RESUMO
Objetivo analisar a tomada de decisão sobre o parto na água por gestantes, a partir de suas vivências.
Métodos pesquisa qualitativa, com análise temática dos dados, baseada no referencial teórico-analítico “Quatro modelos da relação médico-paciente”.
Resultados participaram 61 mulheres de quatro regiões brasileiras, destas 52,5% tiveram parto em hospital ou casa de parto, enquanto 47,5% escolheram o domicílio. Das 83,6% mulheres que planejaram o parto, 57,4% receberam orientações de enfermeiras obstetras/obstetrizes. Emergiram duas categorias temáticas: “Determinantes no processo de tomada de decisão pelo parto na água” e “Planejamento do parto na água: possibilidades e limites”, com quatro subcategorias e três subcategorias respectivamente.
Considerações finais e implicações para a prática o alívio da dor, conforto físico e bem-estar do bebê, aliados a uma transição suave e ao respeito pela naturalidade do processo, foram fatores determinantes para a tomada de decisão pela modalidade de parto. A pesquisa destacou, como limitação o Google Forms como modalidade on-line, restringindo a participação de indivíduos que não dispõem de acesso à internet e dispositivos eletrônicos. O respeito ao plano de parto foi fundamental para assistência humanizada associada à interação gestantes/profissionais para aquisição de conhecimento; ao suporte profissional pré-natalista, à experiência positiva e à segurança do parto.
Palavras-chave:
Enfermeiras Obstétricas; Gestantes; Parto na Água; Planejamento; Tomada de Decisões
ABSTRACT
Objective to explore pregnant women’s decision-making process regarding water birth, based on their personal experiences.
Methods this study employs qualitative research and thematic data analysis using the “Four Models of the Physician–Patient Relationship” framework as its theoretical and analytical foundation.
Results A total of 61 women from four Brazilian regions participated in the study. Among them, 52.5% gave birth in a hospital or birth center, whereas 47.5% opted for a home birth. Among the 83.6% who had planned their birth, 57.4% received guidance from obstetric nurses/midwives. Two thematic categories emerged: “Determinant factors in the decision-making process for water birth” and “Water birth planning: possibilities and limitations”, comprising four and three subcategories, respectively.
Final considerations and practical implications pain relief, physical comfort, and the baby’s well-being, together with a smooth transition and respect for the natural process were key factors influencing the birth method choice. The study acknowledged the use of Google Forms for online data collection as a limitation, as it potentially excluded participants without internet access or electronic devices. Respecting the birth plan was crucial for ensuring humanized care, fostering a collaborative relationship between pregnant women and healthcare professionals. This interaction facilitated knowledge sharing, provided professional prenatal support, contributed to a positive birth experience, and enhanced overall birth safety.
Keywords:
Obstetric Nurses; Pregnant Women; Water Birth; Planning; Decision-Making
RESUMEN
Objetivo analizar la toma de decisiones sobre el parto en el agua por parte de las gestantes, a partir de sus experiencias.
Métodos investigación cualitativa, con análisis temático de los datos, basada en el marco teórico-analítico «Cuatro modelos de la relación médico-paciente».
Resultados participaron 61 mujeres de cuatro regiones brasileñas, de las cuales el 52,5% dio a luz en un hospital o en una casa de partos, mientras que el 47,5% eligió el domicilio. De las 83,6% de mujeres que planificaron el parto, el 57,4% recibió orientación de enfermeras obstetras/parteras. Surgieron dos categorías temáticas: «Determinantes en el proceso de toma de decisión sobre el parto en el agua» y «Planificación del parto en el agua: posibilidades y límites», con cuatro subcategorías y tres subcategorías respectivamente.
Consideraciones finales e implicaciones para la práctica El alivio del dolor, el confort físico y el bienestar del bebé, junto con una transición suave y el respeto por la naturalidad del proceso, fueron factores determinantes para la toma de decisión sobre la modalidad de parto. La investigación destacó como limitación el uso de Google Forms como modalidad en línea, lo que restringió la participación de personas que no tienen acceso a Internet ni a dispositivos electrónicos. El respeto al plan de parto fue fundamental para la asistencia humanizada asociada a la interacción entre las gestantes y los profesionales para la adquisición de conocimientos; el apoyo profesional prenatal, la experiencia positiva y la seguridad del parto.
