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Condição de Classe e Desempenho Educacional no Brasil

Resumo:

O objetivo do artigo é analisar o impacto da condição de classe dos estudantes brasileiros da educação básica nos seus desempenhos educacionais. Os fundamentos teóricos da pesquisa remetem ao conceito de classe social de Pierre Bourdieu. A partir de uma abordagem quantitativa, utilizamos a base de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado em 2013. As técnicas analíticas mobilizadas foram a estatística descritiva, a análise de correspondência e a regressão linear múltipla. Os resultados empíricos demonstraram a persistência dos efeitos da classe social na conformação dos rendimentos acadêmicos, ainda que coexistindo com os impactos das variáveis de escolarização, de trajetória individual e de caráter pedagógico.

Palavras-chave:
Classe Social; Capital Econômico; Capital Cultural; Desempenho Educacional

Abstract:

This paper analyzes the effects of social class on the educational performance of young Brazilians students. Our theoretical approach in this study is based on Pierre Bourdieu’s concept of social class. We opted for a quantitative methodology using the database of the Basic Education Evaluation System (Saeb) tests carried out in 2013. We used descriptive statistics, correspondence analysis and multiple linear regression. Empirical results showed the persistence of the effects of social class on academic performance, although these results coexist with the impacts of variables related to schooling, individual life story and pedagogical aspects.

Keywords:
Social Class; Economic Capital; Cultural Capital; Educational Performance

Apresentação

O objetivo deste artigo é rastrear os impactos da condição de classe no desempenho dos alunos brasileiros da educação básica. A relação entre origens sociais e sucesso ou fracasso na educação formal é recorrente na literatura acadêmica, no Brasil e no mundo (Barbosa, 2009BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. Desigualdade e Desempenho: uma introdução à sociologia da escola brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2009.; Soares; Collares, 2006SOARES, José; COLLARES, Ana. Recursos Familiares e o Desempenho Cognitivo dos Alunos do Ensino Básico Brasileiro. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 615-650, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582006000300007 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Bourdieu, 2008BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. ; Bowles; Gintis, 1974BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. Schooling in Capitalist America: educational reform and the contradictions of economic life. Nova Iorque: Basic Books, 1974.).

A despeito disso, assim como as desigualdades seguem no centro dos debates públicos neste início de século (Scalon; Salata, 2016SCALON, Celi; SALATA, André. Desigualdades, Estratificação e Justiça Social. Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 2, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/24479 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
; Piketty, 2014PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.) a qualidade da educação básica brasileira não vem progredindo, como indicam os frequentes resultados ruins em avaliações como o Programme for International Student Assessment (PISA). O cruzamento desses fenômenos justifica um olhar atento - e em permanente atualização - para os condicionantes do desempenho dos nossos discentes, enfocando âmbitos múltiplos, sendo um deles a condição de classe.

O repertório teórico/empírico de Pierre Bourdieu (2008BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. , 2007) fundamenta nosso trabalho. Como medida de desempenho educacional, recorremos à principal avaliação de larga escala do país, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), com dados de 2013. O Saeb é composto por provas que avaliam a proficiência em língua portuguesa e matemática, além de questionários contextuais sobre a vida dos estudantes, características das escolas e dos professores.

As avaliações de amplo alcance devem ser consideradas apenas uma das dimensões para se avaliar um sistema de ensino (Dourado, 2007DOURADO, Luiz Fernandes. A Qualidade da Educação: conceitos e definições. Brasília: INEP, 2007.). Cabem muitas discussões acerca da redução da noção de desempenho educacional à proficiência em apenas duas matérias escolares. Por outro lado, isso não invalida o fato de que saber ler e escrever, interagindo com diferentes textos, e saber realizar operações lógicas e matemáticas, representam habilidades e competências básicas para a vida em sociedade.

O artigo tem três partes: primeiro, um panorama sobre as relações entre educação e desigualdade; depois, discute-se a organização metodológica do trabalho empírico, apresentando a operacionalização do conceito de classe social e a descrição das técnicas estatísticas; por fim, são debatidos os principais resultados da pesquisa, analisando o peso e as particularidades da influência da classe social nos rendimentos educacionais dos estudantes brasileiros.

Desigualdades Sociais e Educação Formal

Passada a primeira metade do século XX, consolidou-se todo um campo de estudos que passou a arguir a educação formal nas suas bases, refletindo sobre o papel que a escolarização teria como instituição central para a reprodução das desigualdades nas modernas sociedades capitalistas. As abordagens chamadas de neomarxistas dizem que a escola serviria para a reprodução das relações sociais de produção. A função da escola seria a preparação da força de trabalho pacata e bem afeiçoada à hierarquia dos mecanismos econômicos no capitalismo. As diferenças nos desempenhos escolares espelhariam as desigualdades do mundo do trabalho. Através da instituição escolar, seria recomposta a ideologia das classes dominantes, fazendo com que os jovens trabalhadores se adaptassem desde cedo aos ditames do capital (Althusser, 1980ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado: notas para uma investigação. Lisboa: Editorial Presença, 1980.; Baudelot; Establet, 1975BAUDELOT, Christian; ESTABLET, Roger. La Escuela Capitalista en Francia. México: Siglo Veintiuno, 1975.; Bowles; Gintis, 1974BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. Schooling in Capitalist America: educational reform and the contradictions of economic life. Nova Iorque: Basic Books, 1974.).

Foi Pierre Bourdieu (2008BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. , 2007) quem deu contornos mais amplos à tese de que os sistemas educacionais colaboram para a reprodução das desigualdades sociais. Para o sociólogo francês, a sociedade deve ser entendida a partir da noção de espaço social, um espaço de posições sociais e relações de poder em disputa e movimento. A base do espaço social reside na diferença, na separação, num complexo de posições coexistentes, mas distintas, “[...] exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras, por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também, de ordem, como acima, abaixo e entre [...]” (Bourdieu, 1996BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996., p. 18-19).

Na modernidade, o espaço social foi se fragmentando em diferentes campos, que passaram a ter autonomia relativa uns aos outros. Os campos são microcosmos com regras próprias, nos quais os agentes disputam posições de hierarquia através da posse, do tipo e do volume dos capitais que possuem. Bourdieu (2008BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. ) fala em quatro tipos de capitais, sendo dois determinantes para a atuação dos agentes nos diferentes campos, e, consequentemente, para o posicionamento desses agentes no espaço social. O capital econômico se define em termos de renda, relação com os meios de produção e posse de bens materiais. O capital cultural se divide em três dimensões diferentes relacionadas entre si:

O capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organismo; estado objetivado sob a forma de bens culturais - quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de teorias ou de críticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte porque, como se observa em relação ao certificado escolar (grifo do autor), ela confere ao capital cultural - de que é, supostamente, a garantia - propriedades inteiramente originais (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007., p. 74).

