da enfermagem? Sabemos que se trata de uma trilha individual, pessoal, mas não teríamos que buscar incentivar tais práticas desde os bancos acadêmicos? E as organizações não teriam também um papel a desempenhar neste sentido? É necessário buscar respostas a essas questões, uma vez que o autoconhecimento favorece ao indivíduo o reconhecimento de seus limites, bem como pode minimizar projeções inadequadas nas relações de cuidado, que podem comprometer a empatia.

Temos no quinto elemento do Clinical Caritas, o incentivo à exposição de sentimentos, sejam positivos ou negativos. Isso permite, inicialmente, que o paciente consiga reconhecer suas emoções para, então, aceitá-las ou confrontá-las. Quando isso ocorre, o enfermeiro é capaz de conhecer as sensações reais do paciente e colocar-se em seu lugar1717 Watson J. Caritas Nursing: Taking time/Making time [gravação de video]. John C Lincoln North Mountain Hospital, Phoenix, EUA; 2012. 70 min.. Para isso, a escuta sensível é necessária, além do tempo que ela implica nas interações entre o enfermeiro e o paciente. Muitos podem dizer que ela é praticamente impossível a depender das condições estruturais e de organização do trabalho. Sem dúvidas, são aspectos que têm seu peso, mas, por outro lado, sabemos que se trata também de uma escolha pessoal na forma de conduzir a assistência. Ouvir o outro é algo que requer treino, inclusive para além das situações assistenciais1919 Silva MJP. Comunicação tem remédio. São Paulo: Loyola, 2011..

Envolver-se em uma interação educativa com o paciente (elemento 7) representa a possibilidade de conexão verdadeira entre os envolvidos, visto que o enfermeiro que incentiva e favorece a participação do paciente nas tomadas de decisões, respeitando, inclusive, preceitos éticos da profissão, ressalta o processo de autonomia dos envolvidos. O reconhecimento do outro como capaz de fazer escolhas é um aspecto fundamental da relação empática, pois é a partir desta consideração que se originam os fatores cognitivo e emocional da empatia1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
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O reconhecimento dos saberes do outro pelos profissionais é influenciado por aspectos inerentes às bases que sustentam as próprias teorias humanísticas de Enfermagem (que consideram sempre o conhecimento prévio, experiências e necessidades dos seres cuidados) e pelo advento da internet.

Hoje, as informações são abundantes e fazem com que o papel do profissional necessite de ajustes para conviver neste novo ambiente. Primeiro, porque pode determinar uma postura profissional mais vigilante, já que o paciente é mais questionador. Segundo, ele pode se sentir "confrontado" pelo paciente em questões que antes somente era de seu domínio, comprometendo a construção e manutenção de uma relação empática. E, por último, exige do profissional maior tempo ainda de escuta atenta para ajudar o paciente a discernir e separar "o joio do trigo" na enxurrada de informações acessíveis. Sem isso, toda relação de ensino-aprendizagem se torna comprometida, na atualidade.

Os elementos oito e nove estão relacionados à promoção do equilíbrio do ambiente e dos indivíduos, respectivamente. A postura empática, que acolhe e aceita o outro, é capaz de influenciar fortemente tais aspectos. O comportamento empático pode tanto provocar uma mudança em um ambiente desfavorável quanto atender às necessidades físicas, mentais e emocionais dos indivíduos1212 Formiga NS. Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas. [Internet]. Porto (Portugal): O portal dos psicólogos; 2012 [citado 15 mai 2014]. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0639.pdf
http://www.psicologia.pt/artigos/textos/...
. Reconhecer o que em um ambiente é hostil para o outro, colocar-se no seu lugar e optar não só por intervenções técnico-procedimentais, mas por uma postura que o modifique, está no cerne da restauração e atendimento das necessidades previstas nesses elementos.