Palabras clave:
Enfermeras obstétricas; Gestantes; Parto en el agua; Planificación; Toma de decisiones
INTRODUÇÃO
O parto na água é aquele em que a expulsão fetal ocorre submersa na água, independentemente de onde e como ocorrem os períodos subsequentes do parto. Essa modalidade tem gerado tanto argumentos favoráveis quanto contrários, os quais variam em grande medida conforme o modelo de atenção obstétrica adotado. Tais perspectivas repercutem diretamente na prática clínica dos profissionais de saúde e na experiência de gestantes e famílias, influenciando as possibilidades de acesso e a efetiva liberdade de escolha pelo parto na água.1
Apesar das conjecturas sobre o parto na água, o que as evidências mostram é que vivenciar o trabalho de parto na água resulta em experiência positiva, satisfatória e fortalecedora,2,3 não havendo evidência de que a imersão na água durante o trabalho de parto ou parto aumenta os riscos de eventos adversos para o feto/neonato ou mulher.4,5
A interação com os profissionais de saúde desempenha um papel essencial no acesso de gestantes e suas famílias às informações sobre o parto na água.6 Nesse sentido, as atividades educativas conduzidas durante o pré-natal por educadoras perinatais, como enfermeiras obstetras, obstetrizes e doulas podem ser determinantes para que a gestante tome decisões informadas e conscientes no planejamento do parto. É especialmente importante que as gestantes tenham acesso a informações claras e detalhadas sobre as diferentes modalidades de parto, os possíveis cenários, ambientes e desfechos. Com esse conhecimento, elas poderão elaborar o documento de planejamento do parto de maneira estruturada e participativa, contando com o apoio de seu acompanhante.
Além disso, durante o planejamento de seus partos, as mulheres precisam compreender que tanto elas quanto os profissionais responsáveis pela assistência podem alterar o plano de parto com base no progresso do trabalho de parto, sendo importante contemplar neste documento possibilidades diante de desvios do que foi idealizado.7
Sabe-se que o parto na água pode ser um facilitador para a mudança de foco nos cuidados obstétricos, proporcionando um cuidado respeitoso, centrado na parturiente, baseado em evidências científicas, o que otimiza o potencial da normalização do nascimento com experiência favorável.2,3,8 Dentre outros motivos, essa é uma das razões pelas quais as mulheres têm buscado ativamente informações sobre partos na água, seja na internet, com conhecidos ou com educadoras perinatais, que têm sido fundamentais no apoio à tomada de decisão informada e consciente sobre essa modalidade de parto.3,9
Os relatos dos benefícios advindos do parto na água têm sido uma forma de empoderar e encorajar outras mulheres a considerar essa modalidade de nascimento.8,9 Para além disso, estudos1,2,4 não encontraram evidências de efeitos adversos para o neonato ou para a mulher que deu à luz na água, embora permaneçam inconclusivos quanto a quaisquer benefícios. Atualmente, as diretrizes do NationalInstitute for Health andCareExcellence - NICE apoiam a prática de imersão em água durante o trabalho de parto, mas sugerem que as mulheres devem ser informadas de que não há evidências de alta qualidade suficientes para apoiar ou desencorajar o parto na água.10
O referencial teórico adotado neste estudo foi o modelo ético de interação entre profissionais de saúde e mulheres, que propõe que as interações entre esses sejam analisadas segundo quatro modelos éticos: paternalista, deliberativo, interpretativo e informativo.11 Assim, permitiu analisar a forma como a tomada de decisão compartilhada foi feita no contexto assistencial obstétrico do parto na água; já o referencial teórico de representações sociais que defende a visão de uma modalidade de conhecimento particular tendo a função de elaboração dos comportamentos e da comunicação entre os indivíduos,12,13 permitiu compreender e discutir como as mulheres, em um contexto sociocultural definido, construíam suas experiências para a vivência do parto na água.