O que a escola tem a ver com isso? Conforme o autor, o estoque cultural global (capital cultural) dos núcleos familiares explica as relações de sucesso ou fracasso dos estudantes nas instituições educacionais. “Em todos os domínios da cultura, teatro, música, pintura, jazz, cinema, os conhecimentos dos estudantes são tão mais ricos e extensos quanto mais elevada é sua origem social” (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007., p. 45). Para além do contato direto com bens culturais e do treinamento familiar, os jovens das classes privilegiadas herdam saberes, gostos e disposições culturais que se encaixam nas demandas do ensino institucionalizado.

O espaço social tem uma dimensão sincrônica (propriedades, capitais) e uma dimensão diacrônica que é formatada pelas trajetórias modais, percursos percorridos pelos agentes com maiores frequências, que conectam origens e destinos particulares e que representam as formas típicas de apropriação de capital (Bertoncelo, 2013BERTONCELO, Edison. Classes e práticas sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 28, n. 81, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092013000100012&lng=en&nrm=iso&tlng=pt .>. Acesso em: 02 abr. 2019.
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). A composição dos capitais dos agentes e as trajetórias modais são os dois elementos que diferenciam de modo mais decisivo as posições relativas no espaço social, em função de formarem as linhas principais de divisão e conflito na modernidade. As posições no espaço social se diferenciam relacionalmente em face de condicionamentos sociais de distintos matizes (a condição de classe).

Os grupos sociais, e notadamente as classes sociais, existem de algum modo duas vezes, e isso antes mesmo de qualquer intervenção do olhar científico: na objetividade de primeira ordem, aquela registrada pela distribuição das propriedades materiais; e na objetividade de segunda ordem, aquela das classificações e das representações contrastantes que são produzidas pelos agentes na base de um conhecimento prático das distribuições tal como se manifestam nos estilos de vida. Esses dois modos de existência não são independentes, ainda que as representações tenham certa autonomia em relação às distribuições (Bourdieu, 2013BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. Novos Estudos CEBRAP, n. 96, São Paulo, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002013000200008 >. Acesso em: 03 abr. 2019.
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, p. 111).

Socializar-se nessa ou naquela região do espaço social é dizer que o agente possui um conjunto de disposições incorporadas para a ação, um habitus de classe, sistemas de disposições duráveis e transponíveis que movimentam as percepções, ações e classificações dos agentes nos diferentes campos sociais. O habitus atua como um princípio pré-reflexivo que coordena as percepções e classificações dos agentes, além de firmar probabilidades de ação. Através da mediação do habitus, da geração de práticas classificáveis e classificadoras, o espaço social objetivo de primeira ordem se transforma em espaço simbólico e as práticas dos agentes viram signos de distinção. O habitus organiza a produção de uma homologia entre o espaço simbólico e o espaço social, fazendo com que a hierarquia de estilos de vida apareça enquanto uma nova tradução expressiva das dessemelhanças objetivas do espaço social.

Em suma, o modelo teórico proposto por Bourdieu implica a sobreposição de três esquemas analíticos: o espaço social, o habitus e o espaço dos estilos de vida, sendo o habitus o elemento que medeia a transmutação das diferenças objetivas em signos distintivos. Vê-se, assim, que o espaço social é, simultaneamente, uma estrutura de relações objetivas, que está na origem dos esquemas de percepção, classificação e ação que orientam a prática, e um conjunto de lugares estratégicos a partir dos quais os agentes lutam em torno da apropriação (e valorização) do capital e da imposição de princípios de classificação e de (di)visão do mundo (grifos do autor) (Bertoncelo, 2016aBERTONCELO, Edison. O Espaço das Classes Sociais no Brasil. Tempo Social, USP, v. 28, n. 2, 2016a. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702016000200073&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 02 abr. 2019.
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, p. 75).

O centro dos conflitos sociais na modernidade reside nas disputas simbólicas pelo acesso a bens e recursos escassos, mas isso não desconsidera as condições objetivas de sobrevivência. De um lado, as disputas simbólicas são condicionadas, em parte, pelas propriedades objetivas do espaço social; de outro, elas influenciam o próprio espaço social (Wacquant, 2007WACQUANT, Löic. Esclarecer o habitus. Educação e Linguagem, v. 10, n. 16, p. 63-71, jul./dez. 2007.).

Bourdieu (2008BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. , 2007) argumenta que a escola privilegia os privilegiados, pois não leva em conta a disparidade cultural anterior à entrada dos alunos no seu jogo. São aplicados métodos semelhantes, avaliações semelhantes e pedagogias semelhantes para pessoas portadoras de habitus de classe bastante desiguais, principalmente no que tange ao capital cultural. “É, enfim, a lógica própria de um sistema que tem por função objetiva conservar os valores que fundamentam a ordem social” (Bourdieu, 2007, p. 56).

Com ou contra Bourdieu, pesquisas com enfoques mais diversos passaram a pautar os estudos sobre educação, sociedade e desigualdades. Os etnometodólogos sustentam que o fracasso ou o sucesso dos estudantes nos estabelecimentos educacionais deveriam ser estudados como construções práticas dos agentes. Charlot (2000CHARLOT, Bernard. Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.) propõe que a escola tem que ser vista como um lugar que ultrapassa a diferenciação social, mas que congrega e se organiza em volta da transmissão de saberes.

A relação entre condições sociais e resultados na escolarização aparece nos trabalhos recentes de Duncan e Murnane (2011DUNCAN, Greg; MURNANE, Richard. Whitter Opportunity? Rising Inequality, Schools, and Children’s Life Chances. New York: Russel Sage Foundation, 2011.), ambos estadunidenses. Eles ressaltam que o aumento acentuado do fosso entre as realizações educacionais das crianças que crescem em famílias ricas e pobres é uma realidade nos Estados Unidos. Entre 1978 e 2008, a diferença entre os resultados dos testes de leitura de crianças de famílias de alta e de baixa renda cresceu em um terço. Isso se reflete em um fosso crescente na escolaridade concluída. Nos últimos 20 anos, a taxa de crianças ricas que completou a faculdade aumentou 21 pontos percentuais, enquanto a taxa de graduação de crianças de famílias de baixa renda aumentou apenas quatro pontos percentuais (Duncan; Murnane, 2011).

No Brasil, Barbosa (2009BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. Desigualdade e Desempenho: uma introdução à sociologia da escola brasileira. Belo Horizonte: Argumentum, 2009.) analisa a instituição escolar, examinando as relações sociais internas à escola, para estudar as razões ou, pelo menos, os fatores escolares que podem ser associados ao fortalecimento das desigualdades sociais (Barbosa, 2009, p. 21). A pesquisa demonstra a força do efeito da presença dos pais em casa, as diferenças de recursos sociais em famílias geridas por homens e mulheres, a ocupação materna, o tempo disponível da mãe, a ajuda recebida em casa e o número de filhos na família. Além disso, Barbosa (2009, p. 183) sintetiza “[...] que o efeito da escola pode, pelo menos em parte, reduzir os efeitos da posição social dos alunos sob o seu desempenho escolar”.