Quanto ao elemento dez, cabe-nos a reflexão de como a empatia auxilia nos aspectos relacionados à espiritualidade, à vida e à morte. Como colocar-se no lugar do outro que está em processo de morte, se é uma experiência ainda não vivenciada? Há algum tempo, o atendimento às necessidades espirituais dos pacientes nessas situações praticamente se restringiam a promover a visita de um líder religioso. Contudo, os avanços na área de cuidados paliativos possibilitam que o profissional ultrapasse atitudes mais distanciadas de reais necessidades dos pacientes e o pensamento atribuído a Cicely Saunders pode resumir o que é ser empático diante deste cenário:

eu me importo pelo fato de você ser você, me importo até o último momento da sua vida, e faremos tudo que estiver ao seu alcance, não somente para ajudar você a morrer em paz, mas também para você viver até o dia da sua morte2020 Pessini L. A filosofia dos cuidados paliativos: uma resposta diante da obstinação terapêutica. In: Pessini L; Bertachini L. Humanização e cuidados paliativos. 2ª ed. São Paulo: Loyola ; 2004. p. 181-208..

Percebe-se que esses pressupostos consideram uma visão humanística do ser humano, seja ele profissional ou paciente, de maneira que ambos possam ter respeitados seus princípios, fortalecida sua autonomia e sejam participantes de uma estrutura de cuidado mais sensível e acolhedora.

Pelo exposto, é possível compreender, também, que a empatia permeia todo o processo de cuidado de Jean Watson, uma vez que a aplicação dos elementos do Clinical Caritas é possibilitada pelo comportamento empático. Por outro lado, ao se experienciar a assistência transpessoal, a empatia é oportunizada, visto que para atingir os objetivos deste cuidado é primordial que se reconheça o paciente como participante do processo, detentor de anseios e expectativas, com história pregressa de vida.

Além dessas considerações, para cumprir o Clinical Caritas, é fundamental que o enfermeiro coloque-se na posição do paciente e, a partir disso, consiga atender às necessidades prementes ao priorizar sua assistência, sem desviar-se para o cuidado unicamente voltado à dimensão física, atento sempre à integralidade que compõe um ser humano. Trata-se, portanto, de mudar o foco da cura da doença e ou da execução instrumental de procedimentos para o cuidado que proporciona restauração.

Faz-se necessário ponderar que os enfermeiros necessitam conhecer os pressupostos teórico-filosóficos e estar capacitados para participarem enquanto atores deste processo de cuidado. A definição de teorias que embasam a assistência é capaz de contribuir para o fortalecimento profissional, melhor definição de papéis e norteamento de condutas2121 Schauric D, Crossetti MGO. Produção do conhecimento sobre teorias de Enfermagem: análise de periódicos da área, 1998-2007. Esc. Anna Nery. 2010 jan/mar; 14(1): 182-8..

A literatura mostra que, em especial a Teoria do cuidado Humano de Watson, quando aplicada, é capaz de contribuir para a autonomia dos envolvidos, bem como favorecer um cuidado ético e humano. Por outro lado, foram levantados pontos que podem dificultar sua implantação, como a ausência de um processo de enfermagem formalizado, dificuldades institucionais, políticas e sociais e mesmo a ausência deste conteúdo no ensino profissional2222 Favero L, Meier MJ, Lacerda MR, Mazza VA, Kalinowski LC. Aplicação da Teoria do Cuidado Transpessoal de Jean Watson: uma década de produção brasileira. Acta Paul. Enferm. 2009 fev/mar; 22(2): 213-8..

De qualquer forma, é importante ressaltar que, mesmo que a competência técnica seja o alicerce para os enfermeiros, pacientes conseguem identificar "um bom cuidado de enfermagem" quando recebem atitudes carinhosas, explicações sinceras sobre o atendimento e ações apaziguadoras em momentos de grande ansiedade2323 Gordon J, Sheppard LA, Anaf S. The patient experience in the emergency department: a systematic synthesis of qualitative research. Intern. Emerg. Nurs. 2010 Apr; 18(2): 80-8..

Ao avaliar o significado do cuidado para pacientes de pronto-socorro, por exemplo, pesquisadores constataram a importância das relações interpessoais na percepção do ambiente, de forma que relacionamentos qualificados foram representados pelos pacientes como constituídos por empatia e abertura para diálogo por parte dos profissionais2424 Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões do cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev. Bras. Enferm. 2009 maio/jun; 62(3): 381-6..