Diante disso, este estudo tem como objetos de pesquisa o planejamento para o parto na água e os fatores essenciais identificados pelas pessoas que vivenciaram essa experiência para a tomada de decisão. O objetivo do estudo foi analisar o processo de tomada de decisão sobre o parto na água por gestantes, a partir de suas vivências.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva exploratória. Os referenciais teórico-analíticos adotados no presente estudo foram: “Quatro modelos da relação médico-paciente” - modelos éticos de interação entre profissionais de saúde e pacientes para compreensão do processo de tomada de decisão11 e o de Representações Sociais.13 Para qualificar a redação deste estudo, foram adotadas as diretrizes do ConsolidatedCriteria for ReportingQualitativeResearch (COREQ).14
As participantes foram selecionadas por técnica de bola de neve, com abordagem através de convite digital enviado por e-mail e/ou de redes sociais de perfil aberto. Foram definidos como critérios de inclusão: ter vivenciado um parto na água no contexto assistencial brasileiro, independentemente da idade gestacional no momento do parto e do local do parto – seja institucional ou domiciliar. Foram excluídas participantes menores de 18 anos de idade por dificuldade de acesso aos responsáveis legais, no ambiente virtual, para assegurar o cumprimento das diretrizes de ética em pesquisa.
A saturação teórica de dados foi adotada como critério para finalização do procedimento da seleção das participantes, o que se deu de forma crítica por um processo contínuo de análise dos dados, envolvendo mais de uma pesquisadora da equipe, e considerando que não havia mais novos conteúdos sendo abordados. Assim sendo, o estudo contou com 61 participantes. A técnica de bola de neve levou à indicação de mulheres que tinham interesse em participar da pesquisa, seja pelo vínculo da temática, seja pela vivência da experiência do parto na água, de modo que não houve recusas ou desistências de participação.
Os dados foram coletados no período de agosto de 2020 a fevereiro de 2021, por questionários autopreenchidos em ambiente virtual na plataforma Google Forms. As razões para desenvolver a pesquisa foram apresentadas no termo de consentimento e exprimiram também os interesses pessoais da pesquisadora principal.
Destaca-se que a coleta de dados foi conduzida virtualmente respeitando a recomendação de distanciamento social decorrente da pandemia de COVID-19, especialmente considerando puérperas como um grupo com maior vulnerabilidade aos agravamentos da doença.
Os questionários autopreenchidos foram previamente testados em um estudo piloto. Os resultados do piloto não foram incluídos na amostra do estudo principal. Durante a pesquisa, não foram registradas notas de campo, pois os registros obtidos por meio dos questionários foram suficientes para contextualizar as participantes. As transcrições dos dados não foram devolvidas às participantes para revisão; no entanto, os documentos permaneceram disponíveis para consulta ao longo de toda a pesquisa e após sua conclusão.
A orientação metodológica adotada para o estudo foi a análise de conteúdo, com base na técnica de análise temático-categorial.15 As informações coletadas por escrito foram automaticamente transferidas para planilhas no Programa Microsoft Excel®, onde foi realizada a caracterização da amostra; posteriormente, inseridas no Programa Microsoft Word®, para compor o corpus textual. Após a fase exploratória dos dados, procedeu-se à análise inferencial, considerando a pertinência do conteúdo das narrativas para os objetivos da pesquisa, bem como as características sociodemográficas. Buscou-se identificar aproximações e distanciamentos entre os resultados obtidos, de modo a responder ao objetivo do estudo.16,17
Para garantia de sigilo e anonimato, as citações das mulheres estão apresentadas com identificação alfanumérica correspondente à sequência das participantes (P1, P2, P3...). A presente pesquisa seguiu as recomendações e normativas do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, parecer n.º 4.167.612.
RESULTADOS
Participaram do estudo 61 mulheres que responderam ao questionário sobre parto na água. Estas eram residentes de quatro regiões do Brasil, porém a maioria era do Sudeste (52,1%), com idade média de 32,3 anos, de cor branca (75,4%), com ensino superior (93,4%), trabalho remunerado (83,6%) e com companheiro (95,0%). Destas, 32 (52,5%) tiveram parto em ambiente hospitalar, divididos em Centro de Parto Normal, Centro Obstétrico e Casa de Parto; sendo que 29 (47,5%) tiveram o parto no domicílio.
O parto na água foi planejado por 83,6% dessas mulheres. As orientações sobre esse tipo de parto foram dadas em 57,4% dos casos por enfermeiras obstetras/obstetriz. O plano de parto foi realizado por 80,3% das participantes. Quanto à paridade, 85,2% eram primíparas, tendo seu primeiro parto na água. A grande maioria (95,1%), afirmou que, se tivesse outra oportunidade, escolheria novamente o parto na água.