Detalhando a estrutura de classes da sociedade brasileira, Costa Ribeiro (2014COSTA RIBEIRO, Carlos Antonio. Mobilidade e Estrutura de Classes no Brasil Contemporâneo. Sociologias, Porto Alegre, ano 16, n. 37, p. 178-217, set./dez. 2014. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-45222014000300178&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em: 02 abr. 2019.
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) percebe alguma diminuição do impacto da origem social nos resultados educacionais brasileiros nas últimas décadas. Em paralelo, o autor alerta que “[...] as análises mostram que, mesmo quando levamos em conta o tipo de escola, as desigualdades socioeconômicas de oportunidades permanecem” (Costa Ribeiro, 2011COSTA RIBEIRO, Carlos Antonio. Desigualdade de Oportunidades e Resultados Educacionais no Brasil. Dados, v. 54, n. 1, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582011000100002 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
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, p. 79).

Procedimentos Metodológicos

O artigo utiliza a base de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), criado em 1990, pelo Ministério da Educação (MEC), a partir do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Trata-se de um sistema de avaliação amostral acerca do desempenho estudantil brasileiro feito de dois em dois anos. Em conjunto com as informações sobre a qualidade do ensino, o Saeb produz dados que possibilitam conhecer melhor as condições externas e internas intervenientes na aprendizagem, por meio de questionários respondidos pelos estudantes, pelo corpo docente e pelos diretores dos estabelecimentos escolares. Os aplicadores do Saeb também captam informações sobre a estrutura física das escolas e os recursos didático-pedagógicos acessíveis em cada uma delas.

O Saeb elabora avaliações para estudantes de todas as regiões e redes de ensino. As provas de matemática e língua portuguesa são aplicadas entre os discentes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e os discentes do 3º ano do ensino médio, disponibilizando dados sobre três momentos fundamentais da trajetória dos indivíduos na educação básica.

Os discentes avaliados pelo Saeb são divididos por uma parte censitária e uma parte amostral. A parte censitária engloba as escolas públicas que possuem acima de 20 estudantes, do 5º ao 9ª ano do ensino fundamental. A parte amostral contém escolas particulares dotadas de 10 ou mais discentes nas suas turmas regulares, além de escolas públicas e particulares com 10 ou mais estudantes nas turmas regulares do 3º ano do ensino médio. Para que sejam possíveis análises mais específicas, adiciona-se outra amostra contemplando as escolas públicas que possuem de 10 a 19 estudantes.

As edições do Saeb são comparáveis pelo menos desde 2003, em virtude das semelhanças adotadas no planejamento amostral. Os educandos são separados em seis grupos de populações fundamentais, de acordo com a série em que se encontram e a dependência administrativa da instituição escolar. Utiliza-se uma amostragem conglomerada dos discentes, considerando que não se pode selecionar aluno por aluno.

Dados do Saeb 2013

Os microdados do Saeb são disponibilizados online pelo INEP através do seu site institucional. Desde o download desses dados brutos, realizamos uma série de operações para organizar a base de dados de acordo com os nossos interesses de pesquisa1 1 A base de dados modificada, utilizada neste artigo, está disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0B7BXzpD4c9hqaVRUVEJEeDJjWmM/view?usp=sharing> . Usamos o software IBM-SPSS, versão 21, para lidar com os dados e produzir as operações estatísticas.

Inicialmente, foi necessário realizar a junção das planilhas TS_ALUNOS, contendo os dados dos alunos, antes divididas por série, em uma única planilha. Por causa da diferença de sequência de perguntas e respostas nos questionários, fizemos algumas mudanças em relação às variáveis dessas planilhas. A nomeação das variáveis foi realizada de acordo com a equivalência de perguntas e respostas, ou seja, na planilha TS_ALUNO_3EM, a variável TX_RESP_Q032 possui a seguinte pergunta: “Com que frequência você lê revistas informativas em geral?”; nas planilhas TS_ALUNO_5EF e TS_ALUNO_9EF as variáveis que equivalem são as TX_RESP_Q034. Assim, todas as mesmas questões foram renomeadas para permanecer a equivalência de questões na junção dessas planilhas. As variáveis que existem em uma única planilha e não nas outras permaneceram na junção apenas com os dados dessa planilha.

Para evitar conflito entre a nomeação das variáveis que contêm as respostas dos questionários das planilhas professor, alunos e escola, quando foi feita a junção dessas planilhas, as TX_RESPA_000 advieram da planilha aluno; as TX_RESPE_000 advieram da planilha escola e as TX_RESPP_000 advieram da planilha professor. Nas respectivas planilhas separadas estão todas nomeadas como TX_RESP_000. Contudo, depois de realizada a junção das planilhas e já identificadas as variáveis comuns em todas elas, as variáveis foram novamente renomeadas considerando a sua principal característica, tal como RESIDENCIAPAI_AQ022 ao se referir à questão direcionada ao aluno: Você mora com o seu pai?.

A primeira junção de planilhas a ser realizada foi a planilha TS_ALUNO_3EM+9EF+5EF criada com a planilha TS_ESCOLA, utilizando-se como variável chave ID_ESCOLA no SPSS. Dessa forma, todos os casos na planilha de alunos que possuíam o ID da escola X, receberam as variáveis referentes a esta escola X. A segunda junção foi dessa planilha (Aluno + Escola) com a planilha TS_PROFESSOR. Utilizando a variável ID_TURMA como variável chave, a junção foi realizada fazendo com que cada turma na planilha Aluno + Escola recebesse todas as variáveis referentes a ela da planilha TS_PROFESSOR. Porém, cada ID_TURMA pode se repetir mais de uma vez, já que é possível haver mais de um professor por turma, e como é necessário apenas um professor por ID_TURMA para fazer a junção, selecionamos os primeiros professores de cada caso. Dessa forma, a planilha final relaciona alunos, escola e professor, e subsidia as análises posteriores com esses dados relacionados.

Amostragem

A amostra final utilizada para as análises deste artigo contém 269.693 casos, representando os estudantes de todas as regiões do país, do 5º e do 9ª ano do ensino fundamental, do 3º ano do ensino médio e de todas as redes mantenedoras, sendo escolas rurais e urbanas.

Para garantir essa representação proporcional, é utilizada a amostragem aleatória estratificada que consiste em: (1) começar por identificar esses subgrupos significativos; (2) calcular o peso relativo (%) de cada um dos subgrupos na população; (3) utilizar, em cada um dos subgrupos, um procedimento de amostragem aleatória simples para escolher (na mesma proporção em que estão representados na população) os sujeitos de cada estrato que irão integrar a amostra. O software SPSS possui uma forma de realizar essa amostragem de forma simples e automática, apenas definindo em qual variável os estratos serão identificados e qual a porcentagem do total da população (e, consequentemente, de cada estrato) que comporá a amostra. Nesse caso, escolheu-se a variável ID_UF (unidades federativas) para selecionar os respectivos estratos (27 estratos - RO, AC, AM, RR, PA, AP, TO, MA, PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, BA, MG, ES, RJ, SP, PR, SC, RS, MS, MT, GO, DF). A amostra foi definida como 5% da população, considerando que, para populações em grande número (com cerca de 100.000 casos ou mais), não é preciso elevar o tamanho da amostra, pois a margem de erro não irá reduzir muito (Ramos, 2014RAMOS, Marília Patta. Pesquisa social: abordagem quantitativa com uso do SPSS. Porto Alegre: Ed. Escritos, 2014., p. 32).