Ouvir as preocupações e demonstrar respeito e compaixão aos pacientes e familiares são consideradas ações muito importantes para melhorar as relações e aumentar a satisfação dos envolvidos1010 Pytel C, Fielden MSN, Meyer KH, Albert N. Nurse-patient/visitor communication in the emergency department. J. Emerg. Nurs. 2009 Set; 35(5): 406-11., além do que, quem participa da assistência como ser cuidado, valoriza habilidades de comunicação, raciocínio crítico e sensibilidade como fundamentais aos enfermeiros88 Cypress BS. The emergency department: experiences of patients, families and their nurses. Adv. Emerg. Nurs. 2014 Apr/Jun; 636 (2): 164-76..

Refletir sobre a Teoria de Jean Watson nos mostra evidente o quanto a Enfermagem precisa aprimorar sua prática para preencher a lacuna do real cuidado, cumprir a missão de sua profissão e evoluir como ciência. O embasamento teórico e a valorização de aspectos humanísticos podem contribuir fortemente para maior magnitude da assistência em Enfermagem e, consequentemente, para melhor recuperação dos pacientes.

O olhar atento às práticas assistenciais aliado à reflexão sobre o fazer contribuem para o constante aprimoramento do cuidado de Enfermagem prestado. Desta forma, o profissional capaz de compreender esta situação e, consequentemente, transformar as interações com os pacientes, certamente amplia seu campo de ação, possibilitando atenção mais completa às necessidades de quem está sendo cuidado.

Acreditamos que a presença efetiva da empatia é capaz de qualificar os processos assistenciais, que, por sua vez, necessitam estar ancorados em referenciais teóricos coerentes aos preceitos humanísticos. Assim, é possível construir um contexto de cuidado harmônico que constantemente valoriza o outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destaca-se, assim, a importância desta reflexão para o alinhamento da prática assistencial com as reais necessidades dos pacientes, que, certamente, não são totalmente contempladas pela abordagem biomédica exclusiva. Considerando a complexidade dos seres humanos e seus aspectos diversos, como físico, mental, emocional e espiritual, é, no mínimo, incoerente, falar sobre assistência de enfermagem voltada unicamente para o biológico.

Ressalta-se, ainda, a expressiva contribuição da teoria de Jean Watson para embasar estes conceitos e reforçar uma assistência de enfermagem mais coerente, verdadeira e empática. Dada a importância da empatia nas relações de saúde, é imperioso resgatar a valorização de sua abordagem na formação de profissionais da saúde, bem como a continuidade dos estudos após a graduação, tendo em vista que, para termos enfermeiros capazes de reunir qualidades técnicas e relacionais, é necessário oferecer-lhes subsídios no ensino para um exercício profissional completo e holístico.

Por fim, entende-se que essa reflexão pode contribuir para a reorganização de ideias e conceitos acerca de aprimoramentos essenciais que se mostram necessários à prática atual da Enfermagem.

  • *
    Grifo dos autores. São considerados atores sociais das políticas de saúde os usuários e os profissionais dos serviços.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Mathias JJS, Zagonel IPS, Lacerda MR. Processo clinical caritas: novos rumos para o cuidado de enfermagem transpessoal. Acta Paul. Enferm. 2006 maio/jun; 19(3): 332-7.
  • 2
    Sales LVT, Paixão MG, Castro O. Teoria do cuidado transpessoal - Jean Watson. In: Braga CG, Silva JV. Teorias de Enfermagem. São Paulo, Iátria, 2011. p 225-47.
  • 3
    Silva CMC, Valente GSC, Bitencourt GR, Brito LN. A teoria do cuidado transpessoal na Enfermagem: Análise segundo Meleis. Cogitare enferm. 2010 jul/set; 15(3): 548-51.
  • 4
    Favero L, Pagliuca LMF, Lacerda MR. Cuidado transpessoal em enfermagem: uma análise pautada em modelo conceitual. Rev. Esc. Enferm. USP 2013 mar/abr; 47(2): 500-5.
  • 5
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2015
  • Aceito
    24 Dez 2015
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