Os resultados qualitativos estão representados no Quadro 1, com a presença de duas categorias temáticas: Determinantes no processo de tomada de decisão pelo parto na água e Planejamento do parto na água: possibilidades e limites. Emergiram quatro subcategorias a partir da primeira categoria e três subcategorias a partir da segunda (Quadro 1).
A experiência das 61 mulheres que planejaram o parto na água quanto à tomada de decisão, 2021.
DISCUSSÃO
Ao analisar a tomada de decisão das participantes deste estudo a respeito do parto na água, observou-se que algumas optaram por essa modalidade de nascimento em busca de uma experiência positiva de parto, enquanto outras vivenciaram o parto na água sem planejamento prévio, mas respeitando suas sensações e desejos no momento do nascimento. As narrativas das participantes expressaram a tomada de decisão pelo parto na água, representadas em duas grandes categorias: “Determinantes no processo de tomada de decisão pelo parto na água” e “Planejamento do parto na água: possibilidades e limites”.
Na categoria “Determinantes no processo de tomada de decisão pelo parto na água”, o alívio da dor, conforto físico, naturalidade e respeito ao processo foram benefícios expressos nas narrativas das participantes deste estudo quanto à tomada de decisão, o que corrobora com estudos que também encontraram alívio da dor, maior autocontrole do medo e da ansiedade no período expulsivo no parto na água,18 bem como a redução do uso de analgesia epidural.1,4,18,19
Outras pesquisas apontaram como principais motivações na opção pelo parto na água, o alívio da dor; a busca por uma experiência de parto mais natural; um ambiente relaxante e acolhedor; a crença na capacidade do corpo de dar à luz; a aversão à excessiva medicalização do processo; as experiências anteriores com partos e a confiança no profissional que acompanha o parto na água.8,9 Resultados semelhantes foram observados neste estudo, reforçando a decisão de escolher o parto na água.
A diretriz da Organização Mundial da Saúde (OMS), no manual sobre cuidados intraparto e parto para uma experiência positiva de parto,20 apoia todas as mulheres grávidas e seus filhos a receberem cuidados de boa qualidade, baseados em evidências científicas.
Essa diretriz20 aponta condutas de boas práticas adotadas no trabalho de parto e parto, para um nascimento seguro, em ambiente seguro do ponto de vista clínico e psicológico, com a presença de um acompanhante de escolha. O mesmo é observado no modelo humanizado21 que endossa o processo de tomada de decisão da mulher, como pessoa que reivindica a presença do pai ou de um acompanhante afetivamente significativo em sala de parto, a não separação do recém-nascido e a permanência de familiares e amigos durante o trabalho de parto e parto. Neste estudo, a decisão pelo parto na água vai ao encontro tanto da diretriz da OMS,20,22 quanto ao modelo de Humanização.21
Outro estudo9 investigou o processo de tomada de decisão de mulheres que planejavam o parto na água e buscaram informações em meios digitais, como internet e redes sociais, com o intuito de limitar intervenções médicas durante o nascimento. O apoio de doulas e enfermeiras obstetras/obstetrizes mostrou-se fundamental nesse processo, auxiliando as gestantes no enfrentamento de resistências advindas de familiares, amigos, colegas e opositores. Os autores relataram que as mulheres que vivenciaram o parto na água descreveram experiências tanto positivas quanto fortalecedoras, que serviram de suporte e encorajamento para outras mulheres interessadas nessa modalidade e reforçaram o desejo de vivenciá-la novamente em partos futuros. Neste estudo, 95,1% das participantes afirmaram que optariam novamente pelo parto na água.