Técnicas Estatísticas

Utilizamos a estatística descritiva, a análise de correspondência e a regressão linear múltipla. A análise de correspondência é uma técnica de análise exploratória de dados categóricos, útil para examinar tabelas de entrada dupla, investigando as medidas de correspondência entre linhas e colunas. Possibilita visualizar as relações de proximidade entre variáveis numa espécie de mapa bidimensional, ao passo que as associações podem ser interpretadas pelas suas proximidades ou distanciamentos (Bertoncelo, 2016bBERTONCELO, Edison. O Uso da Análise de Correspondências Múltiplas nas Ciências Sociais: possibilidades de aplicação e exemplos empíricos. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016b, Caxambu. Anais... Caxambu, 2016b. Disponível em: <Disponível em: https://192.190.81.132/index.php/encontros/papers/40-encontro-anual-da-anpocs/st-10/st16-7/10296-o-uso-da-analise-de-correspondencias-multiplas-nas-ciencias-sociais-possibilidades-de-aplicacao-e-exemplos-empiricos >. Acesso em: 02 abr. 2019.
https://192.190.81.132/index.php/encontr...
; Greenacre; Blasius, 1994GREENACRE, Michael; BLASIUS, Jörg (Org.). Correspondence Analysis in the Social Sciences. San Diego: Academic Press, 1994.). Pode ser operada na sua forma simples, produzindo gráficos com as categorias de apenas duas variáveis. Pode ser aplicada, também, na sua forma múltipla, gerando gráficos com diversas variáveis concomitantemente.

Com a análise de correspondência múltipla, conseguimos simplificar o entendimento de relações entre dados complexos, desde a observação geométrica das associações entre as categorias das variáveis empregadas pelo pesquisador (Cyrino, 2011CYRINO, Carolina Dutra. Análise Geométrica de Dados Através da Análise de Correspondência Múltipla. 2011. 45f. Monografia para o Curso de Estatística da Universidadae Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.ufjf.br/cursoestatistica/files/2011/11/Monografia-carolina.pdf >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://www.ufjf.br/cursoestatistica/file...
). A lógica da análise de correspondência múltipla repousa sobre uma matriz em que as linhas são os casos (aqui os estudantes avaliados pelo Saeb 2013) e as colunas as características, como o seu volume de capitais, a localização nos estratos de classe, o nível de qualidade da escola frequentada etc. Dessa matriz derivam os gráficos que ilustram os posicionamentos relativos no espaço geométrico. Cada educando (linha da matriz) apresenta um perfil relacionado com as suas respostas em cada tópico dos instrumentos de produção de informações (questionários e notas), e cada variável (coluna) carrega um perfil relacionado à distribuição dos estudantes.

Como nosso objetivo é analisar a influência de questões sociais no desempenho escolar, outra técnica empregada é a regressão linear múltipla. Assim, conseguimos revelar a influência de um conjunto de variáveis independentes numa variável dependente quantitativa (a proficiência dos estudantes). Para não trabalhar com uma quantidade ampla demais de variáveis, precisamos experimentar a troca de uma ou mais variáveis por outras, seja manualmente, seja por algum algoritmo de seleção de variáveis, tal como o método stepwise, selecionado para esta pesquisa. Ele adiciona a variável mais significante e remove a variável menos significante durante cada etapa, mas para isso é preciso definir as estatísticas F parciais (responsáveis por testar a significância estatística) que serão utilizadas. Em virtude da grande quantidade de variáveis disponíveis, escolhemos utilizar um Fin = 0,01, isto é, a variável entra no modelo se a estatística F for maior do que este valor, e um Fout = 0,05, a variável é retirada do modelo se a estatística F for menor do que este valor.

Indicadores

Para as análises de correspondência, que demandam o uso de variáveis categóricas, construímos um indicador de volume de capitais (condição de classe em Bourdieu) dividido em muito baixo, baixo, médio e alto. O ponto de corte entre cada categoria foi realizado com base na média e em mais ou menos um desvio padrão. Significa que os estudantes da categoria muito baixo volume de capitais obtiveram entre zero e 10 pontos na escala de capitais; os alunos da categoria baixo tiveram entre 11 e 15 pontos; os jovens situados na categoria médio obtiveram entre 16 e 20 pontos; e os estudantes da categoria alto volume de capitais pontuaram entre 21 e 47 na escala que indica o volume de capital econômico e cultural dos educandos e suas famílias. Os discentes estiveram distribuídos da seguinte maneira entre as diferentes categorias:

Gráfico 1:
Distribuição Relativa dos Estudantes por Volume de Capitais

Nas regressões multivariadas, utilizamos variáveis categóricas individuais que indicam a dimensão objetiva do conceito de classe em Bourdieu (2013BOURDIEU, Pierre. Capital Simbólico e Classes Sociais. Novos Estudos CEBRAP, n. 96, São Paulo, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002013000200008 >. Acesso em: 03 abr. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), a partir do capital econômico e do capital cultural. São cinco variáveis de capital econômico e cinco variáveis de capital cultural. Acerca do capital econômico, não podendo utilizar a renda da família (informação que muitas vezes os jovens não conhecem), ou a ocupação dos pais (informação que a base de dados não oferece), podemos trabalhar com medidas indiretas, a partir da existência de bens de conforto no ambiente doméstico dos estudantes (Buchmann; Dalton, 2002BUCHMANN, Claudia; DALTON, Ben. Interpersonal Influences and Educational Aspirations in 12 Countries: the importance of institutional context. Sociology of Education, v. 75, n. 2, p. 99-122, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.jstor.org/stable/pdf/3090287.pdf >. Acesso em: 03 abr. 2019.
https://www.jstor.org/stable/pdf/3090287...
; Willms, 1992WILLMS, Jon Douglas. Monitoring School Performance: a guide for educators. Washington: Falmer, 1992.). Utilizamos essas variáveis e outras, como a inserção precoce no mercado de trabalho e o tamanho da residência.

A noção de capital cultural, em Bourdieu (2007BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2007.), não deixa de ser polissêmica e de difícil adequação para pesquisas de caráter quantitativo (Soares; Collares, 2006SOARES, José; COLLARES, Ana. Recursos Familiares e o Desempenho Cognitivo dos Alunos do Ensino Básico Brasileiro. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 615-650, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582006000300007 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 621). Um dos principais trabalhos sociológicos que operacionalizou quantitativamente o conceito de capital cultural é o de Paul DiMaggio (1982DiMAGGIO, Paul. Cultural Capital and School Success - the impact of status culture participation on the grades of united-states high-school-students. American Sociological Review, v. 47, n. 2, p. 189-201, 1982. Disponível em: <Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2094962?seq=1#page_scan_tab_contents >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://www.jstor.org/stable/2094962?seq=...
). O autor se ateve ao acesso a bens simbólicos de alta cultura, como a frequência a teatros, exposições e concertos musicais. No Brasil, parece mais interessante operacionalizar as dimensões culturais a partir de aspectos valorosos para a aquisição de conhecimentos acadêmicos, como o hábito da leitura e a escolaridade dos pais (Soares; Collares, 2006). Em outros trabalhos, fizemos a operacionalização do capital cultural dimensionando ora uma escala de recursos em termos de cultura, ora diferentes variáveis categóricas de escolaridade da família ou hábitos culturais do estudante (Caprara, 2017CAPRARA, Bernardo. Classes Sociais e Desempenho Educacional no Brasil. 2017. 258f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/172397 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/1...
, 2016CAPRARA, Bernardo. The Impact of Cultural Capital on Secondary Student’s Performance in Brazil. Universal Journal of Educational Research, v. 4, n. 11, p. 2627-2635, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.hrpub.org/journals/article_info.php?aid=5261 >. Acesso em: 03 abr. 2019.
http://www.hrpub.org/journals/article_in...
, 2013CAPRARA, Bernardo. A Influência do Capital Cultural no Desempenho Estudantil: reflexões a partir do Saeb 2003. 2013. 157f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/78192 >. Acesso em: 02 abr. 2019.
http://hdl.handle.net/10183/78192...
).

Operacionalizamos o capital cultural a partir de duas das suas três dimensões: a institucionalizada na família e a incorporada no estudante. O estágio institucionalizado é medido pela alta escolaridade dos pais dos estudantes (ensino superior completo). Também é possível pensar essa variável como capital cultural incorporado, através de uma espécie de herança da família aos jovens, tendo em vista que os alunos, por estarem no ensino básico, estão em processo de institucionalização primária do seu capital cultural, não possuindo eles próprios as certificações escolares. Porém, optamos por pensar a elevada escolaridade dos pais enquanto capital cultural institucionalizado na família, na medida em que essa herança familiar pode ou não ser transmitida aos filhos. Já o capital cultural incorporado é medido através do hábito de leitura de livros em geral e de livros de literatura, adquirido no habitus dos discentes.

Em virtude da quantidade elevada de perguntas no Saeb, num primeiro momento agrupamos um conjunto de variáveis que expressam elementos da dimensão objetiva de classe dos estudantes, da escolarização e do corpo docente, além das variáveis demográficas. Analisando essas questões, verificamos que, para a aplicação das técnicas estatísticas escolhidas, a grande maioria das perguntas poderia ser agrupada em variáveis categóricas dicotômicas (do tipo 0 e 1), ou deveria ser transformada em binárias (dummy) ou em variáveis categóricas ordinais (1, 2, 3 etc.). Nas regressões multivariadas, as variáveis dependentes são a proficiência em língua portuguesa e a proficiência em matemática, contempladas por uma escala de zero a 500 pontos para cada disciplina. Abaixo podemos ver que ambas as variáveis dependentes possuem uma distribuição normal.

Gráfico 2:
Histograma para Proficiência em Língua Portuguesa

Gráfico 3:
Histograma para Proficiência em Matemática

O desvio padrão de ambas as variáveis dependentes não se mostrou muito alto, sendo bem menor que a metade da média (em português, média de 217,38, desvio padrão de 55,299 e mediana de 215,89; em matemática, média de 227,53, desvio padrão de 54,258 e mediana de 227,03).

Classes Sociais e Desempenho Educacional no Brasil

Num primeiro momento, interessa observar uma síntese da distribuição de notas entre as diferentes classes sociais. Entre os alunos que se situam nas classes sociais com muito baixo volume de capitais (econômico e cultural), 62,8% tiraram notas muito baixas ou baixas em português, e apenas 9,1% tiraram notas altas. Entre os jovens das classes com alto volume de capitais, 35,2% alcançaram notas muito baixas ou baixas em matemática, enquanto 29% tiraram notas altas.

O Quadro 1 apresenta a distribuição do volume de capitais entre os estudantes das diferentes regiões. Na região nordeste, temos apenas 7% dos discentes entre aqueles que possuem alto volume de capitais. Temos, também, o mais alto índice de estudantes entre as faixas muito baixo e baixo volume de capital econômico e cultural, 30,2% e 43,8%, respectivamente. Na prática, são 74% dos estudantes que se encontram na situação de baixo volume de capitais. Na região sul, ao contrário, temos o contingente mais elevado de alunos com alto volume de capitais entre todas as regiões: 21,6%. Também temos o menor número de discentes entre as faixas inferiores quanto ao volume de capitais, sendo 7,1% localizados na faixa muito baixo e 35,6% na faixa baixo - totalizando 42,7%.

Quadro 1:
Tabulação Cruzada entre Regiões do País e Volume de Capitais

Devemos analisar também a associação entre classe e notas e os efeitos do capital econômico e do capital cultural na proficiência em matemática e língua portuguesa. A Figura 1 apresenta a análise de correspondência múltipla entre volume de capitais, qualidade da escola e notas no Saeb 2013, para os casos de todo o Brasil.

Figura 1:
Análise de Correspondência Múltipla entre Volume de Capitais, Notas em Português e Matemática e Qualidade da Escola

A Dimensão 1 apresentou 47% da explicação da variação dos dados, enquanto a Dimensão 2 apresentou 34,2%. No quadrante esquerdo (Dimensão 1), estão evidenciadas as associações entre as notas altas em matemática e língua portuguesa, o alto volume de capitais e a alta qualidade da escola. Por outro lado, no quadrante direito, conseguimos perceber as associações entre as notas muito baixas em português e matemática, o volume muito baixo de capitais por parte dos alunos e seus círculos familiares e as escolas de muito baixa qualidade. Temos, também, uma oposição entre esses grupos de modalidades: de um lado os escores altos (escola, capitais, notas) e, de outro, os escores muito baixos para as mesmas categorias.

O modelo de regressão que alcançou o maior índice de explicação da variação das notas dos estudantes encontrou um R² ajustado de 0,36, indicando que 36% das proficiências em português obtidas pelos educandos avaliados podem ser explicados pelo conjunto de variáveis independentes que compõe o modelo. Não tivemos colinearidade entre as variáveis e as relações foram todas estatisticamente significantes ao nível de 99%. O Quadro 2 hierarquiza os efeitos das variáveis independentes no desempenho educacional em língua portuguesa, considerando a condição de classe dos nossos jovens.

Quadro 2:
Capital econômico e cultural e desempenho em Língua Portuguesa em todo o Brasil - Efeitos hierarquizados

Sete das dez variáveis que operacionalizam a noção de classe destacaram-se nesse modelo. A variável de classe com maior impacto foi aquela que indica que o estudante trabalha fora de casa, além de estudar, sendo que os que trabalham fora têm, em média, 15,062 pontos a menos do que os que não trabalham fora. Trata-se uma variável de capital econômico. Essa é uma informação importante, visto que trabalhar fora de casa, no período de estudos da educação básica, pode revelar uma necessidade econômica típica das classes populares. O impacto dessa variável deixa claro que o pertencimento às classes que precisam dedicar parte do seu tempo para trabalhar e ganhar dinheiro, além de estudar, afeta negativamente as notas em português.