É recomendada a atuação de profissionais tecnicamente competentes, que prestem cuidados de alta qualidade, seguros, de forma organizada, mantendo a dignidade, privacidade e confidencialidade, centrada na mulher, para garantir a ausência de danos e maus-tratos, com resultados respeitosos no processo de parto.23,24 A escolha informada nesse cenário contribui para a satisfação materna de parto, resultando em realização pessoal, sentimento de autocontrole através do envolvimento para a tomada de decisão, mesmo quando intervenções médicas forem necessárias.20
Uma revisão feita sobre as experiências das mulheres no processo de parto na água, destacou que a tomada de decisão pelo parto na água decorreu através da autonomia, autocontrole, experiência fortalecedora e transição suave extrauterina para o recém-nascido.3 Da mesma forma, este estudo também evidencia esses aspectos, conforme citado no Quadro 1. O desejo materno por autonomia e individualização do cuidado, presente no modelo holístico e desejado no processo de parto é único, incomparável e possibilita no cenário de parto que a mulher tenha liberdade de escolha, seja para andar, comer, beber e parir na posição que desejar, guiando-se por sua intuição.21
Na categoria “Planejamento do parto na água: possibilidades e limites”, constatou-se que as participantes adotaram estratégias para o bom êxito no desfecho. Entretanto, observou-se nas narrativas de algumas mulheres que a equipe contratada para conduzir o parto talvez não tivesse um protocolo bem estabelecido em relação ao papel de cada pessoa envolvida no cenário do parto.
As mulheres destacaram o preparo físico, psicológico e emocional como estratégias essenciais para o planejamento do parto na água, o que lhes permitiu vivenciar essa experiência de forma antecipada, ainda antes da gestação.
No tocante à preparação física, as mulheres destacaram a prática de movimentos corporais como estratégia para obter êxito no planejamento do parto na água. Segundo o modelo holístico de cuidado,21 existe uma autoridade e responsabilidade inerente ao indivíduo em que ele mesmo deve assumir a responsabilidade pela sua saúde e seu bem-estar, isto é, deve decidir e assumir o processo de cura, para que dê resultados, o que foi constatado, conforme as narrativas das participantes sobre a preparação física, psicológica e emocional para vivenciar o parto. Da mesma forma, uma revisão sistemática com metanálise,3 corrobora os achados deste estudo, ao sinalizar que o parto na água resultou em escolha positiva e bem-estar emocional das mulheres.
A tomada de decisão, em qualquer circunstância, requer conhecimento prévio sobre o objeto em questão. No presente estudo, as estratégias fundamentais para o planejamento do parto na água estiveram relacionadas à busca de informações e conhecimentos, principalmente por meio de profissionais da equipe de parto, além de relatos de experiências de outras mulheres, vídeos e documentários. Resultados semelhantes foram identificados em estudos anteriores.3,9
Ressalta-se a importância do papel do profissional de saúde em garantir a dignidade, privacidade e confidencialidade da mulher, assegurando que ela esteja protegida de danos e maus-tratos. Isso é alcançado ao oferecer informações claras e suporte contínuo durante o trabalho de parto e o nascimento. É essencial considerar que as mulheres desejam sentir realização pessoal e ter controle sobre o processo de parto, o que exige um envolvimento ativo dos profissionais na tomada de decisões de forma colaborativa e respeitosa.25,26
Dessa forma, para uma vivência positiva de parto é necessário valorizar as crenças, as expectativas, os ambientes, e a tomada de decisão da mulher e familiares,20,25,26 o que pode ser vislumbrado no modelo ético de interação,11 em que as obrigações dos profissionais incluem aquelas enumeradas no modelo informativo, em que o profissional de saúde é um provedor de conhecimento técnico, fornecendo ao usuário do sistema de saúde os meios para exercer controle. No entanto, exige-se dele o envolvimento em um processo conjunto de compreensão, ou seja, o usuário passa a entender mais claramente quem ele é e como as diversas opções de cuidado ou tratamento podem afetar a sua identidade.
Os desafios para a experiência de parto sinalizaram tanto a logística de organizar o espaço físico, como a disponibilidade do recurso, as complicações no parto e o respeito assegurado pela equipe. Na logística de organização do espaço físico e recursos, evidenciou-se o desafio na preparação da equipe para o manejo adequado da imersão aquática. O relato do casal sobre as dificuldades no enchimento da piscina reflete achados em um estudo,27 que identificou que 68% das equipes obstétricas brasileiras não recebem treinamento específico para partos na água; reforçando o relato da participante sugerindo que houve falta de preparo da equipe no auxílio ao casal para vivenciar plenamente os benefícios da imersão na água morna como redução da percepção dolorosa e maior satisfação materna.28
A liberdade de movimentação que a piscina de parto favorece, a intimidade, a cumplicidade e a privacidade que o casal tem no ambiente aquático, para além de possibilitar a construção de um ambiente acolhedor com penumbra, uso de óleos essenciais, velas, playlist e etc. O casal, estando na água em privacidade, pode contribuir para um ambiente também seguro,29 sendo propício a experienciar positivamente esse momento, conforme sinalizado por outra participante.