Seguindo com o capital econômico, a posse de computador em casa, algo que pode parecer banal em tempos de acelerada tecnologia da informação, demonstra fazer diferença, com os estudantes que possuem computador em casa tendo, em média, 9,685 pontos a mais na escala Saeb 2013 de português. Jovens cuja família possui um automóvel tendem a ter, em média, 2,352 pontos a mais. Falta falar do tamanho da residência. Os alunos que têm três ou mais banheiros em casa possuem, em média, 4,846 pontos a mais do que aqueles que têm menos de três banheiros na sua moradia.

O capital cultural é a outra dimensão objetiva de classe. Os alunos que costumam ler livros sobre temas gerais possuem, em média, 10,253 pontos a mais do que os alunos que não leem livros. Os jovens que costumam ler livros de literatura possuem, em média, 2,569 pontos a mais do que aqueles que não leem esse tipo de obra literária. Outra variável de classe, capaz de refletir um elemento mais cultural da classe social, atende pela escolaridade da mãe. Estudantes que possuem mães com ensino superior completo têm, em média, 5,649 pontos a mais do que aqueles que não têm a mãe com faculdade finalizada. Esses efeitos podem ser visualizados no Gráfico 4.

Gráfico 4 :
Capital econômico e capital cultural e desempenho em Português

Observamos agora as particularidades dos efeitos do capital econômico e do capital cultural no desempenho em matemática. Dos modelos encontrados pela regressão stepwise, aquele que foi capaz de melhor explicar a variação das notas em matemática dos estudantes avaliados pelo Saeb 2013 obteve um R² ajustado de 0,30. Podemos ver que 30% da variação da proficiência em matemática podem ser explicados pelo modelo em questão - estatisticamente significante ao nível de 99% e sem colinearidade entre as variáveis. O Quadro 3 traz as informações para o Brasil inteiro. A lista dos impactos das variáveis segue a ordenação que vai do maior efeito positivo ao maior efeito negativo.

Quadro 3:
Capital econômico e cultural e desempenho em Matemática em todo o Brasil - efeitos hierarquizados

Das dez variáveis que indicam a posse de capitais, cinco de capital econômico e cinco de capital cultural, oito apareceram com efeitos importantes nas regressões lineares múltiplas: sendo três de capital cultural e cinco de capital econômico. A variável que indica a classe social e teve maior destaque diz respeito aos estudantes que trabalham fora de casa, além de estudar. Trata-se de uma variável de capital econômico. Esses alunos têm, em média, 11,589 pontos a menos do que os alunos que não trabalham, mas apenas estudam. Logo atrás, encontramos a posse de computador em casa como um elemento importante. Os estudantes que possuem computador em casa têm, em média, 8,211 pontos a mais do que os que não possuem este bem de consumo. Os alunos cujas famílias detêm um automóvel tendem a ter, em média, 4,209 pontos a mais. Completam a reflexão sobre a influência da classe social no desempenho em matemática, no quesito econômico, as variáveis que indicam características da moradia dos estudantes. Se o aluno mora numa casa com três ou mais banheiros, ele tende a ter, em média, 4,802 pontos a mais. Se o aluno reside numa casa com três quartos ou mais, ele tende a ter, em média, 2,670 pontos a mais.

Seguimos examinando a influência da classe nos rendimentos educacionais. A escolaridade da mãe mantém o destaque para os aspectos culturais de classe. Se a mãe dos educandos tem ensino superior completo, eles possuem, em média, 4,465 pontos a mais do que os outros. Mas o efeito mais relevante é o da variável que indica a leitura. Jovens que costumam ler livros tendem a ter, em média, 6,726 pontos a mais. Já os educandos que costumam ler livros de literatura têm, em média, 2,163 pontos a mais. Dessa forma, podemos observar o impacto da classe social em diferentes dimensões, indicando que uma moradia mais ampla, a posse de um computador pessoal, uma família com escolaridade mais elevada e a leitura de livros impactam diretamente nos desempenhos em matemática na educação básica brasileira. É possível ver todos os efeitos das variáveis de capital econômico e cultural na proficiência em matemática, observando o Gráfico 5.

Gráfico 5:
Capital econômico e capital cultural e desempenho em Matemática

A variável que indica os estudantes trabalhadores merece um olhar mais próximo. Até aqui, viemos tratando essa variável como um indicador de capital econômico, levando em conta que a necessidade de inserção precoce no mercado de trabalho tende a estar relacionada com a demanda por algum tipo de complemento na renda familiar. Entretanto, se pensarmos bem, essa é uma variável que pode estabelecer uma fronteira entre o capital econômico e o capital cultural, à medida que os alunos que não trabalham têm mais tempo livre e, assim, podem se dedicar a atividades diversas, inclusive atividades culturais. Souza (2015SOUZA, Jessé. A Tolice da Inteligência Brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: Leya, 2015.) trata dessa questão, numa vertente tangencial, argumentando que a reprodução das desigualdades de classe passa pela possibilidade das classes com volumes médios e altos de capitais diversos contratarem trabalhadores pouco qualificados para o exercício das tarefas domésticas, como limpeza e manutenção, liberando o seu tempo para investir em estratégias de aumento do seu volume de capitais. Um cotidiano com mais tempo livre, no qual os educandos não precisam trabalhar para ajudar a família, pode revelar uma interconexão entre a posse de capital econômico e o aumento de capital cultural.

Entre as variáveis mais impactantes no desempenho em português e matemática, temos as que indicam elementos aparentemente sem relação com a classe social. Seus principais efeitos estão nas variáveis de trajetória individual, na rede escolar, na localização urbana ou rural da instituição, no envolvimento da família através de incentivo aos estudos, na evasão e na reprovação e na cor da pele dos jovens. Até aqui, viemos pensando essas relações como indicadores diversos, sem ligação com o contexto de classe dos estudantes e suas famílias. Ocorre que podemos levantar algumas questões valiosas: quem são os estudantes que abandonam a escola, reprovam ou estudam em escolas rurais, por exemplo? Como é a sua distribuição entre as classes com diferentes volumes de capital econômico e de capital cultural, no campo escolar brasileiro? Qual a cor da sua pele? Notas altas, determinada rede mantenedora, incentivo aos estudos por parte da família podem ter alguma associação com o acesso diferencial aos dois capitais fundamentais?

Começamos descrevendo a distribuição dos estudantes conforme o seu volume de capitais e a rede escolar frequentada. Entre os estudantes da rede privada, 52% possuem alto volume de capital econômico e cultural, enquanto entre os alunos da rede pública, apenas 13,5% possuem alto volume desses capitais. Parece haver uma relação de investimento das famílias com maiores volumes de capitais na escolha pela rede privada, o que pode indicar um capital cultural em institucionalização por parte dos educandos. Isso também pode estar ligado à suposição de que as escolas privadas são melhores do que as públicas, o que faz sentido na comparação com as redes estadual e municipal, mas não se compararmos com a rede federal. Entre as escolas privadas (2,7% da amostra), temos 65,2% das escolas no nível alto de qualidade. Nas redes estadual e municipal (42,7% e 54,3% da amostra), encontramos 15,2% e 10,9% das escolas na faixa de elevada qualidade. Já entre as instituições federais, 77,3% situam-se no nível de alta qualidade. Na rede federal, 70,9% dos alunos obtiveram notas altas em português; na privada, foram 50,4% dos jovens.

Diante desse cenário, executamos uma análise de correspondência múltipla entre a dependência administrativa das escolas, o volume de capitais possuído pelos estudantes e suas famílias e as faixas de notas em português e matemática.

Figura 2:
Análise de Correspondência Múltipla entre Rede Escolar, Volume de Capitais e Notas em Português e Matemática

Atentando para a Dimensão 1, que explicou 48,3% da variação dos dados (a Dimensão 2 explicou 35,3%), há uma associação entre as redes privada e federal e o alto volume de capitais possuído pelos alunos e seus círculos familiares, além da proximidade com as notas altas. Também há oposição entre essas modalidades e as notas muito baixas, nesse eixo. Porém, esse conjunto de variáveis que compõe o volume de capitais contém medidas de capital econômico, então é preciso verificar essas associações com o uso de uma variável específica para o capital cultural. Nessa perspectiva, adotamos como proxy as variáveis categóricas de escolaridade da mãe e do pai, a fim de observar se há associação entre níveis altos de escolaridade e estudar em escolas públicas ou privadas. A Figura 3 sinaliza a análise de correspondência múltipla entre escolaridade da mãe e do pai, rede escolar e notas dos respondentes do Saeb 2013.

Figura 3:
Análise de correspondência múltipla entre escolaridade da mãe, rede escolar e notas em Português e Matemática

No quadrante direito (Dimensão 1, que explicou 43,6% da variação), fica evidente a associação entre os alunos das redes federal e privada com uma escolaridade elevada na família, bem como com as notas altas em ambas disciplinas avaliadas. Na Dimensão 2, responsável por explicar 30,7% da variância dos dados, podemos ver a oposição entre uma baixa escolaridade familiar (ensino fundamental incompleto e mesmo completo), as redes privada e federal e as notas elevadas.

As associações encontradas entre rede escolar e volume de capitais/escolaridade da família podem sinalizar que estudar em escolas federais e privadas significa estar em processo de institucionalização inicial do capital cultural específico dos alunos, no seu estado relacionado aos títulos escolares. Se isso estiver correto, se frequentar escola federal ou privada funcionar como indicador do movimento de institucionalização parcial do capital cultural dos jovens brasileiros, nossos resultados empíricos ampliam sua abrangência, mostrando um efeito ainda maior da classe social dos alunos nos seus rendimentos escolares. As transições escolares também impactaram as notas, com os alunos do nono ano do ensino fundamental e do terceiro ano do ensino médio obtendo resultados melhores do que os do quinto ano do ensino fundamental. Será que existe alguma possível relação entre ir avançando na trajetória educacional e a posição de classe dos agentes? Vale ver a distribuição dos jovens por faixas de volume de capitais entre as três séries escolares analisadas. Entre os alunos do quinto ano do ensino fundamental, 61,5% se localizam nas faixas de baixo volume de capitais (19,9% muito baixo e 41,6% baixo). Apenas 13,1% dos estudantes mais novos avaliados pelo Saeb 2013 possuem alto volume de capital econômico e cultural. No final do ensino fundamental (nono ano), esse cenário se altera um pouco, mas mantém essa disparidade: 13,8% têm muito baixo volume e 39,4% têm baixo volume de capitais, totalizando 53,2% dos discentes. Somente 15,3% estão na faixa de elevado volume de capitais.

No terceiro ano do ensino médio, a última etapa da educação básica, na qual se encontram os educandos que já venceram todas as seletividades do sistema, notamos algumas diferenças importantes: só 8,6% se situam no nível muito baixo de acesso aos capitais econômico e cultural. Somando esse valor com os 30,9% situados entre o nível baixo de capitais, temos 39,5% dos jovens entre as camadas de classe mais vulneráveis - número bem menor que nas outras séries. Temos, também, o número mais alto de estudantes com elevado acesso ao capital econômico e ao capital cultural, atingindo 27,9% dos alunos. Existe uma boa diferença entre o início da escolarização e a sua última etapa, no que concerne à distribuição diferencial de capitais entre os jovens e suas unidades familiares. A Figura 4 apresenta a análise de correspondência múltipla entre as séries, o volume de capitais e as faixas de notas em matemática e português, revelando visualmente as distâncias e proximidades entre as modalidades.

Figura 4:
Análise de Correspondência Múltipla entre Série Escolar, Volume de Capitais e Notas em Português e Matemática

A Dimensão 1 explicou 50,8% da variância e demonstrou a associação entre estar no terceiro ano do ensino médio, possuir alto volume de capitais e tirar notas altas. Mostrou a oposição destas modalidades com as notas muito baixas e o quinto ano do ensino fundamental, além do acesso muito baixo aos capitais. Essa oposição pode ser vista, também, na Dimensão 2, capaz de explicar 34,8% da variação dos dados. O efeito das transições escolares, na dinâmica das lutas internas do campo escolar, parece manter alguma relação com a posição de classe dos agentes.

O envolvimento da família na vida escolar dos jovens pode ser examinado diante do acesso diferencial aos capitais econômico e cultural. O efeito de ter pais ou responsáveis que incentivem os discentes a estudar foi bastante presente nas notas em português e matemática. Entre os estudantes que não recebem esse incentivo (apenas 2,4% da amostra), temos 27,8% dos estudantes com muito baixo volume de capitais e 41,8% com baixo volume, alcançando a marca de 69,6% dos discentes. Esse número é ainda mais relevante se contrastado com o pequeno grupo que possui alto volume de capitais e não tem incentivos familiares para estudar (11,8%). Na Figura 5, exibimos a análise de correspondência múltipla entre o incentivo familiar, o volume de capitais e as notas dos alunos.

Figura 5:
Análise de Correspondência Múltipla entre Envolvimento Familiar, Volume de Capitais e Notas em Português e Matemática

A Dimensão 1 explicou 44,5% da variação dos dados, enquanto a Dimensão 2 explicou 34,1%. Na Dimensão 1, estão presentes as associações entre as notas muito baixas e a ausência de incentivo ao estudo por parte da família, bem como o volume muito baixo de capitais. Nesse eixo, há uma oposição entre essas modalidades e as notas altas e o alto volume de capitais econômico e cultural. O não envolvimento da família com a vida escolar dos jovens parece ser um fenômeno mais localizado entre os alunos das classes mais vulneráveis.