Neste sentido, a equipe de parto necessita planejar e se antecipar para corroborar com as boas práticas dos cuidados para que a família vivencie o esperado. Por isto, a equipe de parto precisa ter enfermeira obstetra/obstetriz tecnicamente competente,22-24 para que o parto, na sua concretude, seja respeitoso e seguro, tornando-se memorável para a parturiente e sua família.20,22,28,29
Ainda sobre esses mesmos aspectos, logística, organização, recursos e possíveis complicações no parto, as narrativas deste estudo vão ao encontro do que é definido no modelo paternalista,11 cujo profissional assume o papel de guardião da parturiente, colocando o interesse da mulher acima do seu próprio, como também no modelo interpretativo11 e humanizado,21 em que há valorização do papel do profissional em auxiliar a mulher a esclarecer suas expectativas frente às possibilidades de cuidado, destacando-se que a parturiente e o profissional tomam decisões em conjunto, algo essencial para a preparação do ambiente de parto domiciliar. Entendemos que uma equipe tecnicamente competente e experiente se encarrega de toda logística do parto na água, como por exemplo, planejamento do enchimento e esvaziamento da piscina, sendo este último de extrema importância, devido aos fatores de biossegurança imprescindíveis na assistência ao parto no domicílio.
Até o momento, revisões sistemáticas, não encontraram efeitos adversos, maternos ou neonatais dos partos ocorridos na água.1,2-4,18,19,30 Pelo contrário, os desfechos têm sido positivos, proporcionando às gestantes e famílias uma alternativa segura para dar à luz, com autonomia e autocontrole da parturiente sobre o processo do parto, viabilizando uma experiência empoderadora.3
Para garantir uma experiência positiva de parto na água, é essencial contar com uma equipe tecnicamente qualificada.20,23,24 Considerando que 47,5% das participantes do estudo optaram por realizar o parto na água em ambiente domiciliar, torna-se fundamental um planejamento que assegure tanto a segurança do parto quanto uma vivência positiva para a parturiente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA
O alívio da dor, conforto físico e o bem-estar do bebê, aliados a uma transição suave e ao respeito pela naturalidade do processo, foram fatores determinantes para a tomada de decisão pela modalidade de parto.
Como limitações do estudo, a utilização do Google Forms como ferramenta de coleta de dados possibilitou o acesso a um número expressivo de participantes, abrangendo diversas localidades geográficas e, consequentemente, ampliando a diversidade amostral em termos de diferenças geográficas e culturais. No entanto, essa modalidade online de aplicação do formulário impôs limitações à amostra, restringindo a participação de indivíduos pertencentes a classes sociais menos favorecidas, que não dispõem de acesso à internet e dispositivos eletrônicos, ou que não possuem letramento digital. Adicionalmente, a natureza autodeclaratória e online do instrumento pode ter influenciado a profundidade das respostas, restringindo-as, por vezes, a informações objetivas, possivelmente devido à falta de tempo ou dificuldades na expressão escrita por parte das participantes. Tal limitação pode ter comprometido a exploração de aspectos mais profundos e simbólicos das experiências vivenciadas.
Como implicações para a prática, o respeito ao plano de parto foi fundamental para a assistência humanizada associada: à interação gestantes/profissionais para aquisição de conhecimento; ao suporte profissional pré-natalista, à experiência positiva e à segurança do parto.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos às colegas que nos ajudaram a idealizar este projeto, Profa. Dra. Rosemeire Sartori de Albuquerque (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo) Profa. Dra. Nágela Cristine Pinheiros Santos (Universidade Federal de Minas Gerais); Mst. Pamela Vicente Nakazone (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo). Agradecemos também a todas as pessoas que responderam o inquérito voluntariamente.
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FINANCIAMENTO
Não há.
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DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA
Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
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Editado por
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EDITOR ASSOCIADO
Candida Primo https://orcid.org/0000-0001-5141-2898
-
EDITOR CIENTÍFICO
Marcelle Miranda da Silva https://orcid.org/0000-0003-4872-7252
Disponibilidade de dados
Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
23 Abr 2025 -
Aceito
18 Set 2025