Outros dois efeitos importantes estão relacionados à evasão escolar e à repetição do ano letivo (reprovação). Os alunos que já abandonaram a escola e/ou já reprovaram uma vez ao menos tendem a ter notas piores do que os que nunca o fizeram. Tratamos essas variáveis como indicadores de trajetória individual, mas desconfiamos que elas podem estar ligadas à classe social em que os alunos se situam. Para refletir sobre isso, começando pela evasão, rodamos uma tabela de contingência entre o volume de capitais dos educandos e o abandono da escola, para verificar quantos discentes já abandonaram a escola nas diferentes faixas de volume de capital econômico e cultural. Entre os estudantes que já evadiram (31% da amostra), 22,8% possuem muito baixo volume de capitais e 42% possuem baixo volume. Juntas, as categorias representam 64,8% dos alunos que já abandonaram a escola. É um percentual bastante importante de jovens com baixo e muito baixo acesso aos capitais essenciais às sociedades modernas. Apenas 12,2% dos estudantes que evadiram possuem alto volume de capital econômico e cultural.

Com esses indícios, executamos uma análise de correspondência múltipla entre as notas em português e matemática, o volume de capitais e a evasão escolar. Buscamos as proximidades e distanciamentos entre as modalidades, para ver se o abandono da escola pode indicar algum pertencimento de classe. A Figura 6 apresenta a localização das categorias.

Figura 6:
Análise de Correspondência Múltipla entre Evasão Escolar Volume de Capitais e Notas em Português e Matemática

A Dimensão 1 e a Dimensão 2 explicaram, cada uma, 45,7% e 34,5% da variação dos dados. Na Dimensão 1, podemos ver a associação entre as notas muito baixas em matemática e português, o histórico de abandono da escola e o volume muito baixo de capitais. Por outro lado, vemos a associação entre as notas altas e o alto volume de capitais. Isso mostra, também, uma oposição entre esses grupos de modalidades. Na Dimensão 2, observamos uma oposição entre as notas baixas e as notas altas e o alto volume de capitais. A proximidade da evasão escolar com um volume muito baixo de capital econômico e cultural, em paralelo ao distanciamento com a categoria alto volume de capitais, pode sinalizar que o episódio de rompimento da trajetória escolar está mais vinculado às classes cujo acesso aos capitais mais importantes nas sociedades modernas é reduzido, e que esse fenômeno ocorre menos nas classes abastadas.

Fizemos as mesmas operações considerando as relações entre a reprovação e o volume de capitais. Entre os discentes que já reprovaram (48,5% da amostra), 22,1% possuem muito baixo volume de capitais e 42,8% têm baixo volume de capitais. Somente 11,1% dos alunos que já reprovaram têm alto volume de capitais A Figura 7 ilustra o mapa das categorias.

Figura 7:
Análise de Correspondência Múltipla entre Reprovação Volume de Capitais e Notas em Português E Matemática

A Dimensão 1 explicou 48,2% da variância dos dados, e a Dimensão 2 explicou 34,1%. Olhando para a Dimensão 1, as notas muito baixas estão associadas ao muito baixo volume de capitais e à existência de, pelo menos, uma ocorrência de reprovação escolar na trajetória do estudante. Há, também, associação entre as notas altas e o alto volume de capitais, além da oposição entre essas categorias e as modalidades muito baixo volume de capitais, nota muito baixa e já reprovou.

Por último, analisamos a relação entre a classe social e a cor da pele dos educandos. A Figura 8 traz uma análise de correspondência múltipla entre a cor da pele autodeclarada, as notas nas duas disciplinas avaliadas pelo Saeb 2013 e o volume de capital econômico e cultural.

Figura 8:
Análise de Correspondência Múltipla entre Cor da Pele Autodeclarada, Volume de Capitais e Notas em Português e Matemática

Na Dimensão 1, capaz de explicar 45,3% da variação dos dados, vemos uma associação entre as notas altas, o alto volume de capitais e a cor da pele branca. Vemos, no quadrante direito, uma associação entre as notas muito baixas, o muito baixo volume de capitais e a cor da pele preta. As distâncias entre essas modalidades associadas revelam uma oposição entre as categorias, o que pode assinalar a vinculação da cor da pele à classe social e aos distintos rendimentos educacionais. A Dimensão 2 explica 34,3% da variância, e mostra uma oposição semelhante, entre alto volume de capitais, notas altas e cor da pele branca com as notas baixas.

Entre os discentes brancos (34,1% da amostra), 10,9% possuem muito baixo volume de capitais e 35,8% possuem baixo volume - somados chegam a 46,7%. Quase a metade dos estudantes brancos está entre aqueles que possuem muito baixo ou baixo volume de capital econômico e cultural. Os brancos com alto volume de capitais totalizam 20,6%. Por outro lado, entre os jovens autodeclarados pretos (11,3% da amostra), temos 19,1% e 40,0% com muito baixo e baixo volume de capitais, respectivamente. Somados, os alunos autodeclarados pretos na faixa de baixo ou muito baixo acesso aos capitais econômico e cultural chegam a 59,1%. Os estudantes pretos que se situam na faixa de alto volume de capitais constituem apenas 11,2%. Os dados dos estudantes pardos (48,7% da amostra) são semelhantes aos dados dos estudantes pretos, assim como os dados dos indígenas (2,7% da amostra).

Considerações Finais

Neste artigo, vimos que classe social aparece quase sempre relacionada ao desempenho dos estudantes em matemática e língua portuguesa, no Brasil. Morar numa residência ampla, ter o hábito de leitura e uma alta escolaridade na família são condicionantes que impactam as proficiências dos discentes. Isso demonstra que as circunstâncias externas à escolarização seguem presentes na conformação das trajetórias práticas dos agentes (estudantes) que disputam posições no campo escolar.

Com o exame da influência da classe social nas notas dos educandos brasileiros, avaliados pelo Saeb 2013, mostramos que a dimensão objetiva de classe afeta os rendimentos dos alunos na educação básica, revelando a atualidade da temática para os debates acadêmicos e para as políticas educacionais. Mostrar as relações entre as classes sociais e o desempenho na escola não significa dizer que os problemas da educação são causados exclusivamente pela pobreza ou pela ausência de recursos por parte dos estudantes e suas famílias, mas alertar para o fato de que a escolarização, sozinha, ainda não conseguiu ou consegue evitar a reprodução das desigualdades sociais.

Os estudos sobre as desigualdades de classe e suas relações com a educação formal podem e devem seguir analisando as condições sociais de gênese e transmissão das disposições fundamentais para uma inserção eficiente nas lógicas dos estabelecimentos escolares. Investigar essas questões passa por uma agenda de pesquisa de cunho também qualitativo, que ambicione entender a formação dos processos de subjetividade/moralidade que perfazem os agentes e como esses agentes se relacionam com as interações próprias ao ambiente escolar.

Referências

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    A base de dados modificada, utilizada neste artigo, está disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0B7BXzpD4c9hqaVRUVEJEeDJjWmM/view?usp=sharing>
  • Editora-responsável: Fabiana Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2019
  • Aceito
    27 Jul 2020
